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A FORMAÇÃO DO PROFESSOR UNIVERSITÁRIO E A APROPRIAÇÃO DOS GÊNEROS DO MÉTIER DOCENTE

RESUMO

Tendo em vista as temáticas de linguagem e formação docente, com base nos quadros teóricos dos Estudos do Letramento e da teoria dos gêneros do discurso, neste artigo, buscou-se realizar um inventário dos gêneros do discurso constitutivos do métier docente universitário e refletir sobre a sua importância, enquanto artefatos que fazem parte do trabalho, do letramento e da identidade do professor. As pesquisas bibliográficas em torno da identidade e da formação do professor universitário levaram à compreensão de que, dependendo da instituição e dos contextos institucionais e socioculturais em que se inserem, as demandas que chegam ao docente são diferentes e crescentes, incidindo sobre a identidade desse profissional. A pesquisa de campo revelou que tais demandas estão vinculadas a competências científico-pedagógicas, político-administrativas e pessoais, necessárias ao exercício das inúmeras atividades relativas ao ensino, à pesquisa, à extensão e à gestão universitária. Essas atividades estão imbricadas com a linguagem e revelam tanto a amplitude de gêneros profissionais exigidos do professor, quanto a necessidade da inserção desse profissional em práticas de letramento.

formação do professor universitário; letramento docente; gêneros do métier docente; identidade do professor universitário

ABSTRACT

Immersed in the themes of language and teacher and professor qualification, based on the theoretical frameworks of Literacy Studies and the theory of discourse genres, in dialogue with studies on identity (Cultural Studies), in this paper, we seek to conduct an inventory of the discourse genres that constitute the higher education professor metier and to reflect on its importance as artifacts that are part of the professor’s work and which, consequently, also constitute himself/herself. Research on the identity and training/qualification of the professor led to the understanding that, depending on the institution and the institutional and socio-cultural contexts in which these professors are inserted, they have increasing and different demands which also affect the identity of these professionals. The study reveals that such demands are associated with scientific-pedagogical, political-administrative and personal competencies, necessary for the performance of the numerous activities related to teaching, research, extension and university management, all of which are intertwined with language and they inform us about the need to insert this professional in those literacy events and practices.

higher education professor qualification; teaching literacy; discourse genres of the professor’s metier; professor identity

Considerações preliminares e metodológicas

Como se aprende a ser professor? Essa pergunta, aparentemente simples, tem suscitado muitas pesquisas no campo da formação docente. Tardif (1999TARDIF, M. Saberes profissionais dos professores e conhecimentos universitários. Rio de Janeiro: PUC, 1999., 2002TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.) alerta em seus estudos para o fato de que os saberes que servem de base para o ensino abrangem inúmeros objetos e questões de naturezas distintas e relacionadas ao trabalho. Dentre esses saberes, Nóvoa (2017)NÓVOA, A. Firmar a posição como professor, afirmar a profissão docente. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v.47, n.166, p.1106-1133, out./dez. 2017. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/cp/v47n166/1980-5314-cp-47-166-1106.pdf. Acesso em: 14 abr. 2020.
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aponta aqueles relativos à dimensão coletiva do trabalho, defendendo que há conhecimentos e responsabilidades a serem partilhados entre os professores formadores, os formados em atividade e aqueles em formação. Como professoras e pesquisadoras, compreendemos, juntamente com esses estudiosos, que a formação do professor ocorre com a construção de conhecimentos que não se limitam a conteúdos disciplinares especializados. Eles avançam para outros campos, em especial, aos relativos à linguagem, que, em grande parte, permite a concretização da ação profissional (KLEIMAN, 1995KLEIMAN, A. B. (org.). Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas, SP: Mercado da Letras, 1995.). Assim, dando continuidade às pesquisas que temos empreendido acerca do discurso profissional docente e do lugar dos gêneros do discurso nos processos de formação do professor no Brasil1 1 Esta pesquisa é parte de um investimento maior em que são explorados os gêneros do discurso profissional docente em todos os níveis de ensino. , neste artigo, temos como objetivos refletir sobre o papel do letramento profissional no desenvolvimento da identidade e do trabalho do professor, apresentar os gêneros do discurso que constituem a atividade docente no Ensino Superior e refletir sobre a implicação deles no trabalho do professor.

O Censo da Educação Superior revela que existem, no Brasil, 2.537 instituições de Ensino Superior, 37.962 cursos de graduação, 1.628.676 alunos e 397.893 professores (INEP, 2019INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA [INEP]. Sinopse estatística da Educação Superior 2018. Brasília: Inep, 2019. Disponível em: https://download.inep.gov.br/informacoes_estatisticas/sinopses_estatisticas/sinopses_educacao_superior/sinopse_educacao_superior_2019.zip. Acesso em: 14 abr. 2020.
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), além de 4.593 programas de Pós-Graduação, contemplando mestrados e doutorados acadêmicos e profissionais (CAPES, 2019aCAPES. Ficha de avaliação dos programas de pós-graduação. Brasília, 2019a. Disponível em: https://www.gov.br/capes/pt-br/centrais-de-conteudo/10062019-ficha avaliacao-pdf. Acesso em: 07 mai. 2021.
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, 2019bCAPES. Sistema Nacional de Pós-Graduação Brasileira: atualidades e perspectivas. Brasília, ago. 2019b. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/externas/56a-legislatura/ministerio-da-educacao-e-planejamento-estrategico/documentos/audiencias-publicas/SoniaNairBao.pdf. Acesso em: 07 mai. 2021.
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). A quantidade de instituições e pessoas envolvidas nesse campo chama a atenção para a potencial capacidade de interferência delas na realidade socioeducacional brasileira. Dessa reflexão, surge o questionamento sobre como tem sido conduzido o processo de formação do professor de Ensino Superior para que ele possa realizar as tantas tarefas que constituem a sua rotina profissional. Em pesquisa anterior2 2 As pesquisas “A formação docente e os gêneros do discurso profissional” e “Terminei minha graduação/licenciatura: e agora? Quais gêneros do discurso preciso dominar para exercer a profissão docente?” foram apresentadas no VI ISD e no VII Simpósio Internacional do Ensino de Língua Portuguesa, respectivamente. , na qual tematizamos o discurso profissional docente, chegamos à conclusão de que tais atividades são distribuídas em diferentes funções discursivas (atividades rotineiras, comunicação interpessoal, planejamento e documentação) as quais se concretizam nos gêneros do discurso (BAKHTIN, 2011BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011.), ou seja, o trabalho docente torna-se ação por meio da linguagem.

As tarefas docentes de elaborar relatórios, avaliações, fichas avaliativas, portfólios, atividades diagnósticas, apostilas, convites, power points, atas, ocorrências rotineiras, projetos de ensino, sequências didáticas e outros textos, orais, escritos, multimodais, fazem parte do seu métier, termo francês que se refere à concepção global do trabalho do professor. Com base em estudos da ergonomia da atividade, Machado e Lousada (2010MACHADO, A. R; LOUSADA, E. G. A apropriação de gêneros textuais pelo professor: em direção ao desenvolvimento pessoal e à evolução do “métier”. Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, v. 10, n. 3, p. 619-633, 2010., p. 626) explicam que o métier docente é “constituído de múltiplas atividades, desenvolvidas em diferentes situações, que precisam ser investigadas, pois se inter-relacionam”. Acrescentam ainda a importância da mobilização integral do ser para que ele consiga criar um ambiente propício à atividade e promover o desenvolvimento de capacidade dos alunos. Daí, supõe-se que, ao iniciar a profissão, o professor já tenha se apropriado desses saberes, para que possa agir profissionalmente, com competência técnica e científica. No entanto, em que momento do processo de formação docente, tais habilidades discursivas são tomadas, formalmente, como objetos de ensino?

Em pesquisa documental preliminar, a título de amostragem, que realizamos em oito matrizes curriculares de cursos de Pedagogia e Letras de universidades públicas federais brasileiras3 3 As universidades que fizeram parte desta pesquisa documental exploratória, feita em 2019, foram: Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Universidade Federal de Goiás (UFG), Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade Federal Fluminense (UFF) e Universidade de Brasília (UnB). , constatamos que as disciplinas de Estágio Supervisionado apontam os gêneros plano de aula, sequência didática, relatório de estágio, plano de curso e relato de aula como textos arrolados no processo de estágio. Os gêneros acadêmico-científicos como o resumo, a resenha, o ensaio, o artigo de pesquisa, o relato de experiência, o projeto de pesquisa e o trabalho de conclusão de curso (TCC) aparecem pulverizados em algumas disciplinas das matrizes. Entretanto, em tais documentos, não há disciplinas que tenham como objeto de ensino, ou como objetivos para o ensino, os gêneros do discurso profissional docente. Essas evidências acenderam-nos um alerta para o pressuposto existente na academia de que os gêneros profissionais não precisam ser ensinados. Seria suposto, então, que sejam aprendidos na prática profissional?

A esse respeito, os Referenciais para Formação de Professores da Educação Básica (BRASIL, 2002BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Fundamental. Referenciais para formação de professores. Brasília: MEC/SEF, 2002. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=48631-reformprof1&category_slug=documentos-pdf&Itemid=30192. Acesso em: 28 set. 2020.
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) dispõem que o conhecimento pedagógico demanda a construção de um discurso sistematizado sobre a prática, capaz de comunicar os saberes constituídos. Afirmam, também, que tudo isso se aprende a fazer, fazendo. O documento traz duas assunções: a de que o professor precisa se apropriar de gêneros do discurso profissional, para sistematizar e comunicar seus saberes; e a de que é, na prática, que se aprende a ser professor.

No Ensino Superior, por outro lado, o que impera é o silêncio, tanto no texto da Lei de Diretrizes e Bases (BRASIL, 1996BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Brasília, 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 28 set. 2020.
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), quanto na ausência de diretrizes que preconizem sobre a formação do professor universitário4 4 Entendemos que a terminologia “professor universitário” não representa toda a categoria de professores que trabalham no nível superior de ensino, em virtude das inúmeras variações institucionais e contextuais que, também, serão tratadas neste artigo. Mesmo assim, resolvemos oscilar no uso dos termos “professor universitário, professor ou docente de ensino superior”, considerando mais a articulação interna do texto do que um posicionamento político. . Apesar disso, a missão da Educação Superior, como um todo, é algo claramente estabelecido, principalmente, no Documento II da Reforma da Educação Superior (BRASIL, 2004BRASIL. Ministério da Educação. Reforma da educação superior: reafirmando princípios e consolidando diretrizes da reforma da educação superior. In: ANPED, 11., 2004, Rio de Janeiro. Anais [...], Rio de Janeiro: ANPED, 2004. Disponível em: http://www.anped11.uerj.br/MEC2agos2004.doc. Acesso em: 21 ago. 2021.
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). Diante desse quadro, muitos professores que seguem a carreira acadêmica, habilitam-se para a docência no Ensino Superior, em cursos de Mestrado e Doutorado, sem que passem pelo exercício do magistério na Educação Básica e, muitas vezes, ingressam na profissão sem compreenderem a prática que a constitui.

