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A “LENDA” É UMA NARRATIVA: ANÁLISE DA VALORAÇÃO EM UMA ABORDAGEM SOCIOSSEMIÓTICA DE GÊNERO

RESUMO

Este estudo objetiva identificar um texto reconhecido na cultura brasileira como “lenda”, publicado em um site de apoio didático a professores, enquanto gênero. A análise é informada por uma das abordagens sociossemióticas de gênero da Linguística Sistêmico-Funcional. Foram utilizados principalmente os aportes teóricos-metodológicos de Martin e Rose (2007, 2008) e Martin e White (2005) como base. Para identificar o gênero do texto analisado, o primeiro procedimento foi a segmentação da lenda em estágios1 e fases. O segundo procedimento foi a classificação de seus recursos valorativos, com base no Sistema da VALORAÇÃO. O terceiro procedimento foi a identificação de padrões de configurações de recursos valorativos de cada estágio do gênero. Os resultados mostram padrões de configuração de recursos valorativos no texto analisado compatíveis com os padrões definidos por Martin e Rose (2008) como característicos da narrativa, no âmbito da “família” das estórias.

Sociossemiótica; Gênero; Narrativa; Análise da Valoração

ABSTRACT

Martin and Rose (2007MARTIN, J. R.; ROSE, D. Working with discourse: meaning beyond the clause. London: Continuum, 2007. 2008MARTIN, J. R.; ROSE, D. Genre relations: mapping culture. London: Equinox, 2008. Martin and White (2005)MARTIN, J. R.; WHITE, P. R. R. The language of evaluation: appraisal in English. New York: Palgrave Macmillan, 2005. Martin and Rose (2008)MARTIN, J. R.; ROSE, D. Genre relations: mapping culture. London: Equinox, 2008.

Social Semiotics; Genre; Narrative; Appraisal Analysis

Introdução

O artigo aqui apresentado é um estudo dos padrões de valoração de um texto reconhecido na cultura brasileira como “lenda”, a partir de uma abordagem sociossemiótica de gênero. Observou-se que o texto foi identificado com um rótulo que não corresponde aos termos usados na maioria das teorias de gêneros, as quais, de acordo com seu suporte teórico, o classificariam como pré-gênero, modalidade retórica ou narrativa. O texto, então, motivou o presente trabalho, cujo objetivo é identificar o gênero ao qual este texto se vincula, seus estágios e fases, bem como suas configurações de recursos valorativos.

Este texto foi publicado no site Nova Escola2 2 Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/3205/o-nascimento-do-mundo. Acesso em: 10 nov. 2022. Observou-se, ainda, que um período de dezesseis anos seria suficiente para qualquer atualização que porventura fosse feita na página, incluindo aquela da identificação do gênero do texto mencionado. Trata-se da “lenda” maori “O nascimento do mundo”, recontada por Maria de la Luz e ilustrada por Kipper. , que pertence a uma associação de mesmo nome e oferece todo tipo de suporte a professores da educação básica no Brasil, com destaque para o apoio educacional e pedagógico.

No âmbito da linguística educacional, Martin e Rose (2007MARTIN, J. R.; ROSE, D. Working with discourse: meaning beyond the clause. London: Continuum, 2007., 2008MARTIN, J. R.; ROSE, D. Genre relations: mapping culture. London: Equinox, 2008.), dentre outros, dedicaram-se a pesquisar os gêneros utilizados nas escolas australianas de ensino básico. A ideia era ensinar a leitura e escrita dos gêneros com vistas a diminuir as desigualdades sociais encontradas nas escolas. No contexto nacional, a contribuição para o estudo de gêneros também com propósitos de aplicação ao ensino nas escolas é de uma linha de pesquisadores brasileiros que adotam a tradição de análise da linguística textual de Marcuschi (2008)MARCUSCHI, A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola, 2008., dentre outros. Outra contribuição vem do estudo de gêneros acadêmicos que segue a tradição da retórica com o aporte de Swales (1990)SWALES, J. Genre analysis: English in academic and research settings. London: Cambridge University Press, 1990. e Bazerman (2011)BAZERMAN, C. Gêneros textuais, tipificação e interação. São Paulo: Cortez, 2011. e o aporte de análise do discurso de Bhatia (1993)BHATIA, V. Analyzing genre: Language use in professional settings. London: Routledge, 1993..

Ainda no contexto nacional, o aporte teórico da Linguística Sistêmico-Funcional é usado por uma produção consolidada de pesquisa. São trabalhos voltados para uma discussão teórica e metodológica de gênero, como Meurer, Bonini e Motta-Roth (2005) e Silva e Espínola (2013)SILVA, W. R.; ESPÍNOLA, E. Afinal, o que é gênero textual na linguística sistêmico-funcional? Revista da ANPOLL, São Paulo, n. 34, p. 259-307, 2013. Disponível em: https://revistadaanpoll.emnuvens.com.br/revista/article/view/672. Acesso em: 26 maio 2022.
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, dentre outros. Outra linha de pesquisa faz uso da teoria de gêneros como ferramenta de análise das narrativas (FUZER; GERHARDT, 2016FUZER, C.; GERHARDT, C. C. Etapas e fases da narrativa em O Pequeno Polegar: análise de gênero na perspectiva sistêmico-funcional. Cadernos do IL, Porto Alegre, n. 52, p. 162-181, 2016. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/cadernosdoil/article/view/ 67867. Acesso em: 26 maio 2022.
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; SILVA, 2018SILVA, E. M. Gêneros na teoria sistêmico-funcional. D.E.L.T.A., São Paulo, v. 34, n. 1, p. 305-330, 2018. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/delta/article/view/38996. Acesso em: 26 maio 2022.
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, dentre outros). Finalmente, destaca-se Vian Jr., Souza e Almeida (2010), dentre tantos outros, que se ocupa da análise da linguagem da avaliação em diferentes gêneros.

Este trabalho se justifica por apresentar uma análise de gênero de um texto rotulado como “lenda”, termo não reconhecido na descrição de gêneros da abordagem sociossemiótica de Martin e Rose (2007MARTIN, J. R.; ROSE, D. Working with discourse: meaning beyond the clause. London: Continuum, 2007., 2008MARTIN, J. R.; ROSE, D. Genre relations: mapping culture. London: Equinox, 2008.). A análise da valoração que fundamenta a referida descrição é usada aqui com o propósito de identificar o texto estudado como um dos gêneros propostos pelos referidos autores.

No artigo aqui apresentado, também se enfoca o Sistema da VALORAÇÃO, postulado em Martin e Rose (2008)MARTIN, J. R.; ROSE, D. Genre relations: mapping culture. London: Equinox, 2008. como crucial para a distinção dos gêneros da família das estórias3 3 Embora a palavra “estória” tenha caído em desuso na língua, ela foi a palavra escolhida para traduzir story para enfatizar a diferença entre estória e não história (history). entre si. Há uma série de estudos de textos com o aporte do arcabouço teórico da valoração apresentado em Martin e White (2005)MARTIN, J. R.; WHITE, P. R. R. The language of evaluation: appraisal in English. New York: Palgrave Macmillan, 2005.. Entre os trabalhos brasileiros Vian Jr., Souza, Almeida (2010) reúnem capítulos de análise dos recursos avaliativos4 4 Vian Jr., Souza e Almeida (2010) utilizam os termos “avaliatividade” e “recursos avaliativos” para os termos “valoração” e “recursos valorativos” usados neste artigo. A autora deste artigo, também tradutora, avaliou que “appraisal” é uma palavra já existente no inglês e priorizou usar como equivalente outra palavra já existente no português. Aceitou também a justificativa de Souza (2011), que propôs o termo aqui usado e, por fim, verificou que o termo traduzido em espanhol é “valoración”. em diferentes gêneros e constitui a base para uma tradição de análise de textos com o aporte teórico de Martin e White (2005)MARTIN, J. R.; WHITE, P. R. R. The language of evaluation: appraisal in English. New York: Palgrave Macmillan, 2005.. Para citar apenas dois dos inúmeros trabalhos interessados em investigar recursos de expressão de sentimentos e valores nos textos, Blauth e Magalhães (2019) e Magalhães e Praxedes Filho (2018) investigam as variações semânticas de valoração em narrativas. Os dois trabalhos referidos são destacados por enfocarem as similaridades e diferenças no uso desses recursos em estágios e fases de narrativas traduzidas do inglês para o português, o primeiro, e na escrita de audiodescrições de pinturas, o segundo. No presente artigo, ocupa-se, afinal, de encontrar semelhanças e diferenças entre os recursos valorativos do texto estudado e o padrão de recursos que caracterizam os gêneros das estórias descritos por Martin e Rose (2007MARTIN, J. R.; ROSE, D. Working with discourse: meaning beyond the clause. London: Continuum, 2007., 2008MARTIN, J. R.; ROSE, D. Genre relations: mapping culture. London: Equinox, 2008.).

De acordo com a tipologia dos gêneros descrita em Martin e Rose (2008)MARTIN, J. R.; ROSE, D. Genre relations: mapping culture. London: Equinox, 2008., a lenda “O nascimento do mundo” poderia ser entendida como um tipo de estória (“just-so-story”), nome dado geralmente a estórias de culturas autóctones. Martin e Rose (2008)MARTIN, J. R.; ROSE, D. Genre relations: mapping culture. London: Equinox, 2008., no entanto, postulam que as estórias são como uma família de gêneros amplamente difundidos e centrais em todas as culturas. Dentro dessa família de gêneros, os autores incluem o reconto, a anedota, o exemplum, a observação, a narrativa e a notícia.

