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Eixos da moda popular paulistana: a iniciativa privada na origem e consolidação das ruas Vinte e Cinco de Março e José Paulino1 1 O artigo é um desdobramento da dissertação de mestrado Indústria e comércio de moda no centro de São Paulo: rua José Paulino (1928-1980), realizada entre 2016 e 2018 na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

São Paulo’s popular fashion main streets: the private sector’s role in the origin and consolidation of Vinte e Cinco de Março and José Paulino streets

RESUMO

Este artigo explora a história social das duas principais ruas concentradoras de lojas de moda popular de São Paulo: Vinte e Cinco de Março e José Paulino. A partir da recuperação de trajetórias de famílias estrangeiras estabelecidas nessas ruas, discute-se como a soma das iniciativas privadas de imigrantes que buscavam a estabilização financeira por meio da abertura do próprio negócio relaciona-se à produção do espaço que ocuparam. Em ambos os casos, a transformação de capital produtivo e comercial (tecidos, armarinhos e roupas) em capital imobiliário (construção de imóveis) foi a principal força motriz do processo de verticalização. As famílias aqui retratadas, a exemplo de outras, são agentes sociais cujas atuações, combinadas a demandas decorrentes da metropolização paulistana e a fatores histórico-geográficos, acarretaram êxito econômico. A produção e a venda de roupas, acessórios, tecidos e armarinhos transformaram a Vinte e Cinco de Março e a José Paulino em eixos de referência na cidade, no estado, no país e na América Latina. Por meio do entrelaçamento de fontes bibliográficas, documentais e orais, buscou-se averiguar e discutir as convergências e as particularidades dos dois territórios. O texto aborda processos que datam das últimas décadas do século XIX e chegam à atualidade. Nesse extenso intervalo, foram realizados os loteamentos e arruamentos originários dos atuais traçados e a construção de grande parte das edificações presentes nas vias, além da chegada de novas comunidades estrangeiras.

PALAVRAS-CHAVE:
História urbana; São Paulo; Moda popular; Rua Vinte e Cinco de Março; Rua José Paulino; Comunidades imigrantes

ABSTRACT

This article explores the social history of the two most important popular fashion streets in São Paulo: Vinte e Cinco de Março and José Paulino. By tracing the trajectories of foreign families fixed on these streets, it discusses how private initiatives of immigrants looking for financial stability through the opening of their own business relates to the creation of the space occupied by them. In both cases, the transformation of commercial and productive capital (fabric, clothes, and sewing supplies of the fashion industry) into real estate capital (building construction) was the main driving force of the verticalization processes. The families here portrayed are social agents whose initiatives, combined with the demands arising from the metropolization process and historic and geographic factors of São Paulo, resulted in economic prosperity. The manufacturing and sales of clothes, fabrics, and sewing supplies transformed Vinte e Cinco de Março and José Paulino into important references in the city, state, country, and Latin America. Through bibliographic, documentary, and oral sources, this study sought to investigate and discuss the convergences and particularities of the two territories, addressing processes that date from the last decade of the 19th century to the present day - a period in which allotments and street layouts were shaped, most buildings were constructed, and new foreign communities arrived to the places.

KEYWORDS:
Urban history; São Paulo; Popular fashion; Vinte e Cinco de Março street; José Paulino street

INTRODUÇÃO

No início da pandemia do novo coronavírus (Sars-CoV-2), nos meses de abril e maio de 2020, quando os índices de isolamento social estavam mais elevados e o comércio foi fechado por decreto municipal, não eram raras imagens das ruas Vinte e Cinco de Março e José Paulino vazias, com as portas de enrolar das lojas abaixadas, em jornais impressos e na televisão (Figuras 1 e 3). Como esses são veículos jornalísticos, pode-se supor que o objetivo era a veicular imagens impactantes que capturassem a atenção do leitor e do espectador. A escolha mais frequente pela Vinte e Cinco de Março e pela José Paulino evidencia que o comum, em uma situação pré-pandêmica, eram imagens dessas ruas com os comércios abertos e as calçadas e leitos carroçáveis com intensos fluxos de mercadorias, transeuntes e veículos (Figuras 2 e 4).

Figura 1
Rua Vinte e Cinco de Março em 24 de março de 2020, no primeiro dia de vigência do Decreto nº 64.881, de 22 de março de 2020, do governo de São Paulo, que determinou o fechamento temporário de lojas, bares, restaurantes e cafés em meio à pandemia do novo coronavírus. Fonte: Amâncio (2020AMÂNCIO, Thiago. No 1º dia da quarentena em SP, comércio ainda tem dúvidas. Folha de S.Paulo, São Paulo, p. B9, 25 mar. 2020. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/3nTYcv7 >. Acesso em: 22 set. 2021.
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). Foto: Ronny Santos.

Figura 2
Rua Vinte e Cinco de Março em 22 de dezembro de 2018, com movimento ainda mais intenso devido à proximidade das festas de final de ano. Fonte: Último... (2018ÚLTIMO fim de semana antes do Natal movimenta comércio. Folha de S.Paulo, São Paulo, p. A24, 23 dez. 2018. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2ZdtORY >. Acesso em: 21 dez. 2020.
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). Foto: Nelson Antoine.

Figura 3
Rua José Paulino com suas lojas fechadas em março de 2020, no início da quarentena em São Paulo. Fonte: Maioria... (2020MAIORIA dos estados ignora Bolsonaro e mantém medidas de contenção. Folha de S.Paulo, São Paulo, p. B4, 28 mar. 2020. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/3EK13wI >. Acesso em: 21 dez. 2020.
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). Foto: Ronny Santos.

Figura 4
Rua José Paulino em meados de 2009 ocupada por veículos, clientes e vendedores ambulantes. Fonte: Balmant (2009BALMANT, Ocimara. Bom Retiro a um clique. Folha de S.Paulo, São Paulo, 5 jul. 2009. Revista da Folha, p. 18-20. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/3kyE8fS >. Acesso em: 21 dez. 2020.
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). Foto: Renato Stockler.

Questionamentos do tempo presente - por que são essas, e não outras, as ruas mais populares para se fazer compras em São Paulo? - nos permitem mobilizar o passado, no intuito de recuperar nas histórias dessas ruas possíveis fatores determinantes para tamanha popularidade.

De início, percebemos semelhanças estruturais que englobam contextos singulares. Ambas as ruas se localizam no chamado centro expandido de São Paulo: uma no centro histórico, perto da fundação da cidade, outra em um bairro central, tradicionalmente tido como reduto de diversas comunidades estrangeiras. Inclusive, quando pensamos nos proprietários dos estabelecimentos comerciais localizados nessas vias, fazemos as primeiras associações com os imigrantes: sírio-libaneses e chineses na Vinte e Cinco; judeus e coreanos na José Paulino. As visitas a esses endereços costumam ser acompanhadas por deambulações pelas ruas adjacentes, que em ambos os casos, apresentam comércios similares e/ou complementares aos da via principal. São de fácil acesso, pois, além da centralidade, ficam próximo a infraestruturas de transporte público e estão sempre cheias, pois, por serem centros atacadistas, têm abrangência nacional.

A historiadora estadunidense Nancy Green3 3 Green (1997). observou essas mesmas características (comércio de moda popular atacadista e complementar; localização central em metrópoles; proximidade à infraestrutura de transportes; e incidência de comunidades imigrantes) em bairros de Paris e Nova York, cunhando, pela primeira vez, o termo “distrito têxtil urbano”. Segundo Green, trata-se de territórios localizados nos centros de cidades concentradoras de relações de poder, relevantes economicamente, e influentes culturalmente nos países dos quais são parte. Assim, metrópoles de países que ocupam diferentes posições no sistema capitalista mundial têm regiões especializadas na produção e venda de roupas e tecidos com características convergentes simultaneamente a singularidades locais.

Como sequência dessa visão preliminar panorâmica, olhemos para as histórias da Vinte e Cinco de Março e da José Paulino individualmente, a partir das trajetórias de agentes sociais fundamentais para suas transformações em eixos de referência.4 4 A importância dada neste artigo à iniciativa privada nas histórias das duas ruas não pressupõe a concepção de que o poder público foi ausente ou pouco presente nesses territórios, ele apenas não é o foco da presente análise.

VINTE E CINCO DE MARÇO E A CONSTRUÇÃO DE UMA PRESENÇA ÉTNICA CONTINUADA

Quem caminha pela rua Vinte e Cinco de Março5 5 A Vinte e Cinco de Março foi assim nomeada em 1865, em homenagem à data da primeira constituição do Brasil independente, outorgada em 25 de março de 1824 por Dom Pedro I (RUA..., 2021). e ousa observar as construções nas quais se localizam as lojas de tecidos, armarinhos, fantasias, maquiagens, bijuterias e aparelhos eletrônicos, avista um gabarito irregular distribuído por uma variedade de vocabulários arquitetônicos. Edifícios com linguagem moderna e mais de dez andares se sobressaem em meio a sequências de pequenos prédios racionalistas de térreo mais dois ou três pavimentos. Como testemunhas de um tempo anterior à disseminação de edifícios de arquitetura moderna e art déco no centro de São Paulo, avistam-se fachadas trabalhadas com grande diversidade de ornamentos.

Ao descer a ladeira Porto Geral e virar à direita na Vinte e Cinco, alcança-se, após passar por dois edifícios altos, o número 595 (Figura 5). Trata-se de uma dessas construções mais antigas, um imóvel com loja no térreo cuja abertura para a calçada é explorada ao máximo. Centralizada e logo acima da entrada, há uma tradicional placa informando nome, produtos ali encontrados e contato. Quem segura a placa é a ilustração caricaturada de um senhor que se encontra por sua vez acima de outra placa, bem menor, que diz “desde 1905”. Apesar de ser essa a comunicação que identifica o estabelecimento para o pedestre, há quem possa ter a atenção capturada pelo que ocorre no pavimento superior, onde há seis janelas verticais e uma varanda que engloba quatro das aberturas. Acima das janelas, lê-se “AA & NS”, iniciais de Assad Abdalla - o senhor que segura a placa - e Nagib Salem, seu primo.

