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O ‘NEC’ ESTRUTURADOR DISCURSIVO DO LATIM PERMANECEU COMO ‘NEM’ EM PORTUGUÊS CONTEMPORÂNEO

RESUMO

O português hodierno não apresenta partícula negadora especializada em quantificadores nominais (D-quantificadores) (*‘Não cada cachorro late’) (Souza, 2017SOUZA, P. da C. A dupla negação pré-verbal no catalão e no português brasileiro: história, variação e uso. 2017. Tese (Doutorado em Filologia e Língua Portuguesa) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017.). Entretanto, é frequente a combinação do universal ‘todo’ com a partícula ‘nem’, derivada do Latim ‘nec’ (‘Nem todo cachorro late’). Aparentemente, ‘nem todo’ gera a negação do quantificador (¬∀). Porém, ‘nem todo’ está restrito ao fronteamento da sentença (*‘Eu não vi nem todo cachorro correr’) ou após constituintes topicalizados (‘À minha aula, nem todo aluno veio’) (Peres, 2013PERES, J. A. Negação. In: PAIVA RAPOSO, E. et al. (org.). Gramática do Português. Lisboa: Gulbenkian, 2013. v. I. p. 461-498.). Neste trabalho, conforme Gianollo (2020)GIANOLLO, C. Grammaticalization parameters and the retrieval of alternatives: Latin nec from discourse connector to uninterpretable feature. In: GERGEL, R.; WATKINS, J. (ed.). Quantification and scales in change. Berlin: Language Science Press, 2020. p. 33–65., ‘nem’ seguido de ‘todo’ será analisado como uma partícula estruturante do discurso. ‘Nem’ contém uma camada aditiva, sobre outra negativa. A camada aditiva liga a informação nova trazida pela sentença iniciada por ‘nem todo’ a uma informação do contexto previamente estabelecido. A camada negativa rejeita a pressuposição de maximalidade disparada pelo universal, instruindo os falantes a corrigirem suas expectativas sobre a aplicação da predicação sentencial ao domínio nominal completo quantificado por ‘todo’. O exame da distribuição de ‘nem todo’ em português brasileiro contemporâneo e sua presença do século XV ao XXI indicam que a função de ‘nec’ como partícula discursiva estruturante não se extinguiu em seus sucessores nas românicas, contra Gianollo (2020)GIANOLLO, C. Grammaticalization parameters and the retrieval of alternatives: Latin nec from discourse connector to uninterpretable feature. In: GERGEL, R.; WATKINS, J. (ed.). Quantification and scales in change. Berlin: Language Science Press, 2020. p. 33–65..

PALAVRAS-CHAVE
negação de quantificadores nominais; quantificador universal; diacronia do latim ao português; nec (latim); nem (português)

ABSTRACT

Contemporary Portuguese does not have a direct negator for D-quantifiers (*‘Não cada cachorro late’ ‘Not every dog barks’) (Souza, 2017SOUZA, P. da C. A dupla negação pré-verbal no catalão e no português brasileiro: história, variação e uso. 2017. Tese (Doutorado em Filologia e Língua Portuguesa) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017.); but a combination of ‘todo’ with ‘nem’, derived from Latin’s ‘nec’ (‘Nem todo cachorro late’/ ‘Not all dogs bark’), apparently yields a universal negation reading (¬∀). However, ‘nem’ is restrained to the very beginning of the sentence (*‘Eu não vi nem todo cachorro correr’ ‘I didn’t see every dog run’), or follows a topic (‘À minha aula, nem todo aluno veio’ ‘To my class, not every student came’) (Peres 2013PERES, J. A. Negação. In: PAIVA RAPOSO, E. et al. (org.). Gramática do Português. Lisboa: Gulbenkian, 2013. v. I. p. 461-498.). Following Gianollo (2020)GIANOLLO, C. Grammaticalization parameters and the retrieval of alternatives: Latin nec from discourse connector to uninterpretable feature. In: GERGEL, R.; WATKINS, J. (ed.). Quantification and scales in change. Berlin: Language Science Press, 2020. p. 33–65., ‘nem todo’ is analyzed as a discourse structuring particle. ‘Nem’ contains an additive layer over a negation component. It denies the maximization presupposition triggered by the universal quantifier, linking the new information given by the pronounced sentence to previously established contextual information. ‘Nem todo’ instructs the conversation participants to correct their common ground expectations about the participation of the entire nominal domain in the situation. By ‘nem’s distribution in Brazilian Portuguese today and its presence from the XV century to the XXI century, ‘nec’ as a discourse structuring particle did not disappear in romance languages, contrary to Gianollo (2020)GIANOLLO, C. Grammaticalization parameters and the retrieval of alternatives: Latin nec from discourse connector to uninterpretable feature. In: GERGEL, R.; WATKINS, J. (ed.). Quantification and scales in change. Berlin: Language Science Press, 2020. p. 33–65..

KEYWORDS
nominal quantifier negation; universal quantifiers; diachronic evolution from Latin to Portuguese; nec (Latin); nem (Portuguese)

Introduzindo as funções de NEC em latim e sopesando sua resiliência em línguas modernas

Gianollo (2020)GIANOLLO, C. Grammaticalization parameters and the retrieval of alternatives: Latin nec from discourse connector to uninterpretable feature. In: GERGEL, R.; WATKINS, J. (ed.). Quantification and scales in change. Berlin: Language Science Press, 2020. p. 33–65. acompanha a evolução da partícula latina ‘nec’ (‘ne’ + ‘que’ = ‘neque’) aos seus sucedâneos em línguas latinas modernas, descrevendo-a como um percurso histórico que começa em latim como conector discursivo e termina, nos dias de hoje, nas línguas românicas, como um traço não-interpretável. A autora explica que ‘nec’ tem origem na junção do morfema negativo do indo-europeu * à conjunção aditiva enclítica -que. Em latim, ‘nec’ desempenhava muitas funções distintas, das quais o estudo diacrônico citado destaca três:

  1. Um conector discursivo estruturante que aparece no início de novas unidades discursivas, com significados similares aos das expressões do inglês ‘and not’; ‘furthermore’, ‘it is not the case that’;

  2. Uma partícula correlativa negativa, com significado próximo das expressões do inglês ‘neither’, ‘nor’;

  3. Uma partícula isolada de foco que pode ser empregada com interpretação aditiva (similar à da expressão do inglês ‘also not’) ou ainda com interpretação escalar (próxima à de ‘not even’).

O que leva Gianollo a escolher essas três funções, entre tantas outras, é o fato de que as duas últimas se conservaram em diversos graus em praticamente todas as línguas românicas, sendo muito produtivas até hoje; a primeira, opostamente, é relevante por, tendo sido primária, ter desaparecido, e não ser mais encontrada nas línguas originárias do latim, hoje em dia. De fato, não é preciso procurar muito para verificar que as funções II e III são atestadas em português brasileiro no século XXI, e que são bastante frequentes, sem restrição alguma de gênero textual nem de formalidade discursiva. Daremos apenas alguns exemplos, só para que fique claro como a função caracterizada é ainda bem produtiva:

(1)Nem o Fluminense nem o Volta Redonda foram tão dependentes dos atacantes como o Bangu foi de Luis Felipe (Nem Cano, 2023)

(2)Nem tirar foto, nem filmar; confira regras do aniversário de Anitta (Silva, 2023SILVA, V. Nem tirar foto, nem filmar; confira regras do aniversário de Anitta. Portal Bahia.ba, 2023. Disponível em: https://bahia.ba/entretenimento/nem-tirar-foto-nem-filmar-confira-regras-do-aniversario-de-anitta/. Acesso em: 03 Apr. 2023.
https://bahia.ba/entretenimento/nem-tira...
)

Em (1) e (2), está exemplificada a função II, de partícula correlativa negativa. O primeiro exemplo liga os nomes de dois times de futebol, Fluminense e Volta Redonda, ambos compartilhando alta dependência de um único jogador da equipe, respectivamente os artilheiros Germán Cano, com 14 gols, e Lelê, com 13, para ficarem bem classificados no Campeonato Carioca. Entretanto, nenhum dos dois times depende tanto de um só jogador quanto o Bangu, que só pontua por causa de Luis Felipe. Temos então uma conexão que torna o Fluminense e o Volta Redonda similares, além de uma negação que incide sobre ambos e diz que o nível de dependência de nenhum deles alcança o de um terceiro time. Quanto ao segundo exemplo, vemos uma proibição feita pela cantora Anitta aos convidados para sua festa de aniversário, que interdita duas coisas: tirar foto e filmar. Nem uma nem outra coisa é permitida. Vemos aí que as duas ocorrências de ‘nem’ em (2) são a única fonte para entendermos que se trata de uma regra negativa, que atinge igualmente a fotografia e a filmagem, ambas irmanadas, conectadas pela ausência de permissão.