A primeira pergunta que surgiu em relação ao texto referido acima foi qual seria, de acordo com a tipologia dos autores, seu gênero. Parte-se do pressuposto que um texto intitulado “O nascimento do mundo” equivale a textos cujo status de “just-so stories” é discutido em Martin e Rose (2008)MARTIN, J. R.; ROSE, D. Genre relations: mapping culture. London: Equinox, 2008., questão que será retomada mais adiante. Tomando-se esse pressuposto, as perguntas elaboradas são:

  1. Os estágios e fases do texto são compatíveis com qual gênero?

  2. Quais são os recursos interpessoais usados no desdobrar do texto em estágios e fases?

  3. Pode-se identificar padrões de configurações de recursos valorativos distintos ao longo do texto?

A análise foi realizada em três etapas que também correspondem aos objetivos de pesquisa. Primeiramente, busca-se delimitar os estágios e fases do texto e identificar a que gênero da família das estórias ele se vincula. Em segundo lugar, conforme orientado por Martin e Rose (2008)MARTIN, J. R.; ROSE, D. Genre relations: mapping culture. London: Equinox, 2008., identificam-se os recursos valorativos instanciados nos estágios e fases do texto. Na terceira etapa da análise, identifica-se se existem padrões de significados interpessoais que constituem, por sua vez, padrões de configurações linguísticas nos estágios e fases e confirma-se ou não o gênero identificado na primeira fase.

Este artigo está composto por cinco seções. Na primeira seção, apresenta-se a fundamentação teórica. Na segunda, discorre-se a respeito do texto escolhido5 5 O texto objeto de análise deste artigo é apresentado em seção independente da metodologia, uma vez que sua escolha não constituiu um procedimento metodológico. para análise. Na terceira, descrevem-se os procedimentos metodológicos usados. Na quarta, abordam-se os resultados da análise e sua discussão. Na quinta e última, apresentam-se as considerações finais, seguidas pelas referências bibliográficas.

Fundamentação teórica

Nesta seção, apresenta-se a fundamentação teórica deste artigo. Para tanto, a seção está dividida em três subseções. A primeira delas versa sobre a abordagem sociossemiótica de gênero. A segunda apresenta cada um dos gêneros da família estória e enfoca a narrativa. A terceira e última seção discorre sobre o arcabouço teórico da valoração.

Abordagem sociossemiótica de gênero

Com o objetivo de estabelecer princípios para descrever e identificar gêneros, Martin e Rose (2008)MARTIN, J. R.; ROSE, D. Genre relations: mapping culture. London: Equinox, 2008. se valeram do arcabouço teórico da Linguística Sistêmico-Funcional e do aporte de outros teóricos como Labov e Waletsky (1967) e Bernstein (1990BERNSTEIN, B. The structuring of pedagogic discourse. London: Routledge, 1990., 1996BERNSTEIN, B. Pedagogy, symbolic control and identity: theory, research, critique. London: Taylor & Francis, 1996.). Em termos metodológicos, os autores partiram da observação empírica dos muitos textos produzidos nas escolas, utilizando como suporte “um arcabouço teórico tão rico e recorre[ndo] a descrições ainda mais ricas dos recursos de produção de significado em inglês6 6 Original: “[…] such a rich theoretical framework and drew upon far richer descriptions of meaning-making resources in English […]” (MARTIN; ROSE, 2008, p. 9). ” (MARTIN; ROSE, 2008MARTIN, J. R.; ROSE, D. Genre relations: mapping culture. London: Equinox, 2008., p. 9, tradução nossa).

Martin e Rose (2008)MARTIN, J. R.; ROSE, D. Genre relations: mapping culture. London: Equinox, 2008. situam a gênese e os fundamentos da abordagem que delinearam com a finalidade de estudar os gêneros dentro do escopo da Linguística Sistêmico-Funcional, destacando que suas reflexões têm também um viés de linguística educacional, pelo fato de elas terem sido geradas a partir de necessidades do ensino de leitura e escrita de gêneros das escolas australianas. Martin e Rose (2008)MARTIN, J. R.; ROSE, D. Genre relations: mapping culture. London: Equinox, 2008. entendem o gênero como orientado para sua finalidade ou funcionalidade. Como definição operacional, os autores estabelecem que gêneros são processos sociais orientados por um objetivo e organizados em estágios e fases, já que, nas práticas sociais, costumam ser necessárias várias etapas para se alcançar objetivos. Em uma definição mais técnica, gêneros constituem-se de configurações de padrões recorrentes de significados, as quais realizam as práticas sociais de uma dada cultura. Os gêneros definem-se em comparação de uns com outros.

Para Martin e Rose (2008)MARTIN, J. R.; ROSE, D. Genre relations: mapping culture. London: Equinox, 2008., a delimitação dos estágios e fases de um gênero é baseada nos padrões de significados que o texto apresenta. Os autores retomam os sistemas da semântica do discurso, desenvolvidos em Martin (1992)MARTIN, J. R. English text: system and structure. Philadelphia; Amsterdam: John Benjamins Publishing Company, 1992. e Martin e Rose (2007)MARTIN, J. R.; ROSE, D. Working with discourse: meaning beyond the clause. London: Continuum, 2007.. A semântica do discurso é o estrato da linguagem em que se encontram as metafunções. Na metafunção interpessoal, os autores desenvolveram os sistemas da valoração e da negociação; na metafunção ideacional, os sistemas da ideação e da conjunção; e na metafunção textual, os sistemas da identificação e da periodicidade. Estágios e fases dos gêneros da família das estórias apresentam configurações recorrentes de significados interpessoais realizados por recursos do Sistema da VALORAÇÃO, os quais permitem sua delimitação ao longo do texto. Em consonância com os autores, Rothery e Stenglin (1997)ROTHERY, J.; STENGLIN, M. Entertaining and instructing: exploring experience through story. In: CHRISTIE, F.; MARTIN, J. R. (org.). Genre and institutions: social processes in the workplace and school. London: Continuum, 1997. p. 231-263. ressaltam a centralidade dos recursos linguísticos interpessoais na narrativa, gênero que este trabalho se propõe a analisar.

Um dos principais diferenciais de Martin e Rose (2007MARTIN, J. R.; ROSE, D. Working with discourse: meaning beyond the clause. London: Continuum, 2007., 2008MARTIN, J. R.; ROSE, D. Genre relations: mapping culture. London: Equinox, 2008.) entre os arcabouços teóricos no âmbito da Linguística Sistêmico-Funcional, foi situar o conceito de gênero no estrato do Contexto da Cultura, estrato para eles complementar ao estrato do Contexto da Situação, no qual se situa o registro, conforme já postulado por Halliday (1978)HALLIDAY, M. A. K. Language as social semiotics: the social interpretation of language and meaning. London: Edward Arnold, 1978.. Eles argumentam que esse modo de entender gênero permitiu uma “perspectiva integrada e multifuncional de gênero7 7 Original: “[…] an integrated multi-functional perspective on genre […]” (HALLIDAY, 1978, p. 16). ” (HALLIDAY, 1978HALLIDAY, M. A. K. Language as social semiotics: the social interpretation of language and meaning. London: Edward Arnold, 1978., p. 16, tradução nossa), perpassando todas as variáveis de registro e possibilitando sua descrição, por meio das três metafunções da língua. Estando além do registro, o gênero funciona como um padrão dos padrões das variáveis do registro, o campo (a representação da experiência interna e externa do falante, com ações e eventos), a sintonia (as pessoas envolvidas na situação de comunicação) e modo (a organização simbólica, o canal e o modo retórico da linguagem).

A próxima subseção discorre sobre as estórias como uma “família” de gêneros.

A família dos gêneros “estórias”

Martin e Rose (2008)MARTIN, J. R.; ROSE, D. Genre relations: mapping culture. London: Equinox, 2008. descrevem a família dos gêneros “estória”, nas suas diversas possíveis configurações ou variações. Eles argumentam sobre a importância dessa descrição, tendo em vista a centralidade do gênero em todas as culturas, tanto em situações formais como informais. Para eles, as estórias contribuem para manter as relações sociais nas comunidades e famílias, por meio da valoração de acontecimentos e comportamentos. Rothery e Stenglin (1997)ROTHERY, J.; STENGLIN, M. Entertaining and instructing: exploring experience through story. In: CHRISTIE, F.; MARTIN, J. R. (org.). Genre and institutions: social processes in the workplace and school. London: Continuum, 1997. p. 231-263. enfatizam a função de entretenimento das estórias, embora ressaltem também seu conteúdo e propósito ideológico.

A descrição dos tipos de estórias como gêneros, elaborada por Martin e Rose (2008)MARTIN, J. R.; ROSE, D. Genre relations: mapping culture. London: Equinox, 2008., expande trabalhos anteriores de outros escopos teóricos, especialmente os de Labov e Waletsky (1967) e de vários autores ligados à Linguística Sistêmico-Funcional (EGGINS; SLADE, 2005EGGINS, S.; SLADE, D. Analyzing casual conversation. London: Equinox, 2005.; MARTIN; PLUM, 1997MARTIN, J. R.; PLUM, G. Construing experience: some story genres. Journal of Narrative and Life History, Amsterdam v. 7, n. 1-4, p. 299-308, 1997. Disponível em: https://www.jbe-platform.com/content/journals/10.1075/jnlh.7.37con. Acesso em: 26 maio 2022.
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; PLUM, 1988PLUM, G. Text and contextual conditioning in spoken English: a genre-based approach. 1988. 2v. Tese (Doutorado em Linguística) - University of Sydney, Sydney,1988., 1998PLUM, G. Text and contextual conditioning in spoken English: A genre-based approach. Nottingham: University of Nottingham, 1998.; ROTHERY, 1990ROTHERY, J. Story writing in primary school: assessing narrative type genres. 1990. 721f. Tese (Doutorado em Linguística). University of Sydney, Sydney, 1990.; ROTHERY; STENGLIN, 1997ROTHERY, J.; STENGLIN, M. Entertaining and instructing: exploring experience through story. In: CHRISTIE, F.; MARTIN, J. R. (org.). Genre and institutions: social processes in the workplace and school. London: Continuum, 1997. p. 231-263.). Esses trabalhos vinculados à Linguística Sistêmico-Funcional, incluindo Martin e Rose (2008)MARTIN, J. R.; ROSE, D. Genre relations: mapping culture. London: Equinox, 2008., estudaram um extenso e variado corpus de estórias, desde estórias da literatura de ficção a estórias sobre o tratamento de doenças. Martin e Rose (2008)MARTIN, J. R.; ROSE, D. Genre relations: mapping culture. London: Equinox, 2008. sublinham que a abordagem sistemicista traz como vantagens o modelo estratificado da língua, que considera o texto em contexto e permite relacionar os vários tipos de significados encontrados nos estágios das estórias à função social do texto.