Figura 5
Fachada do imóvel de numeração 595 da rua Vinte e Cinco de Março. Foto: Stephanie Guerra de Andrade (10 jan. 2021).

Provenientes da cidade de Homs, na Síria, Abdalla e Salem chegaram ao Brasil em 1895, com vinte e poucos anos de idade. Fizeram parte de uma onda imigratória espontânea e urbana, ou seja, sem incentivos por parte de nenhum dos estados nacionais - Brasil ou Império Otomano -, e com tendência à fixação em cidades. Assim como parcela importante da comunidade sírio-libanesa que se estabeleceu em São Paulo, os primos iniciaram a vida profissional no novo país como mascates, vendedores ambulantes de artigos diversos, também conhecidos pela população como prestamistas ou clientelistas.

Em uma cidade em crescimento acelerado que ainda não contava com uma indústria de vestuário consolidada, o ramo de tecidos e armarinhos, popular entre os mascates de origem sírio-libanesa, era promissor, uma vez que a manufatura artesanal das roupas ainda dominava o setor. O termo “armarinho” corresponde ao conjunto de artefatos necessários para a fabricação de roupas e artigos de vestuário: linhas, agulhas, alfinetes, fitas, elásticos, zíperes, fechos, rendas, acabamentos prontos, entre outros. Os mascates sírio-libaneses os comercializavam em malas que, quando abertas, emulavam a disposição de um armário em miniatura, com divisórias e pequenas gavetas, acarretando a popularização do termo. Na virada do século XIX para o XX, sírio-libaneses representavam cerca de 90% dos mascates atuantes em São Paulo.6 6 Khouri (2013, p. 45).

Nessa época, os mascates se concentravam na região da Vinte e Cinco de Março devido à presença do principal mercado de São Paulo, onde se encontrava uma variedade de mercadorias a serem comercializadas pelas ruas e avenidas da cidade (Figura 6). O Mercado Municipal havia sido aberto no cruzamento da Vinte e Cinco com a General Carneiro7 7 Atual praça Fernando Costa. em 1867, mesmo ano da inauguração do trecho urbano da ferrovia São Paulo Railway, que conectava o interior ao litoral. Posteriormente, esse mercado principal ganhou dois anexos nas proximidades: o Mercado Caipira, concentrando a venda de produtos hortifrutigranjeiros, e o Mercado do Peixe. O complexo foi desativado no início da década de 1930 e transferido para um imponente edifício na rua Cantareira, projetado pelo célebre arquiteto Ramos de Azevedo e construído entre 1928 e 1933, onde permanece até os dias atuais (Figura 7).8 8 Silva (2017, p. 160).

Figura 6
Mascates em frente ao Mercado Municipal, na esquina das ruas Vinte e Cinco de Março e General Carneiro, c.1910. Fonte: Movimento... (2021MOVIMENTO em frente ao Mercado Municipal. In: ACERVO [do Instituto Moreira Salles]: fotografia. Rio de Janeiro: IMS, 2021. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/3EGTeYw >. Acesso em: 4 dez. 2020.
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). Foto: Vincenzo Pastore.

Figura 7
Recorte do Mapa Topográfico do Município de São Paulo Sara Brasil, 1930. A rua Vinte e Cinco de Março está destacada em amarelo. O antigo Mercado Municipal é destacado em vermelho, e o atual Mercado Municipal, em magenta. Fonte: Sara Brasil (1930SARA BRASIL. Mapa topográfico do município de São Paulo. São Paulo: Sara Brasil, 1930.).

A localização dos mercados na Vinte e Cinco de Março era duplamente estratégica. Em relação à inserção urbana, na segunda metade do século XIX, essa área correspondia às extremidades da mancha urbana de São Paulo, constituindo parte do primeiro anel perimetral da cidade, elaborado em 1850. Dessa maneira, viajantes e comerciantes que chegavam do norte ou oeste do estado podiam abastecer-se no complexo de mercados e seguir viagem, alcançando a estrada para Santos, sem atrapalhar o tráfego nem causar tumulto no centro urbanizado, à época ainda restrito à colina histórica e arredores.9 9 Ibid., p. 100.

A outra vantagem relacionava-se ao fato de a região ter sido uma importante porta de entrada de mercadorias da cidade até a conclusão dos processos de retificação do rio Tamanduateí, em 1896. Por ser navegável quando ainda mantido em seu fluxo original, o rio era utilizado para transporte de abastecimentos importados e nacionais, que desembarcavam em algum dos quatro portos da região. O mais importante deles era conhecido como Porto Geral, e sua memória social fixou-se no território a partir da nomeação da famosa ladeira, em 1916 (Figura 8).10 10 Dicionário de ruas da Prefeitura de São Paulo. Disponível em: <https://dicionarioderuas.prefeitura.sp.gov.br/>. Acesso em: 19. nov. 2020.

Figura 8
Esquina da Vinte e Cinco de Março com a ladeira Porto Geral em 1915. Fonte: Oliveira (2016OLIVEIRA, Abrahão de. Especial fotográfico: a 25 de Março. São Paulo in Foco, São Paulo, 23 ago. 2016. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/3lQCTrC >. Acesso em: 4 dez. 2020.
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). Foto: autoria desconhecida.

Além da precoce vocação comercial atrelada à tríade transporte fluvial, portos e mercados, a área da Vinte e Cinco de Março oferecia a mascates da comunidade sírio-libanesa a vantagem de aluguéis baratos para estadias em quartos de pensão. Os baixos valores estavam relacionados à situação de precariedade e instabilidade derivada dos alagamentos ocorridos nas épocas de cheias do rio.11 11 Khouri, op. cit., p. 46. Dessa maneira, antes mesmo da abertura dos primeiros estabelecimentos sírio-libaneses, a associação de trabalho e moradia já se fazia presente nas imediações da margem do Tamanduateí, também conhecida como Várzea do Carmo devido à preponderância do Convento do Carmo na paisagem da região. Em 1849, os primeiros processos de retificação englobaram o trecho das sete voltas, afastando o curso do rio da colina histórica e permitindo a ocupação dessa parte da várzea pela rua Vinte e Cinco de Março.12 12 Rebollo (2012, p. 32).

Após a aquisição das mercadorias, cada mascate costumava eleger uma região da cidade para trabalhar. Podiam atuar na região central, onde, por um lado, não havia necessidade de grandes deslocamentos e o público era abundante, mas, por outro, a concorrência também não era pequena. No centro e nos bairros adjacentes que se formavam com a urbanização do cinturão de chácaras, grande parte da clientela era composta por novos estratos sociais, que surgiam à medida que a cidade se expandia. Chamados de setores médios, abarcavam desde trabalhadores assalariados até pequenos comerciantes e profissionais liberais.

Outros mascates, como Assad Abdalla, elegiam áreas mais afastadas do centro, ainda mais ruralizadas. A partir de visitas frequentes, eles formavam freguesias, geralmente em bairros além-cinturão de chácaras/bairros centrais, como Penha e Santana, os eleitos por Abdalla. Esses deslocamentos eram possibilitados por linhas de bonde, operantes na cidade desde 1872 via tração animal. Em 1886, já eram várias as linhas que conectavam o centro, passando pela Várzea do Carmo, a bairros a leste do Tamanduateí. As áreas ao norte passaram a ser mais facilmente acessadas após a inauguração de uma estação de trem da Estrada de Ferro da Cantareira, que aparece em registros de 1905, na esquina das ruas Vinte e Cinco de Março e General Carneiro. Originalmente direcionada para o transporte de materiais para a construção de uma adutora na Cantareira, a linha de trem passou a transportar também pessoas e produtos agrícolas provenientes de chácaras localizadas ao norte com destino ao complexo de mercados da Vinte e Cinco de Março.13 13 Ibid., p. 47.

Embora desgastante, a mascateação forçava a progressão no idioma por meio da sociabilidade imposta na atividade, e fornecia retornos financeiros relativamente rápidos. Cinco anos de atuação como mascates bastaram para que Abdalla e Salem acumulassem recursos suficientes para fundar uma sociedade que daria origem a dois tipos de negócios. Como muitos dos vendedores ambulantes sírio-libaneses que ascendiam socialmente, os primos decidiram pela abertura de uma loja que comercializasse o mesmo nicho de produtos com os quais trabalhavam enquanto vendedores ambulantes - tecidos e armarinhos - e que se localizasse na mesma rua onde já se concentravam anteriormente, a Vinte e Cinco. Batizaram-na com seus próprios nomes, “Assad Abdalla & Nagib Salem”, outra dinâmica recorrente à época. Na “AA & NS”, Abdalla especializou-se na compra dos produtos que seriam comercializados na loja, enquanto Salem administrava as vendas. A modalidade preponderante era o atacado, e os clientes podiam ser mascates (sírio-libaneses e de outras nacionalidades, como armênios), pequenos comerciantes e/ou produtores de vestuário.

Apesar de se inserirem no grupo dos pioneiros, outras lojas de sírio-libaneses já funcionavam na rua quando a AA & NS foi inaugurada. O primeiro estabelecimento data de 1887, sendo de propriedade de Benjamin Jafet. Em 1895, já eram seis as casas de armarinhos de proprietários sírio-libaneses na rua. Mas foi na virada do século que ocorreu uma disseminação vertiginosa, e no ano de 1901, foram contabilizados mais de quinhentos estabelecimentos sírio-libaneses na área formada pelas ruas Vinte e Cinco de Março, Ladeira Porto Geral, Florêncio de Abreu e Cavalheiro Basílio Jafet.14 14 Khouri, op. cit., p. 46. Boa parte desses estabelecimentos fabricava e/ou comercializava tecidos e/ou armarinhos, entretanto, outros produtos também podiam ser lá encontrados, como roupas, calçados, bolsas, artigos em couro, tapetes, malhas, toalhas, colchas, entre outros.

Como informa a pequena placa na atual fachada da loja, a Assad Abdalla & Nagib Salem funcionou no número 141 da Vinte e Cinco de Março - atualmente 595 - desde 1905. Os tecidos comercializados na loja, cujo carro-chefe era o algodão, tanto cru quanto alvejado, eram acompanhados da inscrição numérica “141”, em referência à numeração da loja na época. Assim, no caso da AA&NS, além dos proprietários e dos produtos comercializados, o endereço também funcionava como um marcador de identidade. A despeito disso, o edifício que abriga parte das instalações da empresa até hoje foi inaugurado apenas em 1910. Pouco tempo depois, o núcleo familiar de Abdalla passou a residir no pavimento superior do novo edifício.

Essa junção de trabalho e moradia em um mesmo imóvel, normalmente loja, oficina, ou armazém em baixo e residência em cima, caracteriza a ocupação de diversas áreas centrais de São Paulo cuja urbanização operou a partir da proliferação de pequenos e médios comércios e serviços, por vezes encabeçados por proprietários imigrantes. No caso da Vinte e Cinco e de outras ruas da região central, entre esses edifícios mistos, aqueles com atmosfera de “palacete”, tais quais o 141/595, marcam a paisagem atualmente. O uso comercial ou de serviços no térreo implica múltiplas aberturas para a rua, e varandas e janelas nos pavimentos superiores sugerem ocupações residenciais. Chamam a atenção pela ornamentação de suas fachadas, que se contrapõem às superfícies lisas dos edifícios funcionalistas que viriam depois. São composições com elementos visuais provenientes de diferentes linguagens arquitetônicas, e que por isso frequentemente acabam sendo enquadradas como “ecléticas” (Figura 9).

Figura 9
Fachadas de imóveis de estilo palacete na Rua Vinte e Cinco de Março. Foto: Stephanie Guerra de Andrade (10 jan. 2021).

A arquitetura dos edifícios com ar de palacete expõe os esforços de diferenciação e sofisticação por parte de seus proprietários e construtores, a começar pela própria utilização do termo palacete para designá-las. É evidente a intenção de comunicar êxito financeiro, ascensão social e, por vezes, ascendência étnica. A simetria vertical da fachada do edifício 141/595 destaca as iniciais dos fundadores da empresa em fonte grande e centralizada, como quem diz “isso é nosso, nós que construímos, a partir do nosso trabalho” (Figura 10). Bem menos destacadas são duas inscrições do ano de conclusão da obra (1910), uma em cada lateral. As marcações de data na fachada podem pressupor um desejo de longevidade do edifício por parte de quem o construiu, como se almejasse que aquele imóvel perdurasse por tempos futuros na paisagem da metrópole. Além de colunas, frisos, molduras, cornijas e guarda-corpos desenhados, estão presentes, no segmento mais alto da fachada, dois exemplares do símbolo do islamismo, composto de uma lua crescente e de uma estrela, também de acordo com a simetria vertical.15 15 Grande parte dos sírio-libaneses estabelecidos na Vinte e Cinco de Março eram cristãos ortodoxos. A primeira igreja ortodoxa de São Paulo foi construída em 1904 na rua Cavalheiro Basílio Jafet (Khouri, 2013, p. 78).

Figura 10
Edifício AA & NS com corpo de funcionários à frente da loja e mulher na varanda do pavimento residencial (sem data). Fonte: Cotrim (2021COTRIM, Luciana. A história dos Salem e a beleza do palacete da família na Av. Paulista. In: COTRIM, Luciana. Série Avenida Paulista. São Paulo, 10 jan. 2021. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/3EOm89o >. Acesso em: 19 jan. 2020.
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).

O crescimento da empresa impulsionou a construção de mais um edifício, colado ao 141/595, que, também como nos informa uma pequena inscrição na fachada, foi inaugurado em 1915. Mais singela, essa segunda construção é estreita e também abriga loja no térreo. Tem dois pavimentos superiores, provavelmente utilizados como estoque, e foi construída de modo a ter a mesma altura do edifício principal, funcionando como um anexo acoplado. Posteriormente, foram erguidos mais dois pavimentos.

Por volta de 1928, Assad Abdalla, a esposa e os filhos deixaram de morar no pavimento superior do edifício da Vinte e Cinco de Março. A família seguiu o movimento de evasão residencial da rua, realizado também por outras famílias proprietárias de estabelecimentos. Assim, a Vinte e Cinco foi se tornando cada vez mais estritamente comercial. Por outro lado, a transferência de moradia atendia a pelo menos dois propósitos. Um, de ordem prática, correspondia à necessidade de mais espaço para os negócios que prosperavam. Com as mudanças, os pavimentos anteriormente ocupados pelas residências familiares eram reformados e adaptados para abrigar estoques e áreas administrativas. Outro, de ordem sociocultural, parece ter peso maior. Ele diz respeito ao quão fundamental era a etapa de mudança de endereço, e mais, de transferência para outra região da cidade, para os processos de ascensão social pelos quais passavam determinadas famílias baseadas em São Paulo, imigrantes ou não.

Dito isso, os Abdalla mudaram-se para nada menos do que um casarão no número 65 (atual 1.636) da Avenida Paulista (Figura 11).16 16 Outros destinos comuns eram Ipiranga, Paraíso e Vila Mariana (Khouri, 2013, p. 206). No endereço mais nobre da cidade à época, a residência da família ocupava um ponto privilegiado, um lote vizinho ao belvedere (onde hoje se encontra o vão livre do Museu de Arte de São Paulo - Masp), um dos poucos mirantes da cidade naqueles tempos. A família adquiriu o imóvel de seu residente anterior, o empresário brasileiro Feliciano Lebre. Já o primo Nagib construiu do zero o casarão para sua família, localizado no número 98 (atual 1.313) da mesma avenida (Figura 12). Contratou arquiteto, paisagista e importou materiais de construção e revestimento.

Figura 11
Vista aérea do casarão da família Abdalla na Avenida Paulista (sem data). Fonte: Cotrim (2019COTRIM, Luciana. A casa e a história de Assad Abdalla. In: COTRIM, Luciana. Série Avenida Paulista. São Paulo, 30 maio 2019. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/3nZmNP0 >. Acesso em 12 jun. 2021.
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). Foto: autoria desconhecida.

Figura 12
Fachada do casarão da família Salem na Avenida Paulista (sem data). Fonte: Cotrim (2021COTRIM, Luciana. A história dos Salem e a beleza do palacete da família na Av. Paulista. In: COTRIM, Luciana. Série Avenida Paulista. São Paulo, 10 jan. 2021. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/3EOm89o >. Acesso em: 19 jan. 2020.
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). Foto: autoria desconhecida.

A intenção de comunicar sofisticação a partir de construções imponentes e fachadas ornamentadas atinge aqui outro nível. O mesmo vocabulário, “palacete”, é utilizado para designar coisas distintas. Os palacetes da Vinte e Cinco de Março são edifícios mistos, ocupam todo o lote e se misturam aos demais estímulos presentes na rua, que é movimentada desde os primórdios de sua urbanização. Em contraposição, as construções da Avenida Paulista, também chamadas palacetes, eram estritamente residenciais e unifamiliares, isoladas no lote por recuos em todos os lados e localizadas em um endereço com significado completamente distinto do da Vinte e Cinco na construção da imagem da cidade, que à época já se pretendia metrópole. A mudança de endereço cristaliza a transferência de patamar social que essas e outras famílias de origem sírio-libanesa alcançaram ainda na primeira metade do século passado.

Tema recorrente na historiografia paulistana, o processo de transformação da Paulista de residência das elites em centro financeiro é caracterizado pela substituição de palacetes por edifícios altos. Os Abdalla permaneceram em sua residência até 1970, ano da morte da matriarca Corgie Haddad Abdalla. A construção foi demolida, mas o terreno só foi parcialmente permutado para uma construtora, a Gafisa, na década de 2010. Em 2012, foi finalizado o Paulista Corporate, edifício corporativo projetado pelo escritório Aflalo Gasperini. O terreno da residência de Nagib Salem foi vendido no mesmo ano de 1970. Nove anos depois, foi nele inaugurado o edifício sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), de autoria do arquiteto imigrante italiano Rino Levi (1901-1965).

Esse salto na condição econômica das famílias em menos de trinta anos, muito bem ilustrado por suas residências na avenida Paulista, não se explica apenas pelo sucesso da firma Abdalla & Salem, por mais profícua que a venda de tecidos e armarinhos possa ter sido. Ao firmarem sociedade, em 1900, os primos criaram paralelamente um fundo imobiliário, no qual depositavam parte dos lucros mensais obtidos com a atividade comercial. O dinheiro do fundo era destinado à compra de imóveis e terrenos em diversas partes da cidade. No centro, adquiriram outros imóveis na própria Vinte e Cinco e na Santa Ifigênia. Em sentido oeste, viraram proprietários na rua da Consolação e na avenida Rebouças.

Na zona leste, compraram imóveis na avenida Celso Garcia e nos bairros do Tatuapé e da Penha, cuja valorização viria décadas depois. O maior investimento nessa região foi a aquisição, em 1912, do terreno de 45 mil metros quadrados onde hoje se encontra o Parque São Jorge. O local foi apelidado de “Fazendinha” por seu aspecto rural, mas os primos, atuando como agentes urbanísticos, ainda que a partir da esfera privada, abriram vias na área, como a rua Síria. Em 1926, o terreno foi vendido para o Esporte Clube Corinthians.17 17 Khouri, op. cit., p. 183. Esse espalhamento dos investimentos imobiliários da dupla por diversos territórios, alguns ainda pré-urbanizados, parece remeter a um conhecimento amplo da cidade, possivelmente já adquirido nas andanças como mascates, já que Assad e Nagib optaram pela venda ambulante em áreas externas ao centro.

