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Guia de manejo clínico do paciente com HTLV: aspectos neurológicos

Guide of clinical management of HTLV patient: neurological aspects

Resumos

O Ministério da Saúde (Programa DST e Aids) reuniu especialistas para elaborar um guia informativo de manejo do paciente com HTLV. Dentre os diferentes tópicos, foram contemplados os aspectos neurológicos associados à infecção pelo HTLV. Um caso suspeito de doença neurológica associada ao HTLV deve incluir alteração de força e reflexos, parestesias distais e disfunção autonômica. A investigação do caso suspeito deve ser baseada na síndrome exibida pelo paciente. Para o paciente com síndrome medular, deve-se solicitar ressonância magnética da medula ou mielografia, assim como, estudo do líquor. Para o paciente com síndrome neuropática ou miopática, deve-se solicitar eletroneuromiografia e dosagem de CPK, e para aquele com síndrome autonômica, pesquisa de hipotensão postural, ultrassonografia das vias urinárias e estudo urodinâmico. O tratamento pode ser sintomático (espasticidade, bexiga neurogênica, constipação intestinal e dor neuropática) e específico a ser feito em centros especializados.

Ministério da Saúde; HTLV; neurologia; investigação clínica; tratamento


The Brazilian Ministry of Health (STD and Aids Program) invited specialists to make up an informative guide to deal with HTLV patients. Among the different topics, the neurological aspects associated to HTLV were contemplated. A suspected case should include changes in force and reflexes, distal paresthesiae and autonomic dysfunction. The investigation of such case should be based on the syndrome shown by the patient. For patients with spinal cord syndrome, magnetic resonance imaging or myelography as well as spinal fluid studies should be carried out. For patients with neuropathic or myopathic syndrome, electroneuromyography and CPK dosing should be done, and for those with autonomic syndrome, a search for postural hypotension, ultrasonography of urinary tract and urodynamic studies should be requested. The treatment may be symptomatic (spasticity, neurogenic bladder, intestinal constipation and neuropathic pain) and specific to be carried out in specialized centers.

Ministry of Health; HTLV; neurology; clinical investigation; treatment


Guia de manejo clínico do paciente com HTLV: aspectos neurológicos

Guide of clinical management of HTLV patient: neurological aspects

Carlos Maurício de Castro-CostaI; Abelardo Queiroz-Campos AraújoII; Márcio Menna-BarretoIII; Augusto César Penalva-de-OliveiraIV; Membros da Equipe Técnica do Programa Nacional de DST e Aids do Ministério da Saúde# # Demais Membros da Equipe Técnica do PN-DST/Aids do Ministério da Saúde; Aluísio Augusto Cotrim Segurado, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP); Antônio Carlos Rosário Valinoto, Universidade Federal do Pará; Carlos Brites, Universidade Federal da Bahia; Cristine Ferreira, PN-DST/Aids, Ministério da Saúde, Brasília; Denise Arakaki, PN-DST/Aids, Ministério da Saúde, Brasília; Ester Cerdeira Sabino, Fundação Pró-Sangue, Hemocentro de São Paulo; Jorge Casseb, Instituto de Infectologia Emílio Ribas e Faculdade de Medicina da USP; Josué Nazareno de Lima, PN-DST/Aids, Ministério da Saúde, Brasília; Maria Pombo de Oliveira, Instituto Nacional do Câncer, Rio de Janeiro; Orlando C. Ferreira Jr., Departamento de Hemoterapia do Hospital Israelita Albert Einstein; Paula Loureiro, Hemope, SES-PE; Ricardo Ishak, Universidade Federal do Pará

IMD, PhD, Serviço de Neurologia/HUWC/UFC / Lab. de Neurologia Experimental e Neurofisiologia/DFF/UFC Fortaleza CE, Brasil

IIMD, PhD, Fiocruz, Rio de Janeiro RJ, Brasil

IIIMD, PhD, Pontifícia Universidade Católica, Porto Alegre RS, Brasil

IVMD, PhD, Instituto de Infectologia Emílio Ribas, São Paulo SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Dr. Carlos Maurício de Castro Costa Laboratório de Neurologia Experimental e Neurofisiologia/DFF/UFC Rua Cel. Nunes de Melo 1127 60430-270 Fortaleza CE - Brasil E-mail: mcastro@ufc.br

RESUMO

O Ministério da Saúde (Programa DST e Aids) reuniu especialistas para elaborar um guia informativo de manejo do paciente com HTLV. Dentre os diferentes tópicos, foram contemplados os aspectos neurológicos associados à infecção pelo HTLV. Um caso suspeito de doença neurológica associada ao HTLV deve incluir alteração de força e reflexos, parestesias distais e disfunção autonômica. A investigação do caso suspeito deve ser baseada na síndrome exibida pelo paciente. Para o paciente com síndrome medular, deve-se solicitar ressonância magnética da medula ou mielografia, assim como, estudo do líquor. Para o paciente com síndrome neuropática ou miopática, deve-se solicitar eletroneuromiografia e dosagem de CPK, e para aquele com síndrome autonômica, pesquisa de hipotensão postural, ultrassonografia das vias urinárias e estudo urodinâmico. O tratamento pode ser sintomático (espasticidade, bexiga neurogênica, constipação intestinal e dor neuropática) e específico a ser feito em centros especializados.

Palavras-chave: Ministério da Saúde, HTLV, neurologia, investigação clínica, tratamento.

ABSTRACT

The Brazilian Ministry of Health (STD and Aids Program) invited specialists to make up an informative guide to deal with HTLV patients. Among the different topics, the neurological aspects associated to HTLV were contemplated. A suspected case should include changes in force and reflexes, distal paresthesiae and autonomic dysfunction. The investigation of such case should be based on the syndrome shown by the patient. For patients with spinal cord syndrome, magnetic resonance imaging or myelography as well as spinal fluid studies should be carried out. For patients with neuropathic or myopathic syndrome, electroneuromyography and CPK dosing should be done, and for those with autonomic syndrome, a search for postural hypotension, ultrasonography of urinary tract and urodynamic studies should be requested. The treatment may be symptomatic (spasticity, neurogenic bladder, intestinal constipation and neuropathic pain) and specific to be carried out in specialized centers.

Key words: Ministry of Health, HTLV, neurology, clinical investigation, treatment.

Ao longo de 2002 e 2003, o Ministério da Saúde, através do Programa Nacional de DST e Aids (PN-DST/Aids) reuniu, por várias vezes, em Brasília, um grupo de pesquisadores brasileiros de HTLV, inclusive neurologistas, com o objetivo fundamental de elaborar um guia informativo para os diferentes profissionais de saúde sobre o retrovírus HTLV e suas implicações clínicas, epidemiológicas e de saúde pública. O conteúdo desse guia contempla os seguintes aspectos: histórico dos retrovírus I e II, descrição do HTLV, situação taxonômica do HTLV, epidemiologia, mecanismos de transmissão, patogenia, doenças e síndromes associadas à infecção pelo HTLV, abordagem clínica do paciente infectado pelo HTLV e diagnóstico laboratorial do HTLV. Dentre as condições clínicas, deu-se ênfase à leucemia/linfoma de células T do adulto (LLcTA) e aos aspectos neurológicos associados ao HTLV. Esse guia foi finalmente publicado em 2004 (Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Programa Nacional de DST e Aids) e pode ser obtido através dos seguintes endereços eletrônicos: editora.ms@saude.gov.br, aids@aids.gov.br ou http://www.aids.gov.br.

Considerando apenas os aspectos neurológicos do guia, objetivamos tornar público para a comunidade neurológica as orientações e informações sobre identificação, investigação, diagnóstico e tratamento dos pacientes portadores de mielopatias ou outras expressões neurológicas associadas ao retrovírus HTLV-I ou II. Várias manifestações neurológicas foram descritas em indivíduos infectados pelo HTLV-I. A paraparesia espástica tropical/mielopatia associada ao HTLV-I (PET/MAH) costuma acometer mais mulheres e adultos jovens, entretanto, nenhuma faixa etária encontra-se livre de adoecer. É caracterizada por acometimento insidioso e progressivo de fraqueza muscular nos membros inferiores e espasticidade, associada em grau variado a distúrbios esfincterianos e sensitivos. A Tabela 1 resume as principais manifestações de PET/MAH. Menos freqüentemente, podem surgir outras síndromes listadas na Tabela 2. Essas síndromes têm um substrato patogênico distinto da LLcTA. Histopatologicamente, observa-se um processo inflamatório crônico, à custa de infiltração linfocitária. No caso específico da PET/MAH, os elementos inflamatórios celulares são, ao longo do tempo, substituídos por degeneração da substância branca e reação glio-mesenquimal. Nesses casos, o sítio de maior acometimento é a medula torácica baixa, embora todo o neuro-eixo possa estar envolvido. Segundo dados da literatura, menos de 5% dos infectados irão desenvolver, ao longo de suas vidas, PET/MAH. Ainda não se conhecem com exatidão os mecanismos pelos quais um portador assintomático do vírus evolui para doença.

