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VOGAIS ARREDONDADAS DO FRANCÊS POR FALANTES DO PORTUGUÊS BRASILEIRO

RESUMO

O foco do presente estudo está na aquisição das vogais frontais arredondadas do francês por falantes nativos do português do Brasil (PB). Com o suporte da Teoria da Otimidade Estocástica (TO Est) e com o pressuposto de que a aquisição de uma língua estrangeira implica sobretudo a organização de uma nova gramática, este estudo objetiva, com base empírica emprestada de Alcântara (1998), descrever e formalizar a emergência das vogais /y/, /ø/, /œ/ na fonologia do francês como língua estrangeira em falantes nativos do PB, buscando-se explicações para a presença de formas em variação nesse processo. A análise via TO Est foi capaz de explicar e de formalizar a ordenação /y/ > /ø/ > /œ/ na construção do sistema vocálico do francês por aprendizes brasileiros, com uma visão de gramática sustentada na noção de traços distintivos como parte de restrições universais, por meio da conjunção das restrições de altura e de ponto dos segmentos vocálicos. Além disso, permitiu formalizar o diferente papel que o arredondamento vocálico desempenha nas gramáticas fonológicas do português e do francês.

aquisição de vogais do francês; aquisição de LE; Teoria da Otimidade Estocástica

ABSTRACT

The French vowel system differs from the Portuguese one in terms of front rounded vowels – /y/, /ø/, /œ/ – found in French phonology, whose system has ten vowels, while the Portuguese one has seven vowel segments. The focus of this study is the acquisition of French front rounded vowels by Brazilian Portuguese (BP) native speakers. With the support of the Stochastic Optimality Theory (St OT) and the assumption that a foreign language acquisition process involves mainly the organization of a new grammar, this study was based on an empirical basis taken from Alcântara (1998)ALCÂNTARA, C. O processo de aquisição das vogais frontais arredondadas do francês por falantes nativos do português . 1998. Orientadora: Carmen Lúcia Matzenauer Hernandorena. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Católica de Pelotas, Pelotas, 1998. . It aims to describe and formalize the emergence of vowels /y/, /ø/, /œ/ in the phonology of French as a foreign language acquired by BP native speakers, in the light of Markedness and Faithfulness constraints, which integrate the Optimality Theory (OT), in the different stages that characterize the learning process of the L2 vowel system.

french acquisition front rounded vowels; foreign language acquisition; Stochastic Optimality Theory

Introdução

O foco deste artigo é o processo de aquisição das vogais frontais arredondadas do francês – /y/, /ø/, /œ/ – por falantes nativos do português do Brasil (PB). Tem-se como pressuposto que a aquisição do inventário de segmentos, vocálicos ou consonantais, de uma língua estrangeira implica sobretudo a organização de uma nova gramática, embora também se reconheça o envolvimento da aprendizagem de novas formas fonéticas.1 1 No presente artigo, usam-se como equivalentes as expressões “língua estrangeira (LE)” e “Segunda Língua (L2)”. Também não é feita distinção entre as expressões “aquisição” e “aprendizagem” de uma L2. O interesse do estudo está no fato de os sistemas vocálicos do francês e do português diferirem exatamente pela presença, na fonologia do francês, dessas três vogais frontais arredondadas. Como consequência, enquanto a fonologia do português conta com sete segmentos vocálicos, a do francês é composta por dez vogais.

Pela relevância que mostra a estrutura interna dos segmentos vocálicos para a análise aqui proposta, apresentam-se em (1), no Quadro 1 , os sistemas de vogais das duas línguas, com a caracterização dos traços distintivos que as definem.2 2 Seguindo-se Clements e Hume (1995) , ao tratar-se de vogais, emprega-se o traço [Labial] como equivalente ao traço [+Arredondado], presente em Chomsky e Halle (1968) .

Quadro 1
– Sistemas Vocálicos do Português e do Francês

O exame dos sistemas expostos em (1) permite a verificação de que a presença de mais três vogais na fonologia do francês implica relações entre os segmentos vocálicos diferentes daquelas que ocorrem na fonologia do português, bem como exige a representação e o emprego de maior número de coocorrências de traços para a caracterização do sistema de dez vogais.4 4 Enquanto a vogal /i/ ([cor]), por exemplo, no português se relaciona com a vogal alta dorsal-labial /u/ e com as outras vogais coronais (não-arredondadas), a mesma vogal /i/ ([cor]) no francês se relaciona com a vogal alta dorsal-labial /u/, com as outras vogais coronais (não-arredondadas) e também com a vogal alta coronal-labial /y/.

Partindo-se da constatação de Alcântara (1998)ALCÂNTARA, C. O processo de aquisição das vogais frontais arredondadas do francês por falantes nativos do português . 1998. Orientadora: Carmen Lúcia Matzenauer Hernandorena. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Católica de Pelotas, Pelotas, 1998. de que a aquisição das vogais frontais arredondadas do francês se mostra complexa para os estudantes brasileiros e de que há um ordenamento na incorporação de tais vogais ao sistema da língua estrangeira, sendo o processo mediado pelo emprego variável de formas que correspondem a vogais não-arredondadas, o objetivo do presente estudo é descrever e formalizar, à luz dos pressupostos da Teoria da Otimidade Estocástica (TO Est), a emergência das vogais /y/, /ø/, /œ/ na fonologia do francês como língua estrangeira para falantes nativos de PB, buscando explicações em restrições de marcação e de fidelidade, que integram a TO, para a emergência de formas em variação que caracterizam o processo de aprendizagem do sistema vocálico da língua estrangeira. Dentre os estudos que já abordaram o processo de aquisição das vogais frontais arredondadas do francês como segunda língua por falantes nativos de PB verificou-se a inexistência de abordagem e de formalização com uma visão de gramática sustentada na noção de traços distintivos como parte de restrições universais e com vistas à sua formalização à luz dos pressupostos da TO Est; esta foi uma das justificativas para a proposição do estudo aqui relatado.