A partir de 1932, Abdalla tornou-se o único proprietário da loja de tecidos e armarinhos, mas o fundo imobiliário permaneceu compartilhado com o primo, que fundou com seus próprios filhos outro comércio no mesmo ramo. Abdalla expandiu a atuação para o ramo industrial a partir de 1936, ano em que adquiriu uma fábrica de fiação e tecelagem em Salto, no interior do estado. Cinco anos depois, fundou a Indústrias Santa Virgínia de Fiação e Tecelagem, e a junção das duas fábricas formava a Têxtil Assad Abdalla S.A. Comércio e Indústria (Figura 13).

Figura 13
Anúncio da Têxtil Assad Abdalla S.A. (sem data). Fonte: Cotrim (2019COTRIM, Luciana. A casa e a história de Assad Abdalla. In: COTRIM, Luciana. Série Avenida Paulista. São Paulo, 30 maio 2019. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/3nZmNP0 >. Acesso em 12 jun. 2021.
https://bit.ly/3nZmNP0...
).

Após o falecimento do patriarca, em 1950, as gerações futuras da família deram continuidade ao negócio, que se destacou como um dos primeiros estabelecimentos da cidade a produzir e vender cortinas prontas. À venda da matéria-prima (tecidos), somou-se a comercialização de um produto manufaturado a partir dela. É possível que Assad se opusesse à produção e venda de cortinas prontas por não acreditar, ou simplesmente não presenciar o processo de estandardização, também ocorrido na construção civil, que dá sentido à produção de cortinas com tamanhos pré-estabelecidos. Com a nova configuração, que além de cortinas também disponibilizava tapetes e utensílios para a casa, a loja da Vinte e Cinco foi rebatizada de Doural, em 1966.

Os negócios mantiveram-se sob domínio familiar, e outras empresas foram criadas pelas gerações seguintes, inclusive em setores distantes dos originais, como o de produtos cirúrgicos. Em 1969, foi inaugurado mais um edifício construído pela família, também vizinho aos outros dois na Vinte e Cinco. Dessa vez, tratava-se de um prédio moderno de dezoito andares de padrão corporativo, à semelhança de outros construídos na via no mesmo período. O novo prédio recebeu o nome do patriarca e de certa forma seguiu a lógica de investimento duplo tão realizado por ele em vida. O edifício Assad Abdalla foi construído para sediar alguns escritórios dessas novas empresas da família e alugar ou vender as unidades restantes. A sequência dos três edifícios da família mostra como a arquitetura é uma ferramenta potente na identificação e análise das diversas camadas históricas que se justapõem (muito mais do que substituem umas às outras) na composição das cidades. São artefatos constituídos de múltiplas temporalidades que coexistem no contemporâneo (Figura 14).

Figura 14
Fachada dos imóveis da família Abdalla na Rua Vinte e Cinco de Março. Foto: Stephanie Guerra de Andrade (10 jan. 2021).

Os Abdalla mantêm-se na Vinte e Cinco de Março de hoje, a exemplo de outras empresas familiares sírio-libanesas. A presença dessas famílias na rua remonta ao início do século XX, de maneira que o crescimento de suas empresas deve ser compreendido não somente como resultado de trabalho e de iniciativas do âmbito privado, mas em paralelo ao processo de consolidação da Vinte e Cinco de Março como rua comercial ao longo do século XX. Além do êxito das firmas que se instalaram nessa rua, sua localização privilegiada, a metropolização de São Paulo e seu crescimento populacional foram fatores decisivos. Mudanças de hábitos que vão além de dinâmicas próprias paulistanas, como o aumento do consumo no cotidiano da população, também atuaram como motores no processo de popularização da rua nos âmbitos municipal, estadual e federal, uma vez que cidadãos de diversas regiões do país vêm à Vinte e Cinco para realizar compras, com uma concentração ainda maior nas vésperas de festividades como Natal e Carnaval.

Contudo, a longevidade das empresas familiares sírio-libanesas não é regra. Outros estabelecimentos fundados na mesma época fecharam as portas em diferentes momentos do século XX. Quando se tratava de empresas familiares, os encerramentos provavelmente estavam relacionados à descontinuidade dos negócios pelas gerações futuras. A permanência de algumas empresas, associada ao fechamento de outras dessa primeira geração de estabelecimentos da Vinte e Cinco, possibilitou que as tradicionais lojas de tecidos e armarinhos convivessem hoje com estabelecimentos mais recentes, que comercializam uma gama bastante variada de produtos, de fantasias, maquiagens e bijuterias e a aparelhos eletrônicos. A variedade se estende às comunidades que nela atuam. A comunidade sírio-libanesa, apesar de ainda dar o “tom” da região - por meio da arquitetura, de templos religiosos e restaurantes árabes, ou da toponímia18 18 Jorge Azem, Niazi Chohfi e Ragueb Chohfi são exemplos de ruas com nomes sírio-libaneses nas proximidades. -, agora divide espaço com brasileiros e imigrantes - ou descendentes de imigrantes - de outras nacionalidades, dentre as quais se destaca a chinesa.

JOSÉ PAULINO E A CONSTRUÇÃO DE UMA MATERIALIDADE UNIFORME E FUNCIONAL

O abandono progressivo da mascateação pela comunidade sírio-libanesa abriu espaço para que a atividade de prestamista começasse a ser desempenhada com mais preponderância por imigrantes de outras nacionalidades. Um dos grupos que mais se destacou foi o de judeus provenientes de países do Leste Europeu. Eles começaram a chegar a São Paulo majoritariamente a partir da segunda metade da década de 1920, fugindo de crises econômicas e perseguições políticas e/ou religiosas em seus países de origem. Igualmente seguindo a tendência de se instalar onde já houvesse conterrâneos, muitos judeus recém-chegados permaneciam no Bom Retiro, bairro de São Paulo conhecido por tradicionalmente abrigar diversas comunidades estrangeiras.

De reduto de mascates sírio-libaneses no final do século XIX, a Vinte e Cinco de Março passou a ser, por meio de lojas e pequenas fábricas abertas pelos sírio-libaneses que ascendiam socialmente, fornecedora de mercadorias para integrantes da nova geração de mascates judeus. Godel Kon relata em sua autobiografia como conseguia adquirir na Vinte e Cinco sapatos com defeitos pequenos e às vezes imperceptíveis.19 19 Kon (sem data). Além da autobiografia de Godel Kon, as informações relacionadas à família Kon foram obtidas em depoimentos de João Kon (filho) e Anita Kon (nora), concedidos à autora em 13 de fevereiro de 2017. Como esses produtos não poderiam ser comercializados nas grandes lojas do ramo, eram vendidos aos mascates por preços irrisórios, pois os fabricantes desejavam livrar seus estoques desse tipo de mercadoria. Assim, Godel conseguia bons rendimentos vendendo pelas ruas da cidade os sapatos adquiridos na Vinte e Cinco de Março.

Proveniente da Polônia, Godel Kon chegou a São Paulo em 1929. Sua primeira moradia na cidade foi um quarto alugado na residência de um casal de italianos na Rua dos Italianos, toponímia que evidencia a forte presença dessa comunidade antecedente à judaica no Bom Retiro. Dos calçados, Godel passou para os bonés. Além de também garantir bom retorno financeiro, os bonés eram mais leves e menos incômodos ao serem carregados pelas ruas. Com o dinheiro proporcionado pela venda ambulante, conseguiu custear a passagem de navio da mulher, Sara, que aqui chegou em 1930 (Figura 15).

Figura 15
Godel e Sara Kon no início dos anos 1930. Fonte: acervo pessoal da família Kon.

Nesse momento, Godel já se encontrava em sua segunda moradia na cidade, uma casa alugada em uma vila no Bom Retiro. Vilas de casas modestas eram comuns no bairro. Grande parte tinha sido construída por integrantes das comunidades italiana e portuguesa, em mais um exemplo de como a aquisição de terrenos e a construção de imóveis como fonte de renda é prática comum entre diversos setores sociais de São Paulo desde pelo menos as últimas décadas do século XIX. O perfil dos inquilinos variava de pequenos profissionais liberais a funcionários de indústrias que haviam se instalado na região devido à proximidade com o trecho urbano da ferrovia São Paulo Tramway, inaugurada em 1867. Em seguida, vieram as inaugurações das estações: a Sorocabana, em 1875, e a Luz, em 1901. A pouca distância em relação à infraestrutura ferroviária era vantagem logística e econômica, pois diminuía tempo e custo com o transporte das mercadorias a serem despachadas.

Uma vez instalada, Sara Kon começou a trabalhar na oficina de bonés de Simão Neumark, conterrâneo do casal. Alguns nomes da comunidade judaica são diversas vezes mencionados na autobiografia de Godel como fornecedores de suporte psicológico e material por meio de dicas, conversas, apresentações de fornecedores de mercadorias e empréstimo de dinheiro. Alguns deles - como o próprio Neumark, Abram Rajnsztajn, Chaim Lustig, Majer Okret e Motel Maktas - posteriormente abririam oficinas e confecções na José Paulino, como Godel. Na oficina de Neumark, que nessa época ainda funcionava na rua Júlio Conceição (transversal da José Paulino), Sara aprenderia as etapas necessárias para a confecção de bonés.

