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Crônica post mortem: a vida e a obra de Primitivo Moacyr pela memória de Afonso D’Escragnolle Taunay 1 1 O desenvolvimento deste trabalho contou com o apoio da Coordenação de Avaliação de Pessoal de Nível Superior (Capes), na modalidade de bolsa de estudo.

Post-mortem chronicle: the life and work of Primitivo Moacyr through the memory of Afonso D’Escragnolle Taunay

RESUMO

Este trabalho tem por intuito apresentar reflexões sobre a crônica fúnebre de Afonso D’Escragnolle Taunay sobre Primitivo Moacyr, publicada no Jornal do Commercio em outubro de 1942. Problematizamos o texto como objeto histórico nos debruçando sobre as condições e hipóteses inspiradas pela leitura. A crônica é entendida como produto, lugar de memória e como objeto impresso circunscrito à cultura material brasileira, sendo assim, colabora com a compreensão da relação da escrita com a memória e dialoga com o espaço no qual circulou e fora lida, atuando como discurso de verdade e podendo modificar, historicamente, as referências que os sujeitos possuem do passado. A crônica de Taunay contribui para o entendimento das redes de sociabilidades, dos valores incutidos no contexto e do que sabiam e pensavam sobre o protagonista. A existência de tal escrito ilumina o lugar de Moacyr como intelectual na produção das pesquisas sobre a história da educação brasileira.

PALAVRAS-CHAVE:
Afonso Taunay; Primitivo Moacyr; Lugar de memória

ABSTRACT

This paper aims to reflect on the funeral chronicle of Afonso D’Escragnolle Taunay on Primitivo Moacyr, published in October 1942 in Jornal do Commercio. From the conditions and hypothesis inspired by the reading, this work problematizes the text as an historical object, representing a product, a “place of memory,” and a printed object restricted to Brazilian material culture. Thus, it corroborates to the understanding of the writing-memory association, dialoguing with the context in which it circulated and was read, acting as a speech of truth and being able to modify, historically, the references about the past. The chronicle helps understanding the social network, the values instilled in the context, and what was known and thought about the protagonist. Such writing sheds light on Moacyr’s place as an intellectual in the history of education in Brazil.

KEYWORDS:
Afonso Taunay; Primitivo Moacyr; Memory place

ENTRE A MEMÓRIA, A HISTÓRIA E O TEXTO: A CRÔNICA DE TAUNAY COMO LUGAR DE MEMÓRIA PARA A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

Sob o nome de “Celebração das contradições/1”, o pequeno texto que compõe o Livro dos abraços (2007), do jornalista e escritor uruguaio Eduardo Galeano, nos diz muito:

Como trágica ladainha a memória boba se repete. A memória, viva, porém, nasce a cada dia, porque ela vem do que foi e é contra o que foi.

Aufheben era o verbo que Hegel preferia, entre todos os verbos do idioma alemão. Aufheben significa, ao mesmo tempo, conservar e anular; e assim presta homenagem à história humana, que morrendo nasce e rompendo cria.4 4 Galeano (2007, p. 121).

A obra de Galeano se situa no contexto da redemocratização na América Latina após anos de ditaduras civis-militares. Neste livro, sua reflexão sobre a cultura do esquecimento entre os povos latino-americanos incide sobre a necessidade de tomada de consciência de si, conhecimento da própria cultura e valorização dela por meio da História. No fragmento acima, as contradições celebradas residem sobre o conceito de memória viva que ele define a partir do verbo alemão Aufheben e seu significado dúbio de conservação e anulação. O fim gera a possibilidade de um novo início; o velho dá lugar ao novo; a memória viva é fruto da contradição do que foi e do que será, do que ainda está por vir. Dito de outra forma, a memória, enquanto morte, possibilita a vida, posiciona a História enquanto possibilidade de entendimento sobre o antes enquanto hoje. Para tanto, é preciso renunciar à memória boba, uma “trágica ladainha”. Aqui, a repetição é tomada como ruim, como duas concepções de memória postas em comparação a fim de louvar a ruptura e o fim daquilo que estava posto na América Latina.

Pode-se abrir mão da memória? Toda memória é válida para o estudo histórico? A memória é tomada por Galeano enquanto parte fundamental da História e do futuro da sociedade, desde que seja objeto de produção de um tornar-se novo. De que maneira uma memória produzida por um intelectual5 5 Para refletir sobre a categoria de intelectual, utilizamos as ideias de Sirinelli (2003) e Vieira (2015), assim caracterizado: gosto e familiaridade com a cultura; sentimento de missão ou de dever social; produtor de conhecimento e mediador social. sobre outro poderia ser tomada como objeto de estudo histórico?

Tais indagações surgiram após a leitura do texto de Afonso D’Escragnolle Taunay intitulado “Preito de Muita Saudade”, escrito em tom memorialista e publicado no Jornal do Commercio em outubro de 1942, dias após o falecimento de Primitivo Moacyr. A leitura sugeriu proximidades para além do texto, nos informando sobre a vida do historiador da educação brasileira, sua trajetória intelectual e as sociabilidades6 6 Cf. Sirinelli, op. cit. com sujeitos diretamente ligados à produção cultural e histórica brasileira.

Sabemos que a memória e a História são coisas distintas e que geram espaços de saber diferenciados, colocando questionamentos sobre o funcionamento e existência das relações entre o espaço, o tempo e a memória, como nos informa José D’Assunção Barros (2009JORNAL do Comércio. FGV CPDOC, Rio de Janeiro, 2009. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/3j3Rz6v >. Acesso em: 15 jan. 2019.
https://bit.ly/3j3Rz6v...
)7 7 Este texto é necessário para entender toda a operação historiográfica que levanta as questões em torno das relações entre memória e história. Além disso, sua leitura é importante para compreender as categorizações relacionadas às memórias individual e coletiva, que não cabem neste texto. a partir dos estudos pioneiros de Maurice Halbwachs8 8 Sobre esse assunto, Barros (2009) indica a leitura, entre outras, de Halbwachs, Maurice. Mémoire Collective. Paris: PUF, (1950). desenvolvidos em meados do século XX. Porém, o estudo de Michael Pollak (1989), ao considerar os aspectos dos usos da memória enquanto fonte histórica, questiona a validade do pensamento de Halbwachs de que toda memória individual é coletiva, o que inviabilizaria a autonomia do sujeito em relação ao mundo social.

O historiador Jacques Le Goff, em História e memória,9 9 Le Goff (1990). problematizou a relação entre o passado e a memória para a escrita da História, demonstrando que a sobrevivência da memória chega até nós por meio das escolhas feitas ao longo do tempo, tanto pela operação executada no desenvolvimento da humanidade quanto pela atuação daqueles que se dedicam à ciência histórica. Isso quer dizer que a percepção que se tem da existência da memória no tempo presente é fruto das narrativas que se construíram e reconstruíram por meio das lembranças e resquícios do que foi, pois se prende a um determinado espaço e temporalidade do passado não mais existente. De tal maneira, como Galeano, Le Goff projeta sobre o presente o lugar de continuidade possível da memória a partir dos usos daquilo que sobreviveu.

Esse tipo de afirmação pode produzir discursos que justificariam a necessidade da preservação da memória enquanto garantia da continuidade da existência da história, o que leva ao esvaziamento da palavra e do sentido da memória, que acabaria se ajustando ao caminho descuidado da retrospectiva, reprodutiva e/ou seletiva que Galeano chamou de “memória boba”. A existência da memória pressupõe que haja um tempo possível para a execução de uma síntese. A história vivida, portanto, é o que garante a possibilidade de algo se tornar objeto de memória, e isso necessita de um suporte, como arquivos, registros, cartas, diários pessoais e relatos de viagens, objetos que possam, de muitas maneiras, ser um mecanismo conservador das possibilidades de relembrar aquilo que se foi.

Ao discorrer sobre a memória coletiva, Ecléa Bosi10 10 Bosi (1994). afirma que esta pode ser desenvolvida por meio de laços de convivência profissionais, escolares e familiares, interligando a memória individual de seus membros, acrescentando, unificando e corrigindo lembranças do passado, estabelecendo uma forte dependência da interação do grupo. De tal maneira, o indivíduo recorda e memoriza, retendo objetos que são, para ele, em sua lógica representativa de mundo, significativos dentro de um tesouro comum.

Existem aproximações possíveis, portanto, entre a História e a memória, mesmo que tenham condições de existência diferentes. Roger Chartier11 11 Chartier (2017). nos indica que a memória necessita da presença do passado no presente para tornar legítimos determinados conhecimentos e hierarquias na organização das narrativas do passado em relação ao que se pretende ser no presente. A História, entretanto, está fundamentada em um saber universal e aceito.

Vencer a morte, mesmo que seja parcialmente, é o que aproxima a memória da História. Conforme Philippe Ariès,12 12 Ariès (1998). a partir da segunda metade do século XIX, a humanidade, desejosa de impedir o apagamento pela passagem do tempo manifestou a necessidade de construir lugares de memória, de desnaturalizar o esquecimento. A escrita da História e dos trabalhos da memória como exercício sistemático para minimizar as perdas é o resultado de uma nova sensibilidade em relação à morte em que a esperança reside na possibilidade de ser lembrado, lido, revivido nas reminiscências de sua vida e que o defunto levará para o além.

Muito mais do que vivenciar a percepção absoluta e uma memória fantástica como a de “Funes, o memorioso”,13 13 Cf. Borges (1979). o texto de Taunay revela a necessidade de manter viva a vida e a obra de Primitivo Moacyr. Como nos sugere Pierre Nora, os arquivos, as celebrações, sejam elas familiares, cívicas ou políticas, registrar atas, entre outras ações, são práticas dos sentimentos que estabelecem “os lugares de memória”.14 14 Nora (1993, p. 13). De forma precisa, Nora nos mostra que

A memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações, suscetível de longas latências e de repentinas revitalizações.15 15 Ibid., p. 9.

Não existe mais memória, ela só é revivida e ritualizada numa tentativa de identificação por parte dos indivíduos. A História executa esta ação conferindo-lhe lugares onde se projeta sobre os humanos a ideia de que somos feitos de lembranças e não de esquecimentos. Nora afirma que “os lugares de memória são, antes de tudo, restos. A forma extrema onde subsiste uma consciência comemorativa numa história que a chama, porque ela a ignora”.16 16 Ibid., p. 12. Uma História que é tomada enquanto narrativa que unifica o tempo e lhe dá sentido tratando o passado como processo que não está morto. Para Nora “a verdadeira percepção do passado consistia em considerar que ele não era verdadeiramente passado”,17 17 Ibid., p. 18. atuando sobre a memória que se enraizará no concreto, no espaço, “no gesto, na imagem, no objeto. A história só se liga a continuidades temporais, às evoluções, e às relações das coisas”.18 18 Ibid., p. 9.

Assim, os lugares de memória são os espaços onde a ritualização de uma memória-história pode ressuscitar a lembrança, tradicional meio de acesso a esta. Os lugares de memória estão, portanto, definidos por este critério.

No ato de criar lugares de memória, os indivíduos modernos se unificam e se reconhecem enquanto agentes de seu tempo. Tal ação no presente indica uma concepção da História como processo que encadeia passado, presente e futuro, obriga cada um a se relembrar e a reencontrar o pertencimento, princípio e segredo da identidade. Esse pertencimento, em troca, o engaja inteiramente. Qual seria então a função do ritual nas sociedades? Quais são os lugares de memória?

Os lugares de memória, para Nora, são lugares em todos os sentidos do termo, vão do objeto material e concreto ao mais abstrato, simbólico e funcional, simultaneamente e em graus diversos, e esses aspectos devem coexistir sempre.

Mesmo um lugar de aparência puramente material, como um depósito de arquivos, só é lugar de memória se a imaginação o investe de aura simbólica. Mesmo um lugar puramente funcional, como um manual de aula, um testamento, uma associação de antigos combatentes, só entra na categoria se for objeto de um ritual. Mesmo um minuto de silêncio, que parece o extremo de uma significação simbólica, é, ao mesmo tempo, um corte material de uma unidade temporal e serve, periodicamente, a um lembrete concentrado de lembrar. Os três aspectos coexistem sempre [...]. É material por seu conteúdo demográfico; funcional por hipótese, pois garante ao mesmo tempo a cristalização da lembrança e sua transmissão; mas simbólica por definição visto que caracteriza por um acontecimento ou uma experiência vivida por pequeno número uma maioria que deles não participou.19 19 Ibid., p. 21-22.