Fundamentação Teórica

Nesta seção, explicita-se com maior detalhe o foco do estudo e apresentam-se os pressupostos que dão base à Teoria da Otimidade Estocástica, modelo teórico escolhido para sustentar e formalizar a análise dos dados.

Base Empírica do Artigo

A base empírica do presente estudo são as três vogais frontais arredondadas do francês (/y/, /ø/, /œ/), especialmente como parte do processo de aquisição de gramática fonológica de uma língua estrangeira. Os dados são emprestados da pesquisa de Alcântara (1998)ALCÂNTARA, C. O processo de aquisição das vogais frontais arredondadas do francês por falantes nativos do português . 1998. Orientadora: Carmen Lúcia Matzenauer Hernandorena. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Católica de Pelotas, Pelotas, 1998. , cujo objetivo foi, à luz da Teoria da Marcação e de Procedimentos de Simplificação com Base em Restrições, de Calabrese (1995)CALABRESE, A. A constraint-based theory of phonological markedness and simplification procedures. Linguistic Inquiry , Cambridge, v. 26, n. 3, p. 373-463, 1995. , descrever e analisar a existência de uma ordem no processo de aquisição das vogais frontais arredondadas do francês por falantes de português, bem como a presença de diferentes procedimentos de simplificação durante a aquisição desses segmentos vocálicos. A investigação também discutiu as condições estruturais da emergência de diferentes formas fonéticas empregadas para representar as vogais do francês, sendo que controlou, como variável extralinguística, o nível de adiantamento dos aprendizes da língua estrangeira. Alcântara (1998)ALCÂNTARA, C. O processo de aquisição das vogais frontais arredondadas do francês por falantes nativos do português . 1998. Orientadora: Carmen Lúcia Matzenauer Hernandorena. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Católica de Pelotas, Pelotas, 1998. ofereceu explicações para a aquisição tardia, por falantes nativos de PB, das vogais frontais arredondadas do francês, em comparação com as vogais frontais não-arredondadas, e descreveu a ordem de sua emergência: /y/ > /ø/ > /œ/; deixou de explicitar e de formalizar, no entanto, em virtude do aparato teórico utilizado, a motivação para esse ordenamento, bem como a razão por que vogais não-arredondadas ocupam o espaço fonético-fonológico das vogais frontais arredondadas até a sua aquisição. A abordagem teórica adotada no presente estudo pode dar o suporte para uma análise que venha a preencher essa lacuna.

Alcântara (1998)ALCÂNTARA, C. O processo de aquisição das vogais frontais arredondadas do francês por falantes nativos do português . 1998. Orientadora: Carmen Lúcia Matzenauer Hernandorena. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Católica de Pelotas, Pelotas, 1998. registrou a presença, na fala dos brasileiros aprendizes de francês, de diferentes variantes para representar as três vogais frontais arredondadas: em lugar de /y/, [ju], [u] e [i], em lugar de /ø/, [ew], [e], [o] e [ɐ], em lugar de /œ/, [ø], [e], [ɔ], [o] e [ɐ]. Para o presente estudo, tomaram-se apenas as formas prevalentes, não tendo sido consideradas as variantes cuja ocorrência foi periférica. Assim, foi analisado o emprego de nove formas: para a vogal alta /y/, computaram-se [y], [u] e [i]; para a média-alta /ø/, destacaram-se [ø], [e] e [o]; para a média-baixa /œ/, examinaram-se [œ], [e] e [ɔ].

A Teoria da Otimidade Estocástica

A Teoria da Otimidade Estocástica, como um modelo de análise linguística, traz novas perspectivas a problemas não resolvidos em modelos anteriores. Dentre as vantagens que o modelo oferece, está a possibilidade de dar suporte a uma análise explanatória, indo além da mera descrição dos dados. Tal modelo é capaz de possibilitar uma análise formal, hipotetizar um conjunto de princípios gramaticais, discutir restrições de boa-formação linguística, além de permitir a incorporação de perspectivas analíticas de teorias linguísticas vigentes.

É um modelo que permite explicar, por meio de uma gramática formalizada por restrições universais, como são escolhidos os candidatos a output ótimos na produção linguística, ou seja, como a forma de input é mapeada em forma de output . É um modelo que opera, basicamente, através de três componentes universais (CON – conjunto de restrições, GEN – gerador do conjunto de candidatos a output , EVAL – avaliador dos candidatos a output ) e que apresenta características particulares que vão diferenciá-lo dos modelos anteriores. Destaca-se, inicialmente, que na TO o mapeamento entre input e output ocorre por meio de restrições universais e violáveis, as quais podem pertencer a duas famílias: Fidelidade e Marcação. Sendo a gramática de cada língua caracterizada por um ranqueamento particular dessas restrições, a aquisição de um sistema linguístico implica a aquisição do ranqueamento de restrições que o identifica.

A TO é uma teoria que diz respeito a sistemas gramaticais, determinando qual análise de um input melhor satisfaz um conjunto de condições em conflito. Para resolver tais conflitos, a gramática vai ranquear restrições em uma hierarquia de dominância estrita, em que cada restrição em uma posição alta na hierarquia terá prioridade sobre todas as restrições abaixo ranqueadas. Via comparação de pares alternativos da análise, a gramática impõe uma ordem harmônica sobre as possibilidades da análise na forma subjacente. O output escolhido é a forma mais harmônica de todas, é a forma ótima.

A diferença da Teoria da Otimidade Clássica para a Teoria da Otimidade Estocástica está no fato de, vinculada a um algoritmo chamado de Algoritmo de Aprendizagem Gradual (GLA, do inglês Gradual Learning Algorithm ), na OT Estocástica as restrições operarem com valores numéricos (pesos) e, a cada avaliação do grupo de candidatos, um ruído é temporariamente adicionado ao valor de ranqueamento de cada restrição, de modo que a gramática possa produzir outputs variáveis se o valor central de alguma restrição estiver próximo ao de outra restrição.5 5 Nos tableaux constantes deste artigo, os pesos das restrições correspondem aos valores listados na coluna denominada Ranking Value .

A variação que acontece nas línguas é não apenas uma característica do processo de aquisição, mas presença inquestionável nos sistemas linguísticos, no uso da língua por falantes adultos, resultante de fatores linguísticos e sociais. Assim, todo modelo teórico tem de ser capaz de explicar e formalizar o fenômeno da variação linguística. Se, em um modelo de representação em paralelo, as restrições forem pensadas como valores organizados em uma hierarquia, de forma a resultar em uma gramática de língua, será necessário representar essa gramática em variação. O Algoritmo de Aprendizagem Gradual (TO-GLA) ( BOERSMA; HAYES, 2001BOERSMA, P.; HAYES, B. Empirical Tests of the Gradual Learning Algorithm. Linguistic Inquiry, Cambridge, n.32, p.45-86, 2001. ) é capaz de dar conta da variabilidade, na busca da construção de uma hierarquia de restrições para a língua.

O GLA é implementado no PRAAT5 5 Nos tableaux constantes deste artigo, os pesos das restrições correspondem aos valores listados na coluna denominada Ranking Value . e cada rodada do algoritmo representa uma simulação de uso da língua, podendo implicar um novo estágio desenvolvimental no curso da aprendizagem.

Cada restrição apresentará, na verdade, dois valores numéricos: o valor que corresponde ao ponto central da faixa de valores – ‘valor central’ ou valor de ranqueamento ( ranking value ) – e o ‘valor de ponto de seleção’, que é um valor assumido dentro da faixa de valores, que corresponde ao valor exibido no momento de avaliação dos candidatos. O valor central representa o centro de uma faixa de valores, que será uma escala composta de 10 pontos. Por exemplo, se o valor central de uma restrição é 30, isso quer dizer que a faixa de valores a serem assumidos por esta restrição pode ir de 25 a 35.

O valor central da restrição não muda a cada novo momento de produção de uma mesma gramática, nas diferentes simulações ou rodadas do programa (no exemplo dado, será sempre 30), mas o valor de ponto de seleção, a cada momento de produção linguística, poderá ser qualquer valor dentro da faixa (poderá ser 25, 26, 27... 35). Aliado a esse funcionamento, a cada avaliação do grupo de candidatos, um ruído é temporariamente adicionado ao valor de ranqueamento de cada restrição, de modo que a gramática possa produzir outputs variáveis se o valor central de alguma restrição estiver próximo ao do de outra restrição. Em outras palavras, há a possibilidade de variação se o valor central de duas ou mais restrições apresentar diferença menor do que 10 pontos.

Assim, é por meio dos valores fornecidos às restrições que o GLA representa tanto outputs variáveis como categóricos. Valores centrais bem afastados (com distância superior a 10 pontos) representam o resultado categórico, pois diferentes momentos de produção linguística não causam cruzamento na faixa de valores das restrições. Porém, quando os valores centrais das restrições se apresentam com uma distância inferior a 10 pontos, há a possibilidade potencial de cruzamento da faixa de valores, o que poderia alterar o ordenamento das restrições e, consequentemente, alterar o candidato ótimo, caracterizando, então, a variação nos outputs.

Destaca-se que, ao ocorrer alteração dos valores do ponto de seleção, há maior probabilidade de que sejam assumidos valores mais próximos ao do valor central. Assim, se a faixa de valores de uma restrição vai de 0 a 10 (valor central = 5), é mais provável ocorrerem valores de ponto de seleção próximos a 5, do que próximo aos limites da faixa de valores (0 ou 10). É através desse conceito que o algoritmo consegue não só demonstrar candidatos ótimos variáveis (ex.: édit[œ]rs ~ édit[ɔ]rs ~ édit[Ɛ]rs ), como também consegue captar a diferença de probabilidade de emergência entre eles.7 7 Para captar esta concepção mais precisamente, as faixas de valores das restrições são explicadas como uma distribuição probabilística ( BOERSMA, 1997 , 1998 ; HAYES; MACEACHERN, 1998 ) – distribuição normal (curva de Gauss).

Assim, a TO Estocástica, enquanto vinculada a um algoritmo de aprendizagem, possui características relevantes para a avaliação de dados linguísticos, como a possibilidade de lidar com o caráter gradual da aquisição e a capacidade de dar conta de formas de output em variação, que trazem vantagens de análise.

Metodologia

Dados da análise

Os dados, aqui descritos e analisados sob o enfoque da TO Estocástica, conforme referência na Seção que apresenta a Base Empírica do artigo, fazem parte do corpus estudado por Alcântara (1998)ALCÂNTARA, C. O processo de aquisição das vogais frontais arredondadas do francês por falantes nativos do português . 1998. Orientadora: Carmen Lúcia Matzenauer Hernandorena. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Católica de Pelotas, Pelotas, 1998. à luz de Calabrese (1995)CALABRESE, A. A constraint-based theory of phonological markedness and simplification procedures. Linguistic Inquiry , Cambridge, v. 26, n. 3, p. 373-463, 1995. . Alcântara (1998)ALCÂNTARA, C. O processo de aquisição das vogais frontais arredondadas do francês por falantes nativos do português . 1998. Orientadora: Carmen Lúcia Matzenauer Hernandorena. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Católica de Pelotas, Pelotas, 1998. pesquisou o processo de aquisição das vogais frontais arredondadas do francês – /y/, /ø/, /œ/ –, por falantes nativos do PB, em contexto formal de aprendizagem, tendo como informantes 12 (doze) adultos, graduandos em Letras (Port./Fr.) de uma universidade do sul do Brasil. Os dados foram obtidos a partir da leitura de três textos autênticos em Língua Francesa.8 8 No estudo de Alcântara (1998) , dentre os critérios de seleção dos informantes constavam: (a) ser aluno universitário de Curso de Letras, Habilitação em Francês; (b) ser falante nativo de PB; (c) ter contato sistemático com o francês apenas em contexto formal; (d) estar adquirindo o francês com o método comunicativo “Archipel”. ( ALCÂNTARA, 1998 , p.39). Os informantes tinham idades entre 19 e 39 anos.

Para o presente estudo, foi analisado o corpus de 3 (três) informantes, que fazem parte do grupo “avançado”, segundo o nível de adiantamento no estudo da L2.9 9 Alcântara justifica a escolha dessa variável em razão de o processo de aquisição de uma língua estrangeira (LE) ser gradual e o tempo de uso da língua e de exposição a ela ser fator que contribui para o domínio, pelo aluno, do novo sistema linguístico. O nível ‘principiante’ corresponde a menos de um ano de estudo em Língua Francesa em um sistema de ensino cuja carga horária é de 8 horas/aula semanais; quanto ao nível ‘avançado’, corresponde a mais de três anos de estudo na língua-alvo. A pesquisa de Alcântara (1998) contemplava ainda dois níveis ‘intermediários’, correspondentes ao período de 1 a 2 anos e de 2 a 3 anos de estudo da LE, respectivamente. , 10 10 Embora a análise, no presente artigo, tenha o foco apenas no corpus dos alunos do nível avançado, na Tabela 1 registram-se os dados dos alunos do nível principiante somente a título de comparação. Procedeu-se a uma análise quantitativa dos dados, em valores percentuais, computando-se, conforme registro na Seção da Base Empírica do artigo, apenas as formas de uso predominante:

(a) para a vogal alta /y/ → uso das formas fonéticas [y], [u] e [i];

(b) para a vogal média-alta /ø/ → uso das formas fonéticas [ø], [e] e [o];

(c) para a vogal média-baixa /œ/ → uso das formas fonéticas [œ], [e] e [ɔ].

Os percentuais de emprego das diferentes formas na representação das vogais frontais arredondadas do francês por estudantes brasileiros, de acordo com dois níveis de adiantamento (principiante e avançado), são apresentados na Tabela 1 .

Tabela 1
– Percentuais das produções predominantes apresentadas para as vogais frontais arredondadas do francês por estudantes brasileiros de dois níveis de proficiência, segundo Alcântara (1998)ALCÂNTARA, C. O processo de aquisição das vogais frontais arredondadas do francês por falantes nativos do português . 1998. Orientadora: Carmen Lúcia Matzenauer Hernandorena. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Católica de Pelotas, Pelotas, 1998. 11

Os valores em percentuais correspondentes ao Nível Avançado foram utilizados na análise final, no presente artigo, no modelo da TO Estocástica. Vale referir que a observação dos percentuais de emprego das formas que representam as vogais frontais do francês aponta para um crescimento das formas-alvo, para as três vogais analisadas, tomando-se os resultados dos dois níveis de proficiência na LE avaliados: os estudantes de Nível Avançado mostraram desempenho mais próximo do alvo do que os do Nível Principiante.

Os percentuais de produção das vogais em consonância com o alvo, registrados na Tabela 1 , ao ser considerado o Nível Avançado, levam à verificação de uma ordem na aquisição: [y] (67,95%) > [ø] (60,98%) > [œ] (43,90%). Além disso, os percentuais presentes na Tabela 1 mostram que os estudantes do Nível Principiante, diferentemente do que ocorre no Nível Avançado, não apresentam ordem na aquisição dessas vogais: os percentuais que alcançam as produções das formas-alvo podem ser considerados equivalentes para as três vogais ([y] → 17,20%, [ø] → 20%, [œ] → 20,83%).

Tais resultados precisam ser captados, formalizados e explicados de acordo com um modelo teórico; neste artigo optou-se, conforme já foi referido, pela TO Estocástica.

Caminhos da análise

Para a análise do processo de aquisição, por estudantes brasileiros, de vogais do francês, o estudo teve de considerar três fatos: (a) o sistema vocálico da L1 (PB); (b) o sistema vocálico da LE (francês); (c) os sistemas vocálicos da interlíngua, ou seja, dos estágios de aquisição; neste estudo, toma-se, conforme já foi referido, apenas o Nível Avançado.

Para a gramática da L1 dos informantes, ou seja, a do PB, considerando-se a representação que têm os falantes nativos da língua, entendeu-se categórica a realização dos outputs de acordo com o alvo para as sete vogais da língua em sílaba tônica, atribuindo-se o percentual de 100% para o mapeamento entre as formas: [i] para /i/; [e] para /e/; [ɛ] para /ɛ/; [u] para /u/; [o] para /o/; [ɔ] para /ɔ/; [a] para /a/.

Para a gramática da LE, ou seja, a do francês, que é o alvo da aquisição, também ao se levarem em conta a fonologia e os outputs dos falantes nativos da língua, atribuiu-se o percentual de 100% para o mapeamento entre as formas fonológica e fonética das dez vogais do sistema: [i] para /i/; [e] para /e/; [ɛ] para /ɛ/; [y] para /y/; [ø] para /ø/; [œ] para /œ/; [u] para /u/; [o] para /o/; [ɔ] para /ɔ/; [a] para /a/.

Para a representação do processo de aquisição das vogais frontais arredondadas do francês, ou seja, para a representação da gramática da interlíngua definiu-se a gramática do Nível Avançado estabelecida a partir do corpus do estudo. Essa gramática foi alimentada pelos percentuais de realização das formas-alvo apresentadas pelos informantes, em consonância com os dados registrados na Tabela 1 .

As três gramáticas pertinentes para a presente investigação sobre sistemas vocálicos (a do PB, a do francês e a gramática da interlíngua, ou seja, do Nível Avançado) foram, subsequentemente, analisadas à luz dos pressupostos da TO Estocástica.

A formalização das restrições

Na Teoria da Otimidade, podem as restrições pertencer a duas famílias: Fidelidade e Marcação. Como as restrições de Fidelidade buscam a preservação do input no output , para o caso ora posto, de aquisição das vogais do francês por falantes nativos do português brasileiro, entende-se que as listadas em (2) podem representar o fragmento da gramática em questão:

(2)

(a) IDENT{ALTURA} ( McCARTHY; PRINCE, 1995McCARTHY, J.; PRINCE, A. Faithfulness and Reduplicative Identity. In: BECKMAN, J. et al (ed.). Papers in Optimality Theory. Amherst, MA: GLSA Publications, 1995. (University of Massachusetts Occasional Papers in Linguistics, 18). Disponível em: https://scholarworks.umass.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1009&context=linguist_faculty_pubs . Acesso em: 18 nov. 2020.
https://scholarworks.umass.edu/cgi/viewc...
)

(b) IDENT{PONTO} ( McCARTHY; PRINCE, 1995McCARTHY, J.; PRINCE, A. Faithfulness and Reduplicative Identity. In: BECKMAN, J. et al (ed.). Papers in Optimality Theory. Amherst, MA: GLSA Publications, 1995. (University of Massachusetts Occasional Papers in Linguistics, 18). Disponível em: https://scholarworks.umass.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1009&context=linguist_faculty_pubs . Acesso em: 18 nov. 2020.
https://scholarworks.umass.edu/cgi/viewc...
)

(c) IDENT{LABIAL} ( McCARTHY; PRINCE, 1995McCARTHY, J.; PRINCE, A. Faithfulness and Reduplicative Identity. In: BECKMAN, J. et al (ed.). Papers in Optimality Theory. Amherst, MA: GLSA Publications, 1995. (University of Massachusetts Occasional Papers in Linguistics, 18). Disponível em: https://scholarworks.umass.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1009&context=linguist_faculty_pubs . Acesso em: 18 nov. 2020.
https://scholarworks.umass.edu/cgi/viewc...
)

Considerando-se que as restrições de Marcação militam a favor de outputs não marcados, tem-se que, na aquisição de uma nova língua, a marcação representa as dificuldades do aprendiz. Assim, o jogo entre marcação e fidelidade é fundamental na representação e na formalização dos fenômenos que caracterizam esse processo. Partindo-se dos resultados obtidos por Alcântara (1998)ALCÂNTARA, C. O processo de aquisição das vogais frontais arredondadas do francês por falantes nativos do português . 1998. Orientadora: Carmen Lúcia Matzenauer Hernandorena. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Católica de Pelotas, Pelotas, 1998. com o suporte da Teoria de Marcação e de Procedimentos de Simplificação com base em Restrições, de Calabrese (1995)CALABRESE, A. A constraint-based theory of phonological markedness and simplification procedures. Linguistic Inquiry , Cambridge, v. 26, n. 3, p. 373-463, 1995. , entendeu-se ser pertinente, na presente análise com base em restrições, o uso de restrições de marcação em estringência12 12 Para a definição de estringência, segue-se Matzenauer e Miranda (2010) , que explicam ser esse um tipo de relação de subconjunto com referência a violações de restrições, sendo formalmente assim expressa, segundo McCarthy (2008 , p.65-66): “A restrição R1 é mais estringente do que a restrição R2 se toda a violação de R2 implicar também a violação de R1, sendo que algumas violações de R1 não implicam violação de R2”. (PRINCE, 1997a, 1997b), que refletissem a relação entre altura e ponto das vogais, conforme segue em (3):13 13 A relação de estringência estabelecida entre as restrições que referem a altura das vogais (3 a-d) refletem esta escala de harmonia: a f i, u f e, o f ɛ, ɔ; a relação de estringência estabelecida entre as restrições que referem o ponto das vogais (3 e-h) refletem esta escala de harmonia: a f ɛ, e, i fɔ, o, u fœ, ø, y. 14 14 A formalização das restrições pode ser dada por ranking fixo, mais comumente encontrado na literatura, ou por estringência (PRINCE 1997a, 1997b), como está sendo proposto: em relação de estringência, as restrições se encontram em escalas graduais, em que o primeiro constituinte inclui o seguinte e assim sucessivamente, em uma escala de marcação. Na presente análise, por exemplo, pode-se afirmar que há uma relação implicacional entre os traços de altura que faz com que as vogais compostas do traço /+ BAIXO/, que são menos marcadas na escala proposta, sejam violadas quando uma restrição mais marcada na hierarquia, como /+ ALTO/ ou /-ALTO, -BAIXO, +ATR/, sofrer uma violação. Por estringência, a restrição que se refere ao menos marcado sempre será mais baixa no ranking , ou seja, receberá do algoritmo os menores pesos centrais, o que é decorrência da própria formalização em estringência. Este conjunto de restrições é necessário para permitir que ocorra a distinção no processo de aquisição vocálica.

(3)

(a) *{-ALTO, -BAIXO, -ATR}

(b) *{-ALTO, -BAIXO, -ATR; -ALTO, -BAIXO, +ATR}

(c) *{-ALTO, -BAIXO, -ATR; -ALTO, -BAIXO, +ATR; +ALTO}

(d) *{-ALTO, -BAIXO, -ATR; -ALTO, -BAIXO, +ATR; +ALTO; +BAIXO}

(e)*{CORONAL/LABIAL}

(f)*{CORONAL/LABIAL; DORSAL/LABIAL}

(g)*{CORONAL/LABIAL; DORSAL/LABIAL; CORONAL}

(h)*{CORONAL/LABIAL; DORSAL/LABIAL; CORONAL; DORSAL}

Além da explicitação do comportamento das vogais da interlíngua, a contribuição relevante do estudo para o levantamento das restrições que vão representar esse processo de aquisição está nas restrições conjuntas, registradas em (4): estas restrições devem apresentar não apenas que as vogais frontais arredondadas do francês serão as últimas a ser adquiridas por falantes nativos de PB, mas que entre elas há uma ordem de aquisição que prevê a emergência inicial de /y/, seguida pela emergência de /ø/ e, finalmente, seguida pelo aparecimento de /œ/. Expressando os diferentes graus de complexidade, para os aprendizes de francês que são falantes nativos de PB, tem-se, portanto, que dentre as três vogais arredondadas /œ/ é de aquisição mais complexa e tardia e /y/ tem a aquisição menos complexa e mais precoce.

(4)

(a) *{-ALTO, -BAIXO, -ATR}&*{CORONAL/LABIAL}

(b) *{ -ALTO, -BAIXO, +ATR }&*{CORONAL/LABIAL}

(c) *{ +ALTO}&*{CORONAL/LABIAL}

O mecanismo de conjunção local, presente nas restrições em (4), que, neste caso, vai unir restrições que se referem a ponto com restrições que se referem à altura das vogais, foi proposto por Smolensky (1995)SMOLENSKY, P. On the internal structure of the constraint component Con of UG . Handout da palestra apresentada na UCLA, Los Angeles, California, 1995. ROA 86. e tem por objetivo permitir que restrições que se encontram baixas no ranking voltem a ter seus efeitos de oposição sentidos como se estivessem altas na hierarquia em questão.

As restrições conjuntas serão violadas sempre que o segmento do output violar as duas partes que a compõem. Na presente análise, serão importantes para diferenciar a aquisição das vogais frontais arredondadas do francês, compostas do traço coronal/labial, das demais vogais altas e médias do português. Esse mecanismo parece representar perfeitamente a estratégia dos aprendizes durante o processo desenvolvimental em direção ao sistema-alvo e foi usado por Alves (2008)ALVES, U. K. A Aquisição das Sequências Finais de Obstruintes do Inglês (L2) por Falantes do Sul do Brasil: Análise via Teoria da Otimidade. 2008. 296f. Orientadora: Leda Bisol. Tese (Doutorado em Letras) – Pontifícia Universidade Católica, Porto Alegre, 2008. , na análise da aquisição do inglês por falantes nativos do PB, e amplamente defendido por Bonilha (2005)BONILHA, G. F. G. Aquisição fonológica do português brasileiro: uma abordagem conexionista da Teoria da Otimidade. 2005. Orientadora: Leda Bisol. Tese (Doutorado em Letras) - Pontifícia Universidade Católica, Porto Alegre, 2005. , para o processo de aquisição de L1 e L2.15 15 Compartilha-se com Alves (2008) – e também com Smolensky (1997) , Fukazawa e Miglio (1998) e Fukazawa (1999 , 2001 ) – a posição de que é o operador de conjunção “&”, e não as restrições conjuntas per se , que se encontra na Gramática Universal e, por isso, depois de alcançado o alvo no processo de aquisição, seja de L1 ou de L2, as restrições conjuntas passam a ocupar um valor baixo no ranking , uma vez que foram superadas pelas restrições de fidelidade, sendo que, de acordo com Bonilha (2005) , podem ser desfeitas.

A Restrição Conjunta vai permitir que as restrições que a compõem, mesmo mais baixas no ranking , tenham um efeito que as considere mais marcadas em conjunto. É uma alternativa para que seja possível, na análise aqui proposta sobre a aquisição de segmentos vocálicos, a diferenciação das vogais altas do português /i, u/, por exemplo, da vogal alta do francês /y/. Neste caso, a restrição conjunta *{+ALTO}&*{CORONAL/LABIAL} será fundamental para permitir que a restrição *{+ALTO} volte a ter seus efeitos de oposição manifestados como se estivesse alta na gramática. Assim, o argumento que se apresenta a favor das restrições conjuntas é o de que, mesmo redundantes, são soluções para desfazer os efeitos das escalas primitivas.16 16 Uma discussão mais completa e exemplificada para o uso da restrição conjunta em fenômenos do português pode ser encontrada em Bonilha (2005) e Alves (2008) .

Descrição e Análise dos Resultados

Descrito o papel de cada restrição no processo de aquisição da língua materna e estrangeira dos falantes nativos de PB aprendizes de francês, apresenta-se o tratamento dos dados via TO Estocástica. Neste estudo, atendendo ao disposto na Seção relativa aos caminhos da análise aqui proposta, foram realizadas três simulações: aquisição da L1 (português brasileiro); aquisição da L2 (francês) e aquisição parcial (interlíngua), essa última com os índices de outputs variáveis encontrados no corpus dos aprendizes de Nível Avançado, em consonância com os dados expostos na Tabela 1 , da Seção de Dados da análise.

Com foco na aquisição de L1, autores como Levelt (1995)LEVELT, C. C. Unfaithful kids: Place of Articulation patterns in early vocabularies. Colóquio apresentado na University of Maryland, 1995. , Pater e Paradis (1996)PATER, J.; PARADIS, J. Truncation without templates in child phonology. In: ANNUAL BOSTON UNIVERSAL CONFERENCE ON LANGUAGE DEVELOPMENT, 20., Somerville. Proceedings […], Somerville, Mass: Cascadilla Press, 1996. e Smolensky (1996)SMOLENSKY, P. The Initial State and ‘Richness of the Base’ in Optimality Theory . 1996. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/2456318_The_Initial_State_and_Richness_of_the_Base’_in_Optimality_Theory . Acesso em: 10 nov. 2020.
https://www.researchgate.net/publication...
apontam para um estágio inicial em que as restrições de marcação dominam as restrições de fidelidade (Marcação >> Fidelidade), ou seja, no primeiro estágio de aquisição de L1, a criança vai ter produções de outputs menos marcadas e vai modificando a hierarquia das restrições de forma que as relações de ordenamento entre fidelidade e marcação se modifiquem gradualmente, para que as estruturas mais marcadas passem a emergir.

Neste caso, traduzindo, para pesos numéricos, esta relação inicial de Marcação >> Fidelidade, foi preciso informar ao algoritmo que as restrições de marcação partem, na hierarquia, com pesos maiores do que os das restrições de fidelidade. Assim, o algoritmo foi implementado com valores aleatórios de pesos, partindo de 100 para as restrições de marcação e de 0 para as restrições de fidelidade.

Para o caso de aquisição de L2, estudos como o Pater (1997)PATER, J. Minimal violation and phonological development. Language Acquisition , Hillsdale, v. 6, p. 201-253, 1997. e o de Davidson, Jusczyk e Smolensky (2004) argumentam que a hierarquia inicial em direção à L2 corresponde ao ranking da L1. Logo, é possível apontar quais outputs indicam um estágio mais ou menos avançado na aquisição da segunda língua, utilizando-se as mesmas restrições, porém com ordenamentos diferentes. Esse foi um passo importante para a construção dos sistemas de restrições utilizados na presente análise, para identificar os estágios dos aprendizes do PB nas aquisições da língua materna, da língua estrangeira e na interlíngua, que se constitui no estágio intermediário entre as duas outras hierarquias.

Neste caso, com relação à implementação dos pesos iniciais referentes às restrições conjuntas, não presentes na L1, observou-se que a determinação do estágio inicial no algoritmo não exerce efeito algum na definição do estágio final da gramática (tais possibilidades foram testadas). Em função desta constatação, bem como para fins de delimitação, ficou definido o valor igual a 100 para os pesos iniciais destas restrições, tal como foi feito com as restrições de marcação na aquisição da L1.

Apresentam-se, a seguir, as simulações consideradas fundamentais para a discussão do processo de aquisição das vogais frontais arredondadas do francês por falantes nativos de PB.

Simulação 1 – Aquisição do português brasileiro como L1 (L1 dos aprendizes)

Já que é preciso mapear também o estágio inicial do processo de aquisição da língua materna dos aprendizes da L2, a Simulação 1 representa a aquisição do português brasileiro (L1); o conhecimento desse processo referente à L1 constitui-se em uma etapa fundamental para o entendimento do processo de aquisição de L2. O sistema, neste momento do estudo, foi programado para responder a um estágio inicial de um bebê adquirindo as vogais do português brasileiro, conforme apresenta o Tableau 1, a seguir.

O algoritmo foi programado para que atingisse um sistema-alvo a partir do qual as sete vogais do português (/i, e, ɛ, o, ɔ, u, a/) são adquiridas. Dessa forma, as restrições de marcação que se referem a essas vogais devem ser afetadas pelo algoritmo, de forma a serem demovidas e alcançarem as posições mais baixas da hierarquia no estágio final, invertendo o ranking do estágio inicial (Marcação >> Fidelidade).

O Tableau 1, a seguir, representa o ordenamento das restrições no estágio em que o sistema vocálico do português já integra a fonologia das crianças.17 17 Pelo grande número de restrições, no Tableau sua representação é feita por meio dos números que as identificam. O mesmo ocorre nos Tableaux 2 e 3. Nos tableaux , o “valor central” de cada Restrição corresponde aos valores que estão sob a coluna “ ranking value ”, enquanto o “valor de ponto de seleção” de cada Restrição corresponde aos valores que estão sob a coluna “ disharmony ”. “ Plasticity ” é um valor numérico através do qual o algoritmo vai ajustar o ranking das restrições; esse valor é fornecido durante a simulação computacional, através da função Learn do PRAAT.

Tabela 1
– Aquisição do português brasileiro como L118

Mesmo na representação do processo de aquisição do sistema vocálico do PB, constituído pelas sete vogais (/i, e, ɛ, o, ɔ, u, a/) – Tableau 1 –, considerando o objetivo do presente estudo, foram incluídas as restrições consideradas pertinentes para o tratamento das vogais frontais arredondadas, presentes no francês. Assim, das três restrições de marcação que ocupam as posições mais altas do ranking , duas delas (*{CORONAL/LABIAL} e *{CORONAL/LABIAL, DORSAL/LABIAL, CORONAL, DORSAL}) referem-se àquelas vogais coronais/labiais do francês (/y, ø, œ/), que devem estar adquiridas quando da aquisição plena do francês; por esse motivo, essas duas restrições mantêm-se na posição mais alta na hierarquia registrada no Tableau 1, com um valor central ( ranking value ) distante daqueles que mostram as outras restrições. A inclusão dessas restrições dentre aquelas que vão formalizar a aquisição das vogais do português permite que se possa acompanhar o movimento que elas fazem no complexo jogo da aquisição do francês por aprendizes brasileiros. Observa-se que elas mantêm o peso inicial fornecido ao algoritmo (100.00), indicando que, para o PB, não têm funcionalidade.

Salienta-se que, para que os outputs com as sete vogais do PB sejam escolhidos, mantendo-se fiéis aos seus inputs , as restrições IDENT{ALTURA} e IDENT{PONTO} aparecem em relação de dominância referentemente às restrições de marcação. Ainda destaca-se o desempenho da restrição de fidelidade IDENT{LABIAL}: de forma inversa às demais restrições de fidelidade (IDENT{ALTURA} e IDENT{PONTO}), a restrição que se refere ao arredondamento dos lábios apresenta posição baixa no ranking. Tal comportamento evidencia a diferença do status do arredondamento dos lábios, no português, em se comparando com aquele que têm altura e ponto. Esse comportamento é diferente do que deve ocorrer na aquisição plena do francês: o arredondamento dos lábios é um parâmetro existente na diferenciação das vogais desta língua, pois apresenta caráter distintivo para as vogais coronais e, portanto, deve assumir uma posição mais próxima às demais restrições de fidelidade, conforme se pode acompanhar no Tableau 2, a seguir.

Simulação 2 – Aquisição do francês como L1 (L2 dos aprendizes)

Sendo a gramática do francês o alvo da aquisição dos aprendizes brasileiros aqui estudados, a Simulação 2 mapeou o processo de aquisição do francês como língua materna, representado no Tableau 2.

Esta Simulação 2, referente à aquisição do francês, vai permitir que se possa verificar a capacidade de o algoritmo TO-GLA convergir em uma gramática que reflita, também, um padrão categórico de saída, agora com as dez vogais do inventário fonológico do francês, ou seja, as sete vogais também presentes no português, acrescidas das três vogais coronais/labiais (/i, e, ɛ, o, ɔ, u, a, y, ø, œ/).

Tabela 2
– Aquisição do francês como L1

Para o francês como L1, tem-se, no Tableau 2, uma hierarquia marcada pela dominância das restrições de fidelidade (IDENT{ALTURA} e IDENT{PONTO}) sobre as restrições de marcação, agora incluindo também a restrição de fidelidade IDENT{LABIAL}. Ressalta-se que IDENT{LABIAL}, mesmo estando abaixo das demais restrições de fidelