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Complicação de derivação ventrículo-peritonial: hérnia inguinal com migração do cateter para o saco escrotal

CORRESPONDÊNCIA

Complicação de derivação ventrículo-peritonial: hérnia inguinal com migração do cateter para o saco escrotal

Vicente José Assencio-Ferreira

Doutor em Medicina (Neurologia) pela Universidade de São Paulo (USP), Professor Assistente Doutor da Universidade de Taubaté (UNITAU)

Senhor Editor - O relato de caso denominado ''Complicação de derivação ventrículo-peritoneal: hérnia inguinal com migração do cateter para o saco escrotal'', de José Gilberto de Brito Henriques, Andréa Silva Pinho e Geraldo Pianetti, publicado no volume 61, número 2-B, de junho de 2003, nas páginas 486 a 489, merece algumas considerações:

1. A hidrocele e a hérnia inguinal são complicações comuns associadas à derivação ventrículo-peritoneal (DVP) e a fisiopatologia foi muito bem discutida no presente artigo;

2. O diferencial deste relato foi a constatação da migração do cateter distal para dentro da bolsa escrotal;

3. Assim, o esperado é que os autores discutissem a fisiopatologia da ocorrência do evento ''migração do cateter para o saco escrotal'';

4. Mas isto não ocorreu. Toda a discussão versou sobre as causas das hidroceles e da hérnia inguinal.

5. No caso descrito, a resposta da provável razão da migração do cateter distal da DVP para dentro do saco escrotal está na figura 3, do próprio artigo, que apresenta os raios-X simples de abdome com o cateter anormalmente e desnecessariamente muito longo.

6. A comprovação de que o tamanho do cateter está exagerado pode ser visualizado na figura 4, do próprio artigo, onde se percebe o cateter com grande número de voltas.

7. É importante que este relato de caso seja re-discutido no seu aspecto mais essencial que é a migração do cateter. É preciso que, ao se realizar uma DVP, o neurocirurgião esteja consciente de que o comprimento muito longo do cateter distal proporcionará possibilidades maiores de complicações, especialmente as relacionadas com migrações para trato gastrointestinal, parede abdominal, bexiga, mediastino, vagina, tórax, entre outros1-5.

A justificativa para se optar por um cateter distal longo é de que, na maioria das vezes, a DVP é utilizada em crianças muito pequenas, com meses de vida. Com o crescimento normal da criança, o cateter com dimensões adequadas para o bebê, tornar-se-ia curto, sendo necessária sua substituição por um mais longo. Assim, para evitar uma revisão do sistema de DVP aos três ou quatro anos de idade, a opção pelo cateter longo traria benefícios. Entretanto, os movimentos peristálticos do trato intestinal e o processo vaginal patente (de ocorrência em cerca de 80% dos lactentes1, determinam que a opção por cateter muito longo, facilita o desenvolvimento de complicações por migração.

REFERÊNCIAS

1. Oktem IS, Akdemir H, Koç C, et al. Migration of abdominal catheter of ventriculoperitoneal shunt into the scrotum. Acta Neurochir (Wien) 1998;140:167-170.

2. Pianetti G Filho, Cabral G, Fonseca LF, Val JAC Filho. Perfuração vaginal como complicação de derivação ventrículo-peritoneal. Arq Neuropsiquiatr 1991;49:362-364.

3. Calvário JS, Paglioli E Neto. Hydrocele following placement of a ventriculoperitoneal shunt: case report. Arq Neurpsiquiatr 1990;48:113-115.

4. Tuli S, Drake J, Lawless J, Wigg M, Lamberti-Pasculli M. Risk factors for repeated cerebrospinal shunt failures in pediatric patients with hydrocephalus. J Neurosurg 2000;92:31-38.

5. Tuli S, O'Hayon B, Drake J, Clarke M, Kestle J. Change in ventricular size and effect of ventricular catheter placement in pediatric patients with shunted hydrocephalus. Neurosurgery 1999;45:1329-1333.

Resposta do Autor - Atendendo à sua solicitação de resposta à carta do Professor Assencio-Ferreira, ponderamos os seguintes pontos.

1. Independente de qualquer outro fator, a patência do processo vaginal – com ou sem a ocorrência de hérnia inguinal ou hidrocele – é condição sine qua non para a ocorrência da migração do cateter abdominal da DVP para a bolsa escrotal.

2. Alguns outros fatores já foram associados à migração do cateter para diversos locais dentro ou através da cavidade abdominal porém faltam-lhes ainda comprovação prática e científica.

3. O tamanho do cateter abdominal é um dos fatores relacionados por alguns autores (citados pelo Professor Assencio-Ferreira e em nossa revisão bibliográfica) que já foram relacionados à migração do cateter abdominal. Entretanto, em nenhum trabalho revisto na literatura vigente há comprovação científica desta relação de causa-efeito. O que ocorre é apenas o levantamento de uma hipótese.

4. Em relação ao comentário do Professor sobre a maior possibilidade de complicações com o ''comprimento muito longo do cateter distal'' pensamos que independendo da opção por um cateter ''curto'' ou ''longo'' é pouco provável que em um recém-nascido ou em um lactente escolha-se um comprimento mínimo que não seja possível atingir a bolsa escrotal do paciente. Acrescentando a este, o fato de que aproximadamente 80% dos lactentes possuem pelo menos um processo vaginal patente, a incidência de migração do cateter abdominal para a bolsa escrotal é muito pequena para ser associada a seu comprimento.

5. Por isso, o comprimento do cateter ainda varia com a escolha pessoal do cirurgião, pesando-lhe o bom senso e a experiência.

O comprimento do cateter distal da DVP não foi comprovado como causa de sua migração ou perfuração de vísceras.

Agradecemos a apreciação do Professor Assencio-Ferreira e colocamo-nos à disposição.

José Gilberto de Brito Henriques

Geraldo Pianetti Filho

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jan 2004
  • Data do Fascículo
    Dez 2003
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