Para além destes, existem também os “lugares por trás dos lugares”, que seriam “os Estados, os meios sociais e políticos, as comunidades de experiências históricas ou de gerações, levadas a constituir os seus arquivos em função dos usos diferentes que fazem da memória”, segundo Le Goff.20 20 Le Goff, op. cit., p. 473. Neles, encontramos os criadores maiores da memória coletiva, além das forças que a impõem de diversas maneiras, gerando os lugares de memória mais específicos.

O texto de Afonso Taunay nos instiga a pensar o quanto as lembranças individuais se misturam às coletivas na medida em que tratam de situações vividas pelo autor, porém, nunca sozinho. Os textos de memórias estabelecem aproximações entre a história e a memória quando, na organização dos discursos, o memorialista seleciona o que deseja ou não ser conhecido, materializando o passado nas folhas de papel do presente na produção de um texto. Esta memória, tomada enquanto texto, revela aspectos do cotidiano de quem escreve e outros cotidianos, na medida em que promovem relações íntimas entre a memória individual e a presença das experiências vividas pelo sujeito nos seus grupos sociais. Taunay e Moacyr participaram de um mesmo cenário intelectual e social, implicando na partilha de uma memória coletiva entre o escritor e o objeto da memória escrita, propiciando a consolidação das identidades e a integração dos sujeitos e dos grupos e a própria continuidade destas.

Considerar um texto memorialista enquanto fonte de pesquisa permite vislumbrar outras possibilidades de compreensão das ações dos sujeitos, visto que estas revelam a intimidade das relações e formas de pensar e materializar esses acontecimentos, registrando situações pessoais e individuais de ver o mundo; operam significativas maneiras de perceber e representar situações da vida social, oriundas das trajetórias de vida de pessoas cuja memória aparece perpetuada na palavra escrita.

Tratando-se do texto de Taunay, nos possibilita questionar os motivos de se produzir uma memória sobre Primitivo Moacyr logo após seu falecimento. Entendemos que a produção do texto fúnebre responde à necessidade de preservação e defesa de Moacyr e sua obra, bem como do próprio grupo ao qual ele pertencia.

A PUBLICAÇÃO E AS CONDIÇÕES PARA A PRODUÇÃO DE UM LUGAR DE MEMÓRIA

Afonso D’Escragnolle Taunay viveu entre 1876 e 1958 e, além de historiador, foi biógrafo, ensaísta, tradutor, romancista, professor e dedicou parte de sua vida aos trabalhos no Museu Paulista. Imortal pela Academia Brasileira de Letras (ABL) desde 1929, associou-se a outros importantes institutos intelectuais. Entre suas principais obras, destacamos A História Geral das Bandeiras Paulistas (sete volumes),21 21 Essa obra fez parte das comemorações do IV Centenário da Cidade de São Paulo. publicada entre 1924 e 1936, e História do Café no Brasil (onze volumes), publicada entre 1929 e 1941.22 22 Cf. «Afonso d´E. Taunay | Academia Brasileira de Letras». Academia Brasileira de Letras. Consultado em 20 de outubro de 2019.

O texto de Taunay intitulado “Preito de Muita Saudade” pode ser lido em dois suportes impressos diferentes. Publicado no Jornal do Commercio em 25 de outubro de 1942,23 23 O texto está disposto em duas colunas e meia, no canto superior esquerdo da página com sete colunas, perfazendo 16.450 caracteres. foi, posteriormente, reproduzido no Mensario do Jornal do Commercio, Tomo XX, Vol. I, número 58, em 24 de fevereiro de 1943, nas páginas 117 a 120.24 24 As publicações do Mensario do Jornal do Commercio circularam entre 1938 e 1946, em 33 tomos com 99 números ao todo e reunia a coletânea dos artigos de colaboração publicados aos domingos. Entre seus muitos colaboradores, Afonso Taunay foi o mais frequente, com 398 dos 4.358 artigos publicados. Ambos eram impressos pela tipografia do Jornal do Commercio. O Mensario foi publicado entre 1938 e 1946, totalizando 99 números. Nestes, encontramos 365 artigos assinados por Afonso D’Escragnolle Taunay, o colaborador com o maior número de trabalhos inscritos nessa publicação.

Fundado em 1º de outubro de 1827 por Pierre René François Plancher de La Noé, o Jornal do Commercio foi um dos mais longevos órgãos de imprensa da América Latina, encerrando sua versão impressa e digital em 29 de abril de 2016. O conteúdo editorial e noticioso era conciliador com o staff no poder, mostrando apoio, em geral, a cada presidente, governador ou prefeito, expondo o caráter conservador com o qual é conhecido. Entretanto, sisudo no cenário sensacionalista da imprensa dos anos de 1920 e 1930, fugia ao apelo das fotografias sangrentas e das manchetes provocativas, o que cercava suas páginas de uma aura de confiabilidade e muito a gosto da elite brasileira. Como informa Marialva Barbosa (2007), era formado e formava o pensamento dos homens que davam sustento econômico e intelectual à nova república.

O escrito post mortem, em tom memorialista, narra a trajetória de vida de Primitivo Moacyr. Ao discorrer sobre a importância de Moacyr para o cenário da História e da educação brasileira, o texto parece cumprir uma missão justiceira: reparar o erro das instituições intelectuais25 25 Entre elas: Associação Brasileira de Letras (ABL), Associação Brasileira de Educação (ABE) e Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). que não auferiram à figura do sujeito, objeto de memória, a condição que sua vida e obra mereceriam. O texto se insere num contexto em que outros elementos da sociedade buscam na produção da memória a eternidade dos feitos de Moacyr. Referimo-nos aos atores sociais e políticos que estiveram presentes nas sociabilidades do falecido, como Gustavo Capanema, então ministro da Educação e Saúde; e Francisco Venâncio Filho, um dos fundadores da Associação Brasileira de Educação (ABE).

Importante notar também as semelhanças de palavras e informações presentes no texto de Taunay e na nota publicada na página 05, seção “Registro” da edição n. 3, Anno 116, do Jornal do Commercio de 3 de outubro de 1942, sem autoria direta, provavelmente produzida pelos redatores da folha. Se tal nota não é de Taunay, fora lida e utilizada em sua crônica. Implica dizer que o texto analisado faz parte de um universo da imprensa brasileira na qual intelectuais, políticos e jornalistas desfrutaram das posições e relações advindas daquelas presentes no ato de tornar público uma memória de um sujeito a ser lida e eternizada nas páginas daquele impresso.

Baiano de Salvador, nascido em 1867 e falecido no Rio de Janeiro em 1942, Moacyr teve seus primeiros contatos com a instrução pública como professor de primeiras letras em Lençóis, no interior da Bahia. Em seguida, transferindo-se para Pernambuco, trabalhou no liceu da capital do estado. Em 1894, diplomou-se em Direito pela Faculdade Livre de Direito do Rio de Janeiro (FLDRJ) e, em 1898, em Ciências Sociais pela mesma instituição. Trabalhou na Comissão de Redação da Câmara dos Deputados Federais, entre 1895 e 1932, ora por indicação da Comissão de Polícia da Mesa Diretora da Casa Legislativa, ora por concursos. Entre 1904 e 1911, ocupou o cargo de Promotor dos Feitos da Saúde Pública.

As publicações de seus livros iniciaram com o volume O Ensino Público no Congresso Nacional: breve notícia, publicado pela tipografia do Jornal do Commercio do Rio de Janeiro, em 1916. Posteriormente, entre os anos de 1936 e 1942, foram publicadas A Instrução e o Império e A Instrução e as Províncias, ambas com três volumes, e A Instrução Pública no Estado de São Paulo: 1ª década Republicana 1890-1893, com dois volumes, sob a égide de Fernando de Azevedo e da Companhia Editora Nacional, na Coleção Brasiliana. Pela Imprensa Oficial, entre os anos de 1940 e 1944, com a chancela do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), foram publicados os sete volumes de A Instrução e a República.

Apresentou trabalhos em dois congressos nacionais: O ensino comum e as primeiras tentativas de sua nacionalização na província de S. Pedro de Rio G. do Sul (1835-1889), no III Congresso Sul-Riograndense de História e Geografia, em Porto Alegre, e publicado, na íntegra no Jornal do Commercio de 17 novembro de 1940; e A instrução primária e secundária no município da Corte na Regência e Maioridade no III Congresso de História Nacional em 1942, no Rio de Janeiro. Além disso, publicou, em 1939, o artigo “A instrução rural e o Império” na Revista do Professor(SP), edição 022, organizada por Sud Mennucci. No Jornal do Commercio, encontramos quase duas centenas de artigos assinados por Moacyr.

Mesmo com este amplo volume de trabalho historiográfico, ao longo de três décadas, não são muitos os trabalhos sobre a vida de Moacyr. Quando muito, tratam da trajetória profissional, das obras publicadas, ou a citação destas como fontes, com apenas duas exceções. Os trabalhos desenvolvidos por Guaraci Fernandes Marques de Melo: sua monografia de finalização da graduação, com o título Primitivo Moacyr: a arte de produzir material historiográfico, de 2012; e a dissertação de mestrado, defendida em 2018, Primitivo Moacyr: de professor a dândi, uma vida dedicada à escrita da instrução pública, ambas no âmbito da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, se estendem na perspectiva da convivência familiar de Primitivo Moacyr. Na Universidade Federal de Ouro Preto, alguns trabalhos têm sido desenvolvidos com o objetivo de identificar a presença de Moacyr na imprensa, inclusive a imprensa de entretenimento, para delinear suas redes de sociabilidade.

Todos esses trabalhos tiveram como fonte inicial o texto de Francisco Venâncio Filho, publicado na Revista Cultura Política, em 1943, tratando da contribuição de Moacyr para a história da educação; e o verbete Primitivo Moacyr de Teresa Levi Cardoso, no Dicionário de Educadores, de 1999.

O texto memorialístico de Taunay sedimenta sua importância por discorrer sobre vínculos familiares e outras particularidades do historiador da educação, trazendo à tona o homem, o pai, o amigo, para além do pesquisador “a quem apavora a possibilidade da surpresa das relações acaso provindas de alguma fonte desdenhada”.26 26 Taunay (1942, p. 2).

A MEMÓRIA QUE NOS INSTIGOU E ESTABELECE UM OUTRO PASSADO E PROPAGA O FUTURO

É assim que Afonso Taunay inicia seu texto intitulado “Preito de muita saudade”:

Ao redigir estas linhas de saudade e rememoração afetiva, verdadeiro aperto do coração assalta-me ao considerar que de Primitivo Moacyr só me resta a recordação de um convívio para sempre extinto. Quanto reconforto perdido com a irreparável ausência desse homem de tamanha cordealidade e tão completa lealdade!27 27 Ibid., p. 2.

“Preito” significa homenagem, manifestação de veneração. Taunay escreve sob o tom da saudade, levando em conta que Primitivo Moacyr falecera três semanas antes da publicação do necrológio. Em sua escrita, fica assinalada a intenção de laurear a vida e obra desse sujeito, um amigo próximo. Marcado pela ausência, o texto projeta a imortalidade de Moacyr por meio da produção da memória histórica de sua trajetória de vida, ou melhor, por aquilo que Taunay conhecia da vida e da obra de Moacyr.

Ao escrever sobre ele, Taunay recorreu a suas lembranças afetivas e outras referências que serão apresentadas posteriormente, desde situações vividas junto de Moacyr até textos lidos sobre ele. Para recordar o amigo, Taunay volta-se à memória individual e coletiva sobre a vida e obra do falecido, projetando sobre seu escrito uma espécie de síntese e, com isso, produzindo representações que incidem diretamente na leitura sobre Primitivo Moacyr e a história da educação brasileira. Por fim, a escrita apresenta um pouco do próprio Taunay, visto que os elementos evocados na retórica discursiva a fim de convencer o leitor da validade da leitura do texto perpassam condições da existência na primeira pessoa do sujeito que escreve.