Entretanto, a rede comunitária não se estruturava apenas de maneira informal. Em 1928, foi criada pelos próprios integrantes da comunidade a Cooperativa de Crédito Popular do Bom Retiro, que concedia pequenos empréstimos a juros muito baixos. Trata-se de um clássico exemplo de como as redes sociais de colaboração entre integrantes da mesma etnia podem ser incisivas em sua inserção profissional em um novo país. Utilizando-se do incentivo ao crédito, a cooperativa contribuiu para o enriquecimento progressivo da coletividade judaica instalada no Bom Retiro, criando condições para investimentos individuais por meio da circulação do capital coletivo.20 20 Cf. Macedo (2005).

A aquisição de know-how por parte de Sara, associada ao capital acumulado por Godel como mascate, possibilitou que o casal abrisse uma pequena, porém própria, oficina de bonés no começo da década de 1930. No início, os tecidos utilizados eram sobras de outras fabriquetas do Bom Retiro. Posteriormente, passaram a ser adquiridos de comerciantes libaneses instalados na região da Vinte e Cinco de Março, como relembra Godel: lembro-me das cordiais relações com o comerciante libanês que me vendia mercadoria a crédito. As facilitações do comerciante para com o pequeno fabricante em início de carreira devem ser entendidas para além do sentimento de solidariedade existente entre comunidades estrangeiras residentes em um novo país. É necessário levar em conta que a relação econômica estabelecida entre eles beneficiava a ambos, pois quanto mais Godel produzisse, mais poderia vender, e mais recursos teria para adquirir novamente os tecidos do libanês. Ademais, como o próprio Godel completa: de certa maneira, éramos uma garantia para o escoamento de estoques encalhados de matéria-prima.

Na oficina dos Kon, Godel cortava os tecidos e Sara costurava os bonés. Maior estabilidade foi sendo adquirida à medida que os bonés deixavam de ser vendidos pelas ruas da cidade para serem fornecidos a outros comerciantes e proprietários de lojas. A mudança também permitiu a contratação da primeira funcionária da fabriqueta, uma ajudante de costura. A firma do casal Kon crescia a partir de esforço e trabalho, mas também era impulsionada pelas mudanças nas condições da indústria paulistana. Nas palavras de Godel Kon: quando cheguei a São Paulo, a confecção de roupas ainda estava pouco desenvolvida. Apesar de pouco desenvolvida, já era apta a fornecer produtos para serem comercializados por mascates, pois, se sírio-libaneses obtiveram sucesso nos primeiros anos do século com a comercialização de matéria-prima para a fabricação artesanal de roupas, os judeus prestamistas da década de 1930 teriam bons retornos financeiros com a venda de roupas e acessórios já manufaturados, o que indica progresso da indústria de confecções paulista.

Nos fatores associados a tal progresso, eventos relacionados à história política do estado somam-se a processos sociais como urbanização, crescimento populacional e o próprio desenvolvimento do parque industrial. Assim como outras esferas da indústria paulista, os setores têxtil e de confecções tiveram seu ritmo de crescimento impulsionados e acelerado a partir da eclosão do conflito conhecido como Revolução de 1932, no qual setores da elite paulista se organizaram a fim de reivindicar a redação de uma nova constituição e a convocação de eleições por parte do governo federal, à época presidido por Getúlio Vargas.21 21 Cf. Hilton (1982).

Essa aceleração do desenvolvimento das indústrias têxtil e de confecções a partir de demandas provenientes de conflitos armados é recorrente na história da moda estandardizada. A simplificação formal e a alta padronização dos uniformes militares viabilizavam a produção de grande quantidade de artigos em espaço de tempo reduzido. Não por acaso, foram os setores de uniformes (civil e militar) e de roupas masculinas os primeiros a serem explorados pela indústria de roupas prontas a partir da segunda metade do século XIX, especialmente nos Estados Unidos, com a conquista do oeste e a Guerra de Secessão.22 22 Cf. Green (1997). No caso paulista, o Exército foi responsável pela demanda da produção de grande quantidade de mercadorias, dentre as quais artigos de vestuário. O casal Kon produziu bonés e cartucheiras, e os demais proprietários de confecções na José Paulino forneceram itens variados para os soldados constitucionalistas, como calças, casacos e coturnos. Via de regra, finda a guerra civil, o ritmo da produção das confecções não regrediu aos patamares anteriores à eclosão do conflito.

No Bom Retiro, tanto o crescimento da indústria de confecções nos anos seguintes quanto a participação da comunidade judaica nesse crescimento podem ser verificados por meio dos números revelados na pesquisa realizada por Feldman:23 23 Feldman (2012). entre 1928 e 1945, foram abertas 310 oficinas de roupas prontas no Bom Retiro, das quais menos de uma dezena eram de propriedade de não judeus. Praticamente metade dessas 310 confecções (47%) localizava-se no principal corredor comercial do bairro: a rua José Paulino, antigo caminho de conexão entre as proximidades da Estação da Luz e a várzea do rio Tietê que, até 1916, era conhecida como “rua dos Imigrantes” devido ao grande fluxo de estrangeiros que por ela passavam para chegar à primeira Hospedaria de Imigrantes da cidade, localizada até 1888 na rua Tenente Pena (Figura 16).24 24 Mangili (2009) e Revista Shalom (1967).

Figura 16
Recorte do Mapa Topográfico do Município de São Paulo Sara Brasil, 1930. A rua José Paulino está destacada em amarelo. Observa-se que à época seu traçado incluía a rua das entradas da Estação da Luz e do Jardim Luz. Atualmente a José Paulino tem seu início no vértice que forma com a rua Prates. O retângulo vermelho no canto inferior esquerdo corresponde à antiga Hospedaria de Imigrantes. O primeiro uso do imóvel foi como sede da antiga chácara Bom Retiro, e atualmente nele funciona o Museu de Saúde Pública Emílio Ribas. Fonte: Sara Brasil (1930SARA BRASIL. Mapa topográfico do município de São Paulo. São Paulo: Sara Brasil, 1930.).

O casal Kon alugou sua primeira propriedade na José Paulino em 1934, uma clássica junção de trabalho e moradia. Aberta para a via, ficava a loja de roupas masculinas, no térreo, nos fundos funcionava a oficina e no pavimento superior, a residência familiar. A dupla numeração 393/397 indica a existência de duas entradas: uma para a loja e outra, lateral, que dava acesso direto ao pavimento superior por meio de uma escada. De início, o imóvel pertencia a um italiano e, posteriormente, com os Kon lá instalados, foi vendido a um comerciante de origem libanesa, o que indica a existência de investimentos imobiliários da comunidade sírio-libanesa para além da região da Vinte e Cinco de Março já na década de 1930. Quando a propriedade foi novamente colocada à venda, Godel relata apreensão com a possibilidade de ter de se mudar: transferi-la [a oficina] da rua José Paulino para outra rua significava retroceder em minha posição comercial. Após longo processo de negociações e a criação de uma hipoteca, o casal assumiu dívidas e tornou-se proprietário da casa.

O desenvolvimento dos negócios da família Kon nos anos seguintes reflete o que ocorreu em outras fábricas da José Paulino, isto é, as oficinas de roupas prontas transformaram-se em confecções.25 25 Andrade (2018). As primeiras costumavam ser especializadas na fabricação de um ou poucos artigos, produziam de forma artesanal e sua estrutura era mínima, com corpo de funcionários restrito. A partir principalmente do início da década de 1940, algumas etapas do processo de manufatura das roupas passaram a ser automatizadas, como o corte dos tecidos em fardos, que, após a costura, formam a peça de roupa. A etapa antes feita por um funcionário, que cortava com tesoura um tecido por vez no sentido longitudinal, passou a ser realizada por uma máquina, capaz de cortar transversalmente, de uma só vez, vários fardos de tecidos empilhados, propiciando ganho de produtividade. Simultaneamente, a cidade mantinha crescimento populacional acelerado, o que ocasionava aumento constante da demanda por roupas prontas, pois de nada adiantaria avanços técnicos se o aumento de produtividade não se fizesse necessário. A produção passou de artesanal para industrial, e as oficinas cederam gradativamente lugar às confecções. Sobre o período, Godel Kon relembra: minha situação econômica era boa e nossa oficina já era uma pequena fábrica de roupas masculinas.

O processo produtivo das confecções se assemelhava ao das fábricas de montagem, e os componentes necessários para a fabricação de determinado artigo eram comprados prontos de outros fabricantes. Nas Confecções Kon, o corte era serializado desde o final da década de 1930, quando foi adquirida uma máquina que realizava o corte simultâneo de vários tecidos e era operada por apenas um funcionário, treinado exclusivamente para tal função, na qual os panos eram empilhados e cortados transversalmente por lâmina. Em seguida, os tecidos eram distribuídos para as costureiras terceirizadas, e era Sara quem administrava as trabalhadoras contratadas. Os pacotes distribuídos continham não só os fardos, mas também todos os aviamentos necessários para que as costureiras entregassem as peças de volta para a confecção finalizadas. A colocação das etiquetas e o empacotamento em pedaços de tecido arrematados por barbantes eram as últimas etapas realizadas no espaço da confecção antes das mercadorias serem despachadas para os clientes que haviam realizado os pedidos, a maioria donos de lojas no interior do estado de São Paulo. No espaço da confecção, além da mesa de corte e da parte destinada às vendas e à administração (setor comandado por Godel), existia também o estoque, que não era de peças, e sim de rolos de tecido, evidenciando que a produção era realizada conforme surgiam as encomendas.