Abordam-se, a seguir, algumas questões de ordem prática.

Quando encaminhar ao neurologista clínico um caso suspeito de doença neurológica associada ao HTLV

Todos os indivíduos sabidamente infectados e que apresentem sinais e/ou sintomas incipientes ou estabelecidos de envolvimento do sistema nervoso central ou periférico, tais como (um ou mais dos abaixo):

i. fraqueza muscular predominando nos membros inferiores, com reflexos profundos aumentados, com ou sem clono e sinal de Babinski; fraqueza muscular generalizada, com ou sem mialgias, associada, ou não, à diminuição de reflexos profundos;

ii. dormências ou formigamentos de predomínio distal nos membros superiores e/ou inferiores;

iii. disfunção autonômica caracterizada por distúrbio miccional (aumento da freqüência urinária, urgência, incontinência, disúria, jato fraco ou intermitente e sensação de esvaziamento incompleto da bexiga), distúrbio intestinal (constipação ou incontinência) e disfunção erétil.

Como investigar um caso suspeito de acometimento neurológico pelo HTLV

a. História e exame neurológico indicando uma ou mais, das seguintes síndromes completas ou incompletas:

i. síndrome medular (diminuição de força, reflexos profundos e tono muscular aumentados, clono, sinal de Babinski e disfunção esfincteriana, diminuição de sensibilidade profunda)

ii. síndrome neuropática periférica (diminuição de força distal das extremidades, reflexos profundos e tono muscular diminuídos e distúrbio de sensibilidade nas porções distais das extremidades);

iii. síndrome muscular (diminuição de força proximal dos membros, tono muscular diminuído, sensibilidade normal e reflexos profundos usualmente normais);

iv. síndrome autonômica (disfunção esfincteriana e erétil, hipotensão postural e distúrbios da sudorese).

b. Exames complementares deverão ser solicitados de acordo com o quadro clínico apresentado pelo paciente, a saber:

i. síndrome medular: 1. ressonância magnética ou mielografia de todo o canal medular; 2. exame do líquido cefalorraquidiano (LCR) com, no mínimo, testagem para a presença de anticorpos anti-HTLV, celularidade global e específica, dosagem de proteínas totais.

ii. síndrome neuropática periférica: 1. eletroneuromiografia dos membros superiores e inferiores.

iii. síndrome muscular: 1. eletroneuromiografia dos membros superiores e inferiores; 2. dosagem de creatinofosfoquinase sérica - CPK.

iv. síndrome autonômica: 1. pesquisa de hipotensão postural com manobras desarmadas ou teste da mesa de inclinação (tilt-table test)*; [Manobras desarmadas envolvem a mensuração da pressão arterial (PA) com o paciente deitado, sentado e de pé, anotando-se quedas significativas da PA, associadas a sintomas sincopais; o mesmo se aplica ao teste da mesa de inclinação, em que se monitoriza continuamente a PA e o ECG enquanto o paciente permanece deitado em uma maca especial com mecanismo de angulação motorizado da sua cabeceira; 2. ultrassonografia de vias urinárias; 3. estudo urodinâmico.

Critérios para o diagnóstico de doenças neurológicas associadas ao HTLV

a. Infecção pelo HTLV, comprovada por métodos sorológicos e/ou moleculares no sangue periférico;

b. Indivíduos que apresentem uma ou mais das síndromes mencionadas no item anterior (comprovadas clínica e laboratorialmente), tendo-se o cuidado de investigar outras doenças com quadro clínico similar (vide a seguir): mielopatias traumáticas ou compressivas; tumores medulares; esclerose múltipla; doenças do neurônio motor; deficiência de vitamina B12 ou folato; neurossífilis; mielopatia em pacientes co-infectados pelo HIV-1; neuroesquistossomose; colagenoses; doenças neurológicas geneticamente determinadas (e.g.: adrenomieloneuropatias, paraparesia espástica familiar, doença de Charcot-Marie-Tooth, etc); etilismo crônico, uremia, diabetes mellitus, disfunções tireoideanas, intoxicações exógenas, paraneoplasias.