Para melhor compreendermos o engajamento dos programas de formação stricto sensu com o processo de letramento do profissional para a docência, empreendemos outro levantamento documental5 5 Esse levantamento não é assumido como a metodologia deste estudo. Tratou-se apenas de uma amostragem qualitativa, cujos resultados foram utilizados como argumentos para justificar o investimento nesta pesquisa. Tal delimitação ainda é lacunar na literatura brasileira sobre formação do professor universitário e merece outro estudo. . Dessa vez, pesquisamos as linhas e projetos de 12 cursos de pós-graduação (mestrado e doutorado)6 6 Os documentos analisados vincularam-se a 12 programas de Pós-Graduação Stricto Sensu: Engenharia Civil da UFSM, Engenharia Civil da UFPB, Medicina da USP, Medicina da UFPB, Matemática da UnB, Educação da UFPR, Educação da UFG, Educação da UFRJ, Direito da UFMG, Direito da UFBA, Linguística e Linguística Aplicada da Unicamp, Linguística da UFSC, além de um programa de Pós-Graduação da UFPB destinado ao corpo auxiliar de nível superior encarregado de planejar, coordenar e controlar todas as atividades de pós-graduação e de treinamento de professores mantidas por essa universidade. e constatamos que, nos cursos estudados, há pouco, ou quase nenhum destaque para a formação do professor de Ensino Superior. Os dois programas identificados com esse foco direcionam-se, exclusivamente, a competências pedagógicas, ou seja, às atividades de ensino.

A leitura do material nos mostrou uma ênfase também para a formação teórico-metodológica específica de cada área, com raríssimos espaços para a prática docente e a discussão de aspectos inerentes a essa prática, função, muitas vezes, assumida pelos programas de stricto sensu das faculdades de educação, com a oferta de disciplinas optativas. Os currículos são elaborados pelos cursos de pós-graduação e, legalmente, não há nenhuma obrigatoriedade quanto à oferta de disciplinas que contemplem a formação para o exercício da docência no ensino superior, cabendo à universidade a atribuição de fixar os currículos dos programas (BRASIL, 1996BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Brasília, 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 28 set. 2020.
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). Nesse sentido, a formação stricto sensu apresenta lacunas para a formação profissional docente. Isso pode representar dificuldade para os professores universitários realizarem tarefas rotineiras, tais como: elaborar uma avaliação ou um plano de curso, fazer uma orientação de pesquisa, participar de debates acadêmicos, dar um parecer em uma pesquisa, construir uma sequência didática, submeter projetos a editais, ações essas que envolvem a linguagem e que fazem parte do métier do professor universitário.

No intuito de poder contribuir para as reflexões em torno desse problema, esta pesquisa assume finalidade exploratória, para auxiliar na reconstrução da realidade vivida, e toma a linguagem na perspectiva do trabalho, abraçada pelos estudos da Clínica da Atividade (CLOT, 2010CLOT, Y. Trabalho e poder de agir. Tradução de Guilherme João de Freitas Teixeira e Marlene Machado Zica Vianna. Belo Horizonte: Fabrecatum, 2010.) e pela perspectiva dialógica e sociocultural (BAKHTIN, 2011BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011.). Além dos estudos bibliográficos, compõem o acervo desta pesquisa um corpus empírico, coletado por meio de uma entrevista aberta (BRASILEIRO, 2016BRASILEIRO, A. M. M. Manual de produção de textos acadêmicos e científicos. São Paulo: Atlas, 2016.) composta por pergunta geradora única enviada a 10 professores de Ensino Superior, sendo 5 da rede pública e 5 da privada, de diferentes contextos, por meio de WhatsApp ou e-mail. Os dados foram registrados em diário de campo, no período de janeiro de 2019 a março de 2020. A pergunta dirigida aos professores foi: Que gêneros textuais7 7 Embora haja variação terminológica, resolvemos utilizar, na entrevista, o termo gênero textual, em vez de gênero do discurso, como o faz Bakhtin (2011), por entendermos ser esse um termo mais corriqueiro no ambiente acadêmico. você precisa dominar para que possa exercer o seu trabalho de professor? Na mensagem de encaminhamento, alertamos os participantes para a necessidade de contemplar todas as atividades inerentes a seu trabalho, além das relativas ao ensino. Os dados coletados nesse levantamento foram compilados e agrupados em torno dos quatro tipos de atividades inerentes ao trabalho do professor universitário: ensino, pesquisa, extensão e gestão.

Cientes do potencial de contribuição deste estudo para as pesquisas e reflexões sobre formação docente, apresentamos, nesta seção, o percurso vivido na pesquisa. Na seção seguinte, construímos uma reflexão que parte da identidade do professor universitário, contextualizada historicamente no âmbito da Educação Superior, bem como nos papéis assumidos por esse profissional, diante da missão oficial para esse nível de ensino no Brasil. Iniciamos, na sequência, a discussão sobre o letramento do professor universitário e suas implicações, para, em seguida, apresentarmos os resultados alcançados, relativos aos gêneros do discurso utilizados pelo professor do Ensino Superior na realização do seu trabalho. Todo esse percurso, foi permeado por análises e reflexões acerca do papel do letramento profissional no desenvolvimento do trabalho docente e dos inúmeros gêneros do discurso que constituem o real da atividade do professor universitário.

O professor universitário: quem é e o que faz?

Esta seção tem o intuito de contribuir para a reflexão sobre a identidade do professor universitário e o trabalho exercido por ele. Para tanto, inicia com a discussão sobre identidade desse docente, trazendo para a reflexão implicações históricas e legais, bem como os papéis e as funções desse trabalhador. Finalmente, oferece uma compreensão do quanto a identidade ambivalente do professor de ensino superior está imbricada com a linguagem e demanda um processo de letramento contínuo.

A concepção de identidade como uma atividade que se constrói histórica, social e discursivamente em torno de representações e papéis sociais, tratando-se de processo instável, fragmentado, inacabado, contraditório, associado a representações que o sujeito tem de si mesmo e do outro (HALL, 2006HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva e Guaracira Lopes Louro. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.), merece atenção neste momento do nosso estudo. Isso porque essa “celebração móvel”, que se modifica na medida em que se transformam os sistemas de significação e representação cultural, aos quais somos confrontados por uma quantidade “desconcertante e cambiante de identidades possíveis com cada uma das quais poderíamos nos identificar” (HALL, 2006HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva e Guaracira Lopes Louro. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006., p. 13), ajusta-se à identidade do professor. Referimo-nos, pois, aos modos ambivalentes como esse sujeito reconhece a si mesmo e ao outro, a partir dos papéis e funções que exerce na sociedade, bem como das posições que assume.

Como a transformação é algo também inerente ao sistema educacional brasileiro e aos papéis sociais designados aos professores nos diversos níveis de ensino em que atuam, não é surpreendente que sua identidade também sofra modificações. Masetto (2003)MASETTO, M. T. Docência na Universidade. Campinas: Papirus, 2003. pondera sobre a complexidade da docência e ressalta que seu exercício envolve condições específicas que demandam uma multiplicidade de saberes, competências e atitudes a serem interpretadas por esse sujeito. A identidade do docente está diretamente ligada à formação pedagógica e é construída com base em vários referenciais, tais como: “a significação social da profissão, a revisão desses significados e das tradições e o estabelecimento de práticas consagradas culturalmente e que permaneçam significativas” (PIMENTA, 1999PIMENTA, S. G. Formação de professores: identidade e saberes da docência. In: PIMENTA, S, G. (org.). Saberes pedagógicos e atividade docente. São Paulo: Cortez, 1999. p. 15-34., p. 19).

Ao se referir à identidade do professor do ensino superior, Nóvoa (1992)NÓVOA, A. Formação de professores e formação docente. In: NÓVOA, A. (org.). Os professores e a sua formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1992. p. 13-33. afirma que ela deve ser construída a partir do conhecimento das realidades do ensino, suas representações, saberes e práticas. Além disso, o autor também sinaliza que deve ser considerado o processo de formação pedagógica docente. Assim, no intuito de entendermos a constituição da profissão de docência universitária no Brasil, fazemos, aqui, uma breve digressão histórica desse percurso.

Data do século XIX, o credenciamento profissional para atuação em nível superior, no Brasil, sendo esse ato de competência do príncipe regente. Em 1931, a Lei 19.850 instituiu o Estatuto da Universidade Brasileira e criou cursos de formação de professor, nas áreas de Educação, Ciências e Letras. Vigorava, nessa época, o sistema de cátedra, em que o professor universitário era dono de uma cadeira e mentor das boas práticas a serem adotadas no ambiente acadêmico (BRASIL, 1931, Art. 52).

A LDB, de 1961 (BRASIL, 1961BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Diário Oficial da União, Brasília, 1961. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1960-1969/lei-4024-20-dezembro-1961-353722-publicacaooriginal-1-pl.html. Acesso em: 28 set. 2020.
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), alargou a oferta de cursos para pós-graduação, aperfeiçoamento e extensão, expandindo, também, as funções do professor universitário. Em 1968, a Reforma da Educação Superior, Lei 5.540 (BRASIL, 1968BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 5.540, de 18 de novembro de 1968. Diário Oficial da União, Brasília, 1968. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1960-1969/lei-5540-28-novembro-1968-359201-publicacaooriginal-1-pl.html. Acesso em: 28 set. 2020.
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), organizou a estrutura da universidade em departamentos e definiu que a universidade seria modelo para a educação superior. Inicia-se, aí, a integração entre pesquisa e ensino, levando a uma nova conceituação de docência. A reforma ainda indicou a definição de uma política de aperfeiçoamento e qualificação docente, com base no mérito de produção dos professores. A última LDB, a 9.394, de 1996, preconiza que: “Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão” (BRASIL, 1996BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Brasília, 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 28 set. 2020.
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).