Vamos ilustrar agora a interpretação escalar de ‘nem’ como partícula isolada de foco (a função III acima):

(3)Nem o pai da criança veio ao chá de bebê! (Quase ninguém, 2023)

(4)Um buraco negro é uma região do espaço com um campo gravitacional tão intenso que nem mesmo a luz consegue escapar de dentro dele. (O que são, 2023)

A sentença (3) foi retirada de uma matéria da Revista Crescer, de 18/03/2023, que relata a decepção de uma grávida pelo fato de nenhum convidado ter ido ao seu chá de bebê. Por causa de ‘nem’, entendemos de (3) que ninguém compareceu. O sintagma nominal “o pai da criança” fornece o extremo de uma escala com graus ordenados de expectativas sobre o comparecimento, denotando aquele indivíduo do qual o falante pensava que era o mais certo que viesse. A ideia de negação provém de ‘nem’, já que não há um marcador sentencial negativo na sentença. Se não veio a pessoa que ocupa o extremo da escala contendo os convidados ordenados por grau de expectativa de que comparecessem, a negativa se estende, aditivamente, aos demais membros da lista, cujas chances de vir eram menores, segundo o julgamento do falante. Também entendemos da sentença (4), retirada de um site escolar, que nada, nada mesmo, escapa de um buraco negro. A sentença encaixada “nem mesmo a luz consegue escapar de dentro dele” não tem outra fonte de negação, que provém exclusivamente de ‘nem’. “A luz” é o extremo de uma escala de todas as coisas que um buraco negro poderia sugar, ordenadas pela chance de escaparem a ele; a luz é o item da escala que tem a maior chance de escapar, por não ser matéria, e por ser tão veloz; se nem o item com maior chance consegue sair do buraco negro, aditivamente a negação alcança os itens com menor chance, e compreendemos que um buraco negro é inescapável.

Para exemplificar a função I, repetimos aqui o exemplo do Latim oferecido em Gianollo (2020)GIANOLLO, C. Grammaticalization parameters and the retrieval of alternatives: Latin nec from discourse connector to uninterpretable feature. In: GERGEL, R.; WATKINS, J. (ed.). Quantification and scales in change. Berlin: Language Science Press, 2020. p. 33–65., visto que a autora defende que essa função, embora historicamente primitiva e atestada desde os primórdios da tradição textual, com alguns sinais de retenção até o Romance Antigo, foi descontinuada depois, e deixou por completo de ocorrer em línguas românicas modernas.

(5) Accessum est ad Britanniam ominibus navibus meridiano avizinhado:PTCP ser:3SG de Britânia:ACC todos:ABL navios: ABL meio-dia:ABL fere tempore, neque in eo loco hostis perto-de tempo:ABL e.não em aquele lugar inimigo: NOM est visus ser:3SG visto: PTCP

“Todos os navios chegaram à Grã-Bretanha por volta do meio-dia, e nem um inimigo foi avistado ali.” (Caes. Gall.5.8)

Segundo Gianollo, nesse exemplo em latim, ‘neque’, como uma conjunção aditiva, liga a primeira oração do período, uma unidade discursiva anterior, à nova oração, àquela que encabeça; essa oração encabeçada por ‘neque’ acrescenta uma nova unidade discursiva; além disso, a única fonte da negação da presença de inimigos em terras britânicas à chegada dos navios é ‘neque’, já que a segunda oração não conta com nenhuma outra partícula ou palavra negativa.

Se traduzirmos (5) para o PB, nos parecerá que, realmente, tal como diz Gianollo, essa função combo de acrescentar nova unidade discursiva e, conjuntamente, inserir uma negação que atua sobre o conteúdo da sentença em que está a partícula, não existe mais em português moderno. Colocando ‘nem’ no lugar de ‘neque’, numa tradução do exemplo (5), teremos:

(6)Nem um inimigo foi avistado ali.

A sentença (6) é natural hoje, mas não é interpretada como uma instanciação da função I, e sim exemplifica a função III. A sentença poderia ser parafraseada por “nem mesmo um inimigo / nem sequer um inimigo foi avistado ali”, com patente efeito escalar: chegamos à compreensão de que inimigo algum foi visto naquele local, a partir da negação da visualização do elemento extremo da escala, a menor quantidade de inimigos que poderia ser avistada: quando não se vê um inimigo ao menos, também não se vê quantidades maiores desse inimigo. Temos um desencadeamento como o desta possível escala pragmática de quantidade:

(6’)alternativa de base: exatamente um inimigo foi avistado ali

alternativa mais forte que a anterior: exatamente três inimigos foram avistados ali

alternativa mais forte ainda: exatamente quatro inimigos foram avistados ali

alternativa mais forte de todas: todos os inimigos foram avistados ali

Ao negar a alternativa de base, que representa a quantia mínima que poderia representar alguma visualização do inimigo, alternativa essa denotada pelo sintagma nominal ‘um inimigo’ em (6), ‘nem’ também nega todas as demais alternativas, que são mais fortes, visto que não é logicamente viável ver uma quantia maior sem ver também as quantias menores incluídas na maior. Adicionalmente, todas as alternativas da escala são computadas sob a negação, resultando na interpretação de que ninguém que seja inimigo foi avistado nessa ocasião.

Podemos generalizar sobre os dados do português hodierno que trazem ‘nem’ seguido de um sintagma nominal tal como o exemplificado em (6), afirmando que serão sempre interpretados na função III, com o sintagma nominal servindo de base para uma escala ordenada por graus de expectativa; a negação, uma vez aplicada a essa base, atinge a escala inteira. Para exemplos do tipo de (6), a inserção de ‘mesmo’ ou ‘sequer’ depois de ‘nem’ é sempre licenciada, conservando a leitura típica da função III. Portanto, sequências de ‘nem’ com nominais do tipo de (6) não realizam mais aquela função que realizavam em latim, de estruturação discursiva, sustentando a afirmação de Gianollo de que a função I se perdeu.

Não obstante, defenderemos neste artigo que, apesar de até o momento isso não ter sido notado na literatura, ou ao menos não até onde vai o nosso conhecimento, há um contexto especial em que ‘nem’ conservou a função I de ‘nec’ até os dias de hoje, que é aquele em que ‘nem’ precede os quantificadores universais ‘todo’ — um quantificador nominal, um D-quantifier, nos termos de Partee, Bach e Kratzer, (1987) — e ‘sempre’ — um quantificador sentencial, um A-quantifier1 1 Um D-quantifier é um quantificador nominal (do tipo D, de determinante), tal como “cada” e “todo”, que podem distribuir sobre outros sintagmas nominais (‘cada criança ganhou 2 bombons’, considerando um grupo de 10 crianças, leva a definir o número total de bombons distribuídos como 20). Já um A-quantifier é um quantificador sentencial, do tipo adverbial, como “sempre” (em “sempre que vai ao médico, a criança ganha um pirulito”, entendemos que, se certa criança compareceu a 5 consultas em três meses, ela recebeu um total de 5 pirulitos nesse período). , segundo a acepção encontrada em Partee, Bach e Kratzer (1987).

(7)Nem todos os remédios curam doenças.

(8)Nem todas as saladas são saudáveis.

(9)Nem sempre chove no Dia de Finados!

(10)Cliente nem sempre tem razão.

Os exemplos de (7) a (10) são bem corriqueiros no PB atual. Verifica-se a impossibilidade de interpretá-los considerando que ‘nem’ desempenhe neles a função III, em que haveria a negação de toda uma escala de opções ordenadas pelo grau de expectativa ou probabilidade atingida pela negação, sendo o nominal precedido por ‘nem’ o extremo dessa escala. Sintagmas nominais quantificados por universais, como ‘todos os remédios’ (7) e ‘todas as saladas’ (8) não podem contar com diversas alternativas distintas provenientes de um mesmo domínio e ordenáveis numa escala por ordem de expectativa, visto que os universais denotam o conjunto completo, inteiro da denotação nominal. Justamente por isso, sintagmas quantificados pelo universal ‘todo’ não podem denotar a alternativa mais fraca de uma escala, visto que, do ponto de vista quantitativo, não há quantidades superiores ao domínio nominal completo. O que poderia ser mais que tudo? Nada. Talvez seja exatamente pela impossibilidade de haver a interpretação escalar que esses contextos especiais tenham resistido com ‘nem’ na função I.

Cabe aqui fazer uma observação sobre ‘sempre’: os advérbios de frequência ou advérbios quantificacionais (A-quantifiers) marcam a regularidade com que o mesmo evento se repete, ou, em outras palavras, quantificam sobre o número de episódios de uma mesma natureza que teve lugar em um dado intervalo de tempo. Por exemplo, em (9), temos uma data que se repete todos os anos, o Dia de Finados; entendemos a versão de (10) sem o ‘nem’ (‘O cliente sempre tem razão’) como afirmando que, em todas as ocasiões em que há disputa entre o cliente e a empresa, a razão deve ser dada ao cliente. Podemos listar os advérbios desse tipo pelo grau de frequência, indo do menor ao maior número de episódios no intervalo temporal em exame. Uma lista possível seria a seguinte: (i) nunca; (ii) quase nunca/raramente; (iii) regularmente; (iv) frequentemente; (v) quase sempre; (v) sempre. Uma lista com esse ordenamento é uma escala, em que os itens mencionados à direita são mais fortes que os mencionados à esquerda, pois as frequências menores são subconjuntos das maiores. Se uma coisa acontece sempre (por exemplo, chover todos os anos no Dia de Finados durante uma década) isso inclui logicamente o fato de que tal coisa também acontece frequentemente (chover no Dia de Finados em um bom número de anos durante uma década). No entanto, não há nenhuma alternativa mais forte que ‘sempre’. Assim sendo, ‘nem sempre’ não poderia ser associado a uma escala com alternativas abarcadas pela negação, visto que não há como pensar em alternativas com grau maior. Também aí temos um bloqueio da função III, ou seja, essas são as mesmas condições que proporcionam a continuação da função I de ‘nem’ seguido de ‘todo’. Marcadores de frequência de valor mais baixo, que tenham alternativas mais fortes, licenciam a leitura de ‘nem’ na função III, como exemplificado abaixo:

(11)João não veio à minha aula nem uma vez este mês.

Entendemos de (11) que João nunca esteve na aula durante o mês relevante, visto que há alternativas de frequência mais fortes que ‘uma vez’, como ‘duas vezes’, três vezes’ etc., permitindo a construção da escala pragmática pela qual a negação da presença desse aluno na minha aula é aditivamente distribuída, e, assim, gerando a leitura de que ele não veio jamais no mês, já que não veio nem sequer uma vez.

Para fechar o comentário sobre ‘nem sempre’, vale lembrar que Lewis (1975)LEWIS, D. K. Adverbs of quantification. In: KEENAN, E. L. (ed.). Formal semantics of natural language. Cambridge: Cambridge University Press, 1975. p. 3–15. trata ‘todo’ e ‘sempre’ como quantificadores tripartite (quantificadores com restritor e domínio quantificacional2 2 Para esse autor, há correspondência de sentido entre as duas afirmações a seguir: (i)Um galo sempre canta ao amanhecer. = [QUANTIFICADOR sempre, [RESTRITOR se amanhece, [MATRIZ NUCLEAR um galo canta]]] (ii)Todo galo canta ao amanhecer. = [QUANTIFICADOR todo x, [RESTRITOR se x é galo, [MATRIZ NUCLEAR canta ao amanhecer]]] ), um atuando no domínio nominal e o outro, não-seletivo, principalmente no adverbial. Ambos geram interpretações sinônimas: as sentenças ‘Todo galo canta ao alvorecer’ e ‘Um galo sempre canta ao alvorecer’ serão verdadeiras na mesma situação. Uma vez que não há quantificadores mais fortes que ‘todo’ e ‘sempre’ nos seus respectivos domínios, a função III de ‘nec’, de foco escalar, não poderia ser aplicada a ‘nem todo’ e a ‘nem sempre’, o que, na nossa proposta, explica porque a função I, de conector discursivo, não desapareceu ao longo do tempo exatamente nesses contextos. De fato, a função III substituiu a função I em todas as ocorrências em que ‘nem’ vem antes de itens nominais que podem ser parte de uma escala pragmática com alternativas mais fortes, de maior grau, tal como diz Gianollo.

Embora vejamos a mesma razão para a preservação da função I de ‘nem’ com os dois universais, neste artigo vamos deixar de lado ‘nem sempre’ e trataremos exclusivamente de ‘nem todo’. Optamos por isso porque ‘nem todo’ tem recebido análises outras na tradição gramatical e na literatura acadêmica, análises estas que nos cabe discutir aqui.

A negação de quantificadores nominais em português

Em português, não há negação nominal formada pela prefixação generalizada da mesma palavra que realiza a operação de negação proposicional, como, por exemplo, *‘uma não-cadeira’. ‘Não’ só pode ser composto livremente com nomes predicacionais, adjetivos e particípios, tais como ‘a não-possibilidade de socorro’ e ‘uma ponte não-terminada’ (Mioto, 1998MIOTO, C. Tipos de negação. Cadernos de Estudos Linguísticos, Campinas, v. 34, 1998.). Em português não é gramatical dizer *“Não todos os alunos vieram”, mas pode-se dizer ‘Nem todos os alunos vieram hoje’. As gramáticas tradicionais (GTs) em geral não registram o fato de que ‘nem’ só aparece antes de ‘todo’ e ‘sempre’.

As gramáticas do português de linha tradicional (Bechara, 2009BECHARA, E. Moderna gramática portuguesa. 36. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; Lucerna, 2009.; Lima, 2011LIMA, C. H. da R. Gramática normativa da língua portuguesa. Rio de Janeiro: José Olympio, 2011.; Cunha; Cintra, 2016CUNHA, C.; CINTRA, L. F. L. Nova Gramática do Português Contemporâneo. 6 ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2016.) concentram-se em ‘nem’ na função II; em Cegalla, por exemplo, lemos “A série nem... nem adquire sentido aditivo negativo: Nem estudou nem tirou boas notas (não estudou e não tirou...)” (Cegalla, 2008, p. 202). Tratado pela tradição gramatical majoritariamente na função II, ‘nem’ é descrito quase sempre como conjunção coordenativa correlativa. A função III tem em geral bem menos espaço nessas obras, que não listam ‘nem’ como advérbio de negação, com exceção da gramática de Borregana (1996)BORREGANA, A. A. Gramática universal: língua portuguesa. Lisboa: Texto Editores, 1996.. Não obstante, diversos materiais de consulta escolar e dicionários incluem ‘nem’ entre os advérbios de negação, abordando assim seu uso na função III. Neves (2000)NEVES, M. H. M. Gramática de usos do português. São Paulo: Ed. da UNESP, 2000. traz um exemplo claro de ‘nem’ na função III de Gianollo (2020)GIANOLLO, C. Grammaticalization parameters and the retrieval of alternatives: Latin nec from discourse connector to uninterpretable feature. In: GERGEL, R.; WATKINS, J. (ed.). Quantification and scales in change. Berlin: Language Science Press, 2020. p. 33–65., classificando ‘nem’ nessa ocorrência como advérbio de negação: “A patroa quer dar umas voltinhas, nem quer saber do jogo.” (Neves, 2000NEVES, M. H. M. Gramática de usos do português. São Paulo: Ed. da UNESP, 2000., p. 287).

Bem mais difícil é encontrar em obras de referência escolar exemplificações da função I. Ainda assim, há algumas poucas menções: “antes de todos, tudo e sempre, cabe ao NEM, sozinho, expressar a negação: “Nem sempre teremos essa sorte”; “Nem tudo que reluz é ouro”; “Nem todos podem pagar esse preço”3 3 Disponível em: https://sualingua.com.br/e-nem/. Acesso em: 13 dez. 2023. . Um consultório gramatical traz como esclarecimento a uma consulente o seguinte: “De facto, na frase apresentada — ‘Viajar é bom, mas nem todos temos dinheiro para isso’ —, não é possível substituir nem por não. Não se aceita, portanto, ‘não todos temos dinheiro’”. O mesmo consultor comenta também que a Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian) apresenta essa construção como um caso de negação do quantificador universal, e ainda acrescenta que, de acordo com essa mesma fonte, nessa função ‘nem’ só ocorre em posição inicial de frase ou oração; entretanto, o consultor gramatical aponta que se trata de “uma construção cuja motivação nem a fonte consultada esclarece cabalmente, nem outras gramáticas chegam a registar”4 4 Disponível em: https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/negacao-nem-todas/36309. Acesso em: 13 dez. 2023. . Ou seja, não obstante “nem todo” e “nem sempre” serem formas bastante produtivas em português, elas são praticamente ignoradas pela tradição gramatical; somente uma obra de gramática de linha gerativista trata do tema, descrevendo essas construções como “negação do quantificador universal”, sem oferecer nenhuma explicação, no entanto, para o fato de apenas os quantificadores universais poderem ser negados por ‘nem’ em português.

Vejamos agora o que diz a literatura linguística sobre a negação de quantificadores nominais. Em inglês, um nome próprio não pode ser modificado diretamente por ‘not’ (Mateyak, 1997MATEYAK, H. Negation of noun phrases with not. IRCS Technical Reports Series, 89, 1997. Disponível em: http://repository.upenn.edu/ircs_reports/89. Acesso em: 27 Mar. 2023
http://repository.upenn.edu/ircs_reports...
dá como exemplo*‘Not Salome came to the party’ *‘Não Salomé veio à festa’), mas quantificadores sim, embora essa possibilidade não se estenda a todos eles (*‘Not some people came to my party’ *‘Não alguma pessoa veio à minha festa’, *‘Not several events are planned for that weekend’ *‘Não diversos eventos estão planejados para o fim de semana’). Beghelli e Stowell (1997BEGHELLI, F.; STOWELL, T. Distributivity and negation: The syntax of each and every. In: SZABOLCSI, A. (ed.). Ways of Scope Taking: Studies in Linguistics and Philosophy. Dordrecht: Springer, 1997. v. 65. p. 71–107., p. 31, ex. 35) mostram que ‘not’ forma uma negação nominal com diversos quantificadores generalizados, mas não com ‘each’ ‘cada’:

(12)a Notmore than ten boysate an ice cream cone.

b ?Notten boysate an ice cream cone.

c Notmany boysate an ice cream cone.

d Notall the boysate an ice cream cone.

e Notevery boyate an ice cream cone.

f *Noteach boyate an ice cream cone.

Como se vê pelas traduções abaixo, em português há bem menos possibilidades para a construção que lembra uma negação nominal:

(13)a Não mais de 10 meninos tomaram sorvete de casquinha.

b *Não 10 meninos tomaram sorvete de casquinha.

c Não muitos meninos tomaram sorvete de casquinha.

d ??Não todos os meninos tomaram sorvete de casquinha.

e Nem todo menino tomou sorvete de casquinha.

f *Não cada menino tomou sorvete de casquinha.

A nosso ver, os exemplos (13a, c e d) não constituem a combinação de uma partícula negadora nominal com um quantificador generalizado, mas são uma negação sentencial com material implícito (isto é, há um verbo de cópula não-pronunciado nessa estrutura, o que faz dela uma instanciação de negação sentencial). Abaixo, tornamos visível esse material elíptico:

(14)a Não (foram) mais de 10 meninos (os que) tomaram sorvete de casquinha. ( = (13a))

b Não (foram) muitos meninos (que) tomaram sorvete de casquinha. ( = (13c))

c Não (foram) todos os meninos (que) tomaram sorvete de casquinha. ( = (13d))

Sustentamos que essas negações são sentenciais, com material elíptico, dado ao fato de que elas podem aparecer em coordenação e como respostas curtas a perguntas, contextos típicos de apagamento de material:

(15)a Meninos tomaram sorvete de casquinha, mas (eles) não (eram) mais que dez ( = (13a))

(16) Quantos meninos tomaram sorvete de casquinha?

Quanto a (13e), a própria estranheza de (16c) indica que temos uma característica única. Embora a resposta (16d) seja inexata para expressar a quantidade de meninos que tomou sorvete de casquinha, (16d) é uma resposta mais aceitável para (16) que (16c). É fácil verificar que não se pode usar ‘nem’ antes de outros quantificadores nominais5 5 ‘Nem 10 meninos tomaram sorvete’ é uma sentença bem formada, mas não será discutida aqui porque esse ‘nem’ está em outra função, a III, com leitura de foco escalar. A negativa se propaga para as alternativas mais fortes, de modo que a sentença expressa a ideia de que o número de meninos que tomou sorvete fica necessariamente abaixo da quantia denotada pelo nominal que ‘nem’ precede, com a negação atingindo não só o fato de que tenham sido 10, mas também o de que tenham sido mais de dez. :

(17)a *Nem mais de 10 meninos tomaram sorvete de casquinha.

b * Nem qualquer menino tomou sorvete de casquinha.

c * Nem muitos meninos tomaram sorvete de casquinha.

d Nem todos os meninos tomaram sorvete de casquinha.

e Nem todo menino tomou sorvete de casquinha.

f *Nem cada menino tomou sorvete de casquinha.

g *Nem algum menino tomou sorvete de casquinha.

Aparentemente, por (17), em português, somente o quantificador ‘todo’ tem sua forma nominal de negação. Se ‘todo’ é a expressão linguística do quantificador ∀, a expressão ‘nem todo’, em (17d, e) parece expressar a sua negação, ¬∀. Como explicar essa excepcionalidade de ‘todo’ quanto à possibilidade de combinação com uma partícula de negação? Para tentar responder a essa questão, vejamos, primeiramente, as propostas dos artigos já mencionados, que buscavam explicar por que motivo a negação nominal não está disponível para todos os quantificadores em língua inglesa.

Para Mateyak (1997)MATEYAK, H. Negation of noun phrases with not. IRCS Technical Reports Series, 89, 1997. Disponível em: http://repository.upenn.edu/ircs_reports/89. Acesso em: 27 Mar. 2023
http://repository.upenn.edu/ircs_reports...
, a negação é licenciada exclusivamente com sintagmas nominais quantificados de interpretação definida. Ou seja, para o autor, um quantificador pode ser negado desde que ele projete uma continuação de possíveis valores para o tamanho do domínio negado e desde que o quantificador não tenha outra contribuição semântica além da quantitativa para ser negada. Essa visão poderia dar uma explicação plausível para o contraste de gramaticalidade entre ‘nem todo’ e *‘nem qualquer’ como expressão de ¬∀, visto que ‘todos’ (como palavra isolada) é uma resposta adequada para uma pergunta de quantidade, mas ‘qualquer’ não, por ‘qualquer’ ser um universal com teor qualitativo em sua semântica. Porém, essa proposta abarca a existência de mais quantificadores negados em inglês, além de ‘not every’ e ‘not all’, tais como ‘not a’, ‘not one’, ‘not many’ ‘no more than’ e ‘not less than’, e, mesmo considerando ‘nem’ em ‘nem todo’ como uma forma de negação nominal para o valor quantificacional de ‘todo’ (¬∀), não encontraremos ‘nem’ diante dos correspondentes em português a esses outros quantificadores do inglês, ao menos não com esse mesmo tipo de interpretação, como visto em (17).

Beghelli e Stowell (1997)BEGHELLI, F.; STOWELL, T. Distributivity and negation: The syntax of each and every. In: SZABOLCSI, A. (ed.). Ways of Scope Taking: Studies in Linguistics and Philosophy. Dordrecht: Springer, 1997. v. 65. p. 71–107. utilizam a negação nominal para distinguir entre distributividade forte (‘each’ ‘cada’) e distributividade fraca/universalidade (‘all’, ‘every’ ‘todo’), afirmando que apenas a distributividade fraca a licencia, o que também descreveria os fatos em PB (*‘nem cada’ x ‘nem todo’). Quanto à aceitação de negação nominal ou não pelos distintos quantificadores, exemplificada em (12), entretanto, os autores dizem que “Embora ela seja um teste capaz de colocar ‘every’ e ‘all’, juntos, de um lado, e ‘each’ de outro, não é nada óbvio qual seria a propriedade semântica diagnosticada por ela’ (Beghelli; Stowell, 1997BEGHELLI, F.; STOWELL, T. Distributivity and negation: The syntax of each and every. In: SZABOLCSI, A. (ed.). Ways of Scope Taking: Studies in Linguistics and Philosophy. Dordrecht: Springer, 1997. v. 65. p. 71–107., p. 31).

Collins (2020)COLLINS, C. Outer negation of universal quantifier phrases. Linguistics and Philosophy, Dordrecht, v. 43, n. 3, p. 233–246, 2020., trabalhando com o inglês, distingue dois tipos de negação com quantificadores: negação externa [NEG DP]) e negação interna ([[NEG D] NP]). Nessa proposta, quantificadores universais podem apresentar apenas negação externa, enquanto quantificadores existenciais dispõe apenas de negação interna. A evidências oferecidas são o licenciamento de itens de polaridade negativa. Essa pesquisa também não pode ser transportada diretamente para o português, dado que nenhum existencial aceita ser precedido por ‘nem’ com interpretação de negação nominal ( ¬∃) em PB, além de haver em português universais, como ‘qualquer’, que não aceitam modificação nominal por ‘nem’ (¬∀).

Quem sabe a literatura já examinada nesta seção não tenha iluminado a análise por conta de a distinção entre português e inglês nessa área da gramática ser grande demais? Quiçá poderíamos ter mais sorte olhando para análises feitas para dados de outras línguas românicas? Polakof (2021)POLAKOF, A. C. The negation of cualquier NP. Isogloss: Open Journal of Romance Linguistics, Bellaterra, v. 7, p. 1–24, 2021. analisa ‘cualquier’ como um quantificador universal que envolve escolha livre (freedom of choice), como originalmente proposto por Vendler (1967)VENDLER, Z. Each and every, any and all. In: VENDLER, Z. Linguistics in Philosophy. Cornell: University Press, 1967. p. 70-96., e oferece exemplos de negação nominal para esse universal do espanhol rio-platense:

(18)No cualquier jugador puede jugar en Boca.

Not any player can play in Boca.’

Em português, teríamos de traduzir (18) por ‘Não é qualquer jogador que pode jogar no Boca’ ou por ‘Jogar no Boca não é para qualquer um’, porque não temos uma partícula nominal de negação que possa se combinar com ‘qualquer’: *‘nem qualquer’, como visto em (17b), é agramatical. O que em português só pode ser expresso com negação predicativa, sentencial, tanto em espanhol (em (18)), como na paráfrase em inglês, é uma negação nominal. Em espanhol, aparentemente, uma partícula de negação nominal, em sentenças sem negação sentencial, pode ser empregada tanto antes de ‘cualquier’ quanto de ‘todo’:

(19)Han venido no todos los dirigentes ni simpatizantes, sino solo algunos.

Not all the directives nor sympathizers have come, only some.

Agora, o exemplo (19), reproduzido de Etxepare e Uribe-Etxebarria (2011, p. 236, apudPolakof, 2021POLAKOF, A. C. The negation of cualquier NP. Isogloss: Open Journal of Romance Linguistics, Bellaterra, v. 7, p. 1–24, 2021.), este sim, teria uma versão em português com ‘nem’: ‘Nem todos os dirigentes e simpatizantes vieram, somente alguns’. Em espanhol rio-platense, os dois universais, ‘cualquier’ e ‘todo’, aceitam o que seria uma negação nominal, mas em PB apenas um deles, ‘todo’, conta com uma forma equivalente. Antes de examinarmos argumentos contra e a favor de usar essa diferença atestada para decidir ou não que ‘qualquer’ não é um universal em português, vamos trazer a análise dada aos universais do espanhol.

Apesar de ‘todo’ e ‘cualquier’ não se distinguirem quanto à combinação com ‘no’ ‘nem’, como vemos em (18) e (19), os linguistas que examinaram a interação entre a semântica do quantificador universal e da partícula de negação em espanhol concluíram que mesmo nesses exemplos trata-se de uma negação externa, não havendo um constituinte nominal formado pela negação operando diretamente sobre o quantificador. Mesmo se apresentando como uma sequência NEG+QP, como vimos em (19), ‘no todo’ aceita contextos de polaridade negativa que verdadeiros constituintes negativos formados por quantificadores nominais, como ‘no pocos’ (NEG+ poucos), não licenciam. Etxepare e Uribe-Etxebarria (2018)ETXEPARE, R.; URIBE-ETXEBARRIA, M. Context-sensitive aspects of constituent negation. In: MARTIN, R.; GALLEGO, A. J. (org.) Language, syntax, and the natural sciences. Cambridge: Cambridge University Press, 2018. p. 77–98. examinaram os seguintes dados:

(20)*Han venido no pocos dirigentes ni simpatizantes.

*‘Vieram nem poucos dirigentes nem simpatizantes’

Outro argumento dado pelos autores (apudPolakof, 2021POLAKOF, A. C. The negation of cualquier NP. Isogloss: Open Journal of Romance Linguistics, Bellaterra, v. 7, p. 1–24, 2021.) é a interação entre preposições marcadoras de caso e NEG+QP:

(21)a A s lhes agrada o vinho.

(22)a *A no todos les gusta el vino.

*A NEG todos lhes agrada o vinho.

b. No a todos les gusta el vino

* NEG a todos lhes agrada o vinho6 6 Ao leitor pode ter ocorrido que em português ambas as formas seriam gramaticais: ‘A nem todos o vinho agrada’/ ‘Não (é) a todos (que) o vinho agrada’, mas por comparação direta seria precipitado concluir alguma coisa sobre os universais, considerando que a preposição em anteposição ao complemento em português não tem o mesmo estatuto gramatical da preposição marcadora de caso do espanhol. Além disso, o estatuto de *?‘Nem a todos o vinho agrada’ é de gramaticalidade degradada. .

O fato de a preposição marcadora de caso não poder aparecer em posição mais alta é visto como indicativo de que a negação tem escopo sobre o universal em (22), em lugar de formar um constituinte com ele. Outro argumento apresentado para sustentar a análise de ‘no’ em (22) como negação externa é o fato de que essa negação precedendo o universal pode vir em sentenças coordenadas com um outro quantificador:

(23)No [IP a todo el mundo le gusta el vino] o [IP a cualquiera — el café].

A nem todo mundo agrada o vinho, nem a qualquer um, o café.

Por fim, para sustentar o argumento de que NEG+∀ não forma um constituinte sintático, é apontado o fato de que ele não suporta elipse oracional:

(24)a. Ha ido donde no todos *(han ido).

??Foi aonde não todos foram.

Retomando os testes empregados por Etxepare e Uribe-Etxebarria (2018)ETXEPARE, R.; URIBE-ETXEBARRIA, M. Context-sensitive aspects of constituent negation. In: MARTIN, R.; GALLEGO, A. J. (org.) Language, syntax, and the natural sciences. Cambridge: Cambridge University Press, 2018. p. 77–98. para concluir que ‘no todos’ ( ¬∀) não é um constituinte sintático em espanhol, mas uma negação sintática, Polakof (2021)POLAKOF, A. C. The negation of cualquier NP. Isogloss: Open Journal of Romance Linguistics, Bellaterra, v. 7, p. 1–24, 2021. pesquisa o estatuto de ‘cualquier’, indo ainda além, ao examinar criteriosamente a interação entre a negação e o universal tanto em posição de sujeito de sentenças genéricas quanto em posição de complemento em sentenças episódicas, além de em sentenças com modais. Dado o nível de complexidade da argumentação, remetemos o leitor interessado ao artigo citado. O importante é que ali, com respaldo em dados, analisa-se ‘cualquier’ como um operador de livre escolha (um Free Choice Item que pode se associar com ∀ ou com ∃) e um universal indeterminado, que não pode coocorrer com negação, muito embora em posições não-argumentais a sequência ‘no cualquier’ configure um legítimo caso de negação de constituinte.

Não obstante haver debate sobre o estatuto de ¬∀ em espanhol rio-platense, vimos que a literatura converge em reconhecer a existência de (alguma) negação de constituintes com quantificadores em espanhol. Por mais que o fato de ambas serem línguas românicas prometesse alguma possibilidade de aplicar as análises do espanhol ao português, verificamos que as dissemelhanças nessa área da gramática não autorizam esse passo. Para o espanhol, as formas de negação de constituintes com quantificadores aceitas pelos linguistas começam por ‘no’, forma homônima da negação sentencial (Nocualquier jugador puede jugar en Boca/Ronaldonopuede jugar en Boca). O espanhol também conta com a partícula ‘ni’, descendente de ‘nec’, do latim (Es importante mencionar que no todo videojuego puede ser considerado un E-Sportnitodo jugador puede ser considerado un “ciberatleta”7 7 Disponível em: https://www.docsity.com/es/revision-sistmeatica-psicologia-del-deporte/9334951/. Acesso em: 13 dez. 2023. ). Por outro lado, o português, diferentemente do espanhol e do inglês, não conta com a possibilidade de preceder seus quantificadores por uma forma homônima à da negação sentencial ‘não’, como exemplificado em (16c).

Concluímos que não existe negação de constituintes com quantificadores em língua portuguesa. A impressão de que ‘nem todos’ corresponde a um constituinte sintático, independentemente da análise adotada para o ‘not all’(inglês) ou para o ‘no todos’ (espanhol), é ilusória. Um dos impedimentos para que ‘nem todos’ seja analisado como uma negação nominal, um constituinte sintático, é o fato de estar restrito à região fronteiriça da sentença:

(25)a Nem todos os meus filhos comeram as verduras.

b Os meus filhos (não) comeram todas as verduras.

c *Os meus filhos (não) comeram nem todas as verduras.

Que a negação do quantificador universal ‘todo’ só ocorre em posição inicial de frase ou oração já havia sido observado pela Gramática do Português, da Fundação Calouste Gulbenkian, como já tínhamos dito; nela, observa-se ainda que...

[Um] constituinte de negação de universalidade com nem [nem todos, nem sempre] só pode surgir em posição não-inicial numa oração se outro constituinte for topicalizado, como em “o livro, nem todos os estudantes o tinham lido” (no caso, o constituinte inicial “o livro” está deslocado para a posição inicial). (Peres, 2013PERES, J. A. Negação. In: PAIVA RAPOSO, E. et al. (org.). Gramática do Português. Lisboa: Gulbenkian, 2013. v. I. p. 461-498., v. I, p. 482).

Entretanto, não é fornecida nessa obra uma explicação para essa restrição. Por que isso ocorreria?

Temos uma explicação a oferecer. Nossa posição é a que ‘qualquer’ e ‘todo’ são universais em português, embora sejam atestadas ocorrências de ‘nem todo’, mas não sejam atestadas ocorrências de *‘nem qualquer’. ‘Nem’ não é um formante de constituintes nominais quantificados restrito a universais, pois ‘nem’ não forma um constituinte sintático com ‘todo’. ‘Nem’ é uma partícula discursiva estruturante (Gianollo, 2020GIANOLLO, C. Grammaticalization parameters and the retrieval of alternatives: Latin nec from discourse connector to uninterpretable feature. In: GERGEL, R.; WATKINS, J. (ed.). Quantification and scales in change. Berlin: Language Science Press, 2020. p. 33–65.), função que só sobreviveu em português diante de quantificadores universais, os quais não permitem a leitura de partícula de foco escalar.

Embora ‘qualquer’ também seja um quantificador nominal universal, é um indefinido FCI (Free Choice Item, item de livre escolha), que expande o domínio em alternativas, cada uma contendo um elemento do domínio e situada em um mundo possível diferente. A formação da escala pragmática requer que o elemento de base seja um sintagma nominal específico, como ‘João’, o que, em ‘Nem mesmo João faltou hoje’, leva à leitura de que as alternativas das quais o falante tem maior expectativa de que viessem também não faltaram. Não é possível dizer *‘Nem qualquer aluno faltou’ porque ‘qualquer aluno’ não tem leitura específica. Também para a leitura de partícula discursiva estruturante, ‘nem’ requer uma denotação definida. Como já dissemos, ‘nem todo’ não admite alternativas mais fortes porque denota uma quantidade máxima, específica. Por isso ‘nem todo’ resiste na função I: não serve para a III. Já ‘qualquer’, embora universal, não pode ter leitura específica, tendo um componente epistêmico ou de não-identificação do referente, que é parte da sua indefinitude. Por isso, ‘qualquer’ não apresenta a pressuposição de maximalidade, da qual a função I de ‘nem’ depende no português moderno. Além disso, embora operadores de livre escolha (Free Choice Itens) como ‘qualquer’ sejam universais (Dayal, 2004DAYAL, V. The universal force of free choice. Linguistic variation yearbook, Amsterdam, v. 4, n. 1, p. 5–40, 2004.; Szabolcsi, 2019SZABOLCSI, A. Unconditionals and free choice unified. Semantics and linguistic theory, Washington, p. 320–340, 2019.; Oliveira, 2005OLIVEIRA, R. P. de. Qualquer e o conceito de livre-escolha. DELTA: Documentação de Estudos em Linguística Teórica e Aplicada, São Paulo, v. 21, p. 251–277, 2005.), em português brasileiro esse operador também opera como um item de polaridade negativa (IPN), como em “João não comprou qualquer jornal”, que pode receber duas interpretações: (i) “João não comprou nenhum jornal” e (ii) “João comprou um jornal, mas não o de sua preferência” (Oliveira, 2005OLIVEIRA, R. P. de. Qualquer e o conceito de livre-escolha. DELTA: Documentação de Estudos em Linguística Teórica e Aplicada, São Paulo, v. 21, p. 251–277, 2005.). Em espanhol, por exemplo, em que há ‘ni todo’ e ‘ni cualquiera’, ‘cualquier’ é exclusivamente um universal de livre escolha, não operando como um IPN.

Nesta seção, defendemos ser um erro analisar ‘nem todo’ como um constituinte sintático nominal negativo e explicamos por que não temos ‘nem qualquer’. ‘Nem’ não é uma partícula que forma negações nominais com universais em geral, mas sim uma partícula estruturante do discurso, que introduz a sentença correspondente a uma unidade informacional nova, a qual une a uma unidade informacional mais velha, contextual; essa informação nova repara a pressuposição de maximalidade disparada por ‘todo’ e assumida pelo falante como sendo a unidade de informação velha, presente no fundo conversacional. Na próxima seção, apresentaremos em detalhes nossa proposta de análise para ‘nem todo’.

‘Nem’ em ‘nem todo’ como partícula estruturante do discurso

O processo de gramaticalização (functional enrichment) sofrido por ‘nec’ apresentou diacronicamente um percurso único, bem delineado, segundo Gianollo (2020)GIANOLLO, C. Grammaticalization parameters and the retrieval of alternatives: Latin nec from discourse connector to uninterpretable feature. In: GERGEL, R.; WATKINS, J. (ed.). Quantification and scales in change. Berlin: Language Science Press, 2020. p. 33–65.. Por um lado, o mecanismo que governava a recuperação das alternativas associadas ao operador original (do latim) evoluiu para uma interpretação escalar (o que constitui um processo de enriquecimento pragmático), como é próprio de partículas aditivas; a autora assinala que o desaparecimento do competidor “ne...quidem” acelerou esse processo. Por outro lado, diz ela, o aumento em ligações e a diminuição da variabilidade sintagmática ao longo do tempo estão em correlação direta com uma mudança na forma das alternativas, que passam de unidades discursivas a indivíduos ordenados numa escala. A pesquisadora vê na passagem do tempo um padrão: o declínio ou a perda da dependência discursiva. Essa tendência geral é palpável nos dados do português de hoje: a função II é plenamente produtiva (‘Melatonina não é remédio para dormir nem suplemento’) e, na enorme maioria das vezes em que vemos uma única aparição da partícula na sentença (‘Hoje nem enfrentei fila’), mesmo antes de um sintagma nominal, temos a função III (‘Hoje, nem turista vem mais [ao Pantanal], porque não tem peixe’). Entretanto, como já dito, ‘nem todo’ não pode nomear um indivíduo participante de uma escala pragmática, pois simplesmente não denota um indivíduo entre outros no mesmo domínio. Propomos que, por isso, ‘nem todo’ tenha se tornado um dos poucos redutos de resistência da função I de ‘nec’ em português moderno (‘Nem todos os heróis usam capas’).

Para sustentarmos a nossa proposta de que ‘nem todo’ seja um resquício no PB da função de ‘nec’ estruturante do discurso, convém afastarmos a possibilidade de que se trate de algo recente. Para Gianollo, a função I encontrada em ‘nec’ (latim) retrocedeu ou acabou nas línguas românicas antigas; será que, depois de um tempo sem existência, essa função em ‘nem todo’ teria ressurgido com mais força, como uma inovação moderna? Uma pesquisa no Corpus do Português gerou os seguintes resultados:

Quadro 1
– presença de ‘nem todo’ em português ao longo dos séculos

A falta de ocorrências atestadas na fase galego-portuguesa do período arcaico (nas duas primeiras colunas de contabilização de ocorrências da esquerda) não necessariamente prova que a função não existisse então, assim como a grandeza do número de ocorrências atestadas no século XX por si só não comprova um aumento real no uso de ‘nem todo’, considerando-se que o número absoluto de fontes disponíveis cresceu exponencialmente na mesma época. Quer não tenha sido documentada a continuação da função I nos séculos XII e XIII, mas existisse o uso, quer a função I tenha desaparecido completamente por algum tempo e depois retornado a partir do chamado período do português comum ou da prosa histórica, embora não tenhamos base para nos decidir por uma dessas duas opções, é inegável que, nos últimos seis séculos do português, há ininterruptamente grande pujança no emprego de ‘nem todo’. Morta essa função não está!

Gianollo (2020)GIANOLLO, C. Grammaticalization parameters and the retrieval of alternatives: Latin nec from discourse connector to uninterpretable feature. In: GERGEL, R.; WATKINS, J. (ed.). Quantification and scales in change. Berlin: Language Science Press, 2020. p. 33–65. associa uma semântica básica a ‘nec’, subsumida nas funções exercidas tanto por essa partícula quanto por seus sucedâneos, que ainda são empregados nas línguas românicas hoje. Centrando sua análise na natureza bimorfêmica dessa partícula latina (ne-c, ne-que), a autora propõe que todas as suas funções compartilham uma estrutura sintática com dois componentes: um, mais externo, correspondendo à aditividade, e outro, mais interno, correspondendo à negação. Essa é a ordem espelhada da formação morfológica da partícula latina, que traz primeiramente o morfema de negação ‘ne’ e à sua direita o ‘que’/‘c’ da conjunção aditiva, mas essa inversão de ordenação entre morfologia e sintaxe é atribuída a regras de formação fonológicas.

Como partícula estruturante do discurso, ‘nec’ introduz uma sentença completa que pertence a uma nova unidade discursiva, conectada a uma unidade discursiva prévia. As unidades discursivas conectadas podiam apresentar a mesma polaridade ou polaridade inversa em latim. No exemplo abaixo, a polaridade é inversa:

(26) [7.4] Qua qual: ABL ex re de-coisas: ABL creverat crescer: 3SG cum fama tum e reputação: ABL e opibus, poder: ABL magnamque perto: ACC amicitiam amizade: ACC sibi cum quibusdam refl: DAT com-certa: ABL regibus rei: ABL threciae Tracia: GEN Pepererat. procurar 3DG [8.1]Nequetamem a caritate e.não entretanto de amor: ABL patriae pátria: GEN potuit poder: 3SG recedere recrudescer INF

‘Tendo crescido em reputação e poder, ele (Alcebíades) buscou fazer amizade forte com certos reis da Trácia. Não obstante, ele nunca logrou abandonar o amor por sua própria terra.’ (Nep.Alc. 7.4-8.1) (Gianollo, 2020GIANOLLO, C. Grammaticalization parameters and the retrieval of alternatives: Latin nec from discourse connector to uninterpretable feature. In: GERGEL, R.; WATKINS, J. (ed.). Quantification and scales in change. Berlin: Language Science Press, 2020. p. 33–65., p. 41)

Subjaz a ‘nec’ em qualquer função uma base sintático-semântica em que uma projeção de foco cujo núcleo é ‘que’ (reduzido fonologicamente a ‘c’ em ‘nec’) e cujo complemento é a projeção máxima nucleada pelo operador de negação realizado por ‘ne’. Esta, por sua vez, toma outra projeção máxima (de categoria indeterminada) por complemento. Assumimos a análise pressuposicional adotada por Gianollo para a aditividade, em que a predicação presente no elemento focado precisa valer para pelo menos uma das alternativas (p ou q) projetadas pelo Foco, ligadas pela aditividade de ‘nec’ e presentes no contexto (C), como em (27):

(27) análise pressuposicional para partículas aditivas como ‘nec

a conteúdo assertado: nec p

b conteúdo pressuposto: ∃ q ∈ C ∧ qp

O que vemos por (27b) é que ‘nec’ ‘nem’ introduz a sentença que apresenta a proposição p, e a liga com outra proposição, q, a qual pode ser realizada por uma outra sentença anteriormente proferida no discurso, como em (26); ambas as sentenças (p e q) pertencem ao mesmo contexto, ou seja, são unidades de um mesmo discurso.

Vejamos agora como ‘todo’ se encaixa nessa ideia. Desde Barwise e Cooper (1981)BARWISE, J.; COOPER, R. Generalized quantifiers and natural language. Linguistics and philosophy, Dordrecht, v. 4, n. 2, p. 159–219, 1981. assume-se que alguns quantificadores generalizados, mas não todos, são pressuposicionais; no caso de ‘all’ ‘todo, há duas pressuposições: (i) o domínio sobre o qual ‘todo’ quantifica tem de ser populado, ou seja, não pode estar vazio; e (ii) a predicação tem de se aplicar a todos os componentes do domínio quantificado. Esta última é a pressuposição de maximalidade. Para a dinâmica contextual, uma sentença denota uma função parcial de mundos possíveis a valores de verdade. Gatilhos pressuposicionais precisam ter suas pressuposições satisfeitas nos mundos possíveis em que a verdade das sentenças de que são parte é verificada. A dinâmica contextual trata as pressuposições como filtros, que selecionam, para a denotação da sentença, apenas aqueles mundos possíveis em que as pressuposições sejam satisfeitas, descartando os demais. O valor de verdade de uma sentença contendo um gatilho pressuposicional é indefinido num mundo em que sua pressuposição não seja satisfeita. As pressuposições são parte do fundo conversacional comum aos falantes (common ground) (Stalnaker, 1973STALNAKER, R. C. Presupposition. Journal of Philosophical Logic, Dordrecht, v.2, p.77-96, 1973.), ou pano de fundo conversacional, que pode ser assim definido:

O fundo conversacional comum [...] é um conjunto de proposições que os participantes de certa conversação [...] mutuamente assumem poder tomar como algo certo [...] o common ground descreve um conjunto de mundos, o contexto formado por aqueles mundos possíveis em que todas as proposições do common ground são verdadeiras. O contexto constitui o conjunto de mundos em que, para aquilo que agora é assumido como certo, poderiam ser o mundo atual/real (Von Fintel, 2008VON FINTEL, K. What is presupposition accommodation, again? Philosophical perspectives, Hoboken, v. 22, p. 137–170, 2008., p.1).

Logo, o common ground de sentenças contendo ‘todo’ exclui os mundos em que o seu domínio de quantificação está vazio e exclui ainda os mundos em que a predicação se aplica a menos que o domínio inteiro de quantificação de ‘todo’, já que a definição do gatilho de preposição ‘todo’ acarreta que o valor de verdade da sentença que o contém fica indefinido num mundo que não o contenha. Representamos de maneira básica a pressuposição de domínio não-vazio em (28a), e a pressuposição de maximalidade na aplicação do predicado aos componentes do domínio quantificado em (28b); combinado as duas, temos em (28c) a descrição do gatilho pressuposicional ‘todo’:

(28)a. conteúdo pressuposto 1 (domínio não-vazio): ∃(x) ∧ p(x)(w) =1

b. conteúdo pressuposto 2 (maximalidade): ∀(x) →q(x)(w) =1

c.[[todo]]g = λp. λq. λx. λw: [∃(x) ∧ p(x)(w) =1] ∧ [∀(x)→q(x)(w) =1]

d. Em (28c), p está por predicado nominal, na restrição do quantificador ‘todo’, e q é o predicado sentencial na matriz desse quantificador

De acordo com (28c), uma asserção como ‘Todos os animais que nadam são peixes’ pressupõe que existam animais nadadores e que nenhum elemento do domínio dos animais nadadores esteja fora do conjunto dos peixes. Essas pressuposições compõem o fundo conversacional, tomado como crenças sobre as quais todos os participantes da conversa estão de acordo, ou seja, como proposições que todos aceitam previamente como verdadeiras nos mundos em que a asserção terá sua verdade verificada. Suponhamos ainda que ‘todo’ esteja dentro de uma posição de foco:

(29)[FOC Todos] os animais que nadam são peixes.

Foco é um fenômeno prosódico-pragmático que limita os contextos discursivos em que uma sentença pode ser usada. É tratado numa semântica de alternativas, que entende que o constituinte focalizado gera pelo menos duas alternativas distintas para o seu conteúdo (Rooth, 1992ROOTH, M. A theory of focus interpretation. Natural language semantics, Dordrecht, v. 1, n. 1, p. 75–116, 1992.). As alternativas semânticas para um constituinte como o quantificador ‘todo’ só podem dizer respeito à denotação desse quantificador. Vamos compreender (29) como um reforço das pressuposições atreladas ao quantificador ‘todo’, de modo que (29) poderia ser parafraseada como “Existem animais que nadam e absolutamente todos esses, sem exceção, são peixes”. A alternativa é negar essa paráfrase, recusando um dos conteúdos pressuposicionais, ou a pressuposição de existência ou a de maximalidade. A mais vulnerável à contestação é a da maximalidade. Por exemplo, se eu não acredito em (29), porque meu conhecimento de mundo me diz que há pelo menos um animal que nada mas não é peixe, a baleia, eu responderia assim a quem me disse (29):

(30)Nem todos os animais que nadam são peixes. A baleia nada e não é um peixe.

Nec’, no latim, era uma partícula de negação sensível ao foco (Gianollo, 2017GIANOLLO, C. Focus-sensitive negation in Latin. Catalan Journal of Linguistics, Bellaterra, v. 16, p. 51–77, 2017., 2020GIANOLLO, C. Grammaticalization parameters and the retrieval of alternatives: Latin nec from discourse connector to uninterpretable feature. In: GERGEL, R.; WATKINS, J. (ed.). Quantification and scales in change. Berlin: Language Science Press, 2020. p. 33–65.), que podia estreitar o foco de um constituinte sentencial. Adotando essa proposta para ‘nem’, o constituinte focado a que ele se combina é ‘todo’, ressaltando duas alternativas, a saber: (i) ambas as pressuposições são mantidas; (ii) não há a manutenção de ambas as pressuposições. Aplicando (27) a (28), teríamos a seguinte análise para (30):

(31)a. conteúdo assertado: nem p = Nem ([FOC Todos] os animais que nadam são peixes)

b. conteúdo pressuposto: ∃ qCqp

c. q =[[∃(x) ∧ r(x)(w) = 1] ∧ [(x) → s(x)(w) = 1]]

d. [[nem todo]] = [¬ [[∃(x) → r(x)(w) = 1] ∧ [(x)s(x)(w) = 1]] = Existem animais que nadam, mas nem todos eles são peixes.

Na sua função de partícula estruturante do discurso, defendemos, em acordo com Gianollo (2017GIANOLLO, C. Focus-sensitive negation in Latin. Catalan Journal of Linguistics, Bellaterra, v. 16, p. 51–77, 2017., 2020GIANOLLO, C. Grammaticalization parameters and the retrieval of alternatives: Latin nec from discourse connector to uninterpretable feature. In: GERGEL, R.; WATKINS, J. (ed.). Quantification and scales in change. Berlin: Language Science Press, 2020. p. 33–65.), que ‘nem’ tem o significado de e-não (∧ ¬), ligando duas unidades do discurso, uma informação velha e uma nova, negando apenas o que está assertado na segunda unidade, que traz a informação nova. Entretanto, precedendo ‘todo’, a unidade discursiva a que a proposição que contém ‘nem todo’ se vincula não é uma outra asserção, mas o conteúdo do common ground relativo às pressuposições associadas ao quantificador universal ‘todo’. Porém, não é necessário que alguém diga (29) primeiro, para que alguém diga (30). Uma sentença com ‘nem todo’ pode ser proferida ‘out of the blue’, sem que isso signifique que o seu conteúdo é discurso-inicial. O efeito de usar ‘nem’ antes de ‘todo’ (‘tudo’, ‘todas’ etc.) é a refutação parcial das pressuposições desse quantificador, ou seja, a recusa da pressuposição da maximalidade, que anteriormente à asserção de ‘nem todo’ é parte do common ground. As crenças assumidas como comuns aos participantes da conversação constituem a unidade discursiva inicial, indissociável do emprego do quantificador ‘todo’. Em outras palavras, assertar (30) pressupõe que todos os falantes têm em mente (29), mesmo quando o conteúdo de (29) não é realizado na conversa. As pressuposições evocadas por ‘todo’ são tomadas como informação velha. Temos então um foco contrastivo, em que o interlocutor é convidado pelo falante de ‘nem todo’ a efetivar uma correção em parte das crenças tomadas como comuns até ali pelos participantes da conversa. A informação nova é a de que a pressuposição de maximalidade não deve filtrar os mundos possíveis que compõem o fundo conversacional.

Trata-se de uma reparação pragmática, que é um dos tipos de acomodação de pressuposição. Quem emprega ‘nem todo’ acredita que seu interlocutor acredita que a pressuposição de maximalidade atrelada a ‘todo’ se aplica, e também acredita que seu locutor está errado quanto a isso. O uso de ‘nem todo’ instrui os participantes da conversa a corrigirem o fundo conversacional comum em consonância com isso. Ao empregar ‘nem todo’, o falante instrui os participantes da conversa a admitirem no fundo conversacional comum mundos em que a predicação se aplique a menos que a totalidade dos componentes do domínio nominal quantificado.

Palavras finais

Defendemos neste artigo que ‘nem’ in PB não se comporta como uma verdadeira negação de constituinte (True Constituent Negation, TCN), nem como um negador padrão de quantificadores universais. ‘Nem’ também não pode ser apropriadamente descrito como um item de Illusory Constituent Negation (ICN) padrão, à maneira de Etxepare e Uribe-Etxebarria (2018)ETXEPARE, R.; URIBE-ETXEBARRIA, M. Context-sensitive aspects of constituent negation. In: MARTIN, R.; GALLEGO, A. J. (org.) Language, syntax, and the natural sciences. Cambridge: Cambridge University Press, 2018. p. 77–98., visto que ‘nem’ não está disponível para todos os quantificadores que podem ser fronteados na sentença.

Propusemos uma análise para ‘nem’ em aparente constituência com ‘todo’ ou com ‘sempre’ alinhada com uma continuidade em português da função I descrita por Gianollo para ‘nec’ (do latim), função essa que se pensava ter sido interrompida e não ser mais atestada em línguas românicas modernas: a função de conector discursivo estruturante, como um sentido parafraseável por ‘mas não’ ou ‘além disso, não é o caso de que...’, ao início de novas unidades discursivas. Essa abertura de novas unidades discursivas é a peça-chave para se explicar porque a distribuição de ‘nem sempre’ e ‘nem todo’ está limitada ao início da sentença, ou, no máximo, à posição imediatamente posterior a um constituinte topicalizado.

Adotamos a semântica proposta por Gianollo para a base de ‘nec’ (latim), comum a todas as suas funções: um complexo com duas camadas, em que um operador de aditividade (restritor de foco) domina um operador de negação. Nos usos de ‘nec’ como partícula estruturante discursiva, um caráter contrastivo está sempre presente. Expandindo a análise de Gianollo, propusemos que as sentenças iniciadas por ‘nem todo’ introduzem uma nova unidade discursiva. A posição de ‘nem’ está confinada ao início da sentença para que a nova unidade discursiva seja coordenada com uma velha unidade discursiva, a qual não está materializada em palavras, mas é parte do contexto discursivo, ou, mais exatamente, do fundo conversacional. É o conjunto de crenças assumido pelo falante como compartilhado entre os participantes da conversa. Portanto, tem um estatuto pragmático. Não obstante, o conteúdo do fundo conversacional a que a informação nova se liga é dependente de uma pressuposição semântica, disparada pelo quantificador universal ‘todo’. Desde Barwise e Cooper (1981)BARWISE, J.; COOPER, R. Generalized quantifiers and natural language. Linguistics and philosophy, Dordrecht, v. 4, n. 2, p. 159–219, 1981. se sabe que nem todos os quantificadores são pressuposicionais. Universais como ‘todo’ e ‘sempre’ pressupõem que o seu domínio tenha indivíduos, que não esteja vazio. ‘Todo’ e ‘sempre’ são quantificacionais, exigindo certas propriedades respectivamente da quantidade do domínio nominal participante da situação ou do número de repetições da situação num dado intervalo temporal. ‘Qualquer’ é qualitativo. ‘Qualquer’ (o Free Choice Item, que em BP também é um Negative Polarity Item), mesmo sendo um quantificador universal, não dispara as mesmas pressuposições que ‘todo’. Daí a inexistência de *‘nem qualquer’ em português.

‘Todo’ dispara duas pressuposições: (i) a de que seu domínio seja povoado (não-vazio); e a de maximalidade, visto que o uso de ‘todo’ deflagra a incidência da predicação sentencial sobre cada componente do domínio nominal povoado, resultando na inserção do domínio nominal inteiro como participante da situação denotada pelo predicador. À maneira da Teoria Dinâmica, essas pressuposições agem como filtros, reduzindo o número de mundos possíveis que tornam a proposição verdadeira. O falante, ao identificar ambas as pressuposições como prévias à verificação da verdade da proposição, eliminaria dos mundos possíveis selecionados todos aqueles em que a predicação sentencial atingisse menos que o conjunto inteiro dos componentes do domínio nominal quantificado por ‘todo’. Ao usar ‘nem’ antes de ‘todo’, o falante traz uma nova instrução, que diz que o(s) seu(s) interlocutor(es) deve(m) reconfigurar suas crenças formadoras do fundo conversacional, descartando a pressuposição de maximalidade, de modo a admitir(em), para a verificação da verdade da proposição, os mundos possíveis em que a predicação se aplica a menos do que o domínio nominal completo. Trata-se de uma estratégia de reparação do fundo conversacional. A pressuposição (i), a de que o domínio nominal não está vazio, é mantida, mas o falante é instruído a “derrubar” a (ii).

A manutenção de uma das pressuposições explica por que sentenças com ‘nem todo’ não são interpretadas como ‘para todo (nominal) não é o caso que...’ (= ‘nada’/ ‘ninguém’). ‘Nem todos os alunos faltaram’, dita diante de uma sala de aulas vazia, é interpretada como alguns alunos estando ausentes e outros não, e não condiz com um cenário em que não se esperava que ninguém estivesse ali (??‘Nem todos os alunos faltaram, pois não existe nenhuma turma que use esta sala.’). Já ‘Não é verdade que todos os alunos faltaram’, dita diante de uma sala de aulas vazia, pode ser falseada com naturalidade tanto pela falta de alguns alunos quanto pela inexistência da classe (‘Não é verdade que todos os alunos faltaram, já que não há alunos que pudessem comparecer ou faltar, pois não existe nenhuma turma que use esta sala). O contraste mostra que ‘nem’, em combinação com ‘todo’, resulta na negação da maximalidade, não na negação da existência de quaisquer participantes na situação; e que a pressuposição de que o domínio nominal (‘os alunos’) não esteja vazio é mantida.

Pela conexão operada por ‘nem’ entre duas unidades discursivas, uma velha e uma nova, sentenças com ‘nem todo’ são sempre emitidas num contexto em que está dada conversacionalmente uma adesão geral à crença de que a predicação vale para todos os componentes do domínio nominal, sem exceções (crença essa subsumida na unidade velha do discurso), e a novidade, a informação nova, introduzida pela sentença expressa que contém ‘nem todo’, está na necessidade de ajustar essa crença (advinda da pressuposição de maximalidade) ao fato de que, contrariamente aos cenários em que vale a pressuposição de maximalidade, existem exceções à regra. É uma estratégia pragmática de reparação, de ajuste do fundo conversacional.

Sintaticamente, propusemos que ‘todo’ está numa posição de foco em sentenças com ‘nem todo’. O fato de estar focalizado cria alternativas. Alternativas estão na base da semântica de ‘nec’ ‘nem’ proposta por Gianollo. No caso de ‘nem todo’, haverá apenas duas alternativas lógicas: aquela em que a pressuposição de maximalidade está ativa (p.ex., na interpretação de ‘todos os alunos faltaram’) e aquela em que ela não se aplica (p.ex., tal como na interpretação de ‘nem todos os alunos faltaram’); evidentemente, o foco descarta a opção que seria naturalmente associada a ‘todo’ e leva a assumir a alternativa restante, a contrária à manutenção da pressuposição de maximalidade. Dada a semântica de ‘todo’, alternativas ordenadas da mais fraca à mais forte não são logicamente viáveis, o que inviabiliza escalas pragmáticas como aquelas percebidas quanto ‘nem’ precede um nome próprio, constituindo partícula escalar: ‘Nem João veio hoje’ (entendido como ninguém veio hoje, visto que João nunca falta, e se ele não veio, os demais alunos, que faltam em diferentes medidas, também não compareceram).

A semântica do universal ‘todo’ barrou a conversão de ‘nem’ diante dele em partícula de foco escalar, cuja leitura requer alternativas com indivíduos distintos ordenadas por algum critério. ‘Nem todo’ (e ‘nem sempre’) são redutos da função de ‘nem’ como partícula estruturante discursiva, que se conservou somente aí no PB. Diante de nomes próprios e descrições definidas, tal como defendido por Gianollo, a função I pode ter sido reinterpretada para dar lugar à III, ao longo dos séculos.

A nosso ver, está equivocado, portanto, o entendimento de que a função I de ‘nec’ ‘nem’ desapareceu completamente depois da fase do romance antigo. A função I de ‘nec’ continua plenamente ativa em português moderno.

Concluímos que o PB (e quiçá o português moderno, em geral) não conta com negação de quantificadores nem de constituintes nominais, seja ela do tipo True Constituent Negation (TCN) ou do tipo Illusory Constituent Negation (ICN), seja negação externa ou interna; a ideia de uma composição sintática, de constituência, entre ‘nem’ e ‘todo’, assumida de maneira implícita pela tradição gramatical e por materiais de apoio escolar, é uma ilusão gerada pela sua adjacência, que é na verdade produto de uma exigência de ‘nec’ ‘nem’: a de vir adjacente ao item focalizado, que lhe dá as alternativas em jogo tanto na função I quanto na III.

Agradecimentos

A Ana Clara Polakoff, com quem, durante minha visita de capacitação à Universidad de la República Uruguay, UdelaR, no Uruguai, conduzi conjuntamente a pesquisa que resultou neste artigo; e ao Programa CAPES PRINT, que, por meio do Programa de Pós-graduação em Linguística da Universidade Federal do Rio de Janeiro, me proporcionou essa oportunidade de capacitação de janeiro a março de 2023.

REFERÊNCIAS

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  • 1
    Um D-quantifier é um quantificador nominal (do tipo D, de determinante), tal como “cada” e “todo”, que podem distribuir sobre outros sintagmas nominais (‘cada criança ganhou 2 bombons’, considerando um grupo de 10 crianças, leva a definir o número total de bombons distribuídos como 20). Já um A-quantifier é um quantificador sentencial, do tipo adverbial, como “sempre” (em “sempre que vai ao médico, a criança ganha um pirulito”, entendemos que, se certa criança compareceu a 5 consultas em três meses, ela recebeu um total de 5 pirulitos nesse período).
  • 2
    Para esse autor, há correspondência de sentido entre as duas afirmações a seguir: (i)Um galo sempre canta ao amanhecer. = [QUANTIFICADOR sempre, [RESTRITOR se amanhece, [MATRIZ NUCLEAR um galo canta]]] (ii)Todo galo canta ao amanhecer. = [QUANTIFICADOR todo x, [RESTRITOR se x é galo, [MATRIZ NUCLEAR canta ao amanhecer]]]
  • 3
    Disponível em: https://sualingua.com.br/e-nem/. Acesso em: 13 dez. 2023.
  • 4
  • 5
    ‘Nem 10 meninos tomaram sorvete’ é uma sentença bem formada, mas não será discutida aqui porque esse ‘nem’ está em outra função, a III, com leitura de foco escalar. A negativa se propaga para as alternativas mais fortes, de modo que a sentença expressa a ideia de que o número de meninos que tomou sorvete fica necessariamente abaixo da quantia denotada pelo nominal que ‘nem’ precede, com a negação atingindo não só o fato de que tenham sido 10, mas também o de que tenham sido mais de dez.
  • 6
    Ao leitor pode ter ocorrido que em português ambas as formas seriam gramaticais: ‘A nem todos o vinho agrada’/ ‘Não (é) a todos (que) o vinho agrada’, mas por comparação direta seria precipitado concluir alguma coisa sobre os universais, considerando que a preposição em anteposição ao complemento em português não tem o mesmo estatuto gramatical da preposição marcadora de caso do espanhol. Além disso, o estatuto de *?‘Nem a todos o vinho agrada’ é de gramaticalidade degradada.
  • 7

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    23 Maio 2023
  • Aceito
    30 Set 2023
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