As transformações nas estruturas dos negócios e nos hábitos de consumo dos habitantes da cidade também foram acompanhadas por mudanças na paisagem da José Paulino, porém a correspondência não foi imediata. A imagem da rua capturada pelo fotógrafo Benedito Junqueira Duarte mostra uma verticalização incipiente em 1942, com um conjunto arquitetônico limitado a construções térreas ou de no máximo dois andares (Figura 17). Originalmente construídos pelas comunidades imigrantes precedentes -italiana e portuguesa- para abrigarem residências e armazéns, os imóveis retratados foram ocupados pelas oficinas e confecções de roupas prontas e adaptados ao uso produtivo específico da manufatura de itens do vestuário. A repetição de toldos e múltiplas portas em um único imóvel indica a adaptação das casas também para o uso comercial, sendo ainda frequente a ocupação dos fundos ou do pavimento superior como residência da família proprietária do negócio.26 26 Andrade (2018).

Figura 17
Rua José Paulino em 1942. Fonte: Casa da Imagem. Foto: Benedito Junqueira Duarte.

A partir da segunda metade da década de 1940, a paisagem da fotografia de Junqueira Duarte começou a sofrer alterações. Casas, sobrados e armazéns foram gradativamente substituídos por pequenos edifícios projetados para melhor abrigar as atividades das confecções. Analogamente ao que ocorreu na verticalização da Vinte e Cinco de Março, grande parte desses imóveis foi construída por proprietários de confecções com recursos advindos da produção e venda de roupas. Por vezes, alguns dos edifícios ainda misturavam moradia e trabalho, mas a tendência na José Paulino também foi a evasão residencial como etapa crucial do processo de aburguesamento pelo qual muitas famílias proprietárias passaram. Como etapa intermediária, Godel, Sara e os filhos foram morar em uma residência na rua Três Rios, a poucos metros da José Paulino. Foi no final da década de 1940 que o núcleo Kon saiu do Bom Retiro, transferindo-se para uma residência na rua Araquã, próxima ao início da avenida Nove de Julho, no bairro da Bela Vista.27 27 Outros destinos comuns de transferência de moradia da comunidade judaica eram Santa Cecília, Higienópolis, Pacaembu e Jardins.

A verticalização da José Paulino é caracterizada pela construção de muitos edifícios com linguagem utilitária e poucos andares, e o gabarito médio - três a quatro pisos, incluindo o térreo - relaciona-se ao programa de atividades da confecção. A venda era realizada no térreo, espaço de maior interface com a rua. Nos andares superiores, eram distribuídas as demais funções, como estoque, corte, finalização, embalagem e costura, nos raros casos em que essa não era terceirizada. A administração era geralmente alocada nos fundos do térreo, devido à proximidade com o espaço de venda. Esse conjunto de prédios configura a materialidade da rua até os dias atuais, com volumes inalterados, mas com intervenções em fachadas e transformações internas decorrentes de reformas. O padrão era os proprietários das confecções construírem com seu próprio capital os novos edifícios de pequeno porte para abrigar as atividades de suas firmas, porém, por vezes, o investimento era duplo, com salões direcionados para aluguel já previstos no projeto original.28 28 Andrade (2018).

A trajetória da família Kon destaca-se em relação às demais. O encerramento da confecção familiar foi precoce, já nos primeiros anos da década de 1950. Nesse momento, os filhos do casal estavam se formando em cursos superiores, algo que seus pais não puderam fazer. Samuel (1931), o primogênito, concluía a formação em engenharia civil, e João (1933), o filho do meio,29 29 O casal teve mais uma filha, Rosa, nascida em 1939. formava-se em arquitetura no primeiro curso da cidade na área, o da Universidade Presbiteriana Mackenzie (1947). Godel Kon associou-se aos filhos recém-formados e fundou a Diâmetro, uma incorporadora cujo nascimento foi possibilitado pelo redirecionamento de todo o capital obtido nos anos de funcionamento da Confecções Kon.

O primeiro investimento da incorporadora foi a compra do terreno vizinho à primeira propriedade da família Kon na José Paulino (393/397). No 413, foi erguido, entre 1953 e 1954, um edifício projetado pelo escritório dos arquitetos Leone Fichberg e Victor Gandelman, no qual João Kon à época estagiava. Localizado na esquina da José Paulino com a pequena rua Carmo Cintra, é composto de três lotes comerciais no térreo e quatro salas comerciais distribuídas em dois pavimentos superiores. A imagem atual do edifício registra as intervenções posteriores na fachada, como a inserção de novas camadas de materiais e acabamentos (Figura 18). Entretanto, o último pavimento, por não ter sofrido modificações, deixa entrever o emprego da linguagem utilitária, com motivos retilíneos e ausência de ornamentos. Os escritórios do clã Kon ocuparam uma das salas do prédio até 1963 (Figura 19), quando a Diâmetro foi transferida para o Edifício Padrão, outra cria da incorporadora erguida na rua Correia de Mello, também no Bom Retiro. Sobre ter trabalhado por cerca de dez anos na José Paulino, João assinala: para nós era prático, a gente conhecia todo o mundo. A fala do arquiteto reforça a memória social da vida associativa estabelecida pela comunidade judaica na rua (e no bairro) nos anos 1930 e intensificada nas décadas posteriores.

Figura 18
Fachada do edifício localizado na esquina das ruas José Paulino e Carmo Cintra, primeiro investimento da incorporadora da família Kon. Térreo e primeiro pavimento passaram por intervenções enquanto o último permanece inalterado. Foto: Stephanie Guerra de Andrade (2 nov. 2017).

Figura 19
Anúncio de um edifício residencial localizado na rua dos Italianos cujo incorporador foi Godel Kon. Destacado em magenta o endereço de seu escritório. Fonte: Edificio... (1955EDIFICIO em final de construção. Nossa Voz, São Paulo, p. 34, 3 abr. 1955. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/120987/3644 >. Acesso em: 13 ago. 2017.
http://memoria.bn.br/DocReader/120987/36...
).

Entre os conhecidos e potenciais clientes da vizinhança incluíam-se parentes. Em 1956, foi concluída a reforma do prédio de numeração 206/210, propriedade de Jacob Nachmanovitch e Rafael Kon, irmão mais velho de Godel Kon. Jacob era o marido de Pola, filha de Rafael e prima de Samuel e João. Genro e sogro eram sócios na Confecções Konrad Ltda., que, a despeito de usar o termo “confecções” no nome, atuava como revendedora nas áreas de moda masculina e infantil. Anúncio de 1955 (Figura 20) apresenta os produtos comercializados pela dupla (blusas de couro, blusas de lã, blusas de brim, calças de brim, casimiras e cuecas), uma variedade que extrapolava os padrões das confecções da José Paulino de então, que de forma geral davam conta de produzir uma gama reduzida de artigos. O anúncio também informa que, anteriormente à conclusão da reforma do edifício 206/210, a Konrad ocupava o imóvel de número 102 na mesma rua. Esse trânsito das confecções por diferentes imóveis na José Paulino era comum e possivelmente provocado por dinâmicas imobiliárias como compras, vendas, reformas e até despejos. O próprio Godel Kon alugou, nos últimos anos de funcionamento de sua confecção, um salão no pavimento superior do edifício localizado no número 106, o que indica que provavelmente no final dos anos 1940 o edifício 393/397 já não era mais utilizado nem como moradia nem como trabalho pela família (Figura 21).

Figura 20
Anúncio da Confecções de Roupas Konrad Ltda. Fonte: Confecções... (1955CONFECÇÕES de roupas Konrad Ltda. Nossa Voz, São Paulo, p. 3, 3 abr. 1955. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/120987/3613 >. Acesso em: 13 ago. 2017.
http://memoria.bn.br/DocReader/120987/36...
).

Figura 21
Anúncio da Confecções de Roupas Kon Ltda. Fonte: Confecções... (1949CONFECÇÕES de roupas Kon Ltda. Nossa Voz, São Paulo, p. 12, 3 abr. 1949. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/120987/859 >. Acesso em: 13 ago. 2017.
http://memoria.bn.br/DocReader/120987/85...
).

A inexistência de atividade produtiva na Confecções Konrad influiu no projeto de reforma de sua nova sede, uma construção de somente dois pisos: loja no térreo e escritório no pavimento superior. O edifício reúne as características mais presentes na tipologia que marca o processo de verticalização da José Paulino: linguagem utilitária; estrutura em concreto armado; planta estreita (6,1 metros de frente e 31 metros de profundidade - proporção 1:5); ausência de recuos; abertura frontal alargada ao máximo; e caixilho metálico.30 30 Andrade (2018). O que o difere do padrão mais encontrado é a ausência de mais pavimentos destinados às atividades de produção, como corte, costura, acabamento, passadoria (Figura 22).

Figura 22
Plantas, cortes e elevações originais da reforma pela qual passou o edifício de numeração 206/210 da José Paulino, sob supervisão do arquiteto João Kon e do engenheiro Samuel Kon. Os desenhos apontam a distribuição dos usos pelos pavimentos: comércio no térreo (loja) e escritório no primeiro pavimento (salão). Destaque para a fachada e sua abertura única no térreo, que foi modificada para duas aberturas durante a construção. Fonte: acervo família Kon.

No projeto de reforma elaborado por João Kon, consta uma única abertura no nível da rua, priorizando uma maior interface entre o ambiente privado da loja e o espaço público da rua, em detrimento da manutenção de um acesso independente ao andar superior. Já na imagem do edifício reformado e em uso, publicada em uma revista especializada (Figura 23), observa-se que foram realizadas duas aberturas distintas, uma para a loja e outra para o acesso ao primeiro pavimento. Porém, atualmente, o edifício encontra-se tal qual o previsto no projeto de João, com apenas uma abertura. Como o espaço da loja se valorizou muito mais em termos imobiliários do que o espaço do salão superior, a opção por apenas uma abertura mais extensa se impôs e o acesso ao andar superior é realizado apenas por uma escada localizada nos fundos da loja.

Figura 23
Capa e página interna da Revista de Arquitetura e ConstruçõesREVISTA DE ARQUITETURA E CONSTRUÇÕES. São Paulo: [s. n.], [195-?]. dedicada à produção dos escritórios de João (arquitetura) e Samuel (engenharia) Kon (sem data). Fonte: acervo pessoal família Kon.