Com isso, buscou-se, segundo Santos (2004, p. 31), “a inserção da universidade na sociedade e a inserção desta na universidade”. Da LDB (BRASIL, 1996BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Brasília, 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 28 set. 2020.
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), abstrai-se que as atividades de ensino referem-se aos processos de construção de saberes e de apropriação de conhecimentos historicamente produzidos pelo homem e que se produzem, mais especificamente, na relação professor e aluno, prezando pelo caráter formador e crítico; as de pesquisa dizem respeito a atividades intelectuais de caráter artesanal, aos processos de construção de novos conhecimentos mobilizados por problemas emergentes no meio social, a partir do uso do método científico; e as de extensão relacionam-se aos processos educativos, culturais e científicos, de conhecimento, inserção e intervenção na realidade social, propiciando troca de experiências e saberes entre a universidade e a sociedade. Está explícito no documento que esses três pilares são indissociáveis, o que significa dizer que não é possível conceber um sem a existência do outro.

Vale ainda mencionar a missão do Ensino Superior definida na reforma mais recente:

[...] criar, desenvolver, sistematizar e difundir conhecimentos, em suas áreas de atuação, a partir da liberdade de pensamento e de opinião, tendo como meta participar e contribuir para o desenvolvimento social, econômico, cultural e científico da nação, promovendo a inclusão da diversidade étnico-cultural e a redução das desigualdades sociais e regionais do país (BRASIL, 2004BRASIL. Ministério da Educação. Reforma da educação superior: reafirmando princípios e consolidando diretrizes da reforma da educação superior. In: ANPED, 11., 2004, Rio de Janeiro. Anais [...], Rio de Janeiro: ANPED, 2004. Disponível em: http://www.anped11.uerj.br/MEC2agos2004.doc. Acesso em: 21 ago. 2021.
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).

Tomando como pressuposto que a responsabilidade de todas essas atividades, hoje, está a cargo do professor, pode-se ter uma ideia do volume de trabalho destinado a esse profissional. Para assegurar a autonomia na gestão universitária, somaram-se às atividades de ensino, de pesquisa e de extensão, aquelas relativas à gestão (ANDES, 2013SINDICATO NACIONAL DOS DOCENTES DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR [ANDES]. Caderno Andes. Brasília, jan. 2013. n.2. Disponível em: https://www.andes.org.br/img/caderno2.pdf. Acesso em: 28 set. 2020.
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). Para tanto, os professores participam de colegiados, deliberam, redigem documentos, que são elegíveis até para funções executivas, como as de Reitoria. Convém ressaltar que o desempenho desses profissionais é avaliado por um sistema de autogestão, conduzido por órgãos do Ministério da Educação.

Como decorrência de todas essas reformas e atribuições, o sistema de administração, com foco empresarial, em que vários departamentos se unem com propósito de reduzir custos, é instituído na universidade (MOROSINI, 2000MOROSINI, M. C. Professor do ensino superior identidade, docência e formação. Brasília: INEP, 2000.). A reforma de 2004 também estabelece que o Plano de Carreira para o corpo docente deva ser sustentado por sistemas de avaliação e progressão por mérito, sendo a estabilidade uma conquista dessa progressão (BRASIL, 2004BRASIL. Ministério da Educação. Reforma da educação superior: reafirmando princípios e consolidando diretrizes da reforma da educação superior. In: ANPED, 11., 2004, Rio de Janeiro. Anais [...], Rio de Janeiro: ANPED, 2004. Disponível em: http://www.anped11.uerj.br/MEC2agos2004.doc. Acesso em: 21 ago. 2021.
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). Isso justifica, em parte, o posicionamento silente do MEC em relação ao processo de formação profissional para o Ensino Superior, já que o sistema de meritocracia estabelece competências a serem avaliadas e que o professor, sendo autogestor, deverá desenvolver em prol da produtividade própria e do departamento ao qual se vincula. A manifestação oficial que se tem com relação à exigência requerida do professor universitário está na Lei 9.394/96, a qual preconiza que tal preparação seja realizada, prioritariamente, por meio dos cursos de formação stricto-sensu. “Art. 66: A preparação para o exercício do magistério superior far-se-á em nível de pós-graduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado” (BRASIL, 1996BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Brasília, 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 28 set. 2020.
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).

Esse credenciamento conferido à titulação stricto-sensu tem sido questionado insistentemente no interior dos programas, uma vez que o foco dos cursos de Mestrado e Doutorado não é docência, mas a formação de pesquisadores. Assim, titulações e saberes da área específica que os professores carregam ao chegarem ao Ensino Superior, embora seja a qualificação valorizada pelos critérios da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), têm se mostrado insuficientes para enfrentar os complexos desafios que constituem o real das atividades desse professor, as quais demandam competências político-administrativas (nas atividades de gestão), científico-pedagógicas (em atividades de pesquisa, ensino e extensão) e pessoais (em atividades relativas ao desenvolvimento intra e interpessoal em torno de relacionamentos profissionais).

Lindino (2016)LINDINO, T. C. Quem tu és? Eu? Um professor universitário! Revista Docência do Ensino Superior, Belo Horizonte, v. 6, n. 2, p. 35-62, out. 2016., em estudo sobre a profissionalização do professor universitário, alerta-nos para o fato de que “o modelo de competência não se refere à noção de formar profissionais capazes de construir projetos de emancipação; pelo contrário, flagra-se a incitação, por parte do mercado, para o fornecimento de profissionais que deverão desempenhar o papel que o sistema produtivo impõe” (LINDINO, 2005LINDINO, T. C. Pós-graduação e mercado de trabalho: exigência de formação continuada como qualificação docente. 2005. 245 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Marília, 2005., p. 42), ensejando, assim, um sistema de produtividade intelectual que estimula a competitividade entre os próprios colegas, entre departamentos e instituições, que são dispostos em rankings por meio de avaliações periódicas da Capes, ao tempo em que incute nos professores uma ideia de excelência inatingível. Assim, antes mesmo de se ocupar das discussões sobre a validade do sistema ao qual é imposto e a questionável qualidade das pesquisas que são produzidas, o professor precisa assegurar a sobrevivência da instituição à qual se vincula e, para isso, “arregaça as mangas”, ou seja, investe em produtividade, muitas vezes, de forma descomedida (SANTOS, 2008SANTOS, B, de S. A universidade no século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da universidade. 2008. Disponível em: https://www.ces.uc.pt/bss/documentos/auniversidadedosecXXI.pdf. Acesso em: 28 set. 2020.
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).

Em estudo que tratou sobre os desafios da realidade da docência universitária, Morosini (2000)MOROSINI, M. C. Professor do ensino superior identidade, docência e formação. Brasília: INEP, 2000. documentou para o MEC, há 20 anos, cinco pontos de vista que revelam, de certo modo, as atribuições do professor de Ensino Superior. Como veremos, tais responsabilidades revelam o quanto o trabalho docente está vinculado à linguagem, à qual se concretiza em diferentes gêneros orais, escritos e multimodais do discurso profissional. De acordo com Morosini (2000)MOROSINI, M. C. Professor do ensino superior identidade, docência e formação. Brasília: INEP, 2000., o professor universitário, sob o ponto de vista situacional,

[...] é aquele que trabalha em uma grande e complexa universidade brasileira, seja ela pública ou privada, com um sólido sistema de pós-graduação e com a presença de grupos consolidados de pesquisa. É, também, o que trabalha em uma instituição de ensino superior isolada e na qual o ensino é a própria razão de ser. É tanto o que trabalha na universidade orientada para o mercado como o que atua na instituição comunitária ancorada no seu meio (MOROSINI, 2000MOROSINI, M. C. Professor do ensino superior identidade, docência e formação. Brasília: INEP, 2000., p. 62).

As diferenças entre os dois grupos de docentes são marcantes. Em instituições públicas, é cobrada do professor a produtividade relativa às tarefas de ensino, pesquisa, extensão e administração. Já as instituições particulares, que se comprometem mais diretamente com o ensino, demandam dele o domínio de saberes de vários campos e, muitas vezes, as atividades de gestão relacionam-se, até mesmo, à publicidade e a ações mercadológicas de captação de alunos (BRASILEIRO, 2019BRASILEIRO, A. C. M. A acumulação flexível e os direitos trabalhistas dos docentes: estudo do fenômeno das companhias de educação em Minas Gerais. 2019. 152f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2019.).

Sob o ponto de vista institucional, Morosini (2000MOROSINI, M. C. Professor do ensino superior identidade, docência e formação. Brasília: INEP, 2000., p.62) destaca que é aquele professor “cujo plano de trabalho dispõe de horários para a pesquisa, mas é também aquele cujas horas em ensino são tantas que não sobra espaço para investigações. Às vezes, nem sequer para preparar suas aulas”. Nesse contexto, destacam-se, nos dias atuais, o tempo despendido no teletrabalho8 8 A European Comission (2000) realizou estudo com milhares de teletrabalhadores em 10 países europeus, mais Japão e Estados Unidos e apresentou 6 categorias de teletrabalho, que foram transcritas por Rosenfield e Alves (2011): trabalho em domicílio, trabalho em escritórios-satélite, trabalho em telecentros, trabalho móvel, trabalho em empresas remotas e trabalho informal ou teletrabalho misto. . Nóvoa (2017)NÓVOA, A. Firmar a posição como professor, afirmar a profissão docente. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v.47, n.166, p.1106-1133, out./dez. 2017. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/cp/v47n166/1980-5314-cp-47-166-1106.pdf. Acesso em: 14 abr. 2020.
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ressalta ainda que os baixos níveis salariais, o discurso da eficiência e do controle, além da possibilidade de contratação de pessoas com o dito “notório saber” disciplinar são fatores que têm contribuído para o desprestígio da profissão. O fato é que, para a reflexão que propomos neste espaço, essas evidências deixam exposto o quão complexo vai se tornando o processo de formação desse profissional.

Morosini (2000MOROSINI, M. C. Professor do ensino superior identidade, docência e formação. Brasília: INEP, 2000., p.62) também indica que “sob o ponto de vista político, o professor é o que vive as tensões da própria área de conhecimento, não raras vezes, impregnada de corporativismo, acrescidas das tensões das demais áreas na luta por espaços e financiamentos”. Nesse viés, entram em cena os inúmeros editais para os quais o professor precisa concorrer para ganhar espaço e financiamentos para seus projetos, travando lutas internas e externas à universidade, para fortalecer e dar visibilidade ao seu trabalho, à sua categoria, ao seu objeto de conhecimento. Esse sujeito-professor, em cuja identidade está estampada a formação intelectual, vê o seu tempo se esvaindo, muitas vezes, em questões burocráticas e administrativas, tempo este que se torna escasso, até mesmo, para preparar as aulas do cotidiano.