Primitivo Moacyr faleceu em 2 de outubro de 1942, aos 75 anos de idade. A declaração de óbito foi feita pelo filho, Primitivo Bueno Moacyr. O texto de Taunay fora produzido e posto a circular muito próximo ao falecimento e período de luto de Moacyr, funcionando como um tributo à imagem e obra daquele que partira do mundo físico. O Jornal do Commercio noticiou o falecimento no dia 3 de outubro.28 28 Cf. Registro... (1942). No mesmo dia, o então ministro da Educação, Gustavo Capanema, pronunciou em discurso na Hora do Brasil uma breve homenagem a Moacyr, que foi publicada em nota29 29 Cf. Registro: Dr. Primitivo Moacyr... (1942). no mesmo jornal, no dia 4 de outubro. Nesse mesmo dia O Jornal também publicou a notícia sobre o falecimento.30 30 Notas... (1942).

Sobre os anos anteriores a sua chegada ao Rio de Janeiro, pouco se sabe. O texto de Taunay silencia sobre isso também, mas intercede sob esta demanda ao ratificar as informações presentes no artigo de Venâncio Filho (1943VENÂNCIO FILHO, Francisco. Primitivo Moacyr e a história da educação. Cultura Política, Rio de Janeiro, n. 24, p. 94-97, 1943.). Afonso Taunay discorre sobre este período da vida de Moacyr:

Correram-lhe difíceis os primeiros anos de vida, muito difíceis até na infância, na adolescência, no limiar da vida virilidade. Nascera de muito pobre berço e vira-se desde pequenino, privado da proteção paterna e do afeto materno.

Desde muito cedo compreendeu que só podia contar consigo, com o que de si poderia dar. Admiravel sensatez norteava dentro da perfeita intuição do que representa a essencial salvaguarda da dignidade humana.

Em vês de se converter num revoltado contra as condições de dureza da existência que o Destino lhe impunha, aplicou-se com todo o afinco, em fazer valer os elementos de triunfo de que podia dispor: os da inteligência e do amor ao trabalho, em busca da merecida melhoria da situação social. Bravio estímulo de independência não lhe permitia pensar que tal mudança viesse proporcionar-lhe a subserviência e o favoritismo.

Educado pobremente em uma casa de órfãos, a carreira que lhe antolhava era a do professorado primário. Enquanto conquistou o singelo diploma que lhe proporcionaria os recursos para viver sobre si, aspiração de todos os momentos, procurava, e de todos os modos ao seu alcance, ilustrar-se. Lia imenso, aprendia e retinha.31 31 Taunay, op. cit., p. 2.

Em primeiro lugar, o texto de Taunay pode ser visto enquanto fonte, pois trata, por meio da memória do autor, de um período desconhecido e sem outras informações. “Nascera de muito pobre berço e vira-se desde pequenino, privado da proteção paterna e do afeto materno”, afirma o autor. A ausência da proteção paterna nos induz a pensar que fora órfão de pai, enquanto sua mãe, Amelia da Purificação, só veio a falecer em 23 de dezembro de 1909.32 32 Telegramas... (1909, p. 1). Na certidão de óbito consta Amélia Horta. Outro ponto importante da passagem acima é a retórica incutida sobre o valor do esforço individual enquanto recompensa se tomado ao sabor da melhoria das suas condições de vida. No caso, o autor conheceu a última década da vida de Moacyr e valorizava o esforço de estudos e conhecimento que este adquiriu a partir de uma realidade cuja trajetória poderia ter tomado outras direções.

Na passagem em destaque, Afonso Taunay valoriza o percurso de vida de um pobre brasileiro que ascendeu até onde foi possível sob suas condições, já que ser professor era o limite naquele cenário. Esta é a primeira marca do texto: a formação enquanto professor como a que lhe fora possível, mas não desvalorizada, pois foi obtida por meio de esforço e de uma intensa leitura e aprendizado.

Esse traço, ou representação, se estende na forma como Taunay se refere a Moacyr ao longo do texto, referindo-se à figura do intelectual com inúmeras expressões de classificação, qualificação e adjetivação: “homem de tamanha cordealidade e tão completa lealdade”; “nobre figura cuja presença tanto nos infundia a segurança da discreção e o interesse da amizade”; “Admiravel sensatez norteava dentro da perfeita intuição do que representa a essencial salvaguarda da dignidade humana”; “Inteligente e simpático homem de bela presença, comunicativo e amável não teve dificuldades de obter a colocação modesta que almejava”; “Era muito conformado e paciente”; “de vida singela e de homem organizado”; “educado monografista”; “entusiástico da Natureza”; “amigo, cavalheiro, erudito”; “trabalhador valoroso”; “brasileiro apaixonado das coisas brasileiras”; “entusiasta da cultura, devoto da penumbra e do recolhimento”.

Nobreza de espírito e cordialidade marcam a narrativa de Taunay. Nota-se um olhar sobre o outro produzido por meio da análise da figura falecida. Moacyr é retratado como um sujeito que sabia seu lugar, sabia se relacionar, tanto no trato como nas aspirações finais. As representações colocam Moacyr como sujeito que deveria ser admirado e devotado pelos seus contemporâneos. No campo intelectual, sua figura é delineada enquanto monografista, erudito, inteligente, entusiasta da cultura e daquilo que é brasileiro. A produção historiográfica de Moacyr corrobora tal posicionamento. Afonso Taunay estava, por meio de seu texto, produzindo uma representação de Primitivo Moacyr, que indicava ser fruto de seu relacionamento com ele ou que gostaria que fosse e, portanto, não correspondendo exatamente à realidade. A passagem abaixo, inclusive, reitera esta visão conflitante entre a trajetória de vida delineada por outros estudos33 33 Cf. Carvalho e Machado (2016, 2018). e a representação que se produzia em torno da figura dele.

Nomeado professor de primeiras letras, no interior de sua província natal, a Bahia, assás largo tempo viveu, conforme relatava a lecionar tabareusinhos e a dilatar, pela leitura, o âmbito dos conhecimentos.

Enquanto isto, e com a maior constância amealhava as pequeninas economias.

- Informei-me com a possível segurança de quanto precisaria para no Rio de Janeiro poder esperar por uns meses uma colocação que me permitisse viver do modo mais modesto, contou-me certa vês. E quando consegui tal quantia ajuntada à custa de sacrifícios (bem avalia o senhor o quanto me pagavam em minha primeira mocidade como mestre-escola no interior da Bahia) quando consegui aquele dinheirinho armei-me de coragem e dispuz-me ao arriscado passo. Era só e habituado a viver do modo mais singelo tinha algumas ensanchas de êxito. Assim parti confiante e jamais poderia ter dado mais acertado passo.34 34 Taunay, op. cit., p. 2.

Nos escritos de Taunay, Moacyr é posto como sujeito que atuou em prol da elevação de sua condição de intelectual. Ser professor não era seu objetivo final. As “pequeninas economias” representam o esforço pela formação continuada no Rio de Janeiro. Esta passagem coloca a memória de Taunay a serviço da produção da fala na primeira pessoa, Moacyr, como se estivéssemos lendo o próprio sujeito falando sobre si. Atua como chancela de que a informação é verídica, pois o próprio Moacyr teria dito. Ao mesmo tempo, a projeção do passo dado em direção à vivência na capital federal só é possível saber como positiva depois de finda a trajetória. Mesmo que seja um ponto importante para o texto, ela tem por atenuante a vivência entre os dois, iniciada após 1933, conforme consta ao final do artigo. Tal informação, portanto, pode ter sido romantizada por Moacyr a fim de valorizar sua trajetória de vida de homem do interior baiano frente à intelectualidade brasileira e que tem íntima relação com o universo profissional no qual ele estava inserido.

Taunay anuncia também a forma como Moacyr se organizou em direção a um horizonte mais amplo do que aquele delineado pela condição de “nascer em muito pobre berço”. Paciente, amável e estudioso foram qualidades incutidas sobre a figura do intelectual baiano para construir o perfil do sujeito que alcançou objetivos para além do definido a priori para si. As informações abaixo chancelam essa exposição:

Já possuía boa bagagem de humanidades quase toda adquirida à própria custa e assim poude dedicar-se ao ensino secundário. Ensinou e estudou, completou preparatórios e matriculou-se na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, onde se bacharelou já mais que homem feito como era de esperar de quem sempre vivera desajudado da fortuna.35 35 Ibid.

Para Afonso Taunay, as qualidades pessoais de Moacyr atuam como justificativa para o sucesso nas escolhas. Uma relação de tempo do futuro que determina o olhar para o passado. Em 1894, formou-se em Ciências Jurídicas36 36 Cf. Ferreira (1895). e, em 1898, recebeu o grau em Ciências Sociais,37 37 Cf. Cavalcanti (1898). ambos pela Faculdade Livre de Direito do Rio de Janeiro. Os Annaes da Câmara dos Deputados,38 38 Annaes da Camara dos Deputados (1895). de 1894, informam sua atuação no grêmio estudantil, também noticiada nos jornais O Paiz,39 39 Cf. A revolta... (1893). Gazeta de Notícias,40 40 Cf. O aviso... (1893). bem como sua trajetória acadêmica entre 1893 e 1894. A atuação no grêmio estudantil aponta para a figura de Moacyr como central nesse meio; e a formação em Ciências Jurídicas e Sociais era fundamental para a ocupação em cargos públicos no contexto da virada do século XIX para o XX. Tais espaços sociais conferiam a Moacyr a possibilidade de introdução a um círculo de relações amplo e dinâmico que tinha na figura do bacharel o posto inicial de formação.

Sobre a atuação enquanto redator da Câmara dos Deputados, é importante frisar que não bastava ser bacharel em Direito para consolidar uma posição: era necessário ter sucesso também nas relações que garantisse uma avaliação positiva, particularmente frente aos casos de concorrência na ocupação dos melhores cargos. É preciso lembrar que, à época, o acesso aos cargos públicos nem sempre se fazia mediante concurso.

Taunay, em dois distintos momentos, discorre sobre as relações políticas de Moacyr. Uma delas, com o deputado Arthur Rios, o teria inserido na comissão de redação da Câmara dos Deputados federais e a outra adviria da qualidade de seu trabalho.

Cada vês mais relacionado e simpatizado, passou a conta com excelentes amizades nas rodas do Ministério da Política, de todos estimado pela correção da vida e as demonstrações continuas da altivez do carater.

Mostrava-se sempre sobremodo grato a um amigo, Dr. Artur Cesar Rios: baiano como ele, e personalidade que então desfrutava alta situação política. Deveu-lhe, segundo me parece, a nomeação para o quadro de secretário da Câmara dos Deputados. Trabalhador metódico e incansável tratou desde os primeiros dias de se apropriar do mecanismo dos negócios parlamentares. Adquiriu notável cabedal de informes que a miúdo o habilitava a socorrer numerosos congressistas ansiosos pelo conhecimento dos antecedentes das questões debatidas. Relator dos debates parlamentares destacou-se pela exação dos apanhados, o critério da forma que lhes dava, a imparcialidade, a fidedignidade dos relatos.41 41 Taunay, op. cit., p. 2.

Novamente, notamos o uso das qualidades pessoais que Taunay via em Moacyr para justificar o acesso e a manutenção no posto. Muito mais do que as qualidades do indivíduo, era sua maneira de se comportar socialmente que garantiria tal sucesso profissional. Qualidades como imparcialidade, criterioso e fidedigno aos relatos parecem ser características representativas tanto do redator dos debates parlamentares quanto do estudioso da história da educação, entrelaçadas sob a maneira como Afonso Taunay via o amigo, de seu presente para o passado.

Moacyr ingressou na Câmara de Deputados do Congresso Nacional como relator dos debates parlamentares em 16 de maio de 1895,42 42 Consta a notícia na seção sobre os trabalhos no Congresso Federal que “a Mesa da Camara dos Deputados, reunida hontem, após a eleição, reorganisou os serviços dos debates, elevando a seis o numero de redactores e constituindo sob a chefia do Sr. Felix Ferreira, decano do jornalismo, na Camara dos Deputados, a seguinte redacção dos debates: Drs. Gervasio Saraiva, Primitivo Moacyr, Fonseca Hermes, Agenor de Roure e Alvaro Fernandes” (CONGRESSO NACIONAL [1895, p. 2]). sem concurso ou prova, e sim por indicação. A formação em Direito o preparou para a função, enquanto os contatos anteriores à vida universitária, bem como os novos, proporcionaram as condições para que adentrasse ao posto de trabalho no qual ficaria até 1932, e o exercício desse ofício o teria estimulado à obtenção do novo grau em Ciências Sociais, em 1898.