Ao 413 e 206/210, somaram-se mais dois edifícios assinados pela Diâmetro. A construção de numeração tripla 372/374/378 corresponde a duas lojas geminadas com mezaninos. Já o edifício localizado no número 749 é composto de loja, sobreloja e seis salões distribuídos pelos três pavimentos superiores. Encomendado por Henriqueta Kutnikas e Anna Zeiger, o prédio foi entregue no ano de 1964, período em que ganhou volume a produção da Diâmetro que extrapolava os limites do Bom Retiro. Casas e edifícios residenciais foram erguidos nos principais bairros que configuram o vetor de expansão sudoeste da cidade: Santa Cecília, Higienópolis, Jardins, Moema, Morumbi. Sinal desse deslocamento parcial da produção é a transferência da sede da Diâmetro, no início da década de 1970, do Bom Retiro para a avenida Faria Lima, cuja imagem de novo centro econômico da cidade florescia.

Em sociedade com Carlos Alberto Siqueira, os irmãos Kon fundaram sua própria corretora de imóveis, a Prisma Empreendimentos Imobiliários, reforçando o caráter de agentes do processo de verticalização de bairros a oeste e sul. Após intenso período de produção, que vai do final dos anos 1950 à primeira metade da década de 1980, a Diâmetro começou a sofrer dificuldades em decorrência de medidas econômicas adotadas a partir da aplicação do Plano Cruzado, em 1986. Após o encerramento de suas atividades, João Kon continuou atuando como arquiteto autônomo, em projetos em que era contratado por outras construtoras. Seu último trabalho data do ano 2000.31 31 Gimenez; Guerra; Serapião (2016).

A trajetória da família Kon é uma das inúmeras que poderiam ser contadas à luz da consolidação da José Paulino como eixo da moda popular paulistana. Evidentemente não se deve considerar essas histórias como um bloco homogêneo. A despeito da repetição de etapas relacionadas à produção de roupas, ascensão social e investimento imobiliário, há diversidade, como confecções que se mantiveram pequenas, outras que cresceram razoavelmente, e ainda algumas que cresceram bastante. Há famílias que permaneceram inquilinas, outras que compraram edifícios já construídos, aquelas que construíram seu próprio edifício, algumas mais de um, chegando ao caso singular da família Kon, que abriu uma incorporadora e construiu quatro edifícios na rua. Em relação à segunda geração, o movimento é mais uniforme do que o averiguado na Vinte e Cinco de Março, pois são raras as confecções cujos filhos dos fundadores deram continuidade aos negócios familiares, o que possibilitou a transição do protagonismo da atividade econômica para a comunidade coreana a partir do final da década de 1970.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As histórias das famílias contadas neste artigo mostram como a soma das iniciativas privadas de imigrantes que buscavam a estabilização financeira por meio da abertura do próprio negócio relaciona-se à produção do espaço que ocuparam. Nos dois principais eixos de moda popular de São Paulo, a transformação de capital produtivo e comercial (tecidos, armarinhos e roupas) em capital imobiliário (construção de imóveis) foi a principal força motriz de seus respectivos processos de verticalização. Etapas similares nas trajetórias de ascensão social são verificadas, como início na venda ambulante; aluguel/compra de imóvel para abertura do próprio negócio; e junção de trabalho e moradia no mesmo imóvel em um primeiro momento, seguida de evasão residencial anos depois. Essas etapas são separadas no tempo e no espaço quando se olha para as duas ruas, entretanto as singularidades de cada caso ultrapassam essas duas categorias de análise.

As paisagens decorrentes dos processos de verticalização da Vinte e Cinco de Março e da José Paulino são distintas. A profusão de diferentes tipologias arquitetônicas do primeiro caso contrasta com a uniformidade de linguagem do segundo. A variedade estética da Vinte e Cinco engloba palacetes que, por vezes, como no caso dos Abdalla e Salem, atestam a permanência na rua de pelo menos uma parte das primeiras famílias que lá abriram seus negócios. Como colocado na análise do edifício 141/595, a ideia da continuação das gerações futuras nesse território parece já estar colocada no momento da construção do imóvel, no qual foram inseridas inscrições das iniciais dos proprietários e do ano de finalização da obra. É como se o edifício fosse historicizado no momento de sua inauguração. De fato, a família Abdalla não só permanece na rua, como ainda, após sucessivas mudanças no perfil dos negócios, possivelmente continua a manter um dos estabelecimentos mais procurados pelos frequentadores da Vinte e Cinco.

Em contraposição, a sequência de edifícios de linguagem utilitária da José Paulino configura uma espécie de suporte material homogêneo capaz de hoje receber diversas intervenções em suas fachadas, que parecem objetivar justamente a diferenciação de um edifício em relação a outro, algo para o qual as arquiteturas originais parecem pouco colaborar. Assim, a presença da comunidade judaica se caracteriza, além das poucas confecções ainda lideradas por judeus, pela manutenção da propriedade dos edifícios, que em sua maioria são alugados para famílias coreanas donas das atuais confecções e lojas de roupas. Na José Paulino atual não se encontram sinais materiais da presença judaica de outrora. Se a personalização dos palacetes da Vinte e Cinco indicam desejo de permanência, a uniformidade dos edifícios da José Paulino aponta em sentido contrário: para grande parte das famílias que fundaram as primeiras oficinas de roupas prontas, o estabelecimento na rua teve começo, meio e fim. Em outras palavras, foi uma etapa transitória, ainda que por vezes longa, de suas trajetórias. A isso soma-se o frequente investimento na educação e incentivo à formação universitária da segunda geração, que, com diploma na mão, tendeu a seguir profissões liberais.

Nas famílias Abdalla, Salem e Kon, os investimentos imobiliários tiveram início nas próprias ruas onde estavam estabelecidas, como parte do movimento da construção de uma nova materialidade, na qual imóveis térreos e sobrados eram substituídos por edifícios. Mas não raro os investimentos imobiliários continuavam e extrapolavam o território de base, abrangendo regiões outras da cidade. A expansão dos investimentos imobiliários das famílias para outras partes de São Paulo mostra como a escala da rua é potente para a recuperação não apenas da história da própria via em questão, mas também para a recuperação de aspectos da história da cidade na qual essa via se insere. Esse mesmo jogo de escalas está presente na convergência dos momentos pelos quais passaram rua, cidade, estado, país e mundo, que colabora para a compreensão de certo sentido de tradição e referência das duas vias no imaginário social de todo o país. A urbanização da Vinte e Cinco de Março e da José Paulino coincide com o surgimento e a consolidação de uma indústria nacional de tecidos e roupas prontas, ou seja, parte de sua popularização remete ao pioneirismo em seus nichos de atuação.

Entretanto, faz-se necessário tomar distância da narrativa que exalta a figura do imigrante que, por meio de muito esforço, constrói para si uma trajetória fulminante de ascensão social. Não se trata de desconsiderar o cotidiano árduo de trabalho no qual de fato esses imigrantes estiveram imersos, ao menos nas primeiras décadas no novo país. O problema da narrativa de “saga” é o evidente alinhamento com o discurso meritocrático que coloca a inteira responsabilidade do êxito do sujeito nele próprio, em seu comportamento, intenções, escolhas. Ademais, as histórias de saga associam-se muito bem a certo imaginário social construído para São Paulo que apresenta a cidade como a terra do trabalho e das oportunidades e, mais grave, a distancia do restante do país, ao pressupor que outras cidades não apresentam tamanha vocação ao labor. Tentou-se neste artigo realizar o entrelaçamento dos relatos da vida cotidiana com a lente mais ampla da análise histórica e social. Nessa perspectiva, processos como a metropolização de São Paulo e o decorrente aumento da demanda por roupas prontas; o próprio desenvolvimento do sistema da moda em âmbito global; a localização estratégica de ambas as ruas; e o apoio da infraestrutura urbana, especialmente de transporte público, foram essenciais para a compreensão do desenvolvimento das ruas e das trajetórias de sucesso dos agentes sociais retratados.

FONTES IMPRESSAS

  • REVISTA SHALOM. São Paulo: [s. n.], fev. 1967.
  • REVISTA DE ARQUITETURA E CONSTRUÇÕES. São Paulo: [s. n.], [195-?].

FONTES CARTOGRÁFICAS

  • SARA BRASIL. Mapa topográfico do município de São Paulo São Paulo: Sara Brasil, 1930.

LIVROS, ARTIGOS E TESES

  • ANDRADE, Stephanie Silveira Guerra de. Indústria e comércio de moda no centro de São Paulo: Rua José Paulino 1928-1980. 2018. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.
  • FELDMAN, Sarah. Bom Retiro: bairro múltiplo, identidade étnica mutante. In: ENCONTROS NACIONAIS DA ANPUR, 15., Recife. Anais eletrônicos [...]. Recife: Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional, 2012. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/3kwPLUz >. Acesso em: 5 abr. 2016.
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  • GIMENEZ, Luis Espallargas; GUERRA, Abilio; SERAPIÃO, Fernando (orgs.). João Kon arquiteto São Paulo: Romano Guerra, 2016.
  • GREEN, Nancy. Ready-to-wear and ready-to-work: a century of industry and immigrants in Paris and New York. Durham: Duke University Press, 1997.
  • HILTON, Stanley. História da Revolução Constitucionalista de 1932 São Paulo: Nova Fronteira, 1982.
  • KHOURI, Juliana M. Pelos caminhos de São Paulo: a trajetória dos sírios e libaneses na cidade. 2013. Dissertação (Mestrado em Estudos Árabes) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.
  • KON, Godel. Percurso do biso Godel São Paulo, sem data. Autobiografia.
  • MACEDO, Gilma. História da Cooperativa de Crédito Popular do Bom Retiro: primeiras incursões. 2005. Dissertação (Mestrado em História) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.
  • MANGILI, Liziane. Transformações e permanências no Bom Retiro: 1930-1954. 2009. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos, 2009.
  • REBOLLO, Tomás André. Urbanismo e Mobilidade na Metrópole Paulistana: Estudo de Caso O Parque Dom Pedro II. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, 2012.
  • SILVA, Diego Vernille da. Mercados públicos em São Paulo: arquitetura, inserção urbana e contemporaneidade. 2017. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017.