A autora dá destaque, também, ao professor sob o ponto de vista profissional que, segundo ela,

[...] privilegia a universidade como espaço de trabalho, mas também o que está inserido num contexto profissional com suas demandas específicas, como é o caso prevalente de professores de áreas. É o que vê o aluno como um impulsionador do trabalho, mas também como o futuro concorrente em um mercado recessivo. É aquele profissional permanentemente avaliado, desde o ingresso na carreira, através de concursos, de avaliações sistemáticas para a ascensão profissional, da submissão de trabalhos em eventos, da apresentação de projetos para financiamento e de relatórios de atividades e de pesquisa (MOROSINI, 2000MOROSINI, M. C. Professor do ensino superior identidade, docência e formação. Brasília: INEP, 2000., p. 63).

Parece ser nessa dimensão profissional que os demais pontos de vista se concretizam no real da atividade. O professor mostra-se como uma espécie de faz-tudo, que não pode se mostrar amador e que precisa defender sua empregabilidade. Precisa ter domínio do seu métier, mas precisa, também, demonstrar agilidade para açambarcar o trabalho em volume e variedade, o que acontece tanto no contexto institucional público, quanto no privado, tanto nas universidades, quanto nas faculdades isoladas.

Por fim, a autora chama a atenção para o ponto de vista do avanço do conhecimento que, segundo ela, “é o que se insere no processo produtivo que perfaz o avanço, colaborando de alguma forma para tal, mas é também o que dissemina o avanço quando não alienado das revoluções que se operam no mundo circundante” (MOROSINI, 2000MOROSINI, M. C. Professor do ensino superior identidade, docência e formação. Brasília: INEP, 2000., p. 63). Esse último tópico é o que, a princípio, foi considerado de mais nobre no trabalho do professor catedrático, por considerar a contribuição dele para o desenvolvimento social, que é impulsionada pela capacidade/possibilidade de ele empreender em programas de pesquisas contínuas e dar retornos com produtos que respondam às necessidades sociais.

Como se pode verificar, a partir da história de formação, das mudanças observadas nos documentos oficiais e desses cinco aspectos elencados por Morosini (2000)MOROSINI, M. C. Professor do ensino superior identidade, docência e formação. Brasília: INEP, 2000., é que, a depender da instituição e do contexto vivido, as demandas que chegam ao professor são diferentes e crescentes, incidindo sobre a identidade desse profissional, gerando atividades imbricadas com a linguagem e a necessidade do letramento contínuo.

O processo de letramento do professor universitário

Considerando que o professor universitário também é um agente de letramento, faz-se necessário refletir sobre os eventos relativos às práticas sociais de leitura e escrita por meio dos quais o fenômeno do letramento é abordado no âmbito universitário. Sabe-se que a discussão sobre as práticas de letramento é muito difundida e discutida nas esferas do ensino básico, no entanto, no mundo universitário, ainda merece investimento. Assim, acreditamos na necessidade de ampliação desta discussão, por meio de contribuições teóricas como as de Soares (2004)SOARES, M. B. Letramento e Escolarização. In: RIBEIRO, V. M. (org.). Letramento no Brasil. São Paulo: Global, 2004. p.89-113., Kleiman e Sito (2016)KLEIMAN, A.; SITO, L. Multiletramentos, interdições e marginalidades. In: KLEIMAN, A.; ASSIS, J. A. (org.). Significados e ressignificações do letramento: desdobramentos de uma perspectiva sociocultural sobre a escrita. Campinas (SP): Mercado de Letras, 2016. p. 169-198., Street (2003STREET, B. What’s “new” in New Literacy Studies?: Critical approaches to literacy in theory and practice. Current Issues in Comparative Education, London, n. 5, 2003. Disponível em: https://docs.ufpr.br/~clarissa/pdfs/NewInLiteracy_Street.pdf. Acesso em: 28 set. 2020.
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, 2013STREET, B. Letramentos sociais: abordagens críticas do letramento no desenvolvimento, na etnografia e na educação. São Paulo: Parábola Editorial, 2013.), Fiad (2015)FIAD, R. S. Algumas considerações sobre os letramentos acadêmicos no contexto brasileiro. Pensares em Revista, São Gonçalo, RJ, n. 6, p. 23-34, jan./jun. 2015., Lea e Street (2006)LEA, M.; STREET, B. The Academic Literacies Model: Theory and Applications. Theory into Practice. Theory into practice, Philadelphia, v. 45, n. 4, p. 368-377, 2006. dentre outras, no sentido de refletir sobre as práticas de letramento dos professores universitários associadas às diferentes linguagens sociais, posicionamentos, construção da identidade docente e fazer acadêmico-científico-profissional por meio dos gêneros do discurso acionados, caracterizando a noção de letramento(s) e dos aspectos aí envolvidos, especificamente, o professor universitário.

Para Soares (2004SOARES, M. B. Letramento e Escolarização. In: RIBEIRO, V. M. (org.). Letramento no Brasil. São Paulo: Global, 2004. p.89-113., p. 145), o letramento é o “estado ou condição de indivíduos ou grupos sociais de sociedades letradas que exercem efetivamente as práticas sociais de leitura e escrita”. Kleiman (1995KLEIMAN, A. B. (org.). Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas, SP: Mercado da Letras, 1995., p. 74), na mesma direção, define letramento como “um conjunto de práticas sociais que usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos, para objetivos específicos”. Nesta perspectiva, a prática social é compreendida como “uma sequência de atividades recorrentes e com um objetivo comum, que dependem de tecnologias, de sistemas de conhecimento específicos e de capacidades para a ação que permitem aplicar esses sistemas de conhecimentos numa situação específica” (KLEIMAN, 2008KLEIMAN, A. B. Os estudos de letramento e a formação do professor de língua materna. Linguagem em (dis)curso, Tubarão, v. 8, n. 3, p. 487-517, 2008., p.82). Street (2003)STREET, B. What’s “new” in New Literacy Studies?: Critical approaches to literacy in theory and practice. Current Issues in Comparative Education, London, n. 5, 2003. Disponível em: https://docs.ufpr.br/~clarissa/pdfs/NewInLiteracy_Street.pdf. Acesso em: 28 set. 2020.
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defende que as abordagens de letramento nos levam a compreender que um conceito único de letramento abrangente a toda estrutura social não seria possível, considerando a grande heterogeneidade das sociedades e das atividades que os sujeitos desenvolvem. Assim, o autor propõe que seria mais apropriado referirmo-nos a “letramentos” do que a um único “letramento” (STREET, 2003STREET, B. What’s “new” in New Literacy Studies?: Critical approaches to literacy in theory and practice. Current Issues in Comparative Education, London, n. 5, 2003. Disponível em: https://docs.ufpr.br/~clarissa/pdfs/NewInLiteracy_Street.pdf. Acesso em: 28 set. 2020.
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, p. 81). A perspectiva dos “letramentos” interliga a noção de letramento a um modo de conceber as práticas discursivas no seu contexto sócio-histórico, o que nos leva à constituição do sujeito com base em suas experiências, práticas e eventos sociais nos quais o sujeito é inscrito e se inscreve.

Considerando os objetivos desta pesquisa, buscamos compreender os processos e fatores envolvidos na construção da condição letrada na esfera da comunidade discursiva acadêmico-científica. Assim, interessam-nos as práticas de letramento no âmbito universitário, que são realizadas por meio do uso de gêneros do discurso próprios da atividade docente do professor do ensino superior. A partir do princípio de que a escrita faz parte do processo geral de constituição dos discursos, e que se dá como um trabalho contínuo de elaboração cognitiva por meio da inserção no mundo da escrita pelas interações sociais, a discussão sobre “os letramentos” do professor universitário é, portanto, densa, complexa e atravessada pelo viés político-ideológico9 9 Nesta pesquisa, estamos compreendendo que o viés político-ideológico se refere às formações discursivas (FOUCAULT, 2007), às quais os professores têm de se adequar ao ingressarem em uma instituição. .

Acreditamos, assim, que em relação ao letramento do professor universitário, esse profissional deveria ter acesso, em algum momento de sua formação, aos gêneros do discurso profissional. A ele deveriam ser apresentados, explicitamente, os gêneros que possibilitam o seu fazer acadêmico-científico. Uma vez que os letramentos são múltiplos, não há como pensar num ser único que chegue à docência no Ensino Superior já dotado de “todos” os múltiplos letramentos, pois, embora o professor seja um sujeito multiletrado, assim como acontece com muitas pessoas em relação ao uso das tecnologias digitais, muitos profissionais do Ensino Superior não tiveram acesso a uma formação que os preparasse para o uso social da escrita em eventos comunicativos específicos do métier profissional, pode-se, então, dizer que há uma lacuna relativamente ao letramento do professor do ensino superior no que diz respeito ao uso dos gêneros do discurso específicos do fazer acadêmico-científico.

O ponto a que chegamos aqui é que as situações de trabalho do professor requerem dele uma formação específica no campo dos gêneros do discurso da atividade docente, ou seja, um investimento no letramento profissional, como defende Pimenta (2018)PIMENTA, V. R. Letramento acadêmico e uso das tecnologias digitais: a construção discursiva de sujeitos autônomos e autonomizados nos/pelos processos dialógicos de produção acadêmico-científica. 2018. 323f. Tese (Doutorado em Letras) – Programa de Pós-Graduação em Letras, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2018.. Como gêneros do discurso, compreendemos, assim como Mikhail Bakhtin (2011BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011., p. 261) e o círculo, que são “enunciados, orais e escritos, concretos e únicos, que emanam dos integrantes duma ou doutra esfera da atividade humana”. Para ele, tais enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada uma dessas esferas, por meio do conteúdo temático (aspecto mais importante do gênero que deriva de diferentes apreciações de valor ao qual reagimos responsivamente), do estilo verbal (escolhas linguísticas de léxico, sintaxe, registros etc. que fazemos para dizer o que queremos dizer) e da construção composicional (forma de composição, de organização e acabamento de todo o enunciado – macro, (super)estrutura do texto, progressão temática, de coerência e coesão etc.). Para o filósofo, “esses três elementos fundem-se indissoluvelmente no todo do enunciado, e todos eles são marcados pela especificidade de uma esfera de comunicação” (BAKHTIN, 2011BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011., p. 262).

Essas esferas configuram-se, no entendimento de Rojo e Barbosa (2015ROJO, R. H. R.; BARBOSA, J. P. Hipermodernidade, multiletramentos e gêneros discursivos. São Paulo, SP: Parábola Editorial, 2015., p. 68), como “um amplo leque de possibilidades: um rico repertório de gêneros variados que se amplia à medida que a esfera/campo se expande”. Tal diversidade de repertório é observada nas várias esferas de atividade (jornalística, acadêmica, literária, jurídica, pessoal etc.) e se configuram também como parte do contexto de produção.

