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PROCESSOS DE DESSUBJETIVAÇÃO DE SUJEITOS NEGROS DO MARABAIXO

RESUMO

Neste trabalho, objetivou-se pôr em visibilidade os processos de dessubjetivação de sujeitos negros amazônicos em acontecimentos envolvendo exercícios de poder a partir do período denominado de Era Vargas. Esses acontecimentos envolveram os sujeitos negros do Marabaixo de Macapá, estado do Amapá, Brasil. O Marabaixo é, na atualidade, o maior conjunto de práticas festivas e religiosas afro-amapaense em devoção aos santos da Igreja Católica. Utilizou-se como referencial teórico a análise discursiva de linha foucaultiana e foram mobilizados os termos conceituais de dessubjetivação (FOUCAULT, 2010; DELEUZE, 1988; AGAMBEN, 2005; MILANEZ, 2013), acontecimento e poder (FOUCAULT, 2015a, 2013, 2005) aplicados a materialidades discursivas diversas, como textos científicos, reportagem televisiva, cantiga popular e imagens. A análise sinalizou que o processo de dessubjetivação deu-se por um exercício de poder pelas forças do Estado e também da Igreja. Isso, entretanto, resultou em exercícios de resistência pelos sujeitos negros amazônicos.

discursos; dessubjetivação; negros do Marabaixo; Amazônia

ABSTRACT

In this work, the aim was to demonstrate the processes of desubjectivation of black Amazonian subjects in events involving power exercises from the period called Vargas Era. These cases involved the black subjects of Marabaixo from Macapá, in Amapá State, Brazil. The Marabaixo is, nowadays, the largest set of Afro-American religious and festive practices in devotion to the saints of the Catholic Church. Discursive analysis of the Foucault’s perspective was used as a theoretical reference, and the conceptual terms of desubjectivation (FOUCAULT, 2000b; DELEUZE, 1988; AGAMBEN, 2009; MILANEZ, 2013), event and power (FOUCAULT, 1998, 1983, 1972) applied to various discursive materialities, such as scientific texts, television reports, popular songs and images were mobilized. The study indicated the development of desubjectivation occurred due to an exercise of power by the forces of the state and also the church. This resulted, however, in resistance by the black Amazonian subjects.

speeches; desubjectivation; black people from Marabaixo; Amazon

Introdução

Nos últimos anos, temos acompanhado pelas mídias televisivas e digitais, a proliferação de casos de racismo, bem como de injúrias raciais que foram lançados sobre sujeitos negros. Para uma rápida retomada, lembramo-nos de alguns fatos que passaram ao nível do discurso. Em 2014, em um jogo da Copa Libertadores da América, o volante Tinga, ex-jogador do Cruzeiro (Brasil), foi hostilizado por torcedores do time Real Garcilaso (Peru). Quando o jogador tocava a bola, os torcedores do time adversário imitavam o som de “macaco”. Ainda em 2014, uma torcedora do Grêmio, time de futebol brasileiro, foi flagrada por câmeras de TV ao chamar o goleiro Aranha de “macaco” em Porto Alegre (Brasil), em um jogo da Copa do Brasil entre os times Grêmio e Santos.

Ainda retomando a memória recente, em 2016, destacamos o caso da jornalista de meteorologia do Jornal Nacional da Rede Globo, Maria Júlia Coutinho, a qual foi vítima de dizeres ofensivos e discriminatórios em redes sociais por causa de sua cor. Esse caso teve grande repercussão na mídia, bem como nos meios acadêmicos e jurídicos. Outro caso que pontuamos aconteceu em novembro de 2017. A socialite Day McCarthy lançou dizeres preconceituosos como “macaca horrível” contra a criança Titi, filha dos atores brasileiros Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank.

Nos dias atuais, em 25 de maio de 2020, vimos um vídeo circular em redes sociais, em canais de internet e na mídia televisiva, em que um policial branco dos Estados Unidos da América (EUA), Derek Chauvin, manteve-se, por quase nove minutos, de joelhos no pescoço de George Floyd (negro norte-americano, por ele ser suspeito de usar notas falsas em uma loja de Minneapolis, estado de Minnesota), enquanto o sujeito negro declarava “não consigo respirar” e, por conseguinte, veio a óbito. O caso gerou revoltas e protestos nos EUA, Inglaterra, Espanha, Itália, Brasil, entre outros países, colocando, em discussão, questões raciais.

São dizeres e acontecimentos que, infelizmente, perpassam o curso da história. Foucault (2005)FOUCAULT, M. Retornar à História. In: MOTTA, M. B. (org.). M. Foucault: ditos & escritos II. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. p.282-295. afirma que, se, em determinado momento, esses dizeres apareceram e se inscreveram no corpo social e, da mesma forma, eles também podem desaparecer. Pensando nisso, procuramos compreender os processos de dessubjetivação de um grupo de negros do Marabaixo, isto é, modos abruptos de retirar os sujeitos da ordem discursiva que os constituía. Processos mobilizados por ações e discursos racistas que recaíram sobre esse corpo social negro.

O Marabaixo é, na atualidade, o maior conjunto de práticas festivas e religiosas afro-amapaense em devoção aos santos da Igreja Católica. Ele se dá pela aglutinação de elementos de matrizes africanas, como a musicalidade, a dança e os objetos que carregam memórias de religiões e de grupos africanos (TARTAGLIA, 2019TARTAGLIA, E. Práticas de poder, de resistência e de subjetivação: os discursos dos/sobre os sujeitos negros do Ciclo do Marabaixo macapaense. 2019. Tese (Doutorado em Letras) - Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2019.). Assim sendo, pontuamos que não há uma sobreposição de santos católicos por orixás de religiões africanas nas práticas de Marabaixo.

Esses festejos acontecem nos principais municípios do estado, nas áreas urbanas e rurais, bem como em comunidades remanescentes de quilombos. Em Macapá, o Marabaixo é realizado, todos os anos, após o período litúrgico-ritualístico da Quaresma, passando pela Semana Santa e se estendendo até o Domingo do Senhor (que corresponde ao primeiro domingo após o feriado de Corpus Christi). Dessa forma, o Marabaixo recebe o nome de Ciclo por ser um evento que se estende por aproximadamente 60 dias, seguindo o calendário católico. Ele é cultuado por negros remanescentes de sujeitos escravos e de refugiados amapaenses. Entretanto, o Ciclo é uma festa aberta à comunidade, sendo os sujeitos brancos também convidados a participar das práticas ritualísticas dos sujeitos negros.

Sobre a presença de negros na Região Amazônica, pesquisas realizadas por Oliveira (2015)OLIVEIRA, E. Devoção, tambor e canto: um estudo etnolinguístico da tradição oral de Mazagão Velho. 2015. Tese (Doutorado em Linguística) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015., em registros da administração colonial, apontam a presença de escravos africanos na Amazônia desde o século XVIII.

Destacamos dois processos que contribuíram para a formação do corpo social negro de Macapá, no século XVIII. O primeiro corresponde ao transplante dos moradores (negros não escravos) de Mazagão, cidade portuguesa da África, para a Nova Mazagão (distrito do atual município de Mazagão), localizada na parte centro-sul do atual estado do Amapá. Os moradores de Nova Mazagão, devido às péssimas condições da estrutura da cidade, em meio à selva amazônica, e ao descaso da Coroa Portuguesa, migraram para a sede do atual município de Mazagão e também para o município de Macapá.

O segundo processo de ocupação diz respeito aos escravos que foram levados para a região de Macapá para trabalharem na construção da Fortaleza de São José de Macapá, inaugurada no ano de 1782. Os sujeitos negros serviram de mão de obra para a construção da fortificação e, após a sua conclusão, ficaram abandonados pela Coroa e aglomeraram-se envolta da Fortaleza, construindo uma vila que se tornou a cidade de Macapá.

As reflexões acerca dos modos de objetivação lançados pela Igreja sobre os sujeitos negros praticantes do Marabaixo ou do Ciclo do Marabaixo foram percursos analíticos que trilhamos em nossas últimas pesquisas (TARTAGLIA, 2019TARTAGLIA, E. Práticas de poder, de resistência e de subjetivação: os discursos dos/sobre os sujeitos negros do Ciclo do Marabaixo macapaense. 2019. Tese (Doutorado em Letras) - Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2019., 2020aTARTAGLIA, E. A Igreja Católica e os sujeitos negros do Ciclo do Marabaixo: uma maquinaria discursiva operando práticas conflitantes. Fórum Linguístico, Florianópolis, v.17, n. 2, p. 4831-4843, abr./jun. 2020a.). Aliado a tudo o que foi pontuado até aqui, voltamo-nos para o Ciclo do Marabaixo, visto que há parcos trabalhos científicos acerca dessas práticas e dos sujeitos negros, além do mais, quando se trata desses objetos, sob a ótica do discurso, a porcentagem é reduzida consideravelmente. Desse modo, tudo isso tem acentuado nossas inquietações na tentativa de visibilizar a forma agressiva como que esses sujeitos negros foram colocados às margens da sociedade. Reflexões que nos levam a perguntar também como que discursos racistas minam a trama da história, silenciam, sufocam, esmagam e aniquilam os sujeitos.

Com isso, neste trabalho, procura-se pôr em visibilidade os processos de dessubjetivação de sujeitos negros do Marabaixo macapaense, especialmente, a partir do período denominado de Era Vargas. Sinalizamos uma ação do Estado que afetou as vidas dos sujeitos negros do Marabaixo do perímetro urbano de Macapá, no século XX, isto é, a forma como o Governo do estado do Amapá, alinhado à política do presidente Getúlio Vargas, geriu a população negra de Macapá, retirando-a do centro da capital e realocando-a em bairros da periferia. Com isso, temos uma ação binária do governo do Estado em dividir brancos e negros, cultuadores e não cultuadores do Marabaixo.

Outro fato semelhante aconteceu, também no século XX, com a comunidade de negros, imigrantes das Antilhas inglesas, na cidade de Porto Velho, Rondônia. Esses sujeitos foram, para a Amazônia, trabalhar nas obras da Estrada de Ferro Madeira Mamoré e construíram uma comunidade, chamada Barbadian Town, no alto de um morro, no centro da cidade. Esse espaço se configurou em uma comunidade de estrangeiros, com língua, religião e costumes diferentes da cultura dos brasileiros, tornando-se uma fronteira dualística entre brasileiros e estrangeiros. Com um discurso nacionalista e de progresso, o Estado, em um exercício de poder, destruiu as casas e expulsou esses sujeitos do morro, bem como transformou esse espaço em um terreno plano, na tentativa de evitar que eles reconstruíssem suas casas.

Dessa forma, os processos de dessubjetivação, os quais analisamos a partir do Governo de Vargas, têm forte impacto na historicidade dos sujeitos negros macapaense. Assim, os movimentos de dessubjetivação colocam em funcionamento exercícios de poderes também por parte dos sujeitos negros, isto é, uma resistência contra as práticas de exclusão e de apagamento que foram lançadas sobre a forma de ser sujeito do Marabaixo.

Sob tal direção, para compreender o funcionamento discursivo e das práticas do governo nos processos de dessubjetivação, selecionamos materialidades diversas como imagens, letra de cantiga popular, reportagem televisiva, lei e textos históricos, os quais circularam entre o século XX e XXI. São discursos dispersos que encontram uma regularidade quando tocam na questão do sujeito negro do Marabaixo. Com isso, esta pesquisa inscreve-se no campo teórico e metodológico da Análise do Discurso (AD), praticada no Brasil, sustentada pelos postulados de Michel Foucault e seus desdobramentos.

Nessa medida, este trabalho leva em consideração as nossas últimas pesquisas (TARTAGLIA, 2020aTARTAGLIA, E. A Igreja Católica e os sujeitos negros do Ciclo do Marabaixo: uma maquinaria discursiva operando práticas conflitantes. Fórum Linguístico, Florianópolis, v.17, n. 2, p. 4831-4843, abr./jun. 2020a., 2020bTARTAGLIA, E. O Marabaixo e a relação com a ideia de comentário de Michel Foucault. Interfaces, Guarapuava, v. 11 n. 3, p. 186-202, jul./set. 2020b., 2019TARTAGLIA, E. Práticas de poder, de resistência e de subjetivação: os discursos dos/sobre os sujeitos negros do Ciclo do Marabaixo macapaense. 2019. Tese (Doutorado em Letras) - Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2019., 2014TARTAGLIA, E. Imigrantes Haitianos: da dinâmica de saída à dinâmica de entrada. 2014. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Letras) – Universidade Federal de Rondônia, Porto Velho, 2014.; TARTAGLIA; BURGEILE, 2020TARTAGLIA, E.; BURGEILE, O. Negritude em movimento: o caso dos imigrantes haitianos no sul da Amazônia brasileira. In. GOMES, R. (org.). Discurso, representações e identidades: intersecções teóricas e analíticas. Macapá: Ed. da Unifap, 2020. p. 37-55.) sobre sujeitos negros, bem como o nosso atual projeto de pesquisa intitulado “Negritude Amazônica: os sujeitos negros em discurso” que consiste em estudar e pôr em visibilidade uma negritude amazônica. Assim, nas próximas páginas, falaremos acerca dos negros do Marabaixo que foram marginalizados, principalmente, pela política desterritorializadora do Estado.

(Re)contar a história pelo viés da dessubjetivação

Do interior da Análise do Discurso (AD) francesa, tal como vem se configurando no Brasil, sobretudo filiada às noções arquitetadas por Michel Foucault, procuramos compreender práticas discursivas que emergiram ao longo da historicidade dos sujeitos negros do Marabaixo. Foucault (2000)FOUCAULT, M. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. 8.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. analisou as relações de saber e de poder no interior do discurso, por exemplo, os discursos científicos sobre a vida e as práticas dos sujeitos, sobre a história natural, sobre a economia e a política. O trabalho com conceitos como a dessubjetivação, na esteira da AD, faz aparecer relações de saberes e de poderes que atravessam discursos que, por sua vez, afetam a construção dos sujeitos.

Assim, lançamos mão dos conceitos de acontecimento discursivo e de poder para compreender o processo de dessubjetivação; visto que, a nosso ver, dão margens para entender o funcionamento desse processo em relação aos sujeitos negros do Marabaixo. Desse modo, ante as especificidades desta pesquisa, amparamo-nos em Foucault (2015aFOUCAULT, M. A Arqueologia do Saber. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves, 8.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015a., p. 32-33) quando salienta que, se, em um primeiro momento de uma análise discursiva, suspendermos as formas imediatas de continuidade, isto é, os cânones da história tradicional, podemos liberar um “[...] conjunto de todos os enunciados efetivos (quer tenham sido falados ou escritos), em sua dispersão de acontecimentos e na instância própria de cada um”, então, podemos pensar em um conjunto de acontecimentos dispersos o qual encontra uma regularidade no fio do discurso. Isso se configura num projeto de descrição de acontecimentos discursivos como horizonte para a busca das unidades que aí se formam. É nessa direção que encaminhamos nossa análise, ou seja, nos processos de dessubjetivação de negros amazônicos em acontecimentos a partir do século XX que se inscreveram na historicidade dos sujeitos negros do Marabaixo de Macapá, capital do estado do Amapá.

No texto Retornar à história, de Foucault (2005)FOUCAULT, M. Retornar à História. In: MOTTA, M. B. (org.). M. Foucault: ditos & escritos II. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. p.282-295., o qual fazemos alusão no título desta seção, temos a discussão acerca de história serial e de história global imbricada com a ideia de acontecimento discursivo. O autor salienta que a história

[...] aparece então não como uma grande continuidade sob uma descontinuidade aparente, mas como um emaranhado de descontinuidades sobrepostas. [...] É preciso multiplicar os tipos de acontecimentos como se multiplicam os tipos de durações. Eis a mutação que está em vias de se produzir atualmente nas disciplinas de história (FOUCAULT, 2005FOUCAULT, M. Retornar à História. In: MOTTA, M. B. (org.). M. Foucault: ditos & escritos II. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. p.282-295., p. 293-294).

Com base nessa citação, podemos compreender que o acontecimento não se limita a algo homogêneo. Ele congrega muitos acontecimentos de maior ou menor intensidade que possibilitam uma análise, de certa forma, mais apurada devido à multiplicidade de acontecimentos que podem emergir das relações de saber e de poder. Isso sucede porque a história serial abdica da noção de causalidade linear. Além disso, ela não utiliza o entendimento de tempo contínuo e unilinear, pois se pauta em uma história calcada no imbricamento de múltiplas causalidades e em diferentes temporalidades sociais. A ideia de história serial vai de encontro à velha ideia de continuidade da história global; pois, com o trabalho de levantar os múltiplos acontecimentos, pode-se pensar na descontinuidade dos acontecimentos e nas transformações da sociedade. Com isso, nossa abordagem escava uma micro-história amazônica.

Nessa medida, Foucault (2010FOUCAULT, M. Conversa com Michel Foucault. In: MOTTA, M. B. (org.). Repensar a Política: ditos e escritos VI. Tradução Ana Lúcia Paranhos Pessoa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010. p.289-347., p. 291), ancorado nas leituras de Nietzsche, Blanchot e Bataille, chama de dessubjetivação o processo que “[...] tem por função arrancar o sujeito de si próprio, de fazer com que não seja mais ele próprio ou que seja levado a seu aniquilamento ou à sua dissolução”. Entendemos que esse processo de aniquilamento não se trata da eliminação do sujeito discursivo e a retomada de um sujeito fundante, mas trata-se de um processo que conduz o sujeito ao um deslocamento da ordem do discurso que o constituía, levando-o a outras experiências.

Desenvolvendo a ideia de dessubjetivação, Foucault (2010FOUCAULT, M. Conversa com Michel Foucault. In: MOTTA, M. B. (org.). Repensar a Política: ditos e escritos VI. Tradução Ana Lúcia Paranhos Pessoa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010. p.289-347., p. 306) afirma que

[...] reconhecemos parentesco em uma espécie de ponto de encontro entre o discurso sobre as experiências-limite, em que se tratava, para o sujeito, de transformar-se a si próprio, e o discurso sobre a transformação do próprio sujeito pela constituição de um saber.

Assim, o movimento de dessubjetivar move-se por dois caminhos que se encontram para construir o sujeito: um calcado em uma sujeição transformadora pelas experiências-limite, isto é, entre um ponto e outro (um antes e depois); já o segundo, diz respeito aos discursos que o constituem sujeito, discursos esses envolvidos por saberes e por relações de poder.

A questão do poder também é um conceito produtivo para compreendermos os processos de subjetivação. Gilles Deleuze, em alguns textos e livros, também tratou de discutir o pensamento foucaultiano. No que diz respeito ao poder, Deleuze (1988DELEUZE, G. Foucault. São Paulo: Brasiliense, 1988., p. 78) assevera que a definição de Foucault parece bem simples; porquanto afirma que “[...] o poder é uma relação de forças, ou melhor, toda relação de forças é uma ‘relação de poder’”. Por outro lado, o autor adverte que o desdobramento desse conceito coloca em jogo inúmeras questões que envolvem essas relações sociais. Não é possível deter a força, pois ela não é algo que se pode apropriar. Ela tem como característica a relação com outras forças. Assim, toda força já é relação, ou seja, poder. O seu objeto e o seu sujeito nada mais são do que a própria força.

A fim de compreender os embates e as aproximações que Foucault tece para o termo poder, selecionamos o seguinte recorte:

O exercício do poder não é simplesmente uma relação entre “parceiros” individuais ou coletivos; é um modo de ação de uns sobre outros. O que quer dizer, certamente, que não há algo como o “Poder” ou “do poder” que existiria globalmente, maciçamente ou em estado difuso, concentrado ou distribuído: só há poder exercido por “uns” sobre os “outros”; o poder só existe em ato, mesmo que, é claro, se inscreva em um campo de possibilidade esparso que se apoia em estruturas permanentes. (FOUCAULT, 2013FOUCAULT, M. O sujeito e o poder. In: DREYFUS, H. L.; RABINOW, P. Michel Foucault: uma trajetória filosófica: para além do estruturalismo e da hermenêutica. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2013. p.273-295., p. 287, grifo nosso).

Por esse raciocínio, entendemos a relação de poder como modos de agir sobre o outro. Então, analisar as relações de poder nos discursos configura-se como uma análise política, visto que o discurso, em seu entremeio, constitui-se por jogos de saberes e de poderes que afetam os sujeitos.

Os nossos dizeres, assim, estão presos a uma rede de relações sociais e históricas que funcionam sobre os corpos dos sujeitos, inscrevendo e direcionando categorias as quais eles devem se emoldurar. Esse movimento, composto por um conjunto de leis subjacentes, transforma os indivíduos em sujeitos. Entretanto, por fatores externos, os sujeitos podem ser conduzidos por forças e práticas diversas que vão de encontro às relações sociais as quais esses sujeitos estão inscritos, levando-os a experimentar, seja como um processo de resistência, seja como processo de ruptura consigo mesmo, outras formas de vivências. Com isso, queremos dizer que o processo de dessubjetivação consiste em uma ruptura, tanto das práticas e das relações que historicamente operaram na fabricação do sujeito como também nas engrenagens que levam os sujeitos a se reconhecerem como tal.

Em vista disso, entendemos que a dessubjetivação pode-se dar por dois movimentos. O primeiro consiste nos mecanismos discursivos de apagamento dos sujeitos negros e de suas práticas atrelados aos processos de objetivação, isto é, um conjunto de forças operado por dispositivos (religioso, político, midiático, etc.) que procura romper com uma ordem discursiva a qual os sujeitos foram construídos. O segundo, em analisar como esses sujeitos experimentam, resistem, desestruturam-se em relação à linearidade da ordem que os constituiu como sujeitos.

Nesse contexto, em nossa análise, daremos ênfase ao processo de dessubjetivação que leva em consideração o exterior, isto é, as práticas e as relações que desestruturam e (re)moldam o sujeito. Em vista disso, também justificamos a mobilização dos conceitos de acontecimento discursivo e de história serial, visto que eles dão possibilidade de aparecer vários passados (acontecimentos), os quais estão, muitas vezes, em regime de invisibilidade.

Desse modo, na sequência, descreveremos um acontecimento discursivo amazônico que verticaliza e confronta a história geral. Esse acontecimento está ligado à garantia das posses das terras do norte brasileiro no século XX, pois foi atravessado por discursos justificáveis por progresso e por desenvolvimento regional, os quais levaram os sujeitos negros amazônicos aos processos de dessubjetivação.

Processos de aniquilamento dos sujeitos negros do Marabaixo de Macapá

Iniciamos esta seção destacando um processo de silenciamento dos sujeitos negros do Ciclo do Marabaixo urbano de Macapá, pelo Estado, no final da primeira metade do século XX. Por uma política sustentada nos discursos de progresso e de desenvolvimento urbano, os negros foram retirados do centro de Macapá e realocados em bairros periféricos. Isso pode ter engendrado a forma do sujeito negro se discursivizar, além de ter sido alvo de discursos preconceituosos. Associamos esse processo à dessubjetivação dos negros.

Na Amazônia, outros processos de dessubjetivação aconteceram, como o caso dos imigrantes negros antilhanos em Porto Velho. Pontuamos também a dessubjetivação dos seringueiros que foram explorados e reconfigurados como “escravos” nos contextos dos seringais amazônicos na virada do século XIX e início do século XX. De acordo com Cunha (2006CUNHA, E. da. À margem da história. São Paulo: Martin Claret, 2006., p. 28), o seringueiro “[...] realizava uma tremenda anomalia: é o homem que trabalha para escravizar-se”. Isso sinaliza, assim como pontuou Milanez (2013MILANEZ, N. A dessubjetivação de Dolores - escrita de discursos e misérias do corpo-espaço. Linguagens: Estudos e Pesquisas, Catalão, v.17, n.2, p. 367-390, jul./dez. 2013., p. 384) acerca da dessubjetivação, “[...] o processo de apagamento da obra da existência do sujeito”, visto que eles estavam reféns das leis e das hierarquias de poder dos seringais e, com isso, foram forçados a transformar a sua forma de ser sujeito. Já a dessubjetivação dos sujeitos negros de Macapá pode ser pensada por meio do exercício de poder do Estado, pois esses sujeitos foram retirados do centro da cidade por serem negros e, em sua maioria, por serem cultuadores do Marabaixo.

Nessa medida, ao analisar o processo de dessubjetivação de um sujeito específico, Milanez (2013)MILANEZ, N. A dessubjetivação de Dolores - escrita de discursos e misérias do corpo-espaço. Linguagens: Estudos e Pesquisas, Catalão, v.17, n.2, p. 367-390, jul./dez. 2013. afirmou que a dessubjetivação é aquilo que se tira do sujeito, considerando o lugar social e histórico que o compôs como sujeito ou, como ponderou o próprio autor, do que a vida fez dele, passando por uma ruptura em seu modo de ser sujeito.

Vale destacar que a parte mais ortodoxa da Igreja Católica, centrada na tradição e na família, sempre manteve atrito com o Ciclo antes mesmo do acontecimento de remoção desses sujeitos do centro de Macapá. Na década de 1940, ela intensificou os conflitos com os sujeitos negros do Marabaixo, pois considerava as suas práticas profanas e imorais. Isso acarretou no fechamento das portas da Igreja Matriz de São José de Macapá para os festejos do Marabaixo. Era tradição, durante o Ciclo, a realização de cortejos até a igreja matriz e, com a proibição, os sujeitos negros do Marabaixo não puderam mais entrar no espaço religioso; entretanto mantiveram o ritual até a frente da igreja (Figura 1).

Figura 1
– Práticas de Marabaixo na frente da igreja de São José de Macapá1 1 Nas práticas de Marabaixo, é possível identificar alguns elementos e rituais (como os cortejos, as danças, os mastros, os tambores etc.) que são recorrentes em outras festas religiosas e populares da cultura afro-brasileira, como nas Congadas de Minas Gerais, nas festas do Divino Espírito Santo do Maranhão, nas festas de São Benedito do Mato Grosso e do Espírito Santo, entre outras. Sobre esse assunto, recomendamos a leitura de nosso texto “O Marabaixo e a relação com a ideia de comentário de Michel Foucault” (TARTAGLIA, 2020b). .

Para um exemplo muito breve das práticas dos sujeitos negros, destacamos a Figura 01, na qual os negros dançam e cantam o Marabaixo em frente à igreja de São José. A fotografia carrega consigo um efeito que remete ao real e ao verdadeiro. Assim, a Figura 01 ativa a memória discursiva dos sujeitos negros e retoma discursos e práticas como as proibições da Igreja contra as práticas de Marabaixo, bem como aquelas também operadas pelo Estado, por ser tratar de práticas de sujeitos negros (um exemplo desse último está inscrito em uma cantiga popular chamada de “Marabaixo”, visto que narra os acontecimentos evolvendo a remoção dos negros pelo Estado [ver SD2]).

Canto (1998CANTO, F. A água benta e o diabo. 2.ed. Macapá: FUNDECAP, 1998., p. 13) salienta que, pelo fato do Ciclo do Marabaixo ser “[...] pejado de elementos folclóricos ‘profanos’, oriundos de cultura não européia, a ala mais ortodoxa da igreja tende a rejeitar esse ‘folclore’.” E esse foi um dos discursos utilizados pela Igreja no exercício de poder que consistia em silenciar e eliminar as práticas dos sujeitos negros do Marabaixo2 2 Não estenderemos a discussão acerca dos atritos entre a Igreja e os sujeitos negros do Marabaixo, visto que detalhamos melhor essa questão em nossa tese intitulada “Práticas de poder, de resistência e de subjetivação: os discursos dos/sobre os sujeitos negros do Ciclo do Marabaixo macapaense” (TARTAGLIA, 2019). .

Direcionando nossa análise para o campo do exercício de poder do Estado no processo de dessubjetivação do grupo de negros Amazônicos, retomamos as condições de produção históricas dos discursos. Falando sobre a política do Estado Novo e as restrições à entrada de migrantes no Brasil, isto é, discutindo parte da política da Era Vargas, Koifman (2017KOIFMAN, F. O Estado Novo e as restrições à entrada de refugiados: história e construção de memória. Acervo, Rio de Janeiro, v.30, n.2, p. 71-88, jul./dez. 2017., p. 73) afirma que as políticas imigratórias liberais adotadas pelo Estado entre meados do século XIX e nas décadas iniciais do século XX “[...] que até então atendiam às preocupações dos dirigentes em encher os espaços vazios do nosso território e ‘branquear’ a população, passaram a se tornar mais restritivas e, a partir de 1934, cada vez mais seletivas”. O autor pontua que os discursos racistas constantemente se pautavam nos problemas do Brasil, como doenças, miséria, analfabetismo etc. Tudo isso se inscrevia em volta do saber que considerava a “má formação étnica” do corpo social brasileiro e que era possível melhorar esse quadro com a devida seleção de imigrantes em prol da miscigenação ao elemento nacional. Um discurso o qual atravessou a política de branqueamento de Vargas.

Nesse sentido, o presidente da República do Brasil, Getúlio Vargas, nomeou o Capitão Janary Nunes como Governador do Território Federal do Amapá. Este chegou à Macapá no ano de 1944 e trouxe consigo o lema “sanear, educar e povoar”, afinal, fazia parte da política estratégica para garantir as posses das terras amazônicas. Janary implantou, em Macapá, uma política de branqueamento que, primeiramente, consistiu em deslocar os sujeitos negros do centro de Macapá e realocá-los em bairros periféricos.

Esse exercício de poder de Janary teve impacto direto na organização das práticas de Marabaixo, pois

Sequência discursiva (Doravante SD) 01

[...] o ciclo do Marabaixo que até então era realizado de forma unificada na capital Macapá dividiu-se e passou a ser realizado no [bairro] Laguinho e no [bairro] Santa Rita [Favela] pelo Mestre Julião Ramos e Dona Gertrudes Saturnino, respectivamente, de acordo com CANTO [sic] (1998 apudALVES et al., 2014ALVES, I. C. et al. O Ciclo do Marabaixo em Macapá e a Igreja Católica Romana. Journal of Bioenergy and Food Science, Macapá, v.1, n. 2, p. 57-60, jul./set. 2014., p. 58, comentário nosso).

Com a SD 01, podemos compreender porque, na atualidade, o Ciclo do Marabaixo acontece em alguns bairros de Macapá e não de forma unificada. A SD 01 destaca o episódio do movimento de silenciamento do Marabaixo da área urbana de Macapá, pois foram remanejados da área central da capital para bairros periféricos, motivados por uma política de “progresso” e “desenvolvimento urbano”, bem como pela ideia de “branqueamento da raça” por parte do governo.

Selecionamos também duas estrofes da letra de um ladrão de marabaixo. O ladrão de marabaixo é uma espécie de cantiga popular de base oral cantada e dançada nas práticas de Marabaixo. O ladrão (verso da cantiga)

[...] rouba um acontecimento do dia a dia e leva para dentro do Ciclo do Marabaixo. Seus versos ligam o passado ao presente num movimento em que se roubam versos e acontecimentos, interligando-os a orações e preces, e os reconfigurando em um gênero textual cantiga que transita entre os dizeres religiosos, políticos e identitários dos sujeitos negros do Marabaixo. (TARTAGLIA, 2019TARTAGLIA, E. Práticas de poder, de resistência e de subjetivação: os discursos dos/sobre os sujeitos negros do Ciclo do Marabaixo macapaense. 2019. Tese (Doutorado em Letras) - Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2019., p. 102).

Desse modo, citamos abaixo, um recorte do ladrão intitulado “Marabaixo” de autoria de Julião Tomaz Ramos (sujeito negro), gravado posteriormente por Luiz Gonzaga, compositor e cantor brasileiro, conhecido como o Rei do Baião. Ele esteve em Macapá em 1949 e, na ocasião, conheceu Mestre Julião. Gonzaga prometeu gravar o ladrão “Marabaixo” no ritmo do baião, um gênero musical popular no Nordeste brasileiro.

SD 02:

Aonde tu vais rapaz?

Neste caminho sozinho} bis

Eu vou fazer minha morada

Lá nos campos do laguinho} bis

As ruas do Macapá

Estão ficando um primor} bis

Tem hospitais, tem escolas

Pros fíos do trabalhado

Mas as casas que são feitas

É só prá morar os doutô

Fonte:MARABAIXO (2018)MARABAIXO. Interprete: Luiz Gonzaga. Vagalume. [S. l.: s. n., 19-]. Disponível em: https://www.vagalume.com.br/luiz-gonzaga/marabaixo.html. Acesso em: 28 nov. 2018.
https://www.vagalume.com.br/luiz-gonzaga...
.

Esse ladrão é conhecido com um hino do Marabaixo em Macapá e foi composto no final da primeira metade do século XX. Assim, na SD 02, há o acontecimento passando ao nível do discurso, porquanto refere-se à retirada dos negros do centro de Macapá por um exercício de poder do Estado. A gestão do sujeito governo, Janary Nunes (primeiro governador do estado do Amapá), operou com a ideia de que o branqueamento da raça era sinônimo de progresso e, assim, deu início ao processo de urbanização da capital do estado. Valendo-se do exercício do poder, removeu a população negra da “[...] parte central da cidade abrangida pelos bairros do Largo de São Sebastião, do Formigueiro, do Largo de São João e da Vila de Santa Engrácia para a periferia [...]” de Macapá (ALVES et al., 2014ALVES, I. C. et al. O Ciclo do Marabaixo em Macapá e a Igreja Católica Romana. Journal of Bioenergy and Food Science, Macapá, v.1, n. 2, p. 57-60, jul./set. 2014., p. 58) e urbanizou a capital com a pavimentação de ruas, com as construções de praças, de hospitais e de escolas.

Para Foucault, o poder é entendido não como uma força que se detém, mas, sim, como um exercício de poder, como um modo para alguns “[...] de estruturar o campo de ação possível dos outros” (FOUCAULT, 2013FOUCAULT, M. O sujeito e o poder. In: DREYFUS, H. L.; RABINOW, P. Michel Foucault: uma trajetória filosófica: para além do estruturalismo e da hermenêutica. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2013. p.273-295., p. 290). Por esse raciocínio, a relação de poder consiste em modos de ações sobre ações dos e sobre os sujeitos. Nesse sentido, os dizeres presentes na SD 02 narram as ações do Governo na remoção dos sujeitos negros, os quais tiveram que construir suas casas no Bairro Laguinho, pois não eram dignos de morar no centro da cidade, local destinado à elite branca ou aos doutores (“os doutos”), como discursivizado no ladrão.

A Favela foi outro espaço ocupado pelos sujeitos negros advindos do processo de retirada do centro de Macapá. Esse espaço constituiu-se em um novo bairro que retratava a situação urbanística das residências dos sujeitos negros e foi renomeado por bairro Santa Rita.

SD 03

A Favela sempre foi muito questionada. Uma parcela dos negros foi resistente ao desalojamento e em contraposição a decisão de ir para o Laguinho foram para a Favela, que, em função disso, nunca foi reconhecida como tal, tendo seu nome desde o começo sido apagado pelo nome de Santa Rita. (COSTA, 2013 apudIPHAN, 2018IPHAN. Dossiê do Marabaixo. Brasília: IPHAN, 2018. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/DOSSIE_MARABAIXO.pdf. Acesso em: 10 fev. 2020.
http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfin...
, p. 57).

Os dizeres da SD 03 são oriundos do Inventário Nacional de Referências Culturais do Marabaixo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN. Eles enunciam um processo semântico na denominação do bairro o qual procurou silenciar os impactos causados pelo exercício de poder do Estado em relação aos modos de vida da comunidade de sujeitos negros. O nome Favela não dialogava com o discurso de progresso trazido e implantado por Janary. Era preciso substituí-lo por um nome que desse um caráter de bairro e não um conjunto desordenado de habitações (favela). Então, no exercício de poder, o Estado operou na construção de um saber o qual funcionou também no processo de dessubjetivação. Foucault (2010FOUCAULT, M. Conversa com Michel Foucault. In: MOTTA, M. B. (org.). Repensar a Política: ditos e escritos VI. Tradução Ana Lúcia Paranhos Pessoa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010. p.289-347., p. 306) afirma que o saber é “[...] um processo pelo qual o sujeito sofre uma modificação por aquilo mesmo que ele conhece” e, desse modo, o Governo trabalhou para construir um espaço legitimado por suas ações, ao mesmo tempo em que silenciava e aniquilava os espaços e os sujeitos negros.

Ainda, acerca desse processo de dessubjetivação dos sujeitos negros o qual permaneceu latente na memória desses sujeitos, destacamos a SD 04. Ela corresponde a uma entrevista do Jornal Amapá TV (de uma emissora afiliada à Rede Globo de Televisão), no ano de 2013, em que um sujeito negro do Marabaixo discursiviza sobre os atritos entre o Estado e os sujeitos praticantes de Marabaixo da primeira metade do século XX.

SD 04

Josefa Pereira (Tia Zezinha): – No tempo de Dante que nós vinha com essa música e vinha dançar aqui, jogar capoeira, era uma coisa muito bonita. Quando Janary chegou, que veio governar, ele não gostou da coisa, e aí acabou. (APTV, 2013APTV: cortejo da murta do Marabaixo em Macapá. Publicado pelo canal Jailson Santos. [S. l.: s. n.], 29 jul. 2013. 1 vídeo (4:42 min). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=fdBtIT_c5qs. Acesso em: 25 maio 2017.
https://www.youtube.com/watch?v=fdBtIT_c...
).

Para a discussão, trazemos também o entendimento do filósofo italiano, Giorgio Agamben, acerca do conceito de dispositivo. Em seu texto O que é um dispositivo?, além de fazer uma explanação acerca do poder e da maquinaria discursiva e não discursiva que constitui o dispositivo, o qual é um termo decisivo na estratégia de pensamento de Foucault, também tratou da ideia de dessubjetivação. O autor pontua que um “[...] momento dessubjetivante estava certamente implícito em todo processo de subjetivação”, pois esse movimento destrói uma subjetividade ao mesmo tempo em que transfigura uma nova (AGAMBEN, 2005AGAMBEN, G. O que é um dispositivo? Tradução: Nilceia Valdati. Outra Travessia, IIha de Santa Catarina, n.5, p.9-16, jul./dez. 2005., p. 15). Nesse sentido, observamos na SD 04 que o sujeito Josefa lança dizeres que sinalizam o exercício de poder do Estado no processo de apagamento das práticas de Marabaixo, corroborando os ditos do autor acerca do jogo de força desestruturante presente nos processos de subjetivação.

A Figura 02 representa os acontecimentos inscritos na SD 04, pois o sujeito que discursiviza, nessa sequência discursiva, rememora práticas de negros que foram silenciadas por instituições. As lutas livres e as rodas de capoeiras dialogavam com as práticas de Marabaixo em frente à igreja de São José e faziam parte das subjetividades dos negros. Todavia essas práticas foram de encontro à política do Governo e às práticas hegemônicas da Igreja.

Figura 02
– Capoeira e luta livre na frente de igreja de São José após o Marabaixo de 1946.

Agamben (2005AGAMBEN, G. O que é um dispositivo? Tradução: Nilceia Valdati. Outra Travessia, IIha de Santa Catarina, n.5, p.9-16, jul./dez. 2005., p. 15) afirma que as “[...] sociedades contemporâneas se apresentam assim como corpos inertes atravessados por gigantescos processos de dessubjetivação que não correspondem a nenhuma subjetivação real”. Aliado a isso, retomamos também uma discussão de Deleuze, a partir dos trabalhos de Foucault, no qual lança a metáfora das “dobras” do processo de subjetivação. Para esse autor, o lado de fora, que corresponde ao poder, não é um limite fixo, mas sim uma matéria móvel; pois o exercício do poder opera em todas as direções, compondo “[...] movimentos peristálticos, de pregas e de dobras que constitui o lado de dentro”, configurando-se em processos de subjetivação (DELEUZE, 1988DELEUZE, G. Foucault. São Paulo: Brasiliense, 1988., p. 104). Assim, entendemos que a dessubjetivação se faz de forma progressiva e também agressiva dentro de um jogo de força que ora se apropria do saber e do poder para objetivar, ora esse jogo de força subjetiva o sujeito, mas não de forma passiva; porquanto coloca em movimento uma maquinaria de exercícios de poderes cujo interior a resistência também opera. Destacamos que a existência, na atualidade, do Ciclo é fruto de um percurso histórico de resistência dos sujeitos negros, pois também exerceram poderes contra as formas de opressão e de objetivação de suas práticas.

Deleuze (1988)DELEUZE, G. Foucault. São Paulo: Brasiliense, 1988. declara que Foucault mostrou como os processos de subjetivação são realizados de maneira variada em diferentes épocas, produzindo saberes, modos de existir e estilos de vidas singulares. Assim, as lutas por reconhecimento das práticas e dos modos de subjetivação do negro do Marabaixo atravessaram os séculos e, nos primeiros anos do século XXI, os sujeitos negros alcançaram algumas conquistas que foram reflexos do exercício de luta contra as ações do Estado e também da Igreja. Para ilustrar isso, recortamos a SD 05.

SD 05

O GOVERNADOR DO ESTADO DO AMAPÁ,

Faço saber que a Assembleia Legislativa do Estado do Amapá aprovou e eu, nos termos do art. 107 da Constituição Estadual, sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º. Fica criado o CICLO DO MARABAIXO E BATUQUE no Estado do Amapá.

Art. 2º. O CICLO terá início no sábado de aleluia (semana santa do calendário cristão) e se estenderá até a primeira quinzena do mês de junho, período dedicado ao Divino Espírito Santo e à Santíssima Trindade.

Art. 3º. O CICLO DO MARABAIXO E BATUQUE se estende a todas as Comunidades, independente do período em que cada uma realiza as festividades em louvor ao Santo Padroeiro. (AMAPÁ, 2004AMAPÁ. Lei n. 0845, de 13 de julho de 2004. Cria e insere no calendário cultural o CICLO DO MARABAIXO E BATUQUE no âmbito do Estado do Amapá e dá outras providências. Diário Oficial do Estado, Macapá, 13 julho 2004.).

As lutas por autoafirmação das práticas de Marabaixo e dos modos de ser sujeitos negros contra o poder dos grupos hegemônicos fizeram o Ciclo do Marabaixo atravessar os séculos. Em 13 de julho de 2004, por meio da Lei Estadual N.º 0845 (SD 05), os sujeitos negros do Marabaixo conseguiram uma representação diante da população amapaense, ou seja, a lei que criou o Ciclo do Marabaixo e Batuque3 3 O Batuque é uma dança de origem africana presente em comunidades quilombolas do Amapá, como também se configura como práticas dos sujeitos negros. Ele é dançado ao som de macacos, isto é, tambores compridos e de pandeiros. O Batuque também é dançado em louvor aos santos católicos de devoção das comunidades. no estado do Amapá. Ela reconhece o Marabaixo como expressão cultural, social e identitária do povo amapaense, bem como o insere no calendário cultural do estado. Isso sinaliza às lutas sociais dos grupos negros que resistiram, reclamaram seus direitos, reivindicaram o reconhecimento de suas práticas e da forma de serem sujeitos.

Em 2013, ocorreu a reabertura das portas da igreja de São José de Macapá para o Ciclo do Marabaixo. Esse acontecimento sinalizou um marco delimitador nas lutas travadas entre a Igreja e os sujeitos negros; pois, considerando os processos de resistência desses sujeitos ao longo da historicidade do Marabaixo, inscreve-se como possibilidade de condutas, de reações e modos de comportamentos que foram de encontro às forças da Igreja. Como vimos, desde a metade do século passado, os sujeitos negros praticantes do Marabaixo foram proibidos de entrar na igreja de São José.

Outra conquista dos sujeitos negros ocorreu em 2018, pois o Marabaixo foi reconhecido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN como expressão cultural de devoção e resistência dos sujeitos negros amapaenses e foi inscrito no Livro de Registro das Formas de Expressão: Bens Cultuarias Imateriais dessa instituição.

Considerações finais

Neste texto, tomamos como base os aportes teóricos e metodológicos dos estudos discursivos foucaultianos para desenvolver e fundamentar o nosso movimento analítico. Procuramos estender nossas leituras sobre os processos de dessubjetivação presentes nos escritos de Foucault (2010)FOUCAULT, M. Conversa com Michel Foucault. In: MOTTA, M. B. (org.). Repensar a Política: ditos e escritos VI. Tradução Ana Lúcia Paranhos Pessoa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010. p.289-347. e na forma como foram compreendidos por alguns estudiosos (DELEUZE, 1988DELEUZE, G. Foucault. São Paulo: Brasiliense, 1988.; AGAMBEN, 2005AGAMBEN, G. O que é um dispositivo? Tradução: Nilceia Valdati. Outra Travessia, IIha de Santa Catarina, n.5, p.9-16, jul./dez. 2005.; MILANEZ, 2013MILANEZ, N. A dessubjetivação de Dolores - escrita de discursos e misérias do corpo-espaço. Linguagens: Estudos e Pesquisas, Catalão, v.17, n.2, p. 367-390, jul./dez. 2013.). Vimos que Foucault (2010)FOUCAULT, M. Conversa com Michel Foucault. In: MOTTA, M. B. (org.). Repensar a Política: ditos e escritos VI. Tradução Ana Lúcia Paranhos Pessoa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010. p.289-347. chamou de dessubjetivação o processo que procura arrancar o sujeito de si próprio, fazendo que ele não seja mais o mesmo. Esse processo de aniquilamento está ligado a um processo que conduz o sujeito a um deslocamento da ordem do discurso que o constituía, levando-o a outras experiências.

Assim sendo, os sujeitos negros passaram por vários processos de marginalização e de exclusão ao longo da história do Brasil, envolvidos por exercícios de poderes. Diante dos acontecimentos atuais, tem-se discutido o racismo estrutural. Dentro de uma teoria do discurso que trabalha com a historicidade, entendemos essa expressão como uma maquinaria discursiva constituída por dizeres, ações, leis, práticas institucionais e culturais etc., isto é, aquilo que Foucault (1977FOUCAULT, M. Le jeu de Michel Foucault. Entretien. Ornicar? Bulletin périodique du champ freudien, [s. l.], n. 10, p. 62-93, juillet 1977., 2015bFOUCAULT, M. História da sexualidade 1: a vontade de saber. Tradução de Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. 3.ed. São Paulo: Paz e Terra, 2015b.) chamou de dispositivo e que, muitas vezes, funciona e recai de forma negativa e preconceituosa sobre determinado sujeito ou grupo de sujeitos e acarreta desigualdades entre sujeitos e grupos sociais, nesse caso, o corpo social negro.

Os sujeitos negros, no contexto brasileiro, conseguiram assegurar algumas políticas públicas, como o sistema de cotas para ingressar em universidades públicas, a inserção de disciplinas de história e cultura afro-brasileira nos currículos escolares e, no Amapá, o reconhecimento do Batuque e do Marabaixo como práticas afro-amapaenses. Todavia esses direitos estão longe de estabelecer uma equidade entre o corpo social, considerando a questão do racismo estrutural; pois esses movimentos ora de repressão, ora de resistência, ora de identificação, ora de representação social, estão imbricados por relações de poder que, muitas vezes, naturalizam práticas discursivas que minimizam e, até mesmo, apagam os sujeitos.

No caso dos sujeitos negros amazônicos sob análise, percebemos o exercício de poder do Estado no processo dessubjetivador. Um poder de aniquilamento envolvendo mecanismos de remoção e destruição de espaços, de práticas e de culturas em prol de uma hegemonia nacionalista branca que, lamentavelmente, inscreve-se no corpo social e transcende aos séculos.

A dessubjetivação dos sujeitos do Marabaixo funcionou, portanto, como mecanismos e práticas de apagamento dos sujeitos negros e de suas práticas culturais, atrelados aos processos de objetivação, isto é, um conjunto de forças operado, principalmente, por dispositivos político, religioso e social os quais procu(ra)ram romper com uma ordem discursiva a qual os sujeitos negros foram construídos. Dessa forma, fazendo uso da filosofia foucaultiana, bem como sua aplicação dentro dos Estudos Linguísticos, esta pesquisa leva-nos a reflexão: se não podemos mudar o passado, podemos visibilizá-lo e descrever aquilo que a história geral não diz e, assim, podemos interferir no futuro, para que práticas e ações dessubjetivadoras, como as descritas nesta pesquisa, não permaneçam recaindo sobre os sujeitos, não continuem a sufocá-los, a desqualificá-los e a retirá-los de suas subjetividades.

REFERÊNCIAS

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  • AMAPÁ. Lei n. 0845, de 13 de julho de 2004. Cria e insere no calendário cultural o CICLO DO MARABAIXO E BATUQUE no âmbito do Estado do Amapá e dá outras providências. Diário Oficial do Estado, Macapá, 13 julho 2004.
  • APTV: cortejo da murta do Marabaixo em Macapá. Publicado pelo canal Jailson Santos. [S. l.: s. n.], 29 jul. 2013. 1 vídeo (4:42 min). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=fdBtIT_c5qs Acesso em: 25 maio 2017.
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  • OLIVEIRA, E. Devoção, tambor e canto: um estudo etnolinguístico da tradição oral de Mazagão Velho. 2015. Tese (Doutorado em Linguística) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.
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  • TARTAGLIA, E. O Marabaixo e a relação com a ideia de comentário de Michel Foucault. Interfaces, Guarapuava, v. 11 n. 3, p. 186-202, jul./set. 2020b.
  • TARTAGLIA, E. Práticas de poder, de resistência e de subjetivação: os discursos dos/sobre os sujeitos negros do Ciclo do Marabaixo macapaense. 2019. Tese (Doutorado em Letras) - Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2019.
  • TARTAGLIA, E. Imigrantes Haitianos: da dinâmica de saída à dinâmica de entrada. 2014. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Letras) – Universidade Federal de Rondônia, Porto Velho, 2014.
  • TARTAGLIA, E.; BURGEILE, O. Negritude em movimento: o caso dos imigrantes haitianos no sul da Amazônia brasileira. In. GOMES, R. (org.). Discurso, representações e identidades: intersecções teóricas e analíticas. Macapá: Ed. da Unifap, 2020. p. 37-55.
  • 1
    Nas práticas de Marabaixo, é possível identificar alguns elementos e rituais (como os cortejos, as danças, os mastros, os tambores etc.) que são recorrentes em outras festas religiosas e populares da cultura afro-brasileira, como nas Congadas de Minas Gerais, nas festas do Divino Espírito Santo do Maranhão, nas festas de São Benedito do Mato Grosso e do Espírito Santo, entre outras. Sobre esse assunto, recomendamos a leitura de nosso texto “O Marabaixo e a relação com a ideia de comentário de Michel Foucault” (TARTAGLIA, 2020bTARTAGLIA, E. O Marabaixo e a relação com a ideia de comentário de Michel Foucault. Interfaces, Guarapuava, v. 11 n. 3, p. 186-202, jul./set. 2020b.).
  • 2
    Não estenderemos a discussão acerca dos atritos entre a Igreja e os sujeitos negros do Marabaixo, visto que detalhamos melhor essa questão em nossa tese intitulada “Práticas de poder, de resistência e de subjetivação: os discursos dos/sobre os sujeitos negros do Ciclo do Marabaixo macapaense” (TARTAGLIA, 2019TARTAGLIA, E. Práticas de poder, de resistência e de subjetivação: os discursos dos/sobre os sujeitos negros do Ciclo do Marabaixo macapaense. 2019. Tese (Doutorado em Letras) - Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2019.).
  • 3
    O Batuque é uma dança de origem africana presente em comunidades quilombolas do Amapá, como também se configura como práticas dos sujeitos negros. Ele é dançado ao som de macacos, isto é, tambores compridos e de pandeiros. O Batuque também é dançado em louvor aos santos católicos de devoção das comunidades.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    15 Ago 2020
  • Aceito
    19 Out 2020
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