ENTREVISTAS

  • Anita e João Kon. [Entrevista cedida à] autora. São Paulo, 13 fev. 2017.

SITES

  • AMÂNCIO, Thiago. No 1º dia da quarentena em SP, comércio ainda tem dúvidas. Folha de S.Paulo, São Paulo, p. B9, 25 mar. 2020. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/3nTYcv7 >. Acesso em: 22 set. 2021.
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  • BALMANT, Ocimara. Bom Retiro a um clique. Folha de S.Paulo, São Paulo, 5 jul. 2009. Revista da Folha, p. 18-20. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/3kyE8fS >. Acesso em: 21 dez. 2020.
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  • CONFECÇÕES de roupas Kon Ltda. Nossa Voz, São Paulo, p. 12, 3 abr. 1949. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/120987/859 >. Acesso em: 13 ago. 2017.
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  • CONFECÇÕES de roupas Konrad Ltda. Nossa Voz, São Paulo, p. 3, 3 abr. 1955. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/120987/3613 >. Acesso em: 13 ago. 2017.
    » http://memoria.bn.br/DocReader/120987/3613
  • COTRIM, Luciana. A casa e a história de Assad Abdalla. In: COTRIM, Luciana. Série Avenida Paulista São Paulo, 30 maio 2019. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/3nZmNP0 >. Acesso em 12 jun. 2021.
    » https://bit.ly/3nZmNP0
  • COTRIM, Luciana. A história dos Salem e a beleza do palacete da família na Av. Paulista. In: COTRIM, Luciana. Série Avenida Paulista São Paulo, 10 jan. 2021. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/3EOm89o >. Acesso em: 19 jan. 2020.
    » https://bit.ly/3EOm89o
  • EDIFICIO em final de construção. Nossa Voz, São Paulo, p. 34, 3 abr. 1955. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/120987/3644 >. Acesso em: 13 ago. 2017.
    » http://memoria.bn.br/DocReader/120987/3644
  • MAIORIA dos estados ignora Bolsonaro e mantém medidas de contenção. Folha de S.Paulo, São Paulo, p. B4, 28 mar. 2020. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/3EK13wI >. Acesso em: 21 dez. 2020.
    » https://bit.ly/3EK13wI
  • MOVIMENTO em frente ao Mercado Municipal. In: ACERVO [do Instituto Moreira Salles]: fotografia. Rio de Janeiro: IMS, 2021. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/3EGTeYw >. Acesso em: 4 dez. 2020.
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  • OLIVEIRA, Abrahão de. Especial fotográfico: a 25 de Março. São Paulo in Foco, São Paulo, 23 ago. 2016. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/3lQCTrC >. Acesso em: 4 dez. 2020.
    » https://bit.ly/3lQCTrC
  • RUA Vinte e Cinco de Março. In: DICIONÁRIO de ruas [de São Paulo]. São Paulo: Prefeitura Municipal, 2021. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/3lQQHT6 >. Acesso em: 3 dez. 2019.
    » https://bit.ly/3lQQHT6
  • ÚLTIMO fim de semana antes do Natal movimenta comércio. Folha de S.Paulo, São Paulo, p. A24, 23 dez. 2018. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2ZdtORY >. Acesso em: 21 dez. 2020.
    » https://bit.ly/2ZdtORY
  • 1
    O artigo é um desdobramento da dissertação de mestrado Indústria e comércio de moda no centro de São Paulo: rua José Paulino (1928-1980), realizada entre 2016 e 2018 na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
  • 3
    Green (1997GREEN, Nancy. Ready-to-wear and ready-to-work: a century of industry and immigrants in Paris and New York. Durham: Duke University Press, 1997.).
  • 4
    A importância dada neste artigo à iniciativa privada nas histórias das duas ruas não pressupõe a concepção de que o poder público foi ausente ou pouco presente nesses territórios, ele apenas não é o foco da presente análise.
  • 5
    A Vinte e Cinco de Março foi assim nomeada em 1865, em homenagem à data da primeira constituição do Brasil independente, outorgada em 25 de março de 1824 por Dom Pedro I (RUA..., 2021RUA Vinte e Cinco de Março. In: DICIONÁRIO de ruas [de São Paulo]. São Paulo: Prefeitura Municipal, 2021. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/3lQQHT6 >. Acesso em: 3 dez. 2019.
    https://bit.ly/3lQQHT6...
    ).
  • 6
    Khouri (2013KHOURI, Juliana M. Pelos caminhos de São Paulo: a trajetória dos sírios e libaneses na cidade. 2013. Dissertação (Mestrado em Estudos Árabes) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013., p. 45).
  • 7
    Atual praça Fernando Costa.
  • 8
    Silva (2017SILVA, Diego Vernille da. Mercados públicos em São Paulo: arquitetura, inserção urbana e contemporaneidade. 2017. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017., p. 160).
  • 9
    Ibid., p. 100.
  • 10
    Dicionário de ruas da Prefeitura de São Paulo. Disponível em: <https://dicionarioderuas.prefeitura.sp.gov.br/>. Acesso em: 19. nov. 2020.
  • 11
    Khouri, op. cit., p. 46.
  • 12
    Rebollo (2012REBOLLO, Tomás André. Urbanismo e Mobilidade na Metrópole Paulistana: Estudo de Caso O Parque Dom Pedro II. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, 2012., p. 32).
  • 13
    Ibid., p. 47.
  • 14
    Khouri, op. cit., p. 46.
  • 15
    Grande parte dos sírio-libaneses estabelecidos na Vinte e Cinco de Março eram cristãos ortodoxos. A primeira igreja ortodoxa de São Paulo foi construída em 1904 na rua Cavalheiro Basílio Jafet (Khouri, 2013KHOURI, Juliana M. Pelos caminhos de São Paulo: a trajetória dos sírios e libaneses na cidade. 2013. Dissertação (Mestrado em Estudos Árabes) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013., p. 78).
  • 16
    Outros destinos comuns eram Ipiranga, Paraíso e Vila Mariana (Khouri, 2013KHOURI, Juliana M. Pelos caminhos de São Paulo: a trajetória dos sírios e libaneses na cidade. 2013. Dissertação (Mestrado em Estudos Árabes) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013., p. 206).
  • 17
    Khouri, op. cit., p. 183.
  • 18
    Jorge Azem, Niazi Chohfi e Ragueb Chohfi são exemplos de ruas com nomes sírio-libaneses nas proximidades.
  • 19
    Kon (sem dataKON, Godel. Percurso do biso Godel. São Paulo, sem data. Autobiografia.). Além da autobiografia de Godel Kon, as informações relacionadas à família Kon foram obtidas em depoimentos de João Kon (filho) e Anita Kon (nora), concedidos à autora em 13 de fevereiro de 2017.
  • 20
    Cf. Macedo (2005MACEDO, Gilma. História da Cooperativa de Crédito Popular do Bom Retiro: primeiras incursões. 2005. Dissertação (Mestrado em História) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.).
  • 21
    Cf. Hilton (1982HILTON, Stanley. História da Revolução Constitucionalista de 1932. São Paulo: Nova Fronteira, 1982.).
  • 22
    Cf. Green (1997GREEN, Nancy. Ready-to-wear and ready-to-work: a century of industry and immigrants in Paris and New York. Durham: Duke University Press, 1997.).
  • 23
    Feldman (2012FELDMAN, Sarah. Bom Retiro: bairro múltiplo, identidade étnica mutante. In: ENCONTROS NACIONAIS DA ANPUR, 15., Recife. Anais eletrônicos [...]. Recife: Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional, 2012. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/3kwPLUz >. Acesso em: 5 abr. 2016.
    https://bit.ly/3kwPLUz...
    ).
  • 24
    Mangili (2009MANGILI, Liziane. Transformações e permanências no Bom Retiro: 1930-1954. 2009. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos, 2009.) e Revista Shalom (1967REVISTA SHALOM. São Paulo: [s. n.], fev. 1967.).
  • 25
    Andrade (2018ANDRADE, Stephanie Silveira Guerra de. Indústria e comércio de moda no centro de São Paulo: Rua José Paulino 1928-1980. 2018. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.).
  • 26
    Andrade (2018ANDRADE, Stephanie Silveira Guerra de. Indústria e comércio de moda no centro de São Paulo: Rua José Paulino 1928-1980. 2018. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.).
  • 27
    Outros destinos comuns de transferência de moradia da comunidade judaica eram Santa Cecília, Higienópolis, Pacaembu e Jardins.
  • 28
    Andrade (2018ANDRADE, Stephanie Silveira Guerra de. Indústria e comércio de moda no centro de São Paulo: Rua José Paulino 1928-1980. 2018. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.).
  • 29
    O casal teve mais uma filha, Rosa, nascida em 1939.
  • 30
    Andrade (2018ANDRADE, Stephanie Silveira Guerra de. Indústria e comércio de moda no centro de São Paulo: Rua José Paulino 1928-1980. 2018. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.).
  • 31
    Gimenez; Guerra; Serapião (2016GIMENEZ, Luis Espallargas; GUERRA, Abilio; SERAPIÃO, Fernando (orgs.). João Kon arquiteto. São Paulo: Romano Guerra, 2016.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    12 Jan 2021
  • Aceito
    31 Maio 2021
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