Não é possível precisar quem indicou Primitivo Moacyr para a função de redator, porém, é plausível pensar que seja Arthur Rios, dada a proximidade entre eles, confirmada por Afonso Taunay. A Comissão de Redação dos Debates era escolhida pela Comissão de Polícia da Câmara de Deputados, formada pela Mesa da Câmara (presidente e os secretários). Em 1895, era presidente Francisco de Assis Rosa e Silva, o vice-presidente era Arthur Rios, como observado em O Paiz43 43 Cf. Camara dos Deputados (1895). quando foi aberta a sessão, às 12:30, e apresentado os nomes para a comissão de redação dos debates.

Mais do que ocupar o cargo, era importante criar laços afetivos e profissionais que pudessem criar as condições para a permanência. Quanto a isso, a suspeita é de que tenham sido suas relações com proeminentes políticos, como Arthur Rios, já citado, J. J. Seabra e Carlos Peixoto Filho que o ajudou. Em nota publicada em 27 de julho de 1899 pelo jornal Cidade do Rio, Moacyr esteve presente em um jantar oferecido a Luiz Vianna, então presidente do estado da Bahia, no qual figuravam parte desse grupo, formado por pessoas oriundas desse e de outros estados do Nordeste, provando sua inserção definitiva nos locais de poder da capital federal.44 44 Cf. Doutor... (1899).

Em outro jantar, novamente oferecido a Luiz Vianna, no dia 28 de julho de 1899, realizado no Theatro São Pedro de Alcantara, próximo à Praça Tiradentes, estavam presentes Moacyr e Arthur Rios. Oferecido pelas “classes conservadoras da capital federal”, o jantar teria tido caráter de festa, como dito pelo jornal A Imprensa: “A festa hontem teve o caracter notavel de uma affirmação gloriosa da pujança do sentimento nacional ao lado da reorganização ordeira da Republica”. Entre os muitos convidados, nos camarotes, “entre outras as seguintes famílias: Hasselman, Aguiar, Arthur Rios, Alves Barbosa, Primitivo Moacyr, Muniz do Souza [...]”.45 45 O banquete... (1899, p. 1).

A relação com Carlos Peixoto Filho teria definido a continuidade no cenário das indicações à Câmara.

Não tardou portanto que por parte dos mais prestigiosos parlamentares merecesse as provas de um apreço a crescer. Passou a ser figura indispensável em muitas das rodas de destaque na primeira casa do Congresso. Foi então que conviveu intimamente com um dos vultos mais brilhantes dos parlamentares republicanos. Carlos Peixoto. Pela sua memória conservava verdadeiro culto e uma das demonstrações, da moderação de suas aspirações foi a de jámais ter querido valer-se do amigo poderoso daí usufruir proventos. Era visceralmente infenso à retribuição dos serviços da amizade.46 46 Taunay, op. cit., p. 2.

Se Moacyr não demandou proventos desta amizade, provavelmente auferiu posição de destaque no grupo do qual Carlos Peixoto Filho participava. No ano de 1906, em 29 de dezembro, ocorreu o concurso para provimento das funções de taquígrafos e redatores do Congresso Nacional, a fim de atenuar os calorosos questionamentos da imprensa sobre a antiga forma de contratação dos funcionários públicos. Presidido pelo primeiro secretário da Câmara, James Darcy, e por Carlos Peixoto Filho, os examinadores foram os deputados Medeiros e Albuquerque e Paula Ramos.47 47 Cf. O concurso... (1906, p. 1). Segundo informação do jornal A Federação: Orgam do Partido Republicano,48 48 Cf. Debates na Camara... (1903, p. 1). Medeiros e Albuquerque era o diretor-fiscal dos serviços dos debates da Câmara.

Na edição de 31 de dezembro de 1906, página 3, do jornal O Seculo (RJ)49 49 Cf. O concurso... (1906, p. 3). foi divulgada uma carta reportando a solução arranjada no concurso na Câmara: os candidatos, entre os quais Primitivo Moacyr, teriam usado de meios ilícitos.50 50 Cf. O concurso..., op. cit. Sua índole fora colocada em cheque e, mais tarde, foi constantemente atacado pela frequência com que era visto ao lado de Carlos Peixoto Filho e James Darcy, principalmente durante a campanha para as eleições presidenciais na qual concorriam Rui Barbosa e Hermes da Fonseca. Carlos Peixoto liderou um movimento de apoio à candidatura do primeiro. Considerando que os nomes mencionados na prova, bem como os sujeitos que estavam envolvidos em sua aplicação e correção, correspondiam aos mesmos indivíduos presentes no concurso anterior, em 1903, e em outros cenários cariocas de marcada circulação de Primitivo Moacyr, as dúvidas que pairavam eram bastante plausíveis.

Seu casamento é outro símbolo da ascensão social e proximidade com as elites. Afonso Taunay referencia o fato como um casamento “muito felizmente, com uma senhora da familia do Marquez de São Vicente. E ao cabo de pequeno decurso de ano vira morrer-lhe a jovem esposa, deixando-lhe dois filhos”.51 51 Taunay, op. cit., p. 2. Isso pode ser confirmado pela passagem do próprio Jornal do Commercio, de 3 de outubro de 1942:

O Dr. Primitivo Moacyr que nasceu na cidade de Salvador em 1868, era casado com uma sobrinha do Marquês de São Vicente, falecido há longos anos. Tem o Dr. Primitivo Moacyr dois filhos, dos quais um lhe sobrevive, o Dr. Primitivo Bueno Moacyr, engenheiro civil, casado com a Exma. D. Carmen Hamann Moacyr. Deixa ainda dois netos.52 52 Registro (1942, p. 5).

Sua esposa era Maria Pimenta Bueno, filha do Comendador Pimenta Bueno, de influente família de Campos dos Goytacazes, com quem contraiu matrimônio em 26 de fevereiro de 1898, na mesma cidade. No dia 19 de agosto de 1900, segundo o periódico A imprensa,53 53 Cf. Fallecimento (1900a). faleceu vítima de infecção tifóide, com 26 anos de idade, filha da “extremosa Exma. Sra. D. Marianna Seabra Pimenta Bueno”, segundo o Monitor Campista, novamente na primeira página.54 54 Fallecimento (1900b, p. 1). Caracterizado como “estimado e distincto advogado e redactor de debates da camara dos deputados”, Moacyr teria acompanhado todo o cortejo fúnebre até o sepultamento às 16 horas daquele dia, “sahindo o feretro da casa n.58 da rua Conde de Baependy”.55 55 Falecimento (1900c, p. 2). Os jornais noticiaram o convite da missa de sétimo dia na Igreja da Glória e a presença de pessoas como Nilo Peçanha (ex-professor da FLDRJ e, naquele momento, ocupando o cargo de deputado), o senador Arthur Rios, demais autoridades e pessoas do povo naquele momento espiritual reforçam os laços de solidariedade.

Anteriormente, no ato de sepultamento de Augusto Rios, filho de Arthur Rios, estavam presentes Primitivo Moacyr, Eugenio Pinto e Fonseca Hermes, redatores da Câmara dos Deputados, presidido pelo pai em luto e outras inúmeras pessoas, em 27 de novembro de 1896, conforme informou A Notícia.56 56 A Notícia (1896).

Ainda sobre a família de Moacyr, Afonso Taunay informa outra perda que atuaria fortemente sobre a vida do intelectual:

Algum tempo mais tarde outra grande provação o esperava-o (sic), a perda de um filho já moço.

Duramente atingido confinou-se por largo tempo no isolamento entregue ao convivio dos bons livros amigos e da musica dos grandes mestres. A sua casa de Petropolis soubera adornar com uma biblioteca e uma discoteca selecionadas do maior bom gosto.

Voltou depois ao convívio de amizades seguras e mitigadoras do isolamento cujas consequências receiava pela sua saúde mental.57 57 Taunay, op. cit., p. 2.

O filho em questão era Carlos Bueno Moacyr, falecido em novembro de 1925. O isolamento social teria sido contemporizado pelo “convívio dos bons livros amigos e da música dos grandes mestres”. Mais uma vez, a escrita de Taunay é marcada pela representação de Moacyr para além dos sentimentos paternais, como um bom leitor, apreciador da música clássica, portanto, um sujeito culto.

Com Primitivo Bueno Moacyr, o filho mais novo, há indícios de um relacionamento estremecido. Taunay indica que os dois não tiveram boa convivência ao longo dos anos.

As vicissitudes da vida haviam-no mantido no afastado do único filho que lhe restava, filho de que muito se desvanecia e lhe trouxera uma filha a quem muito e muito queria. Pondera por ser interessante gozar de novo de tão grata companhia.

- Não é minha nora e sim minha sogra costumava repetir a gracejar. Minha sogra sim, pelo muito que se interessa pela minha vida e pelo meu bem estar é um cérebro de minha saude!

Com a mesma gratidão sempre se referia a uma sua empregada de dezenas de anos, Margarida, governante de sua casa desde que se casara. Ajudara-o imenso a criar-lhes os filhos.58 58 Ibid. p. 2.

“As vicissitudes da vida” às quais se refere Taunay foram interpretadas como um ressentimento entre pai e filho, por Guaraci de Melo,59 59 Melo (2018). e que, talvez, tenha ficado para trás no fim da vida, quando puderam novamente conviver próximos. Segundo a autora, Gustavo Hamann Moacyr, neto de Primitivo, durante uma entrevista, afirmou que havia mágoas antigas entre os “Primitivos” da família:

[...] seu pai guardava certo ressentimento pelo velho Primitivo porque este parecia ter predileção pelo filho Carlos, o que o levou, inclusive, a, em seu leito de morte, chamar Primitivo Bueno para pedir desculpas. Teria sido o ressentimento o motivo pelo qual o pai, após matricular seus dois meninos no Colégio Chateau de Lancy, em Genebra, ter resolvido trazer Carlos para o Brasil, transferindo Primitivo Bueno, então com 13 anos, para estudar na Alemanha, sozinho.60 60 Ibid., p. 45.

Além desta questão entre os “Primitivos”, outro ponto importante suscitado pelo texto de Taunay sobre a trajetória de Moacyr nos instigou: as presenças femininas, ou seja, a nora e a empregada. Estes fatos da vida íntima são importantes para entendermos como o sujeito vivenciava as relações interpessoais em seu tempo e pudera organizar as demandas domésticas para atender às exigências profissionais e intelectuais.

Viúvo com dois filhos pequenos, enviou-os para estudarem na Suíça, no Colégio Chateau de Lancy, em Genebra, por um período entre as décadas de 1900 e 1910.61 61 Encontramos notícias de viagens deles em 1909, via Hamburgo, na Alemanha, como noticiado pelo Jornal Correio da Manhã no dia 16 de janeiro de 1909, no Paquete all Captain Roca da Community Hannecker, que, entre os passageiros, estavam Carlos Moacyr Primitivo e dr. Primitivo Moacyr. ALFANDEGA... (1909, p. 7). Estudavam naquela escola, os filhos de Primitivo Moacyr e Agenor de Roure Filho, de Agenor de Roure. Em outubro de 1910, ocorreu a visita de Fonseca Hermes aos meninos, que estudavam no Colégio Chateau de Lancy em Genebra, acompanhado por Francisco Valadares e a Madame Fonseca Hermes. (Fon-Fon!..., 1910, p. 28). Porém, a presença da governanta Margarida na casa de Moacyr, desde o momento de seu casamento, explicitada por Taunay, era desconhecida, e isso tem impacto na leitura das fontes que o apontam em viagens nacionais e internacionais, festas, jantares e eventos intelectuais, muitos noturnos. Ademais, a figura desta governanta aponta para o silenciamento de certos tipos sociais e profissionais pela imprensa nacional. O texto de Taunay carrega uma riqueza importante ao expor estes apontamentos da vida privada.

Outro detalhe da vida particular e de suas qualidades enquanto intelectual é posto na passagem a seguir, que atua sobre dois campos distintos da vida de Moacyr: o apreço pela educação e pela natureza. Afonso Taunay e Moacyr realizaram duas viagens juntos pelo interior de São Paulo. Na primeira viagem, para Itu, Moacyr

[...] teve ótima impressão da sua vasta e bela matriz. Com grande interesse visitou o Museu da Convenção, mas o prazer de suas impressões culminou com a demorada visita que então fizemos ao grande estabelecimento de instrução feminina que a Congregação de São José ali mantém, o colégio afamadissimo em todo o Estado de S. Paulo de Nossa Senhora do Patrocinio.

