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Tumor cerebral granulomatoso por paracoccidióide: A propósito de dois casos operados

Consultor neurológico do Instituto de Neurocirurgia de Porto Alegre (Rio Grande do Sul)

RESUMO

O autor apresenta dois casos operados de tumor cerebral granulomatoso - um de hemisfério cerebral e outro de cerebelo - causados pelo Paracoccidioides brasiliensis. Em ambos os casos o diagnóstico pré-operatório tinha sido de tumor cerebral, provavelmente glioma. Nada na anamnese nem no exame neurológico fazia suspeitar a verdadeira natureza do processo. Se bem que provàvelmente raros, estes "micomas solitários cerebrais" merecem considerações no diagnóstico diferencial neurocirúrgico em nosso meio.

SUMMARY

The author presents two cases operated on of granulomatous cerebral tumor - one of the cerebral hemisphere, and the other from the cerebellum - caused by Paracoccidioides brasiliensis. In both cases the preoperative diagnosis had been of brain tumor, probably glioma. Nothing in the anamnesis nor in the neurological examination gave any hints of the real cause of the disease. Even though probably rare, the solitary cerebral micomas deserve consideration when making a neurosurgical differential diagnosis in our country.

Em 1944 examinamos, a pedido do Prof. A. Saint Pastous, um cliente de 45 anos de idade, residente no Interior e que estava sendo submetido a rigoroso exame internista. Indicava-se o exame neurológico para maior elucidação do caso, muito especialmente porque o paciente se queixava de cefaléia crônica. Esta representava apenas uma única feição de um quadro obscuro e mal definido, composto de queixas ditusas e incaracterísticas, fazendo suspeitar vagamente a existência de uma lesão orgânica, talvez séria. A cefaléia, sintoma que motivara o exame neurológico e, praticamente e naquela época, único sintoma de interesse neurológico, não era muito intensa, mas bastante molesta. Predominantemente unilateral, a dor não apresentava, no entanto, as características da neuralgia ou da enxaqueca. Havia exacerbação franca pela manhã. Pensamos, muito naturalmente, na possibilidade de uma hipertensão craniana e orientamos o exame neurológico de acordo. Este, no entanto, foi pouco expressivo. Fizeram-se ainda radiografias de crânio e estudos repetidos do fundo do olho, tudo sem que se obtivesse qualquer dado patológico significativo. Em face da negatividade de todos estes exames, inclinamo-nos a afastar a hipótese aventada de hipertensão craniana e a pensar numa possível causa extracrâníana da cefaléia, p. ex., um glaucoma latente. Enquanto as pesquisas ottaimológicas em torno desta segunda hipótese prosseguiam, perdemos o paciente de vista.

Umas três semanas mais tarde, fomos convidados para ver novamente o paciente em conferência com o médico de família, que acabava de chegar do Interior. Mostrava-se este alarmado com o aparecimento de certos sintomas de decadência mental no paciente, representados por pequenos desvios de conduta e lapsos de memória surpreendentes. Já então voltamos a pensar num processo tumoral possível mas, cedendo a uma certa pressão por parte do colega, que se inclinava - não sem argumentos - para o lado da neurolues, fizemos a punção lombar para exame de liquor. Este foi negativo sob todos os aspectos - químico, citológico e sorológico (Lab. Geyer). Mesmo assim, concordamos com o tratamento antiluético de prova. O paciente voltou para o Interior e talvez nunca mais tivéssemos tido oportunidade de revisar o diagnóstico, não tivesse ele sido, quase acidentalmente, submetido a novo exame de fundo de olho na cidade onde residia. Este exame revelou, pela primeira vez, sinais inconfundíveis de estase papilar incipiente. Em face deste achado, o paciente foi de imediato reconduzido a Porto Alegre e tornou a ser por nós examinado, já agora como caso claro de hipertensão craniana.

A situação mental se havia agravado consideravelmente neste curto ínterim de uns 10 dias. O exame neurológico, por sua vez, agora revelava sinais discretos, mas seguros de uma hemiparesia à esquerda. Em face da agravação rápida, o neurocirurgião (Prof. Paglioli), em conferência com todos os médicos que até então haviam visto o doente, optou pela intervenção imediata.

Feita uma ventriculografia prévia, concluiu-se definitivamente pela existência de tumor frontal ou frontotemporal à direita. A intervenção foi iniciada com o paciente já em estado pré-comatoso e com o único intuito de não perder a possibilidade, embora remota, de um tumor accessível e operável. Feita a exploração cuidadosa de toda a região frontal e frontotemporal sem que se encontrassem indícios de um tumor extracerebral, ficou resolvido dar-se a intervenção provisoriamente por terminada, deixando amplíssima descompressiva. O estado geral do paciente decidiria sobre a possibilidade de um segundo tempo operatório. Infelizmente, no pós-operatório o coma agravou-se e o paciente faleceu.

Retrospectivamente, o diagnóstico do caso nos pareceu perfeitamente claro. Tumor intracraniano em indivíduo de 40 a 50 anos, com evolução rápida e sintomatologia progressiva de perturbação mental é, quase infalivelmente, um glioblastoma multiforme ou - empregando termo menos científico, mas muito mais sugestivo - um glioma maligno. O desfecho não fizera senão confirmar este diagnóstico. A verificação anatômica, portanto, não podia surpreender, pois revelou o que, macroscopicamente, parecia ser um glioblastoma multiforme típico, localizado na profundida do hemisfério direito, próximo aos gânglios da base e, portanto, inaccessível ao bisturi.

Estavam assim fechados os autos sobre o caso e, só muitíssimo mais tarde, fomos, acidentalmente, obrigados a modificação completa do nosso diagnóstico. É que - depois da inauguração do atual Serviço do Instituto de Neurocirurgia, no Pavilhão São José - o Dr. Paulo Becker, encarregando-se dos estudos histopatológicos, resolveu rever e reclassificar as peças existentes, e assim verificou que, por motivos ignorados, não havia sido feito o exame histopatológico do nosso caso. Feito este, constatou o Dr. Becker, para grande surpresa de todos, que o suposto glioblastoma era, na verdade, um tumor granulomatoso de natureza micótica. Vejamos o relatório original do Dr. Paulo Becker:

"Pelo exame do material, vemos que a textura cerebral acha-se quase totalmente substituída por um tecido fibrocolágeno, que deixa ver, entre as suas fibras, às vezes muito afastadas por edema, verdadeiros ninhos, dentro dos quais encontramos grande numero de corpúsculos mais ou menos esféricos, birrefringentes e de tamanho diverso, cercados por polimorfonucleares, constituindo pequenos microabscesses. Noutras áreas, vemos um tecido de granulação procurando isolar pequenos arranjos granulomatoses espiralados contendo uma ou mais células gigantes multinucleadas, dentro das quais são evidenciados, distintamente, os mesmos corpúsculos esféricos birrefringentes de tamanho diverso. Linfócitos e plasmócitos são vistos infiltrando todo o tecido anômalo, às vezes tomando o aspecto de pequenos acúmulos linfocitóides. Existem células histiocitárias em abundância, sem disposição típica. Há grandes áreas de necrose dispersas por todo o campo. Diagnóstico histopatológico: Blastomieose cerebral (por Lutsiomyces histosporocel-lularis ou Paracoccidioides brasiliensis)".

Em parêntese, cumpre frisar que o diagnóstico correto do caso, em vida, em nada teria beneficiado o paciente, pois, até hoje, não dispomos de terapêutica adequada para o tratamento quimioterápico de casos desta natureza. Cremos que, mesmo conhecedores do diagnóstico verdadeiro, não poderíamos, em circunstâncias tão graves, ter feito outra cousa senão a descompressiva de urgência.

Um ano após este primeiro, tivemos o ensejo de observar um segundo caso de pseudo-tumor cerebral por granuloma paracoecidióidico. Trata-se de um caso observado no Instituto de Neurocirurgia em maio do corrente ano, sob o n.° de registro 516. F. D., com 48 anos de idade, residente em Passo Fundo, homem trabalhador e de muita saúde, começara, em setembro de 1945, a apresentar alguma modificação de caráter e de hábitos. Mostrava-se ele menos sério, corn tendência a brincadeiras insólitas e descurava um tanto dos seus negócios. Só dois meses mais tarde, porém, começou a queixar-se de dores de cabeça, de início espaçadas e passageiras, mas já o obrigando ao uso da aspirina ou similares. A sede principal da dor era occipital e suboccipital. Em dezembro de 1945 o paciente começou a ter, além de cefaléia, perturbações do equilíbrio e não pôde mais trabalhar. Em janeiro de 1946 começou a ter os seus primeiros vômitos. Aos poucos, as dores occipitonucais se tornaram mais intensas, com predominância matinal franca. Em março, F. D. baixou ao Hospital de Passo Fundo. Quando lá esteve, apresentou, durante apenas dois dias, febre elevada e teria posto, pelo nariz, pus e sangue. De resto, a cefaléia e a falta de equilíbrio foram-se acentuando e o paciente foi encaminhado ao Instituto de Neurocirurgia, onde baixou em maio de 1946.