Restringindo o nosso olhar ao foco deste estudo, tomamos o discurso do métier docente como objeto de observação e deparamo-nos com uma diversidade de textos que constituem essa esfera de atividade social. Para exemplificar como cada texto se encontra encaixado no bojo da atividade docente, podemos mencionar uma sequência de atividades de um professor do Ensino Superior. O professor deverá organizar um planejamento de curso para a disciplina que ministrará. Para fazê-lo, ele deve escolher ou analisar um vasto material e fazer escolhas sobre o referencial teórico a ser utilizado, o tempo demandado por cada conteúdo programático, como os alunos serão avaliados, o tipo de avaliação (formativa, somativa) etc. Em seguida, ele deve lançar este plano de curso em pautas eletrônicas, dependendo da universidade/ faculdade onde trabalha. O professor, então, ministrará suas aulas e solicitará que os alunos elaborem trabalhos – como resenhas, resumos, seminários, apresentações. Essas aulas, atividades e avaliações serão publicadas no diário de classe, que inclui a lista de notas e frequência em formulário próprio. Nesse ínterim, o docente também terá de elaborar projetos de pesquisa, orientar pesquisas, participar de reuniões para as quais deve estar preparado para fazer sustentações orais e, eventualmente, redigir a pauta da reunião ou a sua ata. Todas essas atividades requerem o domínio de variados gêneros do discurso.

Ao nos referirmos a um dos vários processos de trabalho do professor, verificamos a necessidade de distinguirmos conceitualmente uma atividade de um gênero do discurso e recorremos aos estudos de Travaglia (2017)TRAVAGLIA, L. C et al. Gêneros orais: conceituação e caracterização. Revista Olhares & Trilhas, Uberlândia, v. 19, n. 2, 2017., que constrói diálogo com Fairclough (2003)FAIRCLOUGH, N. Analyzing discourse: textual analysis for social research. London: Routledge, 2003., em trabalho que busca categorizar gêneros orais.

Os gêneros são instrumentos, cuja apropriação leva os sujeitos a desenvolverem capacidades e competências individuais correspondentes aos gêneros. Tais capacidades e competências são capacidades e competências linguísticas e discursivas de construção e de escolha do gênero apropriado para a ação em dada situação social localizada. Já as atividades são ações mediadas por objetivos específicos, socialmente elaborados por gerações precedentes e disponíveis para serem realizadas, usando determinados instrumentos para este fim construídos (TRAVAGLIA et al., 2017, p. 15).

Ainda nesse estudo, Travaglia et al. (2017) apresentam duas perguntas que serão também úteis para esta pesquisa. De modo prático, será caracterizado como atividade, o objeto em análise que for resposta à pergunta “o que as pessoas estão fazendo?”. Em complemento, será caracterizado como gênero, quando for resposta à pergunta “o que as pessoas estão fazendo ao usar um determinado gênero como instrumento?”. Por exemplo, a coordenação de uma reunião é uma atividade, pois é algo que alguém está fazendo. Para isso, é preciso usar instrumentos de exposição oral tais como: apresentação em power point e pauta de reunião, que são gêneros do discurso.

Esse exemplo demonstra, com simplicidade, o quanto o trabalho do professor é imbricado nos gêneros do discurso, que o organizam, sendo, também, o ato mais concreto da sua atividade. Nessa seara do discurso profissional, Bathia (1994)BATHIA, V. K. Analysing genre: language use in professional settings. London: Longman, 1994. advoga que membros especialistas de qualquer comunidade profissional devem ter não só o conhecimento de sua área específica, mas também o da estrutura dos gêneros que utilizam em seus textos. Segundo o autor, tais textos ganham um caráter de estrutura textual interna convencionalizado. O autor menciona que, embora o profissional tenha liberdade para usar os recursos linguísticos da melhor forma que lhe convém, ele deve atender a certos padrões que limitam e estabelecem certas formas de melhor desenvolver os gêneros do discurso por ele redigidos. Para o autor, o profissional pode utilizar as regras e as convenções de um gênero para alcançar seus objetivos profissionais e intenções particulares, no entanto, ele não pode abandonar tais regras e convenções totalmente, pois, assim, corre o risco de redigir algo absurdo segundo suas intenções de interação.

Segundo Bathia (1994)BATHIA, V. K. Analysing genre: language use in professional settings. London: Longman, 1994., existem restrições ao operacionalizar uma intenção, posicionar e estruturar um gênero em um texto profissional específico e isso, provavelmente, seja o motivo de muitos profissionais tenderem a estruturar gêneros particulares de formas mais ou menos idênticas. Os membros de uma determinada comunidade profissional devem dominar um conhecimento sobre os gêneros do discurso a serem utilizados, que os ditos “leigos”, naquele específico trabalho, não possuem. Tal investimento é observado, por exemplo, no processo de formação de jornalistas e juristas, cujos gêneros relativos ao real da atividade são tomados como objetos de ensino. Tais profissões, assim como a docência, têm a linguagem como seu objeto de trabalho.

Aproximando-se mais do objeto deste estudo, Machado e Lousada (2010)MACHADO, A. R; LOUSADA, E. G. A apropriação de gêneros textuais pelo professor: em direção ao desenvolvimento pessoal e à evolução do “métier”. Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, v. 10, n. 3, p. 619-633, 2010. focalizam a formação docente por meio de gêneros orais e escritos, considerando-os artefatos para a atividade, sem ainda especificar as atividades e respectivos gêneros por meio dos quais elas se realizam. Entendemos que o professor deve “apropriar-se” também dos gêneros do discurso que circulam na esfera universitária, para que possam realizar as atividades interacionais requeridas nesses espaços. Ao nos referirmos à apropriação dos gêneros do discurso, fazemo-lo em consonância com Machado e Lousada (2010)MACHADO, A. R; LOUSADA, E. G. A apropriação de gêneros textuais pelo professor: em direção ao desenvolvimento pessoal e à evolução do “métier”. Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, v. 10, n. 3, p. 619-633, 2010.. Para as autoras, “apropriar-se de alguma coisa é adaptar alguma coisa a um uso ou a uma finalidade determinada; atribuir alguma coisa a si mesmo, fazer com que ela seja SUA (algumas vezes, até mesmo de modo indevido)” (MACHADO; LOUSADA, 2010MACHADO, A. R; LOUSADA, E. G. A apropriação de gêneros textuais pelo professor: em direção ao desenvolvimento pessoal e à evolução do “métier”. Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, v. 10, n. 3, p. 619-633, 2010., p. 623). Elas ainda defendem que, para que possamos nos servir dos gêneros, como mediadores para a comunicação e para o desenvolvimento linguageiro, precisamos deles nos apropriar.

Nessa perspectiva, para melhor compreendermos o que se passa com o uso dos gêneros utilizados pelo professor em seu métier, é necessário apresentar como concebemos o trabalho docente. Para isso, inspiramo-nos, assim como Machado e Lousada (2010)MACHADO, A. R; LOUSADA, E. G. A apropriação de gêneros textuais pelo professor: em direção ao desenvolvimento pessoal e à evolução do “métier”. Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, v. 10, n. 3, p. 619-633, 2010. e Muniz-Oliveira (2016)MUNIZ-OLIVEIRA, S. Uma interpretação discursiva sobre o real da atividade docente no ensino superior: dificuldades e super-ações. DELTA, São Paulo, v.32, n.1, p.75-97, 2016. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-44502016000100075&script=sci_abstract&tlng=pt. Acesso em: 09 ago. 2019.
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, nos aportes da Clínica da Atividade (CLOT, 2010CLOT, Y. Trabalho e poder de agir. Tradução de Guilherme João de Freitas Teixeira e Marlene Machado Zica Vianna. Belo Horizonte: Fabrecatum, 2010.) e da Ergonomia da Atividade Francesa (AMIGUES, 2004AMIGUES, R. Trabalho do professor e trabalho de ensino. In: MACHADO, A. R. (org.). O ensino como trabalho: uma abordagem discursiva. Londrina: Eduel, 2004. p. 35-53.). Sendo assim, podemos dizer que o professor mobiliza seu ser integral, em múltiplas dimensões, para desenvolver o seu trabalho e ocupar o seu nicho. Esse trabalho é permeado não só pela interação com outros atores, principalmente com seus alunos, mas também com vários outros sujeitos que fazem parte direta ou indiretamente da imensa rede de pessoas e instituições com as quais os professores precisam interagir para desenvolver o seu trabalho. Para tanto, esses professores utilizam “instrumentos materiais ou simbólicos, oriundos da apropriação, por si e para si, de artefatos disponibilizados pelo seu meio social” (MACHADO; LOUSADA, 2010MACHADO, A. R; LOUSADA, E. G. A apropriação de gêneros textuais pelo professor: em direção ao desenvolvimento pessoal e à evolução do “métier”. Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, v. 10, n. 3, p. 619-633, 2010., p. 627) inseridos em contextos mais amplos.

Como se pode observar, para além de conteúdos e metodologias, a atividade do professor é, também, orientada por prescrições institucionais de diferentes níveis e por modelos de agir advindos do coletivo de trabalho. Essas inúmeras prescrições, que incidem na ação docente, devem ser vistas como artefatos disponibilizados para o professor que dão forma às suas ações e podem facilitar o seu trabalho. Como aponta Amigues (2004)AMIGUES, R. Trabalho do professor e trabalho de ensino. In: MACHADO, A. R. (org.). O ensino como trabalho: uma abordagem discursiva. Londrina: Eduel, 2004. p. 35-53., tais artefatos normalmente são reconcebidos e adaptados pelo professor a seu contexto particular de trabalho. Acreditamos, contudo, que eles permitem ao docente guiar e pensar suas ações, não apenas em situação de ensino, mas em todas as situações requeridas pela atividade, uma vez que, para exercer a sua profissão, o professor deve mobilizar diferentes gêneros do discurso em diferentes situações da atividade.

Para melhor compreensão da rede de discursos que materializa as diversas situações de usos da linguagem em situação de trabalho, apoiamo-nos, como já dissemos, na Clínica da Atividade, que vem sendo desenvolvida por estudiosos como como Clot et al. (2001)CLOT, Y. et al. Clínica do trabalho, clínica do real. Trad.: Kátia Santorum e Suyanna Linhales Barker. Le journal des psychologues, Revigny-sur-Ornain, n. 185, mars 2001., Clot (2010)CLOT, Y. Trabalho e poder de agir. Tradução de Guilherme João de Freitas Teixeira e Marlene Machado Zica Vianna. Belo Horizonte: Fabrecatum, 2010., Amigues (2004)AMIGUES, R. Trabalho do professor e trabalho de ensino. In: MACHADO, A. R. (org.). O ensino como trabalho: uma abordagem discursiva. Londrina: Eduel, 2004. p. 35-53. e Nouroudine (2002)NOUROUDINE, A. A linguagem: dispositivo revelador da complexidade do trabalho. In: SOUZA-E-SILVA, M. C. P. de; FAÏTA, D. (org.). Linguagem e trabalho: construção de objetos de análise no Brasil e na França. São Paulo: Cortez, 2002. p. 17-30.. De início, veremos os três tipos de relações entre a linguagem e o trabalho, como apresentado por Nouroudine (2002)NOUROUDINE, A. A linguagem: dispositivo revelador da complexidade do trabalho. In: SOUZA-E-SILVA, M. C. P. de; FAÏTA, D. (org.). Linguagem e trabalho: construção de objetos de análise no Brasil e na França. São Paulo: Cortez, 2002. p. 17-30.: i) a linguagem como trabalho, que é a utilizada durante/ para a realização da atividade de trabalho; ii) a linguagem no trabalho, que caracteriza a linguagem relacionada à situação geral de trabalho (excluindo a linguagem durante/ para a realização da atividade), e iii) a linguagem sobre o trabalho, relacionada à produção de saber sobre o trabalho.

Para Clot et al. (2001)CLOT, Y. et al. Clínica do trabalho, clínica do real. Trad.: Kátia Santorum e Suyanna Linhales Barker. Le journal des psychologues, Revigny-sur-Ornain, n. 185, mars 2001., o que existe entre a organização do trabalho e o sujeito é um trabalho de reorganização da tarefa pelos coletivos profissionais. Para os autores, esse referencial de normas e regras comuns, que representa a memória impessoal de um local de trabalho, provém de uma cultura profissional coletiva e é, frequentemente, mais seguido do que as próprias regras e instruções formalmente criadas. Isso decorre do fato de que esses gêneros profissionais, assim como qualquer gênero do discurso, não são unidades totalmente estáveis e homogêneas, mas um conjunto de atividades adotadas em uma determinada situação de trabalho. Por outro lado, professores compartilham uma série de “modos de agir, de fazer etc.” que não precisam de prescrição, já que são conhecidos e esperados no fazer profissional, como, por exemplo, a gestão dos tempos na sala de aula.

Nesse sentido, chamamos a atenção do leitor para as inúmeras dificuldades encontradas pelo professor que, ao ingressar no campo do trabalho, desconhece parte dos gêneros profissionais inerentes à sua profissão e dos quais necessita para realizar o seu trabalho (MUNIZ-OLIVEIRA, 2016MUNIZ-OLIVEIRA, S. Uma interpretação discursiva sobre o real da atividade docente no ensino superior: dificuldades e super-ações. DELTA, São Paulo, v.32, n.1, p.75-97, 2016. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-44502016000100075&script=sci_abstract&tlng=pt. Acesso em: 09 ago. 2019.
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). São os gêneros demandados para que possa ensinar, diferentemente, dos gêneros a ensinar. Creditamos parte desse desconhecimento não só ao fato de esses gêneros não serem abordados no período da sua formação profissional, mas também pela evidência de que, a cada dia, as imposições do trabalho e as inovações tecnológicas fazem surgir novos gêneros do discurso, os quais demandam a atenção do professor, para que ele possa continuar a exercer o seu ofício. Uma aula presencial, por exemplo, é diferente de uma aula remota, em que a interação face a face fica prejudicada, requerendo que os interactantes lancem mão de outros recursos de linguagem, tais como, por exemplo, o chat, a recorrente solicitação de retorno oral dos alunos e fóruns de dúvidas. Além disso, o profissional é mobilizado a dominar o meio tecnológico pelo qual a sua aula chegará aos seus alunos. São novas dinâmicas que demandam saberes a serem aprendidos.

Ainda é importante realçar que, no ensino superior, o domínio discursivo acadêmico-científico está intrinsecamente ligado ao domínio profissional, mas que este ultrapassa aquele, já que as atividades do professor universitário não se restringem à pesquisa. Reforça-se, assim, a necessidade do processo contínuo de letramento do professor, buscando, com isso, amenizar o sentimento de impotência perante demandas, cada vez mais, exigentes. Na direção de contribuir para esse processo, na próxima seção, apresentamos o inventário dos gêneros do discurso do métier docente.

O real da atividade docente universitária e os gêneros do discurso do métier docente: um inventário

O inventário é um texto comum no meio jurídico, onde é conhecido como um documento em que se relacionam os bens deixados por alguém, mas ele tem sido, também, usado em pesquisas exploratórias, quando se pretende fazer um “levantamento de dados para a construção de um panorama acerca de determinado assunto” (BRASILEIRO, 2016BRASILEIRO, A. M. M. Manual de produção de textos acadêmicos e científicos. São Paulo: Atlas, 2016., p. 97). Assim, no intuito de construir um inventário de gêneros do discurso, que constituem o trabalho docente no Ensino Superior, registramos, ao longo da nossa experiência docente, os inúmeros gêneros do discurso necessários para o ensino e buscamos a sistematização dos dados, a partir da pergunta “Que gêneros textuais você precisa dominar para que possa exercer o seu trabalho de professor?” encaminhada aos 10 professores. Nesse caso, não nos restringimos a qualquer área de formação, visto que todo professor, independentemente da área em que atua, carece de produzir determinados textos em suas práticas profissionais.

Obtivemos as primeiras respostas do grupo de professores e elas evidenciaram um equívoco em relação ao objeto da pergunta. Os participantes informaram gêneros do discurso usados no trabalho, tomados como conteúdo de ensino, não se referindo àqueles que indicam a linguagem como trabalho, nas palavras de Clot (2010)CLOT, Y. Trabalho e poder de agir. Tradução de Guilherme João de Freitas Teixeira e Marlene Machado Zica Vianna. Belo Horizonte: Fabrecatum, 2010., como mecanismo que possibilite a realização da atividade. O fragmento apresentado a seguir ilustra essa concepção dos entrevistados.

(1)Nossa! São tantos! Textos jornalísticos, folhetos de propagandas, textos científicos, e-mail (é um gênero?)... (Resposta do Professor 8).

Ao mencionar textos jornalísticos, folhetos de propaganda, textos científicos, e-mail, de modo genérico, os docentes relacionavam aqueles gêneros selecionados para a realização da aula em si, em sua atividade rotineira, sendo, portanto, a linguagem no trabalho, referentes aos gêneros a ensinar. Embora compreendêssemos tais equívocos como problemáticos, do ponto de vista da Linguística Aplicada, resolvemos, para fins deste estudo, dar ênfase ao objetivo da pesquisa e esclarecer, a cada um dos professores, o foco da pergunta. Assim, refizemos a questão para: “Em sua rotina profissional, que textos você precisa produzir para que possa exercer o seu trabalho de professor, tais como relatório de pesquisa, pauta de reunião, prova, projeto de extensão etc.?

(2)Atas de reuniões (com pares, de pesquisa, com a comunidade escolar, com orientandos), formulários, projetos de pesquisa, artigos, ofícios administrativos, relatórios de atividades acadêmicas. É isso? São muitos! (Resposta do Professor 3).

A partir de respostas como esta, que revelaram o métier do professor em diferentes funções, instâncias e circunstâncias, configurou-se o material necessário para a produção do inventário, relativos aos gêneros para ensinar. Após a compilação dos dados, cerca de 100 gêneros do discurso profissional, passamos a organizar cada um deles, distinguindo as atividades dos gêneros e, este último, se se tratavam de gêneros a ensinar ou para ensinar.

Verificamos, então, que a existência deles vinculava-se, objetivamente, às atividades exercidas pelos professores e que tais atividades compreendiam as funções dos professores relativas aos pontos de vista situacional, institucional, político, profissional e avanço do conhecimento apontados por Morosini (2000)MOROSINI, M. C. Professor do ensino superior identidade, docência e formação. Brasília: INEP, 2000.. Considerando a natureza interseccional dos gêneros do discurso que correspondiam a tais atividades, recorremos, para efeito de agrupamento das categorias, às funções oficiais definidas para o professor de Ensino Superior: ensino, pesquisa, extensão e gestão10 10 Em estudo anterior (BRASILEIRO; PIMENTA, 2021), em que analisamos o trabalho do professor em diversos níveis de ensino, os dados foram categorizados em função do conteúdo temático, tendo sido orientados para: atividades rotineiras, comunicação interpessoal, planejamento e documentação. Compreendemos que essas funções também fazem parte do real da atividade do professor de Ensino Superior, mas que, também, a prescrição legal do trabalho desse professor especifica outras funções. , as quais demandam inserção em práticas de letramentos. Quatro perguntas guiaram nossa análise dos dados para categorização desse objeto, como um gênero (e não como uma atividade), e como um gênero profissional docente (e não como um gênero para ser ensinado ao aluno):

  1. O que as pessoas estão fazendo? Se o objeto respondesse a essa pergunta, então, tratava-se de uma atividade;

  2. O que as pessoas estão fazendo ao usar um determinado gênero como instrumento? Se a resposta fosse um instrumento discursivo, então, tratava-se de gênero;

  3. Esse instrumento é tomado como objeto de ensino ou objeto necessário para o professor ensinar? Com essa resposta, distinguimos os gêneros profissionais docentes, nosso interesse neste estudo, dos demais relativos a outras esferas; e, por fim,

  4. Esse instrumento é usado em atividades de ensino, pesquisa, extensão ou gestão? Com essa pergunta, pudemos agrupar os gêneros por tipo de atividade.

Entretanto, tal agrupamento não foi uma tarefa simples. Compreendemos, logo de início, que o termo “indissociabilidade”, legalmente previsto para as funções do professor universitário, incidia objetivamente sobre a categorização dos gêneros do discurso. Gêneros como entrevista, parecer, apresentação de Powerpoint (Prezi, Canva etc.), sessão de orientação e relatório são utilizados nos quatro tipos de atividades do docente universitário, tendo alterados os estilos e as estruturas composicionais, a depender dos conteúdos temáticos (finalidade do autor) e dos contextos de produção e recepção em que se inserem. Ou seja, esses dois elementos incidem sobre as variações e utilizações desses textos profissionais.

Outras tantas interseções dessa natureza foram observadas em gêneros que fazem parte de dois ou três conjuntos, tais como a arguição ou um simples handout. Explicando melhor, um plano de ensino, por exemplo, tem, na função de ensino, o objetivo de prescrever e orientar a construção de uma disciplina, mas tem, também, na função de gestão, o objetivo de documentar a aplicação da ementa dessa disciplina por parte do professor. Resolvemos, por isso, repetir esses gêneros em cada grupo de atividade, assumindo, assim, essa característica de indissociabilidade.