Tratamento das manifestações neurológicas

Os pacientes com manifestações neurológicas comprovadamente associadas ao HTLV deverão ser, idealmente, acompanhados em serviço médico que disponha de neurologista clínico.

a. Tratamento geral e sintomático

No que diz respeito ao tratamento sintomático da paresia, com intuito de melhorar a força, manter a musculatura ativa, evitando a atrofia e contraturas, fica sugerido: Fisioterapia: fortalecimento dos membros superiores e do tronco; treinamento de equilíbrio estático e dinâmico; manobras de relaxamento muscular (e.g., alongamento de isquio-tibiais e adutores); melhora da amplitude articular; treinamento de marcha; uso de órteses, quando necessário; nos cadeirantes: terapia ocupacional.

Quanto ao tratamento sintomático da espasticidade, com a finalidade de melhorar a mobilidade, sugere-se o uso de: Baclofeno VO 10-80 mg/dia e/ou Tizanidina VO 4-16 mg/dia e/ou Diazepam VO 5-40 mg/dia e/ou toxina botulínica intramuscular na musculatura dos membros inferiores (particularmente nos músculos adutores).

O tratamento sintomático da bexiga neurogênica, inclui: Cateterização vesical intermitente de 4/4 ou de 6/6 horas, objetivando um volume residual inferior a 500 ml; Oxibutinina 5-15 mg VO/dia ou Imipramina 10-75mg VO/dia; idealmente os pacientes devem ser submetidos a estudo urodinâmico e avaliação urológica; Profilaxia de infecções urinárias: Nitrofurantoína 100 mg VO/dia ou Norfloxacina 400 mg VO/dia, dentre outros.

O tratamento para os sintomas decorrentes da constipação intestinal crônica inclui: Avaliação nutricional, objetivando uma dieta anticonstipante, rica em fibras e com elevado teor hídrico; mucilóide psyllium ou óleo mineral VO 1-3 vezes ao dia, dentre outros.

Dores neuropáticas de origem medular, radicular ou neural periférica: Amitriptilina, Nortriptilina ou Imipramina 25-150 mg VO/dia; Gabapentina 900-1800 mg VO/dia; Carbamazepina VO 400-1200 mg/dia; Hidantoína VO 200-300 mg/dia.

b. Tratamento específico

Não há consenso na literatura acerca da existência de um tratamento específico comprovadamente eficaz para as manifestações neurológicas do HTLV. Está sugerida, nessa circunstância, o encaminhamento para centros especializados.

Recebido 5 Fevereiro 2005. Aceito 22 Fevereiro 2005.

  • Endereço para correspondência

    Dr. Carlos Maurício de Castro Costa
    Laboratório de Neurologia Experimental e Neurofisiologia/DFF/UFC
    Rua Cel. Nunes de Melo 1127
    60430-270 Fortaleza CE - Brasil
    E-mail:
  • #
    Demais Membros da Equipe Técnica do PN-DST/Aids do Ministério da Saúde; Aluísio Augusto Cotrim Segurado, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP); Antônio Carlos Rosário Valinoto, Universidade Federal do Pará; Carlos Brites, Universidade Federal da Bahia; Cristine Ferreira, PN-DST/Aids, Ministério da Saúde, Brasília; Denise Arakaki, PN-DST/Aids, Ministério da Saúde, Brasília; Ester Cerdeira Sabino, Fundação Pró-Sangue, Hemocentro de São Paulo; Jorge Casseb, Instituto de Infectologia Emílio Ribas e Faculdade de Medicina da USP; Josué Nazareno de Lima, PN-DST/Aids, Ministério da Saúde, Brasília; Maria Pombo de Oliveira, Instituto Nacional do Câncer, Rio de Janeiro; Orlando C. Ferreira Jr., Departamento de Hemoterapia do Hospital Israelita Albert Einstein; Paula Loureiro, Hemope, SES-PE; Ricardo Ishak, Universidade Federal do Pará
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Jul 2005
    • Data do Fascículo
      Jun 2005

    Histórico

    • Aceito
      22 Fev 2005
    • Recebido
      05 Fev 2005
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