Nesta época, o paciente apresentava perturbação intensa do equilibrio a ponto de não se poder manter de pé e nem mesmo sentado. Existia, no entanto, apenas leve nistagmo com componente rotatória. Reflexos tendinosos quase abolidos, com predominância dos direitos sobre os esquerdos. Papila de estase franca em ambos os olhos, com perfeita conservação da visão. O campo de visão não pôde ser examinado.

Eram estes, em resumo, os principais dados do exame neurológico e que foram, naturalmente, interpretados como indicativos de um processo hipertensivo craniano de tipo andar posterior. Apenas a modificação psíquica não se enquadrava bem neste diagnóstico. Sem o característico embotamento mental tão freqüente nos tumores cerebrais em estado avançado, o paciente, bastante lúcido, apresentava uma euforia jocosa, "frontal". Acresce que o paciente urinava-se com relativa freqüência, sem que esta incontinência urinária encontrasse justificação no seu estado de consciência - que era de lucidez - sintoma este que também nos parece característico da localização frontal. Essa impressão "frontal" franca, em coexistência com um quadro maciço de andar posterior, nos levou a observar o caso com especial atenção por pensarmos na possibilidade de algum processo plurifocal, metastático ou inflamatório. A temperatura, observada cuidadosamente durante quatro dias, de duas em duas horas, não apresentou - nem nestes dias de rigorosa fiscalização, nem nos restantes 13 dias do pré-operatório com as duas tomadas usuais - a mínima elevação, não passando nunca de 36,8°C. Radiografias do pulmão nada revelaram de patológico. O hemograma foi normal, e assim também o foram a reação de Wassermann e congêneres. O exame otorrinológico - feito em face das informações sobre a descarga mucopurulenta que tivera no hospital de Passo Fundo - também nada revelou. Apenas a sedimentação globular apresentou algum aumento em duas verificações consecutivas: 14 e 37 na primeira e segunda hora, respectivamente (segundo Westergreen).

Para maior segurança do diagnóstico, foi feita a ventriculografia, que revelou franca dilatação simétrica dos ventrículos laterais com visibilidade do terceiro ventrículo, também dilatado. O exame de liquor, colhido por ocasião da punção ventricular, foi perfeitamente normal ao exame químico, citológico e sorológico (Lab. Geyer).

Uma vez assegurada pela ventriculografia a existência de processo do andar posterior, ficou resolvida a intervenção, que foi praticada em 31 de maio de 1946 pelo Prof. Paglioli, servindo de assistentes os Drs. Henrique Herédia e Tasso Vieira de Faria. Passamos a copiar a parte do relatório cirúrgico, que nos interessa: "Rebatido o retalho, a fossa cerebelosa, coberta por sua meninge dural, se apresentava tensa e desprovida de batimentos. Abertura da dura-máter na linha mediana, após pinçamento do seio occipital posterior, secção da foice do cerebelo, prolongamento bilateral da incisão dura-materiana, ficando expostos assim os dois lobos cerebelosos. Encontrou-se, então, o seguinte: Desvio da cisura interlobar para a D, apresentando-se, por conseqüência, muito aumentado o lobo esquerdo. Diatermocoagulação de vasos da superfície do lobo, de modo a delimitar uma zona extensa. Incisão sobre esta com direção horizontal. Após abertura do córtex cerebeloso, chegou-se a sentir a resistência de uma superfície dura, contrastando com a consistência mole, característica do cerebelo normal. Por meio da espátula, foi separado e extirpado um grande tumor de superfície nodular, contido na intimidade do lobo cerebelar. Este tumor media 4,5 cms. no seu maior diâmetro e 3 cms. nos outros dois" (Dr. Herédia).

O operador, portanto, terminou a intervenção convencido de ter enucleado um tumor. O exame posterior da peça, porém, uma vez feito um corte longitudinal, revelou a existência de uma parte central mole, semilíqüida, de cor amarelada, dando ao todo o aspecto de um abscesso ou de uma goma. Só o exame histopatológico do suposto abscesso ou goma revelou sua verdadeira natureza. Vejamos o relatório do Proí. Paulo Tibiriçá:

"Fragmento de tecido, arredondado, de superfície nodosa, medindo cerca de 4 x 3,8 x 3 cms. Cor parda amarelada clara. Ao corte, verifica-se que é constituído por substância cinzenta, ligeiramente esverdeada, em desintegração na Parte central e envolta por cápsula branca acinzentada brilhante. Ao exame microscópico, há uma porção central necrótica, onde se reconhecem sombras de fibras colágenas, vasos, etc. Na periferia, há tecido de granulação rico em histiócitos e gigantócitos de citcplasma vacuolizado, contendo numerosos exemplares de Paracoccidioides brasiliensis. Há também linfócitos e plasmócitos, assim como proliferação conjuntiva. Diagnóstico: Granuloma paracoccidióidico (forma gomóide). Nota: Embora a forma gomóide tenha sido descrita só no gânglio, acho possível aplicá-la em caso de cerebelo".

O pós-operatório, perfeitamente normal quanto à parte neurocirúrgica, caracterizou-se pelo aparecimento de sintomatologia respiratória, acompanhada de febre remitente-intermitente a partir do sexto dia. Não foi possível obter escarro para exame laboratorial e tampouco foi possível, por motivos alheios à nossa vontade, fazer uma radiografia do pulmão. O hemograma, nesta época febril, apresentava leucocitose de 10.000 por mm3, com 33% de formas em bastonetes. Este desvio à esquerda era a única anomalia existente. O efeito da penicilina sobre este quadro pulmonar não foi evidente e só após associação desta com a sulfamida é que a febre cedeu, no 14.° dia do pós-operatório. O paciente teve alta no vigésimo dia, apirético e em condições satisfatórias. Ficamos em dúvida se deveríamos pensar numa forma de micose pulmonar.

Neste segundo caso temos, à luz do exame histológico, o direito, como no primeiro, de falar em granuloma. A diferença entre os dois casos está, apenas, no fato de haver, no segundo, necrose e liqüefação da massa central, dando à peça um aspecto tão sugestivo que o Prof. Tibiriçá, conforme acaba de nos repetir, acreditou, pelo aspecto macroscópico, tratar-se de uma goma.

COMENTÁRIOS

Apresentamos dois casos de aparente tumor cerebral formado por tecido inflamatório, granulomatoso, rico em histiócitos e gigantócitos, devido à presença de um cogumelo perfeitamente conhecido em nosso meio - sobretudo através dos trabalhos de Floriano de Almeida, em São Paulo e de Adolfo Lutz, Olímpio da Fonseca e outros em Manguinhos - e que é o Paracoccidioides brasiliensis, segundo a nomenclatura do primeiro, ou o Lutziomyces histosporocehüaris, segundo a escola de Manguinhos. Em nenhum dos dois casos verificamos qualquer sintomatologia que nos levasse a pensar em processo não-tumoral e em nenhum dos dois há qualquer suspeita ou idéia quanto à porta de entrada do cogumelo ou quanto a alguma fase de infecção generalizada. O primeiro paciente era morador de cidade, o segundo vivia no campo.

Em ambos os casos houve perturbação psíquica, discreta num, e do tipo frontal, intensa - sobretudo sub finem - no outro, e menos característica. Tais estados não nos são estranhos em neurocirurgia. Conhecemos sobretudo os estados confusionais como bastante característicos dos gliomas malignos. Não representa, portanto, o factor psíquico nenhum elemento para o diagnóstico diferencial nos nossos casos.

Na prática neurocirúrgica, tais casos se comportam como tumores cerebrais, apesar de não o serem histológica e etiologicamente. Cushing previu, na sua estatística, o grupo dos tumores granulomatoses, pensando, parece, exclusivamente nos tubérculos e nas gomas: "None of them is truly neoplastic in the accepted meaning of the term, though they offer problems, diagnostic and surgical, which not only resemble those presented by actual tumors but in some regards are even more difficult to solve". Os nossos dois casos se enquadram, sem dúvida, perfeitamente bem neste grupo dos tumores granulomatosos. Quem estudar a estrutura íntima dos tubérculos e das gomas, ou - digamos antes, em linguagem anátomo-patológica mais apurada - dos tuberculomas e dos sifilomas, reconhecerá, de imediato, a grande semelhança destas tumorações entre si e com os produtos análogos de natureza micótica. Em grandes linhas, é sempre o mesmo tecido granulomatoso, rico em histiócitos e em gigantócitos, que caracteriza as lesões, de modo que - sem receio de simplificar e esquematizar exageradamente - podemos classificar os granulomas de natureza micótica ao lado dos tuberculomas e dos sifilomas, sob o termo de "micomas" (o termo "micetoma" já existe e está prejudicado). É claro que estes casos são verdadeiramente "neurocirúrgicos" quando não somente são suficientemente grandes, mas sobretudo quando, como os nossos, são "solitários", isto é, praticamente únicos. A terminologia antiga de "Solitártuberkel"' (Oppenheim), p. ex., para a espécie tuberculosa, não deixa de ter vantagens práticas. Os nossos casos passariam a ser rubricados como "micomas solitários cerebrais ou cerebelares".

A estatística de Cushing contém 45 (2,2%) "tumores granulomatoses", sendo 33 tuberculosos e 12 sifilíticos, sobre um total de 2.000 tumores histologicamente verificados. Nos quase 15 anos em que vimos acompanhando a atividade neurocirúrgica de Eliseu Paglioli, o grupo "tumores granulomatosos" de sua estatística permanecera vazio. Não chegamos a ver, entre muitos e muitos casos, um único sequer, dos famosos tubérculos solitários, nem das ainda mais famosas gomas cerebrais, nem tampouco tivemos ensejo de recusar intervenções, em casos de sintomatologia -"tumoral" clara, por suspeitarmos processos deste gênero. Parece que, entre nós, quanto ao tuberculoma cerebral, passa-se a mesma cousa que se observa em toda parte: ele tende a desaparecer. Longe estamos das estatísticas de há uns 40 ou 50 anos atrás, quando os granulomas tuberculosos, especialmente do cerebelo, perfaziam percentagem apreciável do total das autópsias. A mesma cousa, porém, também parece passar-se com as formas gomosas ou, corretamente falando, com as gomas solitárias cerebrais de sintomatologia tumoral. Dos casos - e não foram poucos - que no correr dos anos nos foram apresentados como possíveis gomas cerebrais deste tipo, nem um único resistiu ao exame crítico e anatômico. A grande maioria destas supostas gomas eram tumores cerebrais genuínos, perfeitamente diagnosticáveis e, muitas vezes, operáveis com êxito.

Com os dois casos de tumores granulomatosos de natureza paracocidióidica, que, por singular acaso, foram observados em curto espaço de tempo no Instituto de Neurocirurgia de Porto Alegre, apresenta-se, para nós, um novo problema neurocirúrgico. Será que devemos contar, para o futuro, seriamente, com um número apreciável de casos desta natureza em nosso material neurocirúrgico?

W. E. Maffei, vivendo no Estado (São Paulo) que maior número de paracoccidioidcses tem fornecido, publicou em 1943 um caso cerebral, que êle considera o primeiro observado no Brasil. Este caso, porém, acompanhou-se de meningite mortal e, portanto, não é comparável aos nossos. Conhecem-se, por outra, publicações várias norte-americanas sobre granulomas cerebrais pelo Coccidioides immitis, irmão mais velho do nosso Paracoccidioides brasiliensis. Tudo, porém, faz pensar que a generalização precoce, o "secundarismo", responsável pela formação de metastases em órgãos, não é freqüente nestas micoses. Isto e o fato de, por ora, ainda ser baixo o número absoluto destas afecções em nosso meio, nos levam a ver nos casos apresentados achados excepcionais. Tais considerações, porém, não dispensam o estudo consciencioso do problema e a inclusão definitiva do granuloma micótico em nossas considerações de diagnóstico diferencial neurocirúrgico.

Trabalho lido no Congresso Sul-Riograndense de Medicina realizado em outubro de 1946 em Santa Maria. Entregue para publicação em junho de 1948.

Rua Padre Chagas, 330 - Porto Alegre - Rio Grande do Sul

Nota do Autor - Esta comunicação, de caráter puramente casuístico, foi apresentada há cerca de ano e meio ao Congresso Médico Estadual realizado em outubro de 1946, em Santa Maria (R. G. S.). Em abril de 1947, ouvimos, no II Congresso Sul-Americano de Neurocirurgia, em Santiago do Chile, a leitura de interessante trabalho de Matera (B. Aires) sobre casos semelhantes (infelizmente não recebemos, até hoje, a publicação) e, simultâneamente, no próprio Congresso, folheando o número dos Arquivos de Neuro-Psiquiatria de março de 1947, encontramos o trabalho de Lacaz, Lamartine de Assis e T. Bittencourt (São Paulo), sobre as micoses do sistema nervoso. Não tendo sido, até hoje, impressas as Atas do Congresso de Santa Maria, resolvemos publicar esta despretenciosa comunicação nos mesmos Arquivos como contribuição a tão interessante e exaustivo trabalho.

  • Tumor cerebral granulomatoso por paracoccidióide. A propósito de dois casos operados

    Frederico H. Ritter
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Fev 2015
    • Data do Fascículo
      Dez 1948
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