Isso posto, vale realçar que, por uma questão de coerência com nosso assumido posicionamento sociocultural perante o ensino da língua e do letramento docente, longe de propor modelos prontos ou engessados, a nossa intenção ao apresentarmos o inventário desses gêneros é, principalmente, dar visibilidade ao fato de que, se é por meio dos gêneros do discurso que se concretiza o real da atividade profissional (NOUROUDINE, 2002NOUROUDINE, A. A linguagem: dispositivo revelador da complexidade do trabalho. In: SOUZA-E-SILVA, M. C. P. de; FAÏTA, D. (org.). Linguagem e trabalho: construção de objetos de análise no Brasil e na França. São Paulo: Cortez, 2002. p. 17-30.), tais gêneros devem figurar, materialmente, como tópicos para a formação dos professores. A nossa contribuição é, portanto, mostrar a dimensão desse corpus, que se configura como instrumento de trabalho e colocar o tema na pauta das nossas discussões.

Iniciamos o inventário pelos gêneros que constituem o ensino, função docente mais conhecida socialmente, e que se refere às competências pedagógicas para a condução de processos de construção de conhecimento. Partimos do pressuposto de que a aula é o trabalho do professor de maior visibilidade, mas que representa, apenas, a concretização de muitas atividades realizadas antes, durante e depois, as quais requerem, todas elas, a apropriação de gêneros orais, escritos e multimodais, que passamos a apresentar em ordem alfabética.

Apresentação em power point, arguição, artigo científico, atividade diagnóstica, aula online (gravada), aula presencial, aula remota (ao vivo), avaliação da aprendizagem, cartaz, cronograma de atividades, entrevista, estudo de caso, exposição em mesas redondas, fichas avaliativas de aluno, jogo didático, lista de exercícios, mapa conceitual, memorial, ocorrência disciplinar, painel, parecer, plano de curso, plano de disciplina (ou de ensino), plano de aula, portfólio, prova, registro de ocorrências rotineiras, registro de problemas técnicos, registro de reunião com alunos, relatório de atividades anuais, relatório de estágio, relatório de vivência pedagógica, resenha, resumo, sequência didática, sessão de orientação...

Não foi objeto de dificuldade identificar uma apresentação em powerpoint, uma aula ou uma avaliação da aprendizagem como gêneros constitutivos da atividade de ensino, mas alguns gêneros demonstraram-se multifacetados como, por exemplo, o artigo científico. Observando os processos de produção, é um texto vinculado à atividade de pesquisa, no entanto, a atividade docente no ensino superior requer o trabalho com tal gênero na sala de aula, para subsidiar o ensino e a construção de conhecimentos específicos, podendo, também, ser tomado como instrumento avaliativo de disciplinas, o que demanda uma apropriação por parte do professor. Esse raciocínio nos levou a considerar dispositivos dessa natureza como gênero da atividade do professor universitário, o qual pode ser demandado em mais de um agrupamento de funções.

Deparamo-nos, também, com gêneros de composição multigenérica, como é o caso da própria aula, que guarda, em sua constituição, inúmeros gêneros orais, escritos e multimodais. Pensando na própria aula, compreendemos que seria necessário distingui-la em 3 (três) tipos diferentes (online gravada, remota ao vivo e presencial), já que cada uma delas, mesmo tratando do mesmo conteúdo, sofre alterações na estrutura composicional e no estilo da linguagem, tendo em vista os contextos socioculturais de produção e de recepção.

Por fim, convém ressaltar a complexidade imbricada ao trabalho de ensino (MUNIZ-OLIVEIRA, 2016MUNIZ-OLIVEIRA, S. Uma interpretação discursiva sobre o real da atividade docente no ensino superior: dificuldades e super-ações. DELTA, São Paulo, v.32, n.1, p.75-97, 2016. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-44502016000100075&script=sci_abstract&tlng=pt. Acesso em: 09 ago. 2019.
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). Um exercício, aparentemente simples, trabalhado em sala de aula, precisa estar atrelado e construir diálogo coerente com diversas outras atividades e instâncias, quais sejam: o plano de aula, o plano de ensino da disciplina, o projeto do curso, o projeto institucional, os planos e legislações nacionais (MACHADO; LOUSADA, 2010MACHADO, A. R; LOUSADA, E. G. A apropriação de gêneros textuais pelo professor: em direção ao desenvolvimento pessoal e à evolução do “métier”. Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, v. 10, n. 3, p. 619-633, 2010.). Trata-se, pois, de uma trama de planos e discursos que se concretiza no real da atividade, que é o exercício aplicado em sala. Nesse sentido, a apropriação dos mais variados gêneros que constituem o métier do professor interfere no processo de inserção desse profissional nas referidas práticas e eventos de letramento (KLEIMAN, 2008KLEIMAN, A. B. Os estudos de letramento e a formação do professor de língua materna. Linguagem em (dis)curso, Tubarão, v. 8, n. 3, p. 487-517, 2008.; SOARES, 2004SOARES, M. B. Letramento e Escolarização. In: RIBEIRO, V. M. (org.). Letramento no Brasil. São Paulo: Global, 2004. p.89-113.) e, consequentemente, na construção de identidades (HALL, 2006HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva e Guaracira Lopes Louro. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.).

Avançando a construção do inventário para a função pesquisa, aquela que requer do professor a contribuição para o desenvolvimento científico na área em que atua e para o estímulo intelectual dos seus alunos, chegamos aos seguintes gêneros do discurso.

Abertura oral de eventos, anais de eventos (gênero híbrido), apresentação de palestra, arguição, apresentação em power point, artigo científico, capítulo de livro, diário de bordo, dissertação, ensaio, entrevista, estudo de caso, exposição em mesas redondas, fichamento, formulário, handout de apresentação, informe científico, intervenção oral em reuniões de pesquisa e em mesas redondas, memorial, monografia, painel, paper, parecer, plano de pesquisa, portfólio, pôster, projeto de linha de pesquisa, projeto de pesquisa, projeto de requisição de recursos para eventos, projeto para participação em editais, registro de orientações, relatório de atividades anuais, relatório de orientação, resenha, resumo, sessão de orientação, tese...

Da mesma forma que o ensino, dizer que um projeto de pesquisa, um pôster, um handout de apresentação são gêneros a serem apropriados pelo professor para o exercício da atividade de pesquisa, é asserção simples, uma vez que, objetivamente, podemos relacionar esses artefatos aos processos de construção de novos conhecimentos. No entanto, encontramos empecilho ao analisarmos algumas atividades exercidas, rotineiramente, no campo da pesquisa, como a condução de reuniões antes, durante e após os eventos, a mediação de mesas, a mediação de seminários e, a partir da primeira pergunta “O que as pessoas estão fazendo?”, conseguimos identificar que se tratam de atividades (e não do gênero em si), que demandam a apropriação de um ou mais gêneros do discurso para tornarem-se reais. Na atividade de mediação de uma mesa redonda, por exemplo, o professor precisa fazer: um handout para apresentação, algumas notas para articulação da mesa, intervenção junto aos participantes etc.

Vale registrar que o investimento institucional nessas atividades tem ocorrido de maneira isolada, ao longo da experiência profissional, na medida em que é demandado, sem que haja um compromisso sistemático com essas práticas letradas que representam o fazer do professor universitário.

Recorremos, agora, aos gêneros vinculados à extensão, comumente tratada como o retorno da universidade à sociedade, mas que, para além disso, avança para processos educativos, culturais e científicos, nos quais universidade e comunidade constroem espaços de troca de conhecimentos, que podem resultar em intervenções na realidade social.

Apresentação em power point, arguição, capítulo de livros, diário de bordo, entrevista, exposição oral, formulários, handout de apresentação, registro de orientação, parecer, projeto de extensão, relatório de atividades anuais, relatório de orientação, palestra...

Nessa análise, pudemos identificar a indissociabilidade entre os três pilares do ensino superior, mostrando-se, com muita evidência, no real das atividades extensionistas, cujas iniciativas retroalimentam o ensino e a pesquisa, ao tempo em que subsidiam as iniciativas de diálogo com o campo.

Nesse sentido, destacamos em nossa análise, que a atividade de orientação de extensão é diferente da orientação de pesquisa, uma vez que o aluno precisa ser orientado em relação às demandas da sociedade para com a Universidade e vice-versa. Destacamos, também, que a divulgação de uma atividade de extensão, pode demandar variados gêneros, como um capítulo de livro, por exemplo. Essas diferentes demandas realçam a natureza múltipla e fragmentada do professor universitário, cuja identidade (HALL, 2006HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva e Guaracira Lopes Louro. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.; MOROSINI, 2000MOROSINI, M. C. Professor do ensino superior identidade, docência e formação. Brasília: INEP, 2000.) emerge a partir da apropriação dos gêneros do discurso que circulam no âmbito docente e das práticas de letramentos das quais participa. Com isso, ele vai se formando, constituindo-se e se reconhecendo como sujeito do seu discurso.

Encerrando este inventário, apresentamos os gêneros que significam o real da atividade do professor no campo da gestão (ANDES, 2013SINDICATO NACIONAL DOS DOCENTES DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR [ANDES]. Caderno Andes. Brasília, jan. 2013. n.2. Disponível em: https://www.andes.org.br/img/caderno2.pdf. Acesso em: 28 set. 2020.
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), requerido para que o professor possa participar de instâncias administrativas do contexto do Ensino Superior. Nessa instância de atividades, os professores participam de colegiados, defendem posicionamentos institucionais, deliberam, redigem documentos, no intuito de conduzir e sustentar um sistema de autogestão ou de gestão de indicadores institucionais. Os gêneros identificados foram:

abertura oral de eventos, apresentação em power point, arguição em bancas de seleção, ata de reunião, bilhete, cadastramento de projetos em plataformas online, carta, cartaz, contrato de convênios de estágios, convite, convocação para reuniões, cronograma, currículo lattes, diário de bordo, diário de classe online, entrevista, exposição em reuniões, fichas avaliativas de colegas e professores, formulário, lista de checagem, memorando, memorial, ofício, parecer, pauta de reunião, plano de disciplina (ou de ensino), projeto de curso, projeto político pedagógico, projeto de requisição de recursos, projeto para participação em editais, registro de reuniões de pesquisa e extensão, registro de grupos de pesquisa e extensão, relatório de atividades anuais, relatório de indicadores de gestão, relatório de notas, relatório de orientações, relatório de viagens, requerimento, sustentação oral em reuniões...