[...]

A Primitivo Moacyr causou a mais funda impressão o exame atento da documentação do ensino que ali se ministra. Repetidas vezes exprimiu-me a elevada surpresa que causara a intimidade da vida colegial do tão prestigioso Instituto Ituano.62 62 Taunay, op. cit., p. 2.

Entre os vários locais que visitaram, o Instituto Ituano ganhou relevo na escrita. Sendo Primitivo Moacyr conhecido pelos seus artigos e livros sobre os temas da instrução pública, entendemos que a retórica aqui é posta a valorizar tal visita em detrimento de outras possíveis a serem evidenciadas. Os demais pontos de turismo evocados remetem ao valor da religiosidade para os dois, ou para o leitor do texto, bem como o conhecimento na figura da própria arquitetura da igreja ituana e do passeio pelo museu indicado, sendo Taunay um dos principais nomes da história do Museu Paulista. A intelectualidade e os valores pessoais são marcas da personalidade de Moacyr referenciadas por Taunay bem como a presença sutil do autor na produção da memória.

Ao retornarem a São Paulo, Taunay indica ter percebido como Moacyr “embeveceu a série das lindas paizagens desenroladas ao longo do Tietê”, revelando para ele outro lado do intelectual “de entusiástico da Natureza”. Isto pode ser também encontrado em uma ocorrência na imprensa nacional no dia 14 de julho de 1916, na coluna “Pall-Mall-Rio” do jornal O Paiz: o autor José Antonio José, pseudônimo de Paulo Barreto, escrevendo em tom metafórico, diz ter recebido de Moacyr uma longa epístola acerca dos jardins do Rio de Janeiro.63 63 José (1916, p. 2). Esses contatos com diversos sujeitos e suas trocas intelectuais e sociais atuaram na produção de representações de uma figura erudita e intelectual de Moacyr.

Taunay afirma que, ao constatar tal admiração à beleza da paisagem da estrada de trem paulista, resolveu “levá-lo a descer a Serra do Mar, pela linha recente e grandiosa da Sorocabana, no ramal de Mayrink a Santos”, sendo essa a segunda viagem que fizeram. A única informação que consta deste passeio nos instigou sobre um fato relevante acerca da figura de Moacyr, que a tempos vive silenciada.

Para tanto fomos a Sorocaba onde lhe proporcionei o ensejo de conhecer uma instalação única talvez em seu gênero, a chamada igreja de João de Camargo, velho preto, hierofante, analfabeto que, segundo me consta, acaba de falecer, octagenário avançado.

Era belo tipo de negro super equatorial, de traços finos, vestido pobremente. Sentava-se numa cadeira alta, sobre estrado, com os pés nus apoiados a uma grelha abaixo da qual havia um braseiro.

Pedimos licença para visitar a sua casa e ele nô-la concedeu com a maior polidez. Vasta construção que obedece a mais estrambólica das plantas, consta de uma série de naves maiores e menores principais e secundárias, de cotovelos e esgalhos.64 64 Taunay, op. cit., p. 2.

Ao descrever João de Camargo como negro com todas as qualidades de sua presença, notamos que isso não fora feito a Primitivo Moacyr. Em nenhum momento do texto Taunay se preocupou em descrever seu tom de pele ou detalhes de sua aparência física para além de uma menção à “boa presença”. O estudioso Nei Lopes, em sua Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana,65 65 Lopes (2004). incluiu Moacyr entre os negros notáveis, a partir do livro Estudos sobre o negro de A. da Silva Mello,66 66 Ibid. dizendo ser Primitivo um dos ilustres “homens de cor” do Brasil. Apesar disso, na certidão de óbito, declarada por seu filho Primitivo Bueno Moacyr, consta cor branca. A foto dedicada ao amigo Afrânio Peixoto também indicia traços afrodescendentes (Figura 1).

Figura 1
Fotografia de Primitivo Moacyr oferecida ao amigo Afrânio Peixoto. Fonte: Casa de Cultura e Memorial Afrânio Peixoto.

Primitivo Moacyr não era branco. O silenciamento de Afonso Taunay e de outros autores para tal situação nos informa sobre as questões de coloração ao qual cada sujeito vivenciava naquele contexto da sociedade brasileira. Ao não tratar do tema, fica em aberto a questão do olhar sobre o outro, no entanto, ao definir seu pai como branco, o filho assume uma visão social racista sobre o pai e sobre si. Sua negritude fora suprimida pelo lugar social ocupado, sintoma de uma sociedade que não resolveu seu passado escravocrata e muito menos suas atitudes excludentes dos indivíduos de origem afro-brasileira. Esta marca seria interessante sobre seu lugar social de origem - no interior da Bahia e muito pobre - e sua profissão inicial enquanto professor dos anos iniciais, que foram amplamente evidenciados por Taunay após a supressão das barreiras impostas ao sucesso. De tal maneira, fica posto aquilo que é revivido na memória do autor e da sociedade sobre Primitivo Moacyr.

Esta marca na origem e na vida profissional parece ter tido cara participação na escolha do tema a ser estudado em sua trajetória intelectual. Taunay, sem saber ao certo quando começara a empreitada dos estudos sobre a instrução pública brasileira, afirma que

[...] com afinco desde 1900 talvez dedicou-se aos fastos67 67 Anais, registros de fatos públicos. do ensino público nacional. Quando, a mesa da Câmara resolveu publicar documentos sobre as questões mais salientes debatidas no recinto de sua casa valeu-se de quem se achava perfeitamente aparelhado a tal cometimento.

Foi pois incumbido de colaborar neste tentame à que deu cabal execução.

Os Documentos Parlamentares constituem séries realizadas com o mais elevado critério de seleção. Certo dia exprimí ao seu coordenador quanto me valera do seu trabalho para acompanhar os debates sobre a valorização do café e a Caixa de Conversão.

- Se lhe poupei trabalho, respondeu-me com o bondoso sorriso habitual, dou-me os parabéns, é quanto lhe posso exprimir. Mas naquella época não sabia que o senhor, algum dia, iria ocupar-se com a história do café senão teria melhorado o trabalho.68 68 Taunay, op. cit., p. 2.

A percepção de Afonso Taunay de que, desde o início do século, Moacyr se preocupava com as questões do ensino público nacional está incutida naquilo que ele sabe de Moacyr no presente. No Congresso Nacional, trabalhou nas décadas de 1910 e 1929 na produção da coleção dos Documentos Parlamentares e do Código Civil. Confirmando essa passagem, temos o texto de Andrade Bezerra intitulado “Pelos Estudos das Humanidades”, de 2 de outubro de 1919, na segunda página do Correio da Manhã, quando disserta sobre as fontes para estudos sobre o assunto:

Na utilissima systematisação dos trabalhos parlamentares, que a erudita paciência de Primitivo Moacyr reúne nos Documentos Parlamentares, a organização do ensino publico (mais exacto seria dizer a desorganização do ensino) comporta já quatro alentados volumes em typo seis, composição corrida, na qual vastamente se derrama a boa vontade inoperante de nossos reformadores.69 69 Bezerra (1919, p. 2).

Os volumes sobre a instrução pública foram impressos pela tipografia do Jornal do Commercio em três períodos: em 1918, primeiro, segundo e terceiro volumes; em 1919, do quarto ao décimo volume; e, em 1929, os três restantes. Entretanto, diferente disso é posto no texto por Taunay:

Incumbido de acompanhar a impressão, na Europa, de Documentos Parlamentares, permaneceu Moacyr em Bruxellas, longamente, economizando muito dos seus vencimentos, pois ao findar o trabalho queria satisfazer grande aspiração da vida toda. Empreendeu larga viagem visitando os países do norte, centro e do ocidente europeu. Completou a larga jornada percorrendo os Estados Unidos. Quanta coisa interessante relatava dessas excursões!70 70 Taunay, op. cit., p. 2.

A passagem descrita por Taunay carece de comprovação. O que se sabe é que a impressão dos Documentos Parlamentares foi feita na tipografia do Jornal do Commercio.71 71 Cf. BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Instrução Pública. Documentos Parlamentares, v. 2. Rio de Janeiro: Jornal do Comércio, 1918. Outros temas foram reunidos nesta coletânea, como os debates sobre a valorização do café e a Caixa de Conversão, citados por Taunay e indicando Moacyr como coordenador da publicação.

Os Documentos Parlamentares constituem séries realizadas com o mais elevado critério de seleção. Certo dia exprimí ao seu coordenador quanto me valera seu trabalho para acompanhar os debates sobre a valorização do café e a Caixa de Conversão.72 72 Taunay, op. cit., p. 2.

Para Taunay, a instrução pública era o objeto de estudos da vida de Moacyr. Sua erudição, formação intelectual e atuação profissional criaram as condições para que tal tema se tornasse objeto de empreitada.

Desejara, desde muito, escrever uma história da instrução pública no Brasil, completo quanto possível.

Dedicou-se de corpo e alma a esse cometimento que durante longos anos o empolgaria. Levou-o a cabo com extraordinário amor à exatidão, decorrente da sinceridade do seu feitio. Compulsou verdadeiras montanhas documentos, impressos e manuscritos.

Era desses pesquisadores a quem apavora a possibilidade da surpresa das revelações acaso provindas de alguma fonte desdenhada.

Imenso leu, muito meditou e muito escolheu antes de publicar.

A’s nossas letras históricas, relevantíssimos serviços prestou com a divulgação de estudos tão valiosos quanto honestos.

Verdadeiras monografias magistrais deixou-nos na Brasiliana a preciosa série da Companhia Editora Nacional: A Instrução pública no Império, a Instrução e as Províncias, seis tomos alentados, repertório opulento de informes minudentes, observações e comentários refertos73 73 Repleto, cheio, pleno. de critério e lucidez.74 74 Taunay, op. cit., p. 2.

Tomando-o como pesquisador, Taunay descreve seu processo de estudo, enquanto erudito, conhecedor das fontes e documentos diversos, produzindo uma história da instrução no Brasil. Ele aponta ainda que seus trabalhos ultrapassavam a mera compilação de fatos e dados sobre os temas elencados com a presença de informes minudentes, observações e comentários criteriosos e lúcidos. Tal informação orienta o leitor para a existência de uma forma no trabalho historiográfico de Primitivo Moacyr, não referendado até então na história da educação brasileira. Toma os trabalhos do intelectual apresentando as obras publicadas por importantes editoras nacionais, dando lugar de relevo a elas. Taunay prossegue em outra passagem sacramentando a existência de um cuidado metodológico na produção moacyrniana.

Pude perceber-lhe a intimidade dos métodos do trabalho e composição ao vê-lo, durante mezes, pesquisar no Arquivo do Estado de S. Paulo. Verdadeira admiração deixou seu labor ao pessoal da repartição. Verdadeiro respeito impuzeram os processos da elaboração de sua obra.

Muito grande saudade deixaram aos funcionários do Departamento a lhaneza e bom humor, o feitio grato do tão educado monografista.

Não me surpreendera tal afan. Desde muito me habituara, de tempos a tempos, a vê-lo na Biblioteca Nacional, infatigável, a percorrer relatórios, velhos jornais, anais parlamentares, a tomar notas e mais notas, no vultoso material que o serviçalismo e a cordialidade de Rodolfo Garcia proporciona aos seus consulentes.

Novos volumes originam-se de tão indefeso labor como os da Instrução e a República. [...]

Ainda ultimamente, esquecendo de que era setuagenário, entregou-se com a vivacidade de um rapaz, a intensa busca no Arquivo de Minas Gerais. Prontos para a impressão deixou alguns volumes de Análise de diversas grandes reformas, de história do Ensino Profissional, e Universitário. E em colaboração adiantada livros sobre o nosso ensino, militar, naval e artístico.75 75 Ibid., p. 2.

Devemos lembrar o leitor de que Afonso Taunay dirigiu o Museu Paulista por muitos anos76 76 Cf. Brönstrup (2015), que nos indica a leitura de Brefe (2005). e que isso atua sobre a forma como ele via o trabalho de Moacyr. Ao relatar a presença deste nos arquivos e bibliotecas - em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro -, Taunay referencia o trabalho de pesquisa e escrita de Moacyr como objeto de produções históricas aos moldes das maneiras produzidas pelos sujeitos que a produziam naquele contexto e/ou que detinham o domínio sobre a compreensão de tal ofício. A erudição era algo importante nesse contexto e fazia parte da própria maneira de entender a História e sua escrita.77 77 Cf. Albuquerque Júnior (2005).