Martin e Rose (2008)MARTIN, J. R.; ROSE, D. Genre relations: mapping culture. London: Equinox, 2008. descrevem os vários gêneros que se constituem como estórias, ilustrando cada um com exemplos, analisados detalhadamente com relação às estruturas dos estágios e fases, bem como suas escolhas organizacionais e lexicais. Destacam especialmente em cada texto as escolhas relativas ao Sistema de valoração (SV), caracterizando cada gênero por meio dos padrões valorativos encontrados nos estágios (etapas mais estáveis e recorrentes que caracterizam os gêneros) e suas fases (etapas mais variáveis e específicas de cada texto). Os autores disponibilizam uma tipologia de cinco gêneros: reconto, anedota, exemplum, observação e narrativa, a qual postulam ser transcultural. Essa tipologia é apresentada no Quadro 1, que ilustra os estágios cruciais8 8 Martin e Rose (2008) também identificaram outros estágios opcionais, como a Orientação no início e a Coda ao final de alguns desses gêneros. de cada um e a configuração de padrões de recursos valorativos encontrados em cada um, elementos distintivos de gêneros no âmbito das estórias.

Quadro 1
Família de gênero “estórias”

Para Martin e Rose (2008)MARTIN, J. R.; ROSE, D. Genre relations: mapping culture. London: Equinox, 2008., o reconto é o registro de uma sucessão de eventos temporais aos quais é dado um significado. A anedota envolve um evento notável para o qual há uma reação qualquer como resposta. O exemplum compreende um ou mais incidentes que geram uma interpretação. A observação abrange a descrição de um evento significativo, seguido de um comentário pessoal apreciando algum aspecto desse evento. Finalmente, a narrativa tem um padrão genérico que envolve a resolução de uma complicação9 9 Para uma abordagem mais abrangente dos demais gêneros, ver Silva (2018), entre outros. .

Rothery e Stenglin (1997)ROTHERY, J.; STENGLIN, M. Entertaining and instructing: exploring experience through story. In: CHRISTIE, F.; MARTIN, J. R. (org.). Genre and institutions: social processes in the workplace and school. London: Continuum, 1997. p. 231-263. descrevem cada um desses gêneros, segmentando-os em estágios10 10 Os estágios são grafados com letra inicial maiúscula, enquanto as fases são grafadas normalmente em minúsculas. , conforme ilustra o Quadro 2 (em que ꓥ significa “seguido por” e o parêntese significa que o estágio é opcional).

Quadro 2
Estrutura dos gêneros da família das estórias

De acordo com Rothery e Stenglin (1997)ROTHERY, J.; STENGLIN, M. Entertaining and instructing: exploring experience through story. In: CHRISTIE, F.; MARTIN, J. R. (org.). Genre and institutions: social processes in the workplace and school. London: Continuum, 1997. p. 231-263., o Resumo constitui-se de uma avaliação interpessoal prospectiva do que vem pela frente. A Sinopse é um resumo experiencial dos eventos por vir. A Orientação estabelece o contexto para os eventos seguintes, preparando o leitor para os eventos do estágio seguinte. O Registro de eventos é caracterizado por uma sequência de eventos com sucessão temporal realizada por conjunções. A Reorientação é um fechamento dos eventos de modo circular, referindo-se ao ponto de partida da estória. O Evento notável traz um acontecimento marcante e perturbador que pode ser situado no tempo. A Reação valora os eventos a partir de uma determinada perspectiva interpessoal. O Incidente trata de um ou mais acidentes que resultam na interrupção de uma sequência de atividades. A Interpretação leva a uma compreensão dos eventos a qual lhes confere significado. A descrição de evento é autoexplicativa em seu nome, pois promove a descrição de eventos sucessivos. O Comentário destaca significados interpessoais que dão significado aos eventos. A Complicação é realizada por uma sequência de atividades que lida com uma perturbação da normalidade, constituindo um problema para um ou mais participantes. A Resolução lida com o retorno a uma estabilidade na sequência de atividades. A Coda conclui a estória e faz uma avaliação retrospectiva dos eventos. Resumo, Sinopse e Coda são considerados elementos opcionais nos gêneros.

Com relação às fases dos estágios, embora variáveis e características de cada gênero, conforme os temas neles abordados, Martin e Rose (2008)MARTIN, J. R.; ROSE, D. Genre relations: mapping culture. London: Equinox, 2008. identificaram nove fases recorrentes em seu estudo. O Quadro 3, a seguir, apresenta as fases identificadas e suas funções. Ao quadro são acrescentadas duas outras fases identificadas por Macken-Horarik (2003)MACKEN-HORARIK, M. Appraisal and the special instructiveness of narrative. Text & Talk, Berlin, v. 2, n. 23, p. 285-312, 2003. Disponível em: https://www.degruyter.com/document/doi/10.1515/text.2003.012/html. Acesso em: 26 maio 2022.
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e Tian (2011)TIAN, P. Multimodal Evaluation: sense and sensibility in Anthony Browne’s picture books. 344 p. Phd Thesis (Linguistics) – Departament of Linguistics, University of Sydney, Australia, 2011., respectivamente, ao estudar ficção e livros ilustrados, respectivamente.

Quadro 3
Resumo da definição das fases dos gêneros da família estória

Rothery e Stenglin (1997)ROTHERY, J.; STENGLIN, M. Entertaining and instructing: exploring experience through story. In: CHRISTIE, F.; MARTIN, J. R. (org.). Genre and institutions: social processes in the workplace and school. London: Continuum, 1997. p. 231-263. comparam a narrativa aos outros gêneros das estórias, explicando os traços de um em contraste com os traços dos demais. O enfoque está nos significados ideacionais e interpessoais e sua função nos estágios para o alcance das funções sociais do gênero e sua realização na lexicogramática. As autoras destacam alguns pontos para o entendimento das narrativas – dentre eles, a definição do gênero com eventos que constituem problemas e seus resultados, os quais são avaliados e seguidos por uma resolução. Com relação ao estágio de Avaliação, vale ressaltar que Macken-Horarik (2003)MACKEN-HORARIK, M. Appraisal and the special instructiveness of narrative. Text & Talk, Berlin, v. 2, n. 23, p. 285-312, 2003. Disponível em: https://www.degruyter.com/document/doi/10.1515/text.2003.012/html. Acesso em: 26 maio 2022.
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não o considera como estágio em si, observando que a avaliação perpassa a narrativa, por meio das marcas valorativas.

Os estudiosos da abordagem sociossemiótica aos gêneros aqui referidos consideram que a narrativa, embora tendo como propósito principal o entretenimento, pode veicular mensagens ideológicas. Essas mensagens ideológicas tanto podem ajudar a manter o status quo das culturas como podem subverter práticas culturais.

Na subseção seguinte, o sistema da valoração, que propicia a avaliação nos gêneros, é abordado.

Sistema da valoração11 11 Os nomes dos sistemas são grafados em versalete, sempre que se fizer referência a estes. e gêneros

Como já referido anteriormente, Martin e Rose (2008)MARTIN, J. R.; ROSE, D. Genre relations: mapping culture. London: Equinox, 2008. e Rothery e Stenglin (1997)ROTHERY, J.; STENGLIN, M. Entertaining and instructing: exploring experience through story. In: CHRISTIE, F.; MARTIN, J. R. (org.). Genre and institutions: social processes in the workplace and school. London: Continuum, 1997. p. 231-263., além de Silva (2018)SILVA, E. M. Gêneros na teoria sistêmico-funcional. D.E.L.T.A., São Paulo, v. 34, n. 1, p. 305-330, 2018. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/delta/article/view/38996. Acesso em: 26 maio 2022.
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, Fuzer e Gerhardt (2016)FUZER, C.; GERHARDT, C. C. Etapas e fases da narrativa em O Pequeno Polegar: análise de gênero na perspectiva sistêmico-funcional. Cadernos do IL, Porto Alegre, n. 52, p. 162-181, 2016. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/cadernosdoil/article/view/ 67867. Acesso em: 26 maio 2022.
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e outros, destacam o papel da metafunção interpessoal – em especial, o papel do Sistema da VALORAÇÃO – na construção dos gêneros da família estória como distintos entre si. Conforme explicam Rothery e Stenglin (1997)ROTHERY, J.; STENGLIN, M. Entertaining and instructing: exploring experience through story. In: CHRISTIE, F.; MARTIN, J. R. (org.). Genre and institutions: social processes in the workplace and school. London: Continuum, 1997. p. 231-263., para se chegar ao propósito social de um texto, deve-se examinar detalhadamente como os significados interpessoais são organizados ao longo dos textos. Os padrões funcionais de cada estágio contêm recursos semânticos cuja finalidade é tanto realizar os significados do estágio quanto contribuir para a unidade semântica do texto todo e, assim, atingir o propósito do gênero.