Ao concluirmos a segmentação dos gêneros da atividade gestão, ficou evidenciado, na variedade de gêneros demandados nessa função, o quanto as funções administrativas têm exigido do professor universitário. Na função de coordenador de curso, por exemplo, para realizar uma simples reunião (uma atividade), o professor faz convocação, pauta, exposição oral, ata, enfim, são muitos gêneros produzidos antes, durante e depois da atividade, que não figuram nos processos de formação desse profissional, mas que constituem o real da sua atividade. Considerando o postulado de Bakhtin (1998)BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: A teoria do romance. Tradução de Aurora F. Bernadini, José Pereira Júnior, Augusto Góes Júnior, Helena S. Nazário e Homero F. de Andrade. 4. ed. São Paulo: UNESP, 1998., acerca do estilo individual do autor, um aspecto ainda a ser considerado, em estudos posteriores, é o da interferência dos modelos e das formas padronizadas utilizadas no ambiente universitário para a produção de alguns desses gêneros.

A abertura oral de um evento, por exemplo, pareceu-nos, de início, não ser uma atividade relacionada à gestão. No entanto, verificamos que, muitas vezes, o coordenador, o chefe do departamento, o líder de um grupo de pesquisa precisa realizar essa atividade, que também é um gênero oral, exatamente, devido à função gestora que ele exerce. Assim, para o bom exercício dessas funções de gestão, o docente precisa desenvolver todas as competências político-administrativas, científico-pedagógicas e pessoais demandadas em sua avaliação. Para tal exercício, são necessárias práticas de letramento, relacionadas à apropriação dos gêneros do discurso profissional. Todas essas atividades relativas aos mais variados ambientes e contextos universitários contribuem para a constituição de sujeitos multifacetados, com identidades múltiplas (NÓVOA, 1992NÓVOA, A. Formação de professores e formação docente. In: NÓVOA, A. (org.). Os professores e a sua formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1992. p. 13-33.; HALL, 2006HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva e Guaracira Lopes Louro. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.).

Assim, mesmo sabendo que o inventário construído ainda é incompleto e que os quadros relativos a ensino, pesquisa, extensão e gestão ainda não apresentam os gêneros que funcionam em interseção, resolvemos apresentá-lo, como forma de suscitar a discussão no interior dos cursos de formação de professores universitários, especialmente, nos cursos de Mestrado e Doutorado, no intuito de evidenciar o fato de que todos esses gêneros referem-se ao letramento profissional e que têm sido negligenciados nessas instâncias de formação.

Em tempo de comunicação online, em que é demandada do docente a habilidade de se comunicar com os mais diversos interlocutores e nas mais diversas situações de interação, é fundamental que a capacitação pela linguagem seja algo formal, de modo a tornar os artefatos linguístico-discursivos, que são os gêneros do discurso, instrumentos de intervenções eficazes para os processos de ensino, pesquisa, extensão e gestão.

Considerações finais

Com o objetivo de contribuir para as reflexões em torno do papel do letramento profissional no desenvolvimento da identidade e do trabalho do professor, bem como apresentar os gêneros do discurso que constituem o real da atividade docente no Ensino Superior, iniciamos esta empreitada que se revelou muito mais complexa e ampla do que havíamos inicialmente suposto.

As pesquisas em torno da identidade e da formação do professor universitário levaram-nos a compreender que, dependendo da instituição e dos contextos institucionais e socioculturais em que se insere, as demandas que chegam ao professor são diferentes e crescentes, incidindo sobre a identidade desse profissional. Elas estão vinculadas a competências científico-pedagógicas, político-administrativas e pessoais, necessárias ao exercício das inúmeras atividades relativas ao ensino, à pesquisa, à extensão e à gestão, sendo que todas elas estão imbricadas com a linguagem e revelam a necessidade do letramento continuado.

Aprofundando ainda mais essa questão, constatamos que esse letramento ultrapassa os quadros apresentados os quais demonstram uma tentativa de representar a complexidade e o volume do trabalho do professor. Tais atividades revelam que, para além de conhecer os gêneros em estilo, conteúdo temático e construção composicional, os professores precisam investir nos contextos de produção e recepção, nos fatores socioculturais que impactam os processos, nos papéis e nas funções que exercem.

Assim, com o interesse de defender, objetivamente, a necessidade de se investir na formação continuada do professor, que passa, necessariamente, pelo letramento profissional, apresentamos o inventário de gêneros do discurso que concretizam o real da atividade do professor universitário, organizados nos quatro grupos de atividades que constituem as atividades por ele exercidas, o qual cumpre também as funções de fornecer pistas sobre a dimensão e a complexidade do métier docente no Ensino Superior.

Acreditamos que esse inventário aqui apresentado, de certa forma, revela a materialidade dos inúmeros papéis e funções assumidos pelos professores de Ensino Superior, bem como indiciam o quanto suas identidades são atravessadas pela apropriação e pelo uso dos gêneros do discurso e dos mecanismos discursivos que utilizam para interagirem e produzirem sentido no real da sua atividade. Assumimos, porém, a natureza incompleta do levantamento, tendo em vista a diversidade dos campos de trabalho do professor. Esse é, a nosso ver, um campo que ainda merece investimento, até mesmo, na direção de organizar os gêneros, considerando a interseção que há entre os diversos domínios de atividades.

Concluímos o nosso trabalho com a defesa de que é necessário assumirmos formalmente o letramento do professor universitário, não para incitar, ainda mais a produtividade competitiva em busca da dita excelência, mas para contribuir para a emancipação dos docentes perante seu trabalho intelectual, o qual deve colaborar para o fortalecimento do papel social da universidade: o de contribuir para o desenvolvimento humano.

REFERÊNCIAS

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  • BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
  • BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: A teoria do romance. Tradução de Aurora F. Bernadini, José Pereira Júnior, Augusto Góes Júnior, Helena S. Nazário e Homero F. de Andrade. 4. ed. São Paulo: UNESP, 1998.
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  • BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Brasília, 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm Acesso em: 28 set. 2020.
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  • TARDIF, M. Saberes profissionais dos professores e conhecimentos universitários. Rio de Janeiro: PUC, 1999.
  • TRAVAGLIA, L. C et al. Gêneros orais: conceituação e caracterização. Revista Olhares & Trilhas, Uberlândia, v. 19, n. 2, 2017.
  • 1
    Esta pesquisa é parte de um investimento maior em que são explorados os gêneros do discurso profissional docente em todos os níveis de ensino.
  • 2
    As pesquisas “A formação docente e os gêneros do discurso profissional” e “Terminei minha graduação/licenciatura: e agora? Quais gêneros do discurso preciso dominar para exercer a profissão docente?” foram apresentadas no VI ISD e no VII Simpósio Internacional do Ensino de Língua Portuguesa, respectivamente.
  • 3
    As universidades que fizeram parte desta pesquisa documental exploratória, feita em 2019, foram: Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Universidade Federal de Goiás (UFG), Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade Federal Fluminense (UFF) e Universidade de Brasília (UnB).
  • 4
    Entendemos que a terminologia “professor universitário” não representa toda a categoria de professores que trabalham no nível superior de ensino, em virtude das inúmeras variações institucionais e contextuais que, também, serão tratadas neste artigo. Mesmo assim, resolvemos oscilar no uso dos termos “professor universitário, professor ou docente de ensino superior”, considerando mais a articulação interna do texto do que um posicionamento político.
  • 5
    Esse levantamento não é assumido como a metodologia deste estudo. Tratou-se apenas de uma amostragem qualitativa, cujos resultados foram utilizados como argumentos para justificar o investimento nesta pesquisa. Tal delimitação ainda é lacunar na literatura brasileira sobre formação do professor universitário e merece outro estudo.
  • 6
    Os documentos analisados vincularam-se a 12 programas de Pós-Graduação Stricto Sensu: Engenharia Civil da UFSM, Engenharia Civil da UFPB, Medicina da USP, Medicina da UFPB, Matemática da UnB, Educação da UFPR, Educação da UFG, Educação da UFRJ, Direito da UFMG, Direito da UFBA, Linguística e Linguística Aplicada da Unicamp, Linguística da UFSC, além de um programa de Pós-Graduação da UFPB destinado ao corpo auxiliar de nível superior encarregado de planejar, coordenar e controlar todas as atividades de pós-graduação e de treinamento de professores mantidas por essa universidade.
  • 7
    Embora haja variação terminológica, resolvemos utilizar, na entrevista, o termo gênero textual, em vez de gênero do discurso, como o faz Bakhtin (2011)BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011., por entendermos ser esse um termo mais corriqueiro no ambiente acadêmico.
  • 8
    A European Comission (2000)EUROPEAN COMISSION. Benchmarking progress on new ways of working and new forms of business across Europe: ECaTT final report 2000. Bruxelas: IST, 2000. realizou estudo com milhares de teletrabalhadores em 10 países europeus, mais Japão e Estados Unidos e apresentou 6 categorias de teletrabalho, que foram transcritas por Rosenfield e Alves (2011)ROSENFIELD, C. L.; ALVES, D. A. Teletrabalho. In: CATTANI, A. D.; HOLZMANN, L. (org.). Dicionário de trabalho e tecnologia. Porto Alegre: Zouk, 2011. p. 414-418.: trabalho em domicílio, trabalho em escritórios-satélite, trabalho em telecentros, trabalho móvel, trabalho em empresas remotas e trabalho informal ou teletrabalho misto.
  • 9
    Nesta pesquisa, estamos compreendendo que o viés político-ideológico se refere às formações discursivas (FOUCAULT, 2007FOUCAULT, M. A ordem do discurso. São Paulo: Edições Loyola, 2007.), às quais os professores têm de se adequar ao ingressarem em uma instituição.
  • 10
    Em estudo anterior (BRASILEIRO; PIMENTA, 2021BRASILEIRO, A. M. M.; PIMENTA, V. R. Os gêneros do métier docente: a linguagem como instrumentalização do trabalho do professor. D.E.L.T.A., São Paulo, v.37, n.2, 2021. Disponível em: https://www.scielo.br/j/delta/a/Hvvz9mQXTJgYXHV7s4RNZBs/. Acesso em: 14 fev. 2022.
    https://www.scielo.br/j/delta/a/Hvvz9mQX...
    ), em que analisamos o trabalho do professor em diversos níveis de ensino, os dados foram categorizados em função do conteúdo temático, tendo sido orientados para: atividades rotineiras, comunicação interpessoal, planejamento e documentação. Compreendemos que essas funções também fazem parte do real da atividade do professor de Ensino Superior, mas que, também, a prescrição legal do trabalho desse professor especifica outras funções.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    01 Jul 2020
  • Aceito
    22 Set 2020
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