Além da presença do próprio Taunay como observador do trabalho de Moacyr, contamos também com Rodolfo Garcia, diretor da Biblioteca Nacional, e os funcionários dos arquivos, indicando que os trabalhos de Primitivo Moacyr foram para além daquilo que existia nos Documentos Parlamentares. O mesmo pode ser verificado na escrita dos 199 artigos encontrados no Jornal do Commercio, visto que serviram de base para a produção de seus livros entre 1936 e 1944.

Do Jornal do Commercio, segundo Taunay, Primitivo Moacyr guardava “os mais veementes atestados. Seu colaborador de tantos anos era-lhe o amigo gratissimo, como ninguém mais poderia sê-lo”. Foi nesta folha que seus primeiros escritos, que chamou de crônicas, foram publicadas em formato de série,78 78 A primeira série tratou da “intervenção nos Estados” do Poder Executivo federal e contou com quatro crônicas publicadas em janeiro de 1915 nas páginas do mesmo jornal. somando 15 publicações em dias distintos. Um ano depois, estas crônicas foram reunidas no formato do livro O Ensino Público no Congresso Nacional: Breve Notícia, impresso pela tipografia do mesmo jornal. A obra de Moacyr fez parte das páginas do jornal carioca por quase três décadas, apesar disso, ele não esperava que o público alcançado por seus trabalhos fosse vasto, pelo menos no caso dos livros. Taunay indica que ele

Não apreciava que lhe encarecesse o trabalho. Isto lhe arrepiava a modéstia. Seus livros, dizia, só podiam interessar a muito especialisado publico.

- Mas este é que esta tomando ares de população, observei-lhe certa vez. O sr. Octales Marcondes contou-me que vai reimprimir os seus primeiros volumes.

- Que quer o sr.? Há gosto para tudo! Em todo caso isto sempre serve de estímulo a quem trabalha.79 79 Taunay, op. cit., p. 2.

O discurso produzido em torno do público leitor pode ser entendido de duas maneiras: a primeira considerando que Moacyr escrevia para um auditório seleto que poderia e teria condições de ler sua obra volumosa; a segunda reside sobre a própria dinâmica da produção livreira no Brasil neste recorte da Era Vargas.

Octalles Marcondes era editor e sócio de Monteiro Lobato na Cia. Editora Nacional que, em 1929, passou para o controle do irmão Themistocles Marcondes Ferreira. Até então, a parte administrativa da empresa era realizada por Octalles sendo Lobato apenas autor e tradutor.80 80 Cf. Hallewell (2005, p. 319). Em 1932, Octalles adquiriu a Civilização Brasileira e, dois anos mais tarde, iniciou a publicação da Coleção Brasiliana pela Nacional, idealizada como a quinta série de uma coleção ampla intitulada Biblioteca Pedagógica Brasileira, dirigida por Fernando de Azevedo desde a criação do Ministério da Educação. Tais relações editoriais e publicistas inserem a obra de Moacyr no rol dos volumes importantes da primeira metade do século XX. Apesar da informação de Taunay, não ocorreu uma reimpressão dos trabalhos de Moacyr.

Segundo Francisco Venâncio Filho, a publicação pela Imprensa Nacional respondia à compreensão de Moacyr de que seus livros não representavam interesse econômico.

Escrupuloso, Primitivo Moacyr não quis continuar aí [Companhia Editora Nacional] sua obra, por certo de reduzido interesse econômico. Encontra na clarividência de educador do professor Lourenço Filho o oferecimento oficial do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, que logo inicia a publicação do período republicano.81 81 Venâncio Filho (1943, p. 96). Primitivo Moacyr não fizera parte de nenhuma associação ou instituto intelectual, como a ABL, o IHGB e a ABE, porém, Taunay informa sobre sua presença nas reuniões da chamada Academia Garciana82 82 Academia Garciana foi o nome dado às reuniões promovidas por Rodolfo Garcia (1873-1949) em seu gabinete de diretor da Biblioteca Nacional. Cf. Brönstrup (2015) e Viana (1966). na Biblioteca Nacional.

“Era a sua academia” como costumava repetir. Como apreciava o convívio daqueles habitués das pesquisas que findo o trabalho pela Biblioteca se reúnem a conversar sobre assuntos brasileiros!

Com a maior mágua recordamos agora, os seus amigos e colegas dessa Academia da espontânea agremiação, filha das afinidades eletivas, a irreparável ausência do amigo, do cavalheiro, do erudito...

Além da “sua Academia” mantinha Moacyr assídua freqüentação de várias casas amigas onde a sua memoria perdurará envolta pela saudade e o pesar da cessação de tão gratas relações.

Assim entre o encanto do trabalho e o da pratica da amizade ia vencendo os anos, graças à robusta saúde e a moderação da vida regrada.83 83 Taunay, op. cit., p. 2.

A chamada Academia Garciana foi o nome dado às reuniões promovidas por Rodolfo Garcia (1873-1949) em seu gabinete de diretor da Biblioteca Nacional. Garcia, membro do IHGB e da ABL, se reunia às tardes com alguns historiadores, sendo os mais frequentes Afrânio Peixoto, amigo de Moacyr desde a primeira década de 1900, Levi Carneiro, Elmano Cardim, Alceu Amoroso Lima e o próprio Primitivo. Alceu Amoroso Lima afirmava que os leitores de obras e documentos históricos que habitavam a Biblioteca iam para aquelas reuniões “folhear o Garcia”. Elmano Cardim, membro da ABL, era nesse momento o redator-chefe do Jornal do Commercio e o organizador do Mensario. Afonso D’Escragnolle Taunay, também amigo de Rodolfo Garcia,84 84 Cf. Viana, op. cit. era outro dos habitués.

Possivelmente fora ali, nestas reuniões, que Moacyr e Taunay se tornaram próximos. Em seu estudo sobre Rodolfo Garcia e a escrita da História, Gabriela Brönstrup85 85 Brönstrup, op. cit. aponta que Rodolfo e Afonso Taunay trocaram várias cartas debatendo questões relacionadas ao ofício de historiador. Ao considerar Primitivo Moacyr como parte das letras dedicadas à História, Afonso Taunay o inscreve entre os sujeitos que, mesmo não inseridos na lógica de agremiação dos institutos e academias formais, estavam produzindo de acordo com os trâmites destes e, portanto, deveriam ter sua produção legitimada e valorizada.

Ao final da redação, Taunay se despede de Moacyr e do leitor, trazendo a indicação da leitura do texto, também póstumo, do ministro da Educação, Gustavo Capanema, sobre seu amigo falecido, no qual chancela retoricamente a importância deste para a História e a educação brasileira.

As nobres palavras que, a seu respeito, proferiu, em irradiação nacional, o Sr. Ministro Gustavo Capanema foram as mais exatas na apreciação dos méritos do trabalhador valoroso, do brasileiro apaixonado das coisas brasileiras, do entusiasta da Cultura, do devoto da penumbra e do recolhimento...

Pessoalmente cabe-me exprimir ao encerrar estas muitas singelas páginas de saudade e justiça o que com a maior efusão mais de uma vez declarei a Primitivo Moacyr.

- Dele conservaria sempre mágoa muito grande: a de o ter conhecido, tão tarde, somente a partir de 1933.86 86 Taunay, op. cit., p. 2.

A referência a Gustavo Capanema está presente na página 07 do Jornal do Commercio de 4 de outubro de 1942 (n°04), onde uma nota apresenta o pronunciamento feito na Hora do Brasil, em que o ministro disse algumas palavras sobre a figura de Primitivo Moacyr que, até então, colaborava com o INEP e tinha sete volumes de A Instrução e a República publicados pela Imprensa Nacional. Assim é iniciada a fala o então Ministro da Educação:

A vida, que agora vemos findar, consumiu-se no trabalho e a sua maior consagração foi dada ao admirável empreendimento de escrever a história da educação nacional.

Os livros deixados por Primitivo Moacyr são repositórios preciosos de uma documentação que só poderia ser reunida e sistematizada por um espírito de sua lucidez e paciência.

[...]

Primitivo Moacyr não poude ter a verntura de ver concluída a publicação de sua obra. (ilegível). Esforços não serão poupados (ilegível) Moacyr, se conclua a publicação do último volume, que ele deixou escrito, da sua história da educação na Primeira República.

Primitivo Moacyr serviu à cultura nacional na modéstia e na penumbra. E este é mais um motivo que torna a sua memória digna de nosso respeito.87 87 Registro..., op. cit., p. 7.

As palavras de justiça que Afonso Taunay proferiu em vida dirigidas a Primitivo Moacyr e no texto post mortem se devem ao fato de que sua obra e sua trajetória não terem sido elevadas à condição de imortal e de membro do IHGB. Certo é que, postumamente, sua obra fora vista como fundamental para a construção dos subsídios da história da educação brasileira. Ainda em vida, o amigo Afrânio Peixoto em prefácio no primeiro volume de A instrução e o Império (1823-1853), vindo a público em 1936, destaca uma virtude em Moacyr, referenciada também por Francisco Venâncio no artigo “Primitivo Moacyr e a história da educação”,88 88 Venâncio (1943). este já póstumo. Afirma Peixoto que o autor, “modestamente”, pensa que os seus livros contribuirão para “a futura história da educação brasileira”, no que retruca o prefaciador dizendo: “Ela já está aqui, neste livro, novo, original, prestante, e, às vezes, melancólico, sobre iniciativas, a sequência de nossas ideias, a descontinuidade de nossas ações... O Brasil é principalmente Brasil, em educação...”.89 89 Peixoto (1936, p. 8). Sobre a operação historiográfica, Afrânio afirma que “no Brasil não se pesquisa. [...] A história nessas condições é repetição, é comentado, é fantasia interpretativa”.90 90 Ibid., p. 7. Diferentemente o fez Moacyr que,

[...] sobre educação nacional, investigou, nos arquivos, nas bibliotecas, nos livros, nos relatórios de governo e, de tudo, fez um livro objetivo, sem comentários, nem conclusões. Portanto, obra rara que vai produzir gerações de historiadores, que não o citarão... Que lhe importará? Que lhe importará mesmo o maldigam, depois de copiá-lo?91 91 Ibid., p. 7.

Palavras de justiça àquele que, como quer representar Capanema e Taunay, com “erudição e sempre na penumbra”, produziu uma monumental obra. Representações produzidas que referendaram a figura de Moacyr bem como sua própria obra. Algumas atestadas pelas fontes, outras nem tanto.

O falecido foi digno de homenagens no Jornal do Commercio, tanto pela redação da folha quanto pela via da pena de Taunay, bem como de outros presentes na imprensa brasileira e de amigos, como Afrânio Peixoto, e sua esposa, que, no dia 8 de outubro de 1942, pediram por rezar missas em sua alma na Igreja da Candelária.92 92 Enterros (1942, p. 4). Na seção “Gazetilha” do Jornal do Commercio de 11 de outubro de 1942,93 93 Cf. Academia Brasileira (1942, p. 06). encontramos os membros da Academia Brasileira de Letras, em sua coluna na folha, prestando homenagens na seção semanal do mesmo dia do pedido de missa de Afrânio Peixoto, na figura de seu presidente José Carlos de Macedo Soares, vice-presidente Múcio Leão e dos vários presentes, incluindo Afonso D’Escragnolle Taunay, Levi Carneiro, Ataulfo Paiva e Rodolfo Garcia. Nessa seção, Pedro Calmon requisitou um voto de pesar pelo falecimento de Moacyr, referindo-se “[à] vida operosa do ilustre cronista da educação nacional”, enumerando suas obras - com exceção do livro de 1916 - e finalizando com a afirmação de que Moacyr “construiu um monumento perene. Demasiadamente modesto para aspirar outro prêmio, este lhe outorgamos: a justiça ao seu glorioso e paciente estudo!”. Palavras reiteradas por Levi Carneiro, Ataulfo de Paiva, Aloysio de Castro e Claudio de Sousa se referindo com saudade à memória de Primitivo Moacyr retoricamente apresentado em seus discursos como “modesto, de aprimorada educação e integridade de caráter”.94 94 Registro..., op. cit., p. 6.

QUANDO A MORTE NÃO É O FIM

O texto de Afonso D’Escragnolle Taunay, fúnebre, prestou homenagem ao amigo Primitivo Moacyr, falecido poucos dias antes de sua publicação. Para além da escrita de um artigo de colaboração em que pesava a atuação de Afonso Taunay no Jornal do Commercio, vemos a produção de uma narrativa cuja intenção era estabelecer condições para a eternização da memória de um sujeito que não obteve os louros em vida que seu grupo social, representado pelo autor do texto, acreditava que merecera. A vida e a obra de Moacyr foram expostas em tom de elevação, mesmo no único momento em que poderia existir alguma crítica à trajetória de vida do intelectual baiano quando as relações com o filho foram citadas na narrativa.

Pode-se ler o texto de Taunay por várias vias. Preferimos inseri-lo em sua dinâmica do local em que fora posto a ser lido. Na imprensa brasileira, em especial no Jornal do Commercio do Rio de Janeiro, Taunay escreveu durante longos anos. Lá, também atuou o falecido. Escritores que fizeram parte de um grupo social que compartilhavam maneiras de vivenciar e ver o mundo. Produziram modus operandi de leitura, escrita e operações historiográficas, representações em torno de si e dos outros que podem ser notadas na leitura desse texto memorial de Taunay quando colocadas em contraposição às demais fontes históricas que partilham o mesmo objeto. Aproximações, distanciamentos, novidades e silenciamentos foram percebidos em nossa operação crítica estabelecendo sobre o texto e suas informações a condição de documento histórico, bem como objeto da memória de um indivíduo produzida por meio de suas lembranças e da coletividade na qual estava inserido.

A operação historiográfica pressupõe a crítica, a confrontação de fontes, sem desmerecer ou desqualificar a produção da memória, as representações. Justamente o cruzamento das fontes é que nos permite afirmar sobre as representações. Não sendo este o objetivo neste artigo, apresentamos, a seguir, apenas alguns exemplos no qual podemos apreciar uma visão distinta da de Taunay sobre Moacyr, sem perder de vista que Taunay conheceu Moacyr quando este já tinha mais de 65 anos. Sem dúvida, não era o mesmo Moacyr descrito nesse exemplo que apresentamos, com pouco mais de 40 anos.

Na Revista D. Quixote de 11 de setembro de 1918, na seção “Antonymias Bizarras”, assinada por Curió, um texto bastante curioso e irônico sobre as personalidades da sociedade discorre sobre os fatos e atores sociais classificando-os por suas qualidades e particularidades. Primitivo Moacyr é tomado de “homme du monde raffiné”.95 95 Curió (1918, p. 18). Na mesma revista, na seção “ElegampciasMARQUEZ DE VERNIZ. Elegampcias. D. Quixote, Rio de Janeiro, ano 3, n. 91, p. 12, 5 fev. 1919.”, no dia 5 de fevereiro de 1919, em texto assinado por Marquez de Verniz, pode-se ler este autor tratando do assunto da volta à moda dos recitais ao piano, de forma irônica, em que ridiculariza determinados membros da sociedade carioca como Mademoiselle Lilah, que recita dezesseis mil versos “com muita graça e rapidez, em menos de oito horas seguidas” e que, “sobrepuja o illustre dr. Primitivo Moacyr, que levou sete horas para recitar, ha dias, em um salão, os dez cantos dos Lusíadas”.96 96 Marquez... (1919, p. 12). Quanta erudição! Por fim, em 26 de fevereiro de 1919, na seção “ElegampciasMARQUEZ DE VERNIZ. Elegampcias. D. Quixote, Rio de Janeiro, ano 3, n. 94, p. 12, 26 fev. 1919.”, no texto assinado pelo mesmo autor, tratando das festividades do carnaval no Brasil e de que isso já se tornara uma prática típica de nossa cultura, ao referir-se aos bailes do passado, fazendo alusão aos valores de entrada com a descoberta do Brasil e os valores dos anos de 1919, atentou para o caso de sujeitos que não perdiam um baile, entre eles, Primitivo Moacyr: “um Baile de 1.500, por melhor que seja, não se póde comparar a um baile de vinte mil réis”. Ironicamente, chama de velhos e mesquinhos os personagens que ainda perduravam na sociedade dos antigos carnavais, tais como “Indio do Brazil, Enéas Martins, Primitivo Moacyr, Justiniano de Serpa e Astolpho Rezende, são, talvez, os únicos sobreviventes. E é por isso que, ainda hoje, elles andam de bilheteria em bilheteria de theatro, procurando, aflictos os bailes de 1500”.97 97 Ibid., p. 12.

Essas representações dispostas discursivamente em tom de ironia e galhardia sobre os sujeitos da sociedade carioca na década de 1910 nos chamam atenção para o fato da representação de Primitivo Moacyr produzida por Taunay, resultado de seu relacionamento com ele, não coincidindo exatamente à realidade, ou, pelo menos, à realidade de Moacyr em décadas anteriores àquela em que Taunay o conheceu.

Por fim, a dupla existência do suporte que guarda a memória construída em tal texto atenta para uma última consideração. Se o Jornal do Commercio, mesmo sendo o mais caro entre os periódicos que circulavam à época, atuava sobre um determinado público leitor restrito, o Mensário seguia uma tônica ainda menos inclusiva. Tal suporte produz representações, se estabelecendo enquanto documento/monumento e elevando-o à condição de lugar de memória.

Jacques Le Goff98 98 Le Goff, op. cit. lembra que o monumento tem caráter pedagógico e reenvia a certos sentidos do passado, de modo muitas vezes mais eficiente que outras formas documentais, como os papéis, sujeitos à circulação mais restrita. O monumento constitui uma obra essencialmente pedagógica devido a sua visibilidade, criada a partir de um esforço de perpetuação de certos sentidos históricos. Monumentalizar o passado é uma forma de lutar contra o esquecimento de certa trajetória escolhida para ser destacada. Os monumentos podem, por exemplo, narrar a afirmação simbólica de um regime político, celebrando os “vencedores” de uma história.

No caso das publicações similares ao Mensário, podem ser considerados um esforço contra o esquecimento de certo status adquirido pelo jornalismo, pelos escritores dos artigos de colaboração, pela elite intelectual brasileira, parte da luta por sua atualização e manutenção. Reunidos em mensários, os artigos de colaboração adquirem outra condição social, transformando-se em registro histórico, coleção, objeto de pesquisa e documento histórico.

O texto de Afonso Taunay, se lido neste suporte, será lugar de memória monumental. Sem a crítica devida às representações presentes e o cruzamento com outras fontes, pela figura que narra, pelo conteúdo e lugar, o texto se torna verdade. A memória se torna História, e o conteúdo, monumento. Para a trajetória de Moacyr, nada seria mais brilhante. Aquilo que não veio em vida, veio post mortem. Para a história da educação, o texto indica um caminho a novos objetos e fontes, desde que criticamente inserido em uma análise de sua condição enquanto produto da memória e preocupado com a operação historiográfica que concebe tal narrativa enquanto produtos de escolhas do tempo de produção do texto.

Estava em curso, naquele contexto de produção, circulação e apropriação do Mensario do Jornal do Commercio, “um processo de especialização da atividade intelectual”, nas palavras de Eliana Dutra.99 99 Dutra (2004, p. 49). Não por acaso, tal processo coincidia com movimentos paralelos e conectados entre si: o fortalecimento do campo de conhecimento das Ciências Sociais e Humanas; o surgimento das universidades brasileiras - o próprio Fernando de Azevedo à frente da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, inaugurada em 1934; e a modernização do Estado brasileiro, dando origem à institucionalização de inúmeras atividades educacionais e culturais.

Na crônica memorialista, Taunay tem como referência o Moacyr idoso que conhecera pessoalmente. O que sabe do início da vida até a década de 1930 foi por “ouvido” de Primitivo e de outros, porém, trata dele na juventude e sobrepõe os tempos acusando o que sabe do presente dele (1942TAUNAY, Afonso D’Escragnolle. Preito de muita saudade. Mensario do Jornal do Commercio, v. 1, t. 20, n. 58, p.117-120, out. 1942.) sobre o tempo do passado. O trabalho de crítica à memória é justamente mostrar as representações e a memória construída a partir delas, e que isso pode ser sacralizante para a memória coletiva da sociedade, como o apagamento de Moacyr quanto a sua negritude.

A produção de um texto fúnebre atende a uma dupla necessidade de preservação e defesa do próprio sujeito e de sua rede de sociabilidade. A existência de tal escrito ilumina o lugar de Moacyr como intelectual na produção das pesquisas sobre a história da educação brasileira.

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    » https://bit.ly/3ybcuco
  • 1
    O desenvolvimento deste trabalho contou com o apoio da Coordenação de Avaliação de Pessoal de Nível Superior (Capes), na modalidade de bolsa de estudo.
  • 4
    Galeano (2007GALEANO, Eduardo. Livro dos abraços. Porto Alegre: LP&M, 2007., p. 121).
  • 5
    Para refletir sobre a categoria de intelectual, utilizamos as ideias de Sirinelli (2003SIRINELLI, Jean-François. Os intelectuais. In: RÉMOND, René (org.). Por uma história política. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2003.) e Vieira (2015VIEIRA, Carlos Eduardo. Intelectuais e educação. Pensar a Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 1, n. 1, p. 3-21, 2015.), assim caracterizado: gosto e familiaridade com a cultura; sentimento de missão ou de dever social; produtor de conhecimento e mediador social.
  • 6
    Cf. Sirinelli, op. cit.
  • 7
    Este texto é necessário para entender toda a operação historiográfica que levanta as questões em torno das relações entre memória e história. Além disso, sua leitura é importante para compreender as categorizações relacionadas às memórias individual e coletiva, que não cabem neste texto.
  • 8
    Sobre esse assunto, Barros (2009JORNAL do Comércio. FGV CPDOC, Rio de Janeiro, 2009. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/3j3Rz6v >. Acesso em: 15 jan. 2019.
    https://bit.ly/3j3Rz6v...
    ) indica a leitura, entre outras, de Halbwachs, Maurice. Mémoire Collective. Paris: PUF, (1950).
  • 9
    Le Goff (1990LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas: Editora da Unicamp, 1990.).
  • 10
    Bosi (1994BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembranças de velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.).
  • 11
    Chartier (2017CHARTIER, Roger. A história ou a leitura do tempo. Belo Horizonte: Autêntica, 2017.).
  • 12
    Ariès (1998ARIÈS, Philippe. Sobre a história da morte no Ocidente desde a Idade Média. Lisboa: Teorema, 1998.).
  • 13
    Cf. Borges (1979BORGES, Jorge Luis. Funes, o memorioso. In: Prosa Completa. Barcelona: Bruguera, 1979. p. 477-484.).
  • 14
    Nora (1993NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História, São Paulo, v. 10, p. 7-28, 1993., p. 13).
  • 15
    Ibid., p. 9.
  • 16
    Ibid., p. 12.
  • 17
    Ibid., p. 18.
  • 18
    Ibid., p. 9.
  • 19
    Ibid., p. 21-22.
  • 20
    Le Goff, op. cit., p. 473.
  • 21
    Essa obra fez parte das comemorações do IV Centenário da Cidade de São Paulo.
  • 22
    Cf. «Afonso d´E. Taunay | Academia Brasileira de LetrasAFONSO d’E. Taunay. Academia Brasileira de Letras, Rio de Janeiro, [20--?]. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/3gn30ED >. Acesso em: 20 out. 2019.
    https://bit.ly/3gn30ED...
    ». Academia Brasileira de Letras. Consultado em 20 de outubro de 2019.
  • 23
    O texto está disposto em duas colunas e meia, no canto superior esquerdo da página com sete colunas, perfazendo 16.450 caracteres.
  • 24
    As publicações do Mensario do Jornal do Commercio circularam entre 1938 e 1946, em 33 tomos com 99 números ao todo e reunia a coletânea dos artigos de colaboração publicados aos domingos. Entre seus muitos colaboradores, Afonso Taunay foi o mais frequente, com 398 dos 4.358 artigos publicados.
  • 25
    Entre elas: Associação Brasileira de Letras (ABL), Associação Brasileira de Educação (ABE) e Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB).
  • 26
    Taunay (1942TAUNAY, Afonso D’Escragnolle. Preito de muita saudade. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, ano 116, n. 22, p. 2, 25 out. 1942., p. 2).
  • 27
    Ibid., p. 2.
  • 28
    Cf. Registro... (1942REGISTRO. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, ano 116, n. 3, p. 5, 3 out. 1942.).
  • 29
    Cf. Registro: Dr. Primitivo Moacyr... (1942REGISTRO: Dr. Primitivo Moacyr. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, ano 116, n. 4, p. 7, 4 out. 1942.).
  • 30
    Notas... (1942NOTAS MUNDANAS: Primitivo Moacyr. O Jornal, Rio de Janeiro, XXIV, n. 7154, p. 4, 4 out. 1942.).
  • 31
    Taunay, op. cit., p. 2.
  • 32
    Telegramas... (1909TELEGRAMAS. O Século, Rio de Janeiro, IV, n. 1024, p. 1, 23 dez. 1909., p. 1). Na certidão de óbito consta Amélia Horta.
  • 33
    Cf. Carvalho e Machado (2016CARVALHO, Rosana; MACHADO, Raphael. Primitivo Moacyr e a produção historiográfica: entre o modus operandi do IHGB e a chancela do INEP. Acta Scientiarum: Education, Maringá, v. 38, n. 4, p. 355-364, 2016. Doi: <https://doi.org/10.4025/actascieduc.v38i4.28147>.
    https://doi.org/10.4025/actascieduc.v38i...
    , 2018CARVALHO, Rosana; MACHADO, Raphael. A história da educação brasileira na produção de Primitivo Moacyr. Revista de História e Historiografia da Educação, Curitiba, v. 2, n. 4, p. 147-169, 2018. Doi: <http://dx.doi.org/10.5380/rhhe.v2i4.55469>.
    http://dx.doi.org/10.5380/rhhe.v2i4.5546...
    ).
  • 34
    Taunay, op. cit., p. 2.
  • 35
    Ibid.
  • 36
    Cf. Ferreira (1895FERREIRA, Antonio Gonçalves. Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Relatório apresentado ao Presidente da República dos Estados Unidos do Brazil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1895.).
  • 37
    Cf. Cavalcanti (1898CAVALCANTI, Amaro. Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Relatório apresentado ao Presidente da República do Estados Unidos do Brazil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1898.).
  • 38
    Annaes da Camara dos Deputados (1895ANNAES DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. Primeira sessão da Segunda Legislatura: sessões de 01 a 31 de outubro de 1894. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1895. v. 6.).
  • 39
    Cf. A revolta... (1893A REVOLTA: informações e pormenores. O Paiz, Rio de Janeiro, ano IX, n. 4147, p. 1, 14 set. 1893.).
  • 40
    Cf. O aviso... (1893O AVISO de 22 de julho. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, ano XIX, n. 207, p. 1, 27 jul. 1893.).
  • 41
    Taunay, op. cit., p. 2.
  • 42
    Consta a notícia na seção sobre os trabalhos no Congresso Federal que “a Mesa da Camara dos Deputados, reunida hontem, após a eleição, reorganisou os serviços dos debates, elevando a seis o numero de redactores e constituindo sob a chefia do Sr. Felix Ferreira, decano do jornalismo, na Camara dos Deputados, a seguinte redacção dos debates: Drs. Gervasio Saraiva, Primitivo Moacyr, Fonseca Hermes, Agenor de Roure e Alvaro Fernandes” (CONGRESSO NACIONAL [1895CONGRESSO NACIONAL. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, ano 73, n. 115B, p. 2, 10 maio 1895., p. 2]).
  • 43
    Cf. Camara dos Deputados (1895CÂMARA DOS DEPUTADOS. O Paiz, Rio de Janeiro, ano XI, n. 3878, p. 1-2, 15 maio 1895.).
  • 44
    Cf. Doutor... (1899DR. LUIZ VIANNA. Cidade do Rio: Jornal da Tarde, Rio de Janeiro, ano XI, n. 178, p. 1, 27 jul. 1899.).
  • 45
    O banquete... (1899O BANQUETE oferecido ao Dr. Luiz Vianna. A Imprensa, Rio de Janeiro, ano II, n. 295, p. 1, 28 jul. 1899., p. 1).
  • 46
    Taunay, op. cit., p. 2.
  • 47
    Cf. O concurso... (1906O CONCURSO na Camara. O Século, Rio de Janeiro, ano 1, n. 113, p. 1, 28 dez. 1906., p. 1).
  • 48
    Cf. Debates na Camara... (1903DEBATES na Camara. A Federação: Orgam do Partido Republicado, Porto Alegre, n°228, p. 1, 1903., p. 1).
  • 49
    Cf. O concurso... (1906O CONCURSO na Camara. O Século, Rio de Janeiro, ano 1, n. 115, p. 3, 31 dez. 1906., p. 3).
  • 50
    Cf. O concurso..., op. cit.
  • 51
    Taunay, op. cit., p. 2.
  • 52
    Registro (1942REGISTRO. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, ano 116, n. 3, p. 5, 3 out. 1942., p. 5).
  • 53
    Cf. Fallecimento (1900aFALLECIMENTO. A Imprensa, Rio de Janeiro, ano 3, n. 683, p. 1, 20 ago. 1900.).
  • 54
    Fallecimento (1900bFALLECIMENTO. Monitor Campista, Campos dos Goytacazes, ano 64, n. 191, p. 1, 21 ago. 1900., p. 1).
  • 55
    Falecimento (1900cFALLECIMENTO. A Notícia, Rio Janeiro, ano 7, n. 194, p. 2, 21 ago. 1900., p. 2).
  • 56
    A Notícia (1896A NOTÍCIA, Rio de Janeiro, ano 3, n. 284, p. 2, 28 nov. 1896.).
  • 57
    Taunay, op. cit., p. 2.
  • 58
    Ibid. p. 2.
  • 59
    Melo (2018MELO, Guaraci Fernandes Marques de. Primitivo Moacyr: de professor a dândi, uma vida dedicada à escrita da instrução pública. 2018. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.).
  • 60
    Ibid., p. 45.
  • 61
    Encontramos notícias de viagens deles em 1909, via Hamburgo, na Alemanha, como noticiado pelo Jornal Correio da Manhã no dia 16 de janeiro de 1909, no Paquete all Captain Roca da Community Hannecker, que, entre os passageiros, estavam Carlos Moacyr Primitivo e dr. Primitivo Moacyr. ALFANDEGA... (1909ALFANDEGA: movimentos do norte. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, ano VIII, n. 2742, p. 7, 17 jan. 1909., p. 7). Estudavam naquela escola, os filhos de Primitivo Moacyr e Agenor de Roure Filho, de Agenor de Roure. Em outubro de 1910, ocorreu a visita de Fonseca Hermes aos meninos, que estudavam no Colégio Chateau de Lancy em Genebra, acompanhado por Francisco Valadares e a Madame Fonseca Hermes. (Fon-Fon!..., 1910FON-FON! Na Suissa. FON-FON!, Rio de Janeiro, ano IV, n. 37, p. 28, 10 set. 1910., p. 28).
  • 62
    Taunay, op. cit., p. 2.
  • 63
    José (1916JOSÉ, José Antonio. Pall-Mall-Rio. O Paiz, Rio de Janeiro, ano XXXII, edição n. 11603, p. 2, 14 jul. 1916., p. 2).
  • 64
    Taunay, op. cit., p. 2.
  • 65
    Lopes (2004LOPES, Nei. Enciclopédia brasileira da diáspora africana. São Paulo: Selo Negro, 2004.).
  • 66
    Ibid.
  • 67
    Anais, registros de fatos públicos.
  • 68
    Taunay, op. cit., p. 2.
  • 69
    Bezerra (1919BEZERRA, Andrade. Pelos estudos das humanidades. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, ano XIX, n. 7521, p. 2, 2 out. 1919., p. 2).
  • 70
    Taunay, op. cit., p. 2.
  • 71
    Cf. BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Instrução Pública. Documentos Parlamentares, v. 2. Rio de Janeiro: Jornal do Comércio, 1918BRASIL. Documentos parlamentares. Rio de Janeiro: Jornal do Comércio, 1918. v. 2..
  • 72
    Taunay, op. cit., p. 2.
  • 73
    Repleto, cheio, pleno.
  • 74
    Taunay, op. cit., p. 2.
  • 75
    Ibid., p. 2.
  • 76
    Cf. Brönstrup (2015BRÖNSTRUP, Gabriela D’Ávila. Um ofício polivalente: Rodolfo Garcia e a escrita da história (1932-1945). 2015. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Assis, 2015.), que nos indica a leitura de Brefe (2005BREFE, Ana Claudia Fonseca. O Museu Paulista: Afonso de Taunay e a memória nacional, 1917-1945. São Paulo: Editora Unesp, 2005.).
  • 77
    Cf. Albuquerque Júnior (2005ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. De amadores a desapaixonados: eruditos e intelectuais como distintas figuras de sujeito do conhecimento no Ocidente. Trajetos, Fortaleza, v. 3. n. 6, p. 43-66, 2005.).
  • 78
    A primeira série tratou da “intervenção nos Estados” do Poder Executivo federal e contou com quatro crônicas publicadas em janeiro de 1915 nas páginas do mesmo jornal.
  • 79
    Taunay, op. cit., p. 2.
  • 80
    Cf. Hallewell (2005HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil: sua história. São Paulo: Edusp, 2005., p. 319).
  • 81
    Venâncio Filho (1943VENÂNCIO FILHO, Francisco. Primitivo Moacyr e a história da educação. Cultura Política, Rio de Janeiro, n. 24, p. 94-97, 1943., p. 96).
  • 82
    Academia Garciana foi o nome dado às reuniões promovidas por Rodolfo Garcia (1873-1949) em seu gabinete de diretor da Biblioteca Nacional. Cf. Brönstrup (2015BRÖNSTRUP, Gabriela D’Ávila. Um ofício polivalente: Rodolfo Garcia e a escrita da história (1932-1945). 2015. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Assis, 2015.) e Viana (1966VIANA, Hélio. Curso Varnhagen: Rodolfo Garcia. Instituto Histórico de Petrópolis, Petrópolis, 1966. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/3ybcuco >. Acesso em: 10 jul. 2019.
    https://bit.ly/3ybcuco...
    ).
  • 83
    Taunay, op. cit., p. 2.
  • 84
    Cf. Viana, op. cit.
  • 85
    Brönstrup, op. cit.
  • 86
    Taunay, op. cit., p. 2.
  • 87
    Registro..., op. cit., p. 7.
  • 88
    Venâncio (1943VENÂNCIO FILHO, Francisco. Primitivo Moacyr e a história da educação. Cultura Política, Rio de Janeiro, n. 24, p. 94-97, 1943.).
  • 89
    Peixoto (1936PEIXOTO, Afrânio. Prefácio. In: MOACYR, Primitivo. A Instrução e o Império subsídios para a história da educação no Brasil) - 1823-1853, São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1936, vol I, p.7., p. 8).
  • 90
    Ibid., p. 7.
  • 91
    Ibid., p. 7.
  • 92
    Enterros (1942ENTERROS. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, ano 116, n. 7, p. 4, 8 out. 1942., p. 4).
  • 93
    Cf. Academia Brasileira (1942ACADEMIA BRASILEIRA. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, ano 116, n.10, p. 6, 11 out. 1942., p. 06).
  • 94
    Registro..., op. cit., p. 6.
  • 95
    Curió (1918CURIÓ: antonymias bizarras. D. Quixote, Rio de Janeiro, ano 2, n. 70, p. 18, 11 set. 1918., p. 18).
  • 96
    Marquez... (1919MARQUEZ DE VERNIZ. Elegampcias. D. Quixote, Rio de Janeiro, ano 3, n. 94, p. 12, 26 fev. 1919., p. 12).
  • 97
    Ibid., p. 12.
  • 98
    Le Goff, op. cit.
  • 99
    Dutra (2004DUTRA, Eliana Regina de Freitas. Mediação intelectual e percursos da cultura no Brasil dos anos 1930: o caso da coleção Brasiliana e da Cia. Editora Nacional. In: RODRIGUES, Helenice & KOHLER, Heliane (org.). Travessias e cruzamentos culturais: a mobilidade em questão. Rio de Janeiro: FGV, 2008. p. 154-165., p. 49).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Out 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    16 Nov 2020
  • Aceito
    12 Mar 2021
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