No âmbito dos sistemas da metafunção interpessoal, destaca-se o Sistema da valoração (SV). O Sistema da valoração é apresentado em Martin e Rose (2007)MARTIN, J. R.; ROSE, D. Working with discourse: meaning beyond the clause. London: Continuum, 2007. como parte de um arcabouço semântico-discursivo para análise do discurso. Esse sistema diz respeito aos valores atitudinais do texto, os quais compreendem os sentimentos, sejam eles afetivos, éticos ou estéticos; à origem desses sentimentos (a voz que os manifesta); à sua carga, positiva ou negativa; e ao grau desses sentimentos, seja ele alto ou baixo. Nas palavras de Martin e Rose (2007MARTIN, J. R.; ROSE, D. Working with discourse: meaning beyond the clause. London: Continuum, 2007., p. 17, tradução nossa), o SV considera “os tipos de atitudes que são negociadas no texto, a força dos sentimentos envolvidos e os modos como os valores são originados e os leitores alinhados.12 12 Original: “[…] the kinds of attitudes that are negotiated in a text, the strength of the feelings involved and the ways in which values are sourced and readers aligned.” (MARTIN; ROSE, 2007, p. 17).

A rede de sistemas da valoração13 13 Entende-se “rede de sistemas” como um “[...] grupo extensivo de opções de significado que são realizadas pelo léxico – um recurso para construir significados.” (MATTHIESSEN; TERUYA; LAM, 2010, p. 32, tradução nossa). No original: “[...] an extensive network of options in meaning that are realized lexically – a resource for making meaning.” Utiliza-se, pois, como Martin e White (2005), o termo “sistema” para todo e qualquer sistema da rede de sistemas. tem como condição de entrada o termo valoração. No primeiro nível de delicadeza, há três tipos significados de valoração: atitude (sentimentos e valores do autor ou de vozes externas, que incluem o leitor), comprometimento (origem única ou plural dos valores) e gradação (grau alto ou baixo dos valores). No segundo nível de delicadeza, os tipos de atitude são: afeto (os sentimentos são individuais e envolvem emoções relacionadas a coisas do coração, ou ao bem-estar social, ou ao contentamento ou frustração quanto ao alcance de metas), julgamento(os sentimentos são institucionalizados e avaliam o comportamento das pessoas, por questões éticas ou legais) e apreciação (os sentimentos são institucionalizados e apreciam esteticamente as coisas, pelo impacto ou qualidade, equilíbrio ou complexidade e seu valor na cultura). As atitudes também podem ter carga positiva ou negativa, além de serem ativadas de modo explícito (inscrito) ou implícito (evocado). São ativadas de modo inscrito quando realizadas por recursos lexicais que expressam explicitamente um tipo de atitude; são ativadas de modo evocado quando realizadas por recursos ou expressões metafóricas ou mesmo recursos ideacionais, estes últimos denominados de tokens de atitude, que recebem a propagação de valores interpessoais por recursos valorativos explícitos.

O sistema de comprometimento, no segundo nível de delicadeza, é ativado por meio de duas opções, a monoglossia e a heteroglossia, relacionadas ao fechamento ou à abertura do texto para outras vozes, respectivamente. Quando o enunciado é uma afirmação categórica, sem espaço para discordância, ele é monoglóssico. Se ele apresenta polifonia de vozes, é heteroglóssico, seja permitindo a manifestação de uma voz alternativa, seja restringindo o escopo dialógico dessa voz, ao negá-la ou contradizê-la. A heteroglossia pode, assim, ser ativada por expansão dialógica (manifestação de voz alternativa) ou contração dialógica (restrição do escopo dialógico da voz alternativa), de acordo com as variadas escolhas em cada um desses sistemas. Foge do escopo deste artigo a análise do comprometimento.

As opções do sistema de gradação, por sua vez, estão relacionadas a recursos lexicais ou gramaticais cuja função é aumentar ou diminuir, em uma escala, a força dos sentimentos ou focar ou desfocar determinado conceito em sua prototipicidade (foco).

A próxima seção discorre sobre o texto analisado neste trabalho.

O texto “O nascimento do mundo”

O texto escolhido, intitulado “O nascimento do mundo”, foi retirado do site Nova Escola, que compartilha produtos, serviços e conteúdos desenvolvidos, segundo a associação que o mantém, para valorizar os professores, facilitar seu dia a dia e apoiar sua carreira. Ao oferecer esse conteúdo, a Nova Escola deseja, segundo o site, melhorar “a Educação pública brasileira e possibilitar que os alunos desenvolvam o máximo do seu potencial”14 14 Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/3205/o-nascimento-do-mundo. Acesso em: 10 nov. 2022. .

O texto versa sobre um dos mitos dos povos Maori. Maori são povos indígenas da Nova Zelândia, lá chegados há mais de mil anos de sua mítica pátria polinésia15 15 Disponível em: https://www.newzealand.com/br/maori-culture/. Acesso em: 15 jan. 2021. . O passado itinerante desses povos fez com que estes “[…] adotassem uma atitude de reverência e assombro para com o mar (e talvez explique por que muitos de seus mitos contêm temas de viagem, perda e separação)”16 16 Disponível em: https://www.egali.com.br/blog/quem-sao-os-maoris/#:~:text=Os%20primeiros%20colonizadores%20maori%20chegaram,habitar%20ilhas%20como%20o%20Hava%C3%AD. Acesso em: 21 jan. 2021. .

“O nascimento do mundo” conta como os elementos que compõem o planeta Terra foram formados, segundo a mitologia Maori. A natureza terrestre como a conhecemos teria se originado de uma energia informe anterior. Os primeiros dois seres a tomar forma teriam sido o céu e a terra. O céu formaria o primeiro elemento masculino (ou pai dos demais posteriores) e a terra, o primeiro feminino (ou mãe dos posteriores). Céu e terra teriam vivido no escuro, até que seus filhos os separassem à força para deixar entrar a luz. Em seguida, cada filho teria dado sua contribuição pessoal para formar a realidade, como a criação das florestas, das águas e das estrelas.

A terceira seção, a seguir, trata dos procedimentos metodológicos usados no trabalho.

Metodologia

A metodologia usada neste trabalho está baseada nas propostas de Rothery e Stenglin (1997)ROTHERY, J.; STENGLIN, M. Entertaining and instructing: exploring experience through story. In: CHRISTIE, F.; MARTIN, J. R. (org.). Genre and institutions: social processes in the workplace and school. London: Continuum, 1997. p. 231-263. e Martin e Rose (2008)MARTIN, J. R.; ROSE, D. Genre relations: mapping culture. London: Equinox, 2008. para segmentar o texto em estágios e fases e identificar em seguida as configurações de recursos interpessoais de valoração em cada uma dessas etapas. Também segue Martin e Rose (2007)MARTIN, J. R.; ROSE, D. Working with discourse: meaning beyond the clause. London: Continuum, 2007. e Martin e White (2005)MARTIN, J. R.; WHITE, P. R. R. The language of evaluation: appraisal in English. New York: Palgrave Macmillan, 2005., no que diz respeito a identificar os recursos valorativos que configuram os padrões nos estágios e fases do texto. Trata-se de uma metodologia de análise top-down (de cima para baixo), iniciando-se pelo estrato do gênero. Considera, assim, o texto estudado como gênero, cujos estágios são reconhecidos com base no conhecimento que têm seus leitores a respeito de seu funcionamento na cultura. Ressalta-se aqui que, como o gênero, no arcabouço teórico sociossemiótico adotado, é complementar ao registro, a variável de registro sintonia é enfocada na análise de gênero proposta. Esta análise é orientada a seguir para o estrato semântico-discursivo, especificamente a metafunção interpessoal e os recursos do Sistema da valoração.

Os procedimentos metodológicos adotados com a finalidade de identificar a estrutura de gênero do texto analisado e seus padrões de configuração de recursos valorativos são listados a seguir:

  1. Delimitação dos estágios e das fases do texto;

  2. Identificação do gênero a que o texto se vincula;

  3. Identificação dos padrões de configurações de recursos valorativos do gênero.

Os estágios são anotados com letra inicial maiúscula e as fases com itálico (o propósito é destacar as fases no texto das análises). Tendo estabelecido os procedimentos metodológicos, na próxima seção se apresentam os resultados da análise e sua discussão.

Resultados e discussão

Nesta seção, apresentam-se e discutem-se os resultados da análise em três subseções. A primeira diz respeito à segmentação do texto em estágios e fases; a segunda, à identificação do gênero; e, finalmente, a terceira, aos padrões de recursos valorativos em cada estágio do gênero.

Estágios e fases de “O nascimento do mundo”

Com base nos gêneros identificados pelos autores, foi possível descartar desde o início que o texto escolhido para análise fosse uma notícia. Martin e Rose (2008)MARTIN, J. R.; ROSE, D. Genre relations: mapping culture. London: Equinox, 2008. postulam que a notícia é um gênero diferente de todos os demais por ser estruturado textualmente (text structured) e não no tempo (time structured); o que equivale a dizer, de acordo com os autores, que as notícias são caracterizadas pela organização textual e não pela sequência temporal (MARTIN; ROSE, 2008MARTIN, J. R.; ROSE, D. Genre relations: mapping culture. London: Equinox, 2008.). O texto analisado para este trabalho é caracterizado por um padrão de organização cronológica dos eventos narrados. Descartada a notícia como gênero a que o texto se vincula, o procedimento seguinte foi o de segmentação do texto em estágios e fases.

A segmentação do texto “O Nascimento do mundo” é ilustrada em (1):

(1) (Resumo) ꓥ Orientação ꓥ Complicação ꓥ Resolução (temporária) ꓥ Complicação ꓥ Resolução (temporária) ꓥ Complicação ꓥ Resolução.

Como se pode constatar, a segmentação do texto já indica que se trata de uma narrativa. Identificou-se o primeiro estágio como Resumo17 17 Destaca-se que foi referida anteriormente Rothery e Stenglin (1997) para explicar que os estágios opcionais são anotados com parênteses. , uma vez que ele estabelece um contexto interpessoal para o que se segue, função do estágio Resumo, apresentado a seguir em (2):

(2) (Resumo) E começou assim.

É questionável se (2) acima é parte do texto em si, uma vez que está situado no topo da página após o título da estória, mas antes do nome da autora e da data de publicação no site. Entretanto, como faz parte da página e pode ser lido pelo leitor ao acessá-la, a oração foi interpretada como Resumo e não Síntese, uma vez que não há foco experiencial. A função da oração parece ser predominantemente interpessoal, de interpelação do leitor (E foi assim que começou o nascimento do mundo, vejam!).

O segundo estágio identificado foi a Orientação. O excerto da estória, a seguir, serve para criar um contexto para os estágios subsequentes do gênero; ela retrata os personagens e o cenário e prepara o leitor para um evento que rompe com a normalidade do status quo no estágio seguinte, a Complicação. Este excerto está reproduzido em (3), a seguir.

(3) (Orientação) No início só havia Kore, a energia, vagando na escuridão do espaço infinito. Então, veio a luz e surgiram Ranginui, o Pai Céu, e Papatuanuku, a Mãe Terra. Rangi e Papa tiveram muitos filhos: Tangaroa, deus das águas; Tane, deus das florestas; Tawhirmatea, deus dos ventos; Tumatauenga, deus da guerra, que deu origem aos seres humanos; e Uru, que não era deus de nada. Rangi e Papa viviam num perpétuo abraço de amantes. Acontece que esse enlace apaixonado não deixava a luz penetrar entre seus corpos, onde ficavam os filhos. (LUZ, 2010).

A Orientação situa os eventos no tempo, apresenta os personagens, elementos da natureza, e o cenário, o planeta Terra. Ela tem início com a fase cenário, que apresenta um personagem, um lugar e uma atividade: “No início só havia Kore, a energia, vagando na escuridão do espaço infinito”, em uma oração iniciada com uma circunstância de tempo. A fase a seguir, eventos, iniciada por “Então”, dá início a uma sequência de eventos: “Então, veio a luz e surgiram Ranginui, o Pai Céu, e Papatuanuku, a Mãe Terra [...] amantes.” A Orientação termina com o prenúncio da ruptura que se anuncia a partir do fato de que a união dos pais é responsável por impedir que a luz irradiasse para os filhos. Essa fase constitui-se do efeito da união feliz do casal de personagens que anuncia um rompimento qualquer, criado pela contraexpectativa: “Acontece que esse enlace apaixonado não deixava a luz penetrar entre seus corpos, onde ficavam os filhos.”

O terceiro estágio é identificado como a primeira Complicação da estória, a qual mostra um problema, uma ruptura da estabilidade retratada anteriormente. A Complicação é reproduzida em (4) a seguir:

(4) (Complicação) Obrigados a viver apertados e sempre no escuro, os jovens resolveram dar um basta na situação. (LUZ, 2010LUZ, M. de la. O nascimento do mundo. Nova Escola, São Paulo, 2010. Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/3205/o-nascimento-do-mundo. Acesso em: 10 nov. 2022.
https://novaescola.org.br/conteudo/3205/...
).

A Complicação constitui uma única fase em que se mostra a reação de insatisfação dos filhos em consequência do abraço dos pais: “Obrigados a viver apertados e sempre no escuro, os jovens resolveram dar um basta na situação.”

O quarto estágio constitui uma Resolução (temporária), que, segundo Martin e Rose (2008)MARTIN, J. R.; ROSE, D. Genre relations: mapping culture. London: Equinox, 2008., tem a função de construir suspense. Esta inclui três fases. Na primeira, chega-se a uma solução introduzida por mudanças de voz, em que um dos filhos apresenta uma ideia de solução violenta à qual um outro responde com uma ideia conciliatória: separar os pais em lugar de matá-los. Na segunda, há a reação com a avaliação unânime dos filhos em relação à resolução proposta: “Todos acharam a ideia excelente”. A terceira fase apresenta um efeito, um resultado esperado, marcado por processos materiais: “Tane, que era o mais forte de todos, firmou bem os pés em Papa […]”. Este estágio é reproduzido em (5), a seguir.

(5) (Resolução temporária) Vamos matar Rangi e Papa e ficar livres deles! – disse Tumatauenga. – Não! – disse Tane. – Vamos apenas separá-los, empurrando um para cima e deixando o outro embaixo. Assim sobrará espaço para nós e a luz vai poder entrar. Todos acharam a ideia excelente. Tane, que era o mais forte de todos, firmou bem os pés em Papa, encaixou os ombros no corpo de Rangi e o empurrou para cima com toda a força. (LUZ, 2010).

O quinto estágio, identificado como Complicação, configura uma nova ruptura da usualidade, um problema para os participantes. É constituído de duas fases, a primeira constitui-se de duas orações que representam um problema em consequência da resolução temporária tomada pelos filhos. A primeira oração é intercalada pela segunda fase, um comentário intrusivo do narrador. O excerto que compõe o estágio segue em (6).

(6) (Complicação) Os pais se separaram, mas – oh, decepção! – só um pouco de luz chegou ao mundo dos filhos. Além disso, Rangi e Papa estavam nus e, longe um do outro, sentiam muito frio. (LUZ, 2010).

O sexto estágio apresenta uma nova Resolução temporária, ou retorno a uma estabilidade relativa, a qual está constituída de quatro fases. Na primeira e segunda, fases de solução, há um alívio inesperado das tensões, em que o filho Tane protege o pai (“Comovido com a situação, Tane abrigou o pai com o negro manto da noite”) e a mãe (“Para a mãe fez um vestido com as mais verdes e tenras folhas e as flores mais coloridas. Em torno dela fez ondular as águas azuis dos mares e rios de Tangaroa”), respectivamente. Segue-se às soluções uma fase de descrição, com a evocação de elementos sensoriais (“os ventos suaves soprando os cabelos”), e uma fase de efeito da solução encontrada para os filhos. O excerto da Resolução temporária está ilustrado em (7) a seguir:

(7) (Resolução temporária) Comovido com a situação, Tane abrigou o pai com o negro manto da noite. Para a mãe fez um vestido com as mais verdes e tenras folhas e as flores mais coloridas. Em torno dela fez ondular as águas azuis dos mares e rios de Tangaroa. Os ventos de Tawhirmatea sopravam suavemente seus cabelos. Os filhos de Tumatauenga já começavam a povoar o mundo recém-criado. (LUZ, 2010LUZ, M. de la. O nascimento do mundo. Nova Escola, São Paulo, 2010. Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/3205/o-nascimento-do-mundo. Acesso em: 10 nov. 2022.
https://novaescola.org.br/conteudo/3205/...
).

A seguir, identificou-se o sétimo estágio como a última Complicação com novas dificuldades para os participantes. Não era aguardado que Ranginui ficasse com inveja nem que Uru se frustrasse diante da felicidade alheia e que esses sentimentos provocassem efeitos negativos. Esse estágio, apresentado em (8) a seguir, está subdividido em várias fases.

(8) (Complicação) Olhando lá de cima os lindos trajes da mulher e sua participação no novo mundo, Ranginui ficou doente de inveja. Sua dor cobriu o mundo com uma névoa úmida e cinzenta. Refugiado em uma dobra do manto paterno, Uru chorava e chorava por não ter sido útil em nada aos pais e aos irmãos. Para que ninguém percebesse suas lágrimas, escondia-as em cestas e mais cestas. Mas Tane tudo percebera: – Uru, meu irmão, preciso de sua ajuda! – Nada tenho para dar, você bem sabe! – Ora, Uru, você tem tantas cestas… Surpreso e com medo de ser descoberto em sua fraqueza, Uru abaixou a cabeça: – Não tem nada dentro delas, irmão. (LUZ, 2010LUZ, M. de la. O nascimento do mundo. Nova Escola, São Paulo, 2010. Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/3205/o-nascimento-do-mundo. Acesso em: 10 nov. 2022.
https://novaescola.org.br/conteudo/3205/...
).

Na primeira e segunda fases, há a reação de cada um desses personagens, pois há resultados negativos com consequências comportamentais, resultados estes motivados pela inveja de um (“Olhando lá de cima os lindos trajes da mulher, Ranginui ficou doente de inveja.”) e a frustração do outro (“Refugiado em uma dobra do manto paterno, Uru chorava e chorava por não ter sido útil em nada.”). Na terceira fase, Uru encontra uma solução para esconder sua emoção, “Para que ninguém percebesse suas lágrimas, escondia-as em cestas e mais cestas.” A próxima fase mostra a reação de Tane à ação do irmão Uru, intercalada por mudanças de voz com um diálogo entre os personagens e o pedido de ajuda de Tane negado por Uru e retrucado por Tane: “ Uru, meu irmão, preciso de sua ajuda! Nada tenho para dar, você bem sabe! Ora, Uru, você tem tantas cestas…”. Na penúltima fase, tem-se uma reação de surpresa e medo de Uru, da descoberta de uma falha de caráter: “Surpreso e com medo de ser descoberto em sua fraqueza, Uru abaixou a cabeça.” A última fase encerra o estágio com uma mudança de voz, a resposta envergonhada de Uru: “– Não tem nada dentro delas, irmão.”

No oitavo e último estágio, é identificada a Resolução final das complicações, que propicia o retorno final à certa estabilidade. Reproduzido em (9) a seguir, o estágio relata que o deus Tane reverte os sentimentos negativos em ações positivas, apaziguando os conflitos.

(9) (Resolução) Tane avançou e destampou uma das cestas. Dela voaram luzes faiscantes e risonhas para todos os lados. As lágrimas de Uru haviam se transformado em crianças-luz (para nós, estrelas)! – Uru, será que você podia me ceder duas de suas cestas? Seus filhos poderiam enfeitar e iluminar a morada de nosso pai… Uru concordou. As duas cestas foram passadas para Te Waka o Tamareriti, uma canoa muito especial. Tane conduziu a canoa até o céu, espalhando sobre o manto de Rangi milhares de estrelinhas que riam e piscavam umas para as outras o tempo todo. Quando Tane ia pegar a segunda cesta, esta tombou e se abriu, deixando as estrelas se espalharem numa grande faixa chamada Ikaroa, que cruzou o céu de lado a lado (para nós, a Via Láctea). Tane deixou Ikaroa e Waka o Tamareriti (que é a ‘cauda’ da nossa constelação do Escorpião) no espaço celeste, onde se tornaram os guardiões das estrelas. (LUZ, 2010).

A Resolução final foi segmentada em oito fases. A primeira é uma solução, com a ocorrência de algo inesperado liberando a tensão causada pelas interações anteriores. Trata-se do momento em que Tane destampa as cestas de Uru e descobre que as lágrimas dele se transformaram em algo positivo, as estrelas. Inicia com a primeira oração do estágio, em “Tane avançou e destampou uma das cestas […]”, incluindo a segunda oração e parte da terceira, “As lágrimas de Uru haviam se transformado em crianças-luz […]”. A segunda fase, adicionada como um parêntese à primeira, é um comentário, ou uma intrusão do narrador para correlacionar as crianças-luz com as estrelas no céu “(para nós, estrelas)!” Nesta oração, o narrador usa o “nós” inclusivo, posicionando-se no universo dos leitores e interpelando-os.

A terceira apresenta nova mudança de voz, um diálogo entre as personagens: “– Uru, será que você podia me ceder duas de suas cestas? Seus filhos poderiam enfeitar e iluminar a morada de nosso pai […] Uru concordou.” A quarta fase identifica-se como evento, uma série de ações e acontecimentos sucessivos depois da resposta afirmativa de Uru. Esta fase tem início em: “As duas cestas foram passadas para Te Waka o Tamareriti, uma canoa muito especial […]” e vai até “milhares de estrelinhas que riam e piscavam umas para as outras o tempo todo.”

A quinta fase configura um efeito, resultado de uma das ações de Tane: “Quando Tane ia pegar a segunda cesta, esta tombou e se abriu […].” À esta fase, intercalam-se três outras, de intrusão do narrador. Este, usando o “nós” inclusivo, faz mais dois comentários, “(para nós, a Via Láctea)”, e “(que é a ‘cauda’ da nossa constelação do Escorpião)” para correlacionar elementos da estória ficcional com o mundo factual.

Na sequência, apresentam-se os resultados para a identificação do gênero do texto escolhido.

Gênero de “O nascimento do mundo”

Com base nos resultados apresentados na seção anterior, e respondendo à primeira pergunta formulada para este trabalho, pode-se sugerir que “O nascimento do mundo”, rotulado no site da Nova Escola como “lenda”, é uma narrativa, uma vez que foi possível identificar no texto todos os estágios obrigatórios para defini-lo como narrativa. São eles, na ordem: Orientação, Complicação e Resolução. Também foi identificado um excerto que antecede o texto em si e funciona como Resumo, estágio proposto na abordagem sociossemiótica de gênero como opcional nas narrativas.

O texto estudado compreende Complicações e Resoluções temporárias. A Avaliação não foi identificada como estágio na estrutura do texto analisado. Rothery e Stenglin (1997)ROTHERY, J.; STENGLIN, M. Entertaining and instructing: exploring experience through story. In: CHRISTIE, F.; MARTIN, J. R. (org.). Genre and institutions: social processes in the workplace and school. London: Continuum, 1997. p. 231-263. postulam que, nesse estágio, é geralmente explicitada a mensagem do texto e há predominância de significados interpessoais, os quais dariam sentido às perturbações da Complicação, retrospectiva e prospectivamente. Já Macken-Horarick (2003) afirma que a Avaliação não constitui um estágio, mas uma função do texto que está usualmente diluída em seu desenrolar, por meio dos recursos valorativos. Essa afirmação oferece suporte para a constatação relativa à ausência da Avaliação enquanto estágio no texto analisado.

Além dos estágios próprios da narrativa, o texto apresenta traços marcantes do gênero como o antagonismo de personagens entre si. Isso pode ser visto nos padrões de sentimentos e ações (sentimentos de Rangi e Uru, ações de Tane), os quais distinguem os papéis dos personagens no texto. Alguns deles têm a função preponderante nas ações da Complicação, enquanto outros têm a função de reação. Esses papéis são invertidos na Resolução.

Além desses traços marcantes que permitem identificar o texto como narrativa, é importante, também, reiterar que este não tem padrões ou estrutura típicos de outros gêneros. Ela não é um reconto, porque não tem estágio de Reorientação, o qual fecha o círculo da estória remetendo ao seu ponto de partida. Tampouco é uma anedota, uma vez que não há estágio de Reação emocional ao final. Para ser um exemplum, teria de abranger um ou mais Incidentes, seguidos de um estágio de Interpretação ao final, o que não é o caso. Por fim, não é uma observação, porque os estágios intermediários não proporcionam um retrato congelado dos eventos no tempo.

Estabelece-se aqui um paralelo com a interpretação que fazem Martin e Rose (2008)MARTIN, J. R.; ROSE, D. Genre relations: mapping culture. London: Equinox, 2008. das narrativas mitológicas dos povos indígenas australianos. Para os autores, as estórias tradicionais de culturas inteiramente diversas, como a grega clássica e a indígena australiana podem compartilhar vários elementos de sua organização genérica, seus campos e suas funções, para construir determinados princípios ideológicos. No entanto, apesar das semelhanças, o valor que é dado a essas estórias, de modo geral, nas culturas ocidentais contemporâneas, é muito diferente. Os autores afirmam:

Os mitos gregos são apreciados como artefatos da civilização europeia clássica, estudados por seus insights arquetípicos sobre a natureza humana, enquanto os mitos indígenas australianos são geralmente considerados como explicações infantis de fenômenos físicos – ‘lendas’. Essa atitude certamente tem suas raízes na propaganda imperial, que infantilizou os povos e culturas conquistadas pelos impérios europeus. (MARTIN; ROSE, 2008MARTIN, J. R.; ROSE, D. Genre relations: mapping culture. London: Equinox, 2008., p. 73-74, tradução nossa)18 18 Original: “Greek myths are treasured as artifacts of classical European civilisation, studied for their archetypal insights into human nature, while Indigenous Australian myths are generally regarded as childish explanations of physical phenomena – ‘just-so-stories’. This attitude certainly has its roots in imperial propaganda, that infantilised the peoples and cultures conquered by the European empires.” (MARTIN; ROSE, 2008, p. 73-74). .

Martin e Rose (2008)MARTIN, J. R.; ROSE, D. Genre relations: mapping culture. London: Equinox, 2008. também atribuem essa interpretação equivocada até certo ponto à forma como os mitos funcionam nos textos, em várias camadas de sentido. Para crianças e leigos, a camada acessível é aquela que se constrói parcialmente sobre atividades e emoções usuais das pessoas, parcialmente sobre transformações em criaturas metafísicas e parcialmente sobre a criação de elementos da paisagem. No entanto, para aqueles que conhecem esses mitos, o valor principal está nos princípios abstratos de ordem social e natural construídos nessas estórias.

Sugere-se neste artigo que os princípios abstratos de “O nascimento do mundo” estão relacionados com a importância da união de uma família patriarcal, os conflitos gerados por uma eventual separação e por uma inversão da ordem hierárquica de gênero, além de se referirem ao valor da mediação pacífica dos conflitos, orientada para o objetivo de retornar a uma união estável.

A próxima seção apresenta os resultados obtidos em relação aos padrões de configurações linguísticas valorativas dos estágios e fases do texto, o que permitirá confirmar ou não o texto como narrativa.

Padrões de configurações linguísticas de VALORAÇÃO

A Orientação tem instâncias de julgamento evocado. Todas elas são avaliações positivas do comportamento das personagens, a maioria membros do gênero masculino de uma família maori. Por exemplo, Ranginui e Papatuanuku são relacionados às funções de Pai e Mãe e à natureza física (respectivamente, Céu e Terra), o que reforça sua grandiosidade. A eles é conferida a função naturalizada dos gêneros masculino e feminino, como genitores do mundo inteiro, “Pai Céu” e “Mãe Terra” (julgamento). Esse status, também de poder, é enfatizado, no cenário, quando contam que “tiveram muitos filhos”, com gradação de força (“muitos”). Além disso, os filhos deles são todos, menos um, “deuses” (julgamento), o que os exalta socialmente. Há também avaliação negativa do único filho que não é deus, com gradação de força (“de nada”), em contraposição aos demais.

Ainda na Orientação, há várias instâncias de apreciação. As primeiras delas são recursos valorativos explícitos, portanto avaliações inscritas e negativas que incidem sobre o espaço antes da criação do mundo: “a energia, vagando na escuridão do espaço infinito”. Pode-se interpretar que há gradação de força em “infinito”, o que parece intensificar também a escuridão do universo. As próximas se encontram em “viviam num perpétuo abraço de amantes”, realizadas pelos recursos italicizados, de apreciação evocada19 19 Destaca-se que todos os recursos atitudinais evocados encontrados no texto são recursos seja metafóricos seja originalmente ideacionais; estes últimos recebem a propagação valorativa de recursos inscritos realizados no desdobrar do texto. e positiva do abraço, intensificada pela GRADAÇÃO de FORÇA em “perpétuo” e afeto inscrito positivo em “amantes”. As demais estão na fase de problema. “Apaixonado” em “esse enlace apaixonado” é uma instância de afeto positivo inscrito e “não deixava a luz penetrar”, é uma instância de apreciação evocada negativa. A apreciação se contrapõe ao afeto instanciado na mesma oração, reiterando prosodicamente a escuridão como resultado de um abraço apaixonado e perpétuo.

Na primeira Complicação, são instanciados predominantemente afeto e julgamento. Trata-se do momento em que os filhos se conscientizam do mal-estar em viver apertados sob o abraço dos pais. Na primeira fase deste estágio, o gatilho para as emoções negativas (afeto evocado) são a consciência da escuridão e do desconforto por estarem debaixo dos pais e todos juntos. Este é o excerto que instancia esses afetos: “Obrigados a viver apertados e sempre no escuro, os jovens resolveram dar um basta na situação.” Já na fase em que ocorre mudança de voz, há julgamentos evocados que incidem sobre as propostas de reação à situação – uma delas negativa, de matar os pais; e outra positiva e amenizada (gradação), de separá-los. Observam-se esses recursos valorativos no seguinte excerto: “ Vamos matar Rangi e Papa e ficar livres deles! disse Tumatauenga. Não! disse Tane. Vamos apenas separá-los, empurrando um para cima e deixando o outro embaixo”. Finalmente, há apreciação evocada positiva em “Assim sobrará espaço para nós e a luz vai poder entrar.”

Na primeira Resolução temporária, há quatro instâncias de atitude, uma de APRECIAÇÃO e três de JULGAMENTO. Todas são intensificadas por gradação de força. Nessa fase, foi encontrada uma instância de apreciação inscrita positiva da ideia de Tane (“Todos acharam a ideia excelente”). Por outro lado, na fase seguinte, de efeito, as avaliações são do comportamento (julgamento inscrito) de Tane (“era o mais forte de todos”, “firmou bem”, “empurrou para cima com toda força”) todas POSITIVAS, a primeira e a última inscritas e a outra evocada, intensificadas por gradação para mais (“o mais forte”, “firmou bem”, “toda a força”).

No comentário, intercalado no problema da segunda Complicação, há uma instância de afeto (insatisfação) inscrito negativo relativa à frustração por não atingir o efeito esperado: “Os pais se separaram, mas, oh, decepção! – só um pouco de luz chegou ao mundo dos filhos”. Na fase de problema há outra instância de apreciação evocada negativa, graduada para menos “[…] só um pouco de luz chegou ao mundo dos filhos”, que recebe o efeito prosódico de propagação da carga negativa de afeto no início do estágio, além de quebrar a expectativa que os filhos criaram a respeito de sua ação (“ um pouco de luz”). Há instâncias de afeto evocado negativo, sendo os emotivos o Pai e a Mãe e o gatilho a separação: “estavam nus e, longe um do outro, sentiam frio”.

A segunda Resolução temporária tem várias instâncias de ATITUDE. Na primeira fase, há várias instâncias de atitude positiva, três das quais intensificadas por gradação para mais. Entre essas instâncias positivas, apenas uma é de afeto inscrito, “Comovido com a situação […]”. As demais são de afeto, a maioria positivo e evocado: “[…] abrigou o pai com o negro manto da noite.”; “Para a mãe fez um vestido, com as mais verdes e tenras folhas e as flores mais coloridas.”; “Em torno dela fez ondular as águas azuis dos mares e rios de Tangaroa”. A última, “Os ventos de Tawhirmatea sopravam suavemente seus cabelos.”, é de apreciação inscrita positiva. Vários desses recursos atitudinais estão graduados para mais (“mais verdes” e “mais coloridas”), ou para menos (“tenras”, “suavemente”).

No terceiro e último estágio de Complicação, há na primeira fase instâncias de AFETO, de julgamento e de apreciação. A primeira instância é de afeto negativo inscrito (“dor”) e a segunda de afeto negativo evocado (“úmida e cinzenta”). Elas são expressas em: “Sua dor cobriu o mundo com uma névoa úmida e cinzenta.” Uma instância de apreciação inscrita positiva ocorre em: “Olhando lá de cima os lindos trajes da mulher. Esses itens valorativos são intensificados por gradação de força para mais (“cobriu o mundo”, “lindos”), para menos (“úmida”) e gradação de foco (“cinzenta”). Em “Uru chorava e chorava por não ter sido útil em nada aos pais e aos irmãos”, há duas instâncias de atitude. A primeira de afeto inscrito negativo “chorava e chorava” com gradação de força para mais realizada pela repetição do item lexical “chorava” e a segunda de julgamento inscrito negativo de Uru (“útil”) com gradação de força para menos (“em nada”).

O estágio apresenta outras instâncias de atitude. Uru se julga e o recurso instanciado é de julgamento negativo evocado (“Nada tenho”) e julga o irmão (“bem sabe”); as duas instâncias têm gradação de força para menos e para mais, respectivamente: “Nada tenho para dar, você bem sabe!” As outras instâncias atitudinais são de afeto negativo inscrito (“surpreso”, “medo”) e julgamento inscrito e evocado (“fraqueza”, “abaixou a cabeça”), ambos negativos, nessa ordem na oração: “Surpreso e com medo de ser descoberto em sua fraqueza, Uru abaixou a cabeça.” Finalmente, há uma instância de apreciação inscrita negativa em que Uru avalia as cestas com aumento na gradação (“nada”), “– Não tem nada dentro delas, irmão.”, a qual simultaneamente o representa como mentiroso, instanciando um julgamento negativo evocado.

A narrativa termina com o terceiro e último estágio de Resolução. A configuração desse estágio mostra instâncias de apreciação, julgamento e afeto, entre evocados e inscritos, todos com carga positiva. Alguns desses itens valorativos são intensificados por gradação. Por exemplo: “Dela voaram luzes faiscantes e risonhas para todos os lados.” Instanciam apreciação inscrita positiva (“faiscantes”, “risonhas”), com gradação de força para mais (“todos os lados”). Finalmente, em “As duas cestas foram passadas para Te Waka e Tamareriti, uma canoa muito especial. Tane conduziu a canoa até o céu, espalhando sobre o manto de Rangi milhares de estrelinhas que riam e piscavam umas para as outras o tempo todo”, foram identificadas uma instância de apreciação inscrita positiva (“especial”) e instâncias de afeto positivo, inscrito e evocado, respectivamente (“riam”, “piscavam”). Foram identificados, nestas duas orações, simultaneamente aos itens atitudinais, itens de gradação de força para mais (“muito”, “milhares”, “riam”, “o tempo todo”).

Para responder à terceira e última pergunta, apresenta-se no Quadro 4 a seguir um resumo das configurações de recursos valorativos de “O nascimento do mundo”.

Quadro 4
Configuração valorativa dos estágios da narrativa

A configuração valorativa da narrativa estudada mostra-se variável, com predominância de instâncias de julgamento e afeto, seguidas de instâncias de apreciação; em alguns casos intensificadas pela gradação. Este resultado confirma Martin e Rose (2008)MARTIN, J. R.; ROSE, D. Genre relations: mapping culture. London: Equinox, 2008., que apontam a tendência das narrativas de apresentar uma configuração valorativa variável. Adicionalmente, os resultados mostram que se enfatizaram as emoções das personagens (afeto) e a necessidade de valorar o comportamento destas (julgamento). Confirma-se o trabalho de Rothery e Stenglin (1997)ROTHERY, J.; STENGLIN, M. Entertaining and instructing: exploring experience through story. In: CHRISTIE, F.; MARTIN, J. R. (org.). Genre and institutions: social processes in the workplace and school. London: Continuum, 1997. p. 231-263., que apontaram como funções principais da narrativa o entretenimento e ao mesmo tempo instrução sobre as formas culturalmente aceitas ou combatidas.

Considerações finais

Este trabalho se propôs a três objetivos alinhados às perguntas de pesquisa elaboradas. Em primeiro lugar, pretendia identificar os estágios e fases do texto “O nascimento do mundo”, classificado como lenda do povo Maori no site da Nova Escola. Essa etapa da análise seguiu o caminho teórico e metodológico proposto por Martin e Rose (2008)MARTIN, J. R.; ROSE, D. Genre relations: mapping culture. London: Equinox, 2008. e Rothery e Stenglin (1997)ROTHERY, J.; STENGLIN, M. Entertaining and instructing: exploring experience through story. In: CHRISTIE, F.; MARTIN, J. R. (org.). Genre and institutions: social processes in the workplace and school. London: Continuum, 1997. p. 231-263., inserido no escopo da Linguística Sistêmico-Funcional hallidayana. Em segundo lugar, a partir da segmentação do texto em estágios, pretendia identificá-lo como um dos gêneros descritos em Martin e Rose (2008)MARTIN, J. R.; ROSE, D. Genre relations: mapping culture. London: Equinox, 2008.. Em terceiro lugar, pretendia identificar os padrões de configurações de recursos linguísticos de valoração (MARTIN; WHITE, 2005MARTIN, J. R.; WHITE, P. R. R. The language of evaluation: appraisal in English. New York: Palgrave Macmillan, 2005.) dos estágios e fases do texto e confirmar ou não o gênero identificado na segunda etapa. O aporte teórico e a metodologia demonstraram-se eficazes para o alcance dos objetivos propostos.

Como resultados, em primeiro lugar, os estágios identificados foram: (Resumo) ꓥ Orientação ꓥ Complicação ꓥ Resolução temporária ꓥ Complicação ꓥ Resolução temporária ꓥ Complicação ꓥ Resolução. Para cada estágio, delimitaram-se as fases que o compõem. Assim, em segundo lugar, identificou-se o texto como narrativa, uma vez que este é composto dos três estágios considerados fundamentais para a narrativa: Orientação, Complicação e Resolução, os quais se desdobram em fases compatíveis com aquelas descritas em Martin e Rose (2008)MARTIN, J. R.; ROSE, D. Genre relations: mapping culture. London: Equinox, 2008. e Macken-Horarik (2003)MACKEN-HORARIK, M. Appraisal and the special instructiveness of narrative. Text & Talk, Berlin, v. 2, n. 23, p. 285-312, 2003. Disponível em: https://www.degruyter.com/document/doi/10.1515/text.2003.012/html. Acesso em: 26 maio 2022.
https://www.degruyter.com/document/doi/1...
. Tais fases têm as características típicas que fazem com que a narrativa avance. O texto cumpre, pois, o propósito da narrativa enquanto estória e tem atributos típicos da narrativa, gênero que enfoca conflitos entre participantes e soluções encontradas para resolvê-los.

Em terceiro lugar, os estágios e as fases evidenciaram padrões de valoração que ajudaram a delimitá-los no que diz respeito a suas funções e suas particularidades. Destacou-se o predomínio de recursos atitudinais, especialmente julgamento e afeto (dominantes em três estágios), o que pode refletir o objetivo do texto em ensinar comportamentos culturalmente aceitos e simultaneamente expressar emoções. Recursos de apreciação prevalecem em um dos estágios, a Resolução final, conforme mostrado no Quadro 4. Entretanto, nos diversos estágios há instâncias variadas desses três recursos. Considerando-se os sete estágios, o texto apresentou posicionamentos de gradação em cinco, os quais intensificam e quantificam os termos utilizados para expressar sentimentos, sejam eles éticos, estéticos ou afetivos.

Dessa forma, o artigo contribui com uma análise que sugere que textos considerados como “lendas” de culturas autóctones constituem-se como narrativas. Contribui, ainda, ao lado dos trabalhos publicados no âmbito nacional, com a divulgação, no campo acadêmico, do uso da abordagem sociossemiótica e semântico-discursiva dos gêneros de Martin e Rose (2008)MARTIN, J. R.; ROSE, D. Genre relations: mapping culture. London: Equinox, 2008. e de Rothery e Stengling (1997)ROTHERY, J.; STENGLIN, M. Entertaining and instructing: exploring experience through story. In: CHRISTIE, F.; MARTIN, J. R. (org.). Genre and institutions: social processes in the workplace and school. London: Continuum, 1997. p. 231-263., dentre outros. Finalmente, pretende incentivar análises a identificar textos da cultura que recebem usualmente outros rótulos como gêneros conforme descritos na proposta da abordagem teórica usada.

Agradecimentos

Ao Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento (CNPq), pelo financiamento a esta pesquisa, através do projeto Pq 302123/2017-2.

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  • 1
    A maioria dos termos da abordagem sociossemiótica de linguagem usada neste artigo usa como base Vian Jr., Souza e Almeida (2010), Fuzer e Gerhart (2016), Silva (2018)SILVA, E. M. Gêneros na teoria sistêmico-funcional. D.E.L.T.A., São Paulo, v. 34, n. 1, p. 305-330, 2018. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/delta/article/view/38996. Acesso em: 26 maio 2022.
    https://revistas.pucsp.br/index.php/delt...
    , entre outros. Outros termos, como “valoração” (appraisal) e “sintonia” (tenor), estão baseados em Souza (2011)SOUZA, L. M. F. A tradução de termos de recentes desenvolvimentos da teoria sistêmico-funcional para o português brasileiro. Tradução & Comunicação: Revista Brasileira de Tradutores, São Paulo, n. 22, p. 73-90, 2011. e Figueredo (2011)FIGUEREDO, G. P. Introdução ao perfil metafuncional do português brasileiro: contribuições para os estudos multilíngues. 2011. 383f. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011., respectivamente. Outros ainda foram ressignificados, como é o caso de “estágio” (stage), “reconto” (recount) e “anedota” (anecdote).
  • 2
    Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/3205/o-nascimento-do-mundo. Acesso em: 10 nov. 2022. Observou-se, ainda, que um período de dezesseis anos seria suficiente para qualquer atualização que porventura fosse feita na página, incluindo aquela da identificação do gênero do texto mencionado. Trata-se da “lenda” maori “O nascimento do mundo”, recontada por Maria de la Luz e ilustrada por Kipper.
  • 3
    Embora a palavra “estória” tenha caído em desuso na língua, ela foi a palavra escolhida para traduzir story para enfatizar a diferença entre estória e não história (history).
  • 4
    Vian Jr., Souza e Almeida (2010) utilizam os termos “avaliatividade” e “recursos avaliativos” para os termos “valoração” e “recursos valorativos” usados neste artigo. A autora deste artigo, também tradutora, avaliou que “appraisal” é uma palavra já existente no inglês e priorizou usar como equivalente outra palavra já existente no português. Aceitou também a justificativa de Souza (2011)SOUZA, L. M. F. A tradução de termos de recentes desenvolvimentos da teoria sistêmico-funcional para o português brasileiro. Tradução & Comunicação: Revista Brasileira de Tradutores, São Paulo, n. 22, p. 73-90, 2011., que propôs o termo aqui usado e, por fim, verificou que o termo traduzido em espanhol é “valoración”.
  • 5
    O texto objeto de análise deste artigo é apresentado em seção independente da metodologia, uma vez que sua escolha não constituiu um procedimento metodológico.
  • 6
    Original: “[…] such a rich theoretical framework and drew upon far richer descriptions of meaning-making resources in English […]” (MARTIN; ROSE, 2008MARTIN, J. R.; ROSE, D. Genre relations: mapping culture. London: Equinox, 2008., p. 9).
  • 7
    Original: “[…] an integrated multi-functional perspective on genre […]” (HALLIDAY, 1978HALLIDAY, M. A. K. Language as social semiotics: the social interpretation of language and meaning. London: Edward Arnold, 1978., p. 16).
  • 8
    Martin e Rose (2008)MARTIN, J. R.; ROSE, D. Genre relations: mapping culture. London: Equinox, 2008. também identificaram outros estágios opcionais, como a Orientação no início e a Coda ao final de alguns desses gêneros.
  • 9
    Para uma abordagem mais abrangente dos demais gêneros, ver Silva (2018)SILVA, E. M. Gêneros na teoria sistêmico-funcional. D.E.L.T.A., São Paulo, v. 34, n. 1, p. 305-330, 2018. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/delta/article/view/38996. Acesso em: 26 maio 2022.
    https://revistas.pucsp.br/index.php/delt...
    , entre outros.
  • 10
    Os estágios são grafados com letra inicial maiúscula, enquanto as fases são grafadas normalmente em minúsculas.
  • 11
    Os nomes dos sistemas são grafados em versalete, sempre que se fizer referência a estes.
  • 12
    Original: “[…] the kinds of attitudes that are negotiated in a text, the strength of the feelings involved and the ways in which values are sourced and readers aligned.” (MARTIN; ROSE, 2007MARTIN, J. R.; ROSE, D. Working with discourse: meaning beyond the clause. London: Continuum, 2007., p. 17).
  • 13
    Entende-se “rede de sistemas” como um “[...] grupo extensivo de opções de significado que são realizadas pelo léxico – um recurso para construir significados.” (MATTHIESSEN; TERUYA; LAM, 2010, p. 32, tradução nossa). No original: “[...] an extensive network of options in meaning that are realized lexically – a resource for making meaning.” Utiliza-se, pois, como Martin e White (2005)MARTIN, J. R.; WHITE, P. R. R. The language of evaluation: appraisal in English. New York: Palgrave Macmillan, 2005., o termo “sistema” para todo e qualquer sistema da rede de sistemas.
  • 14
    Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/3205/o-nascimento-do-mundo. Acesso em: 10 nov. 2022.
  • 15
    Disponível em: https://www.newzealand.com/br/maori-culture/. Acesso em: 15 jan. 2021.
  • 16
  • 17
    Destaca-se que foi referida anteriormente Rothery e Stenglin (1997)ROTHERY, J.; STENGLIN, M. Entertaining and instructing: exploring experience through story. In: CHRISTIE, F.; MARTIN, J. R. (org.). Genre and institutions: social processes in the workplace and school. London: Continuum, 1997. p. 231-263. para explicar que os estágios opcionais são anotados com parênteses.
  • 18
    Original: “Greek myths are treasured as artifacts of classical European civilisation, studied for their archetypal insights into human nature, while Indigenous Australian myths are generally regarded as childish explanations of physical phenomena – ‘just-so-stories’. This attitude certainly has its roots in imperial propaganda, that infantilised the peoples and cultures conquered by the European empires.” (MARTIN; ROSE, 2008MARTIN, J. R.; ROSE, D. Genre relations: mapping culture. London: Equinox, 2008., p. 73-74).
  • 19
    Destaca-se que todos os recursos atitudinais evocados encontrados no texto são recursos seja metafóricos seja originalmente ideacionais; estes últimos recebem a propagação valorativa de recursos inscritos realizados no desdobrar do texto.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    20 Maio 2021
  • Aceito
    07 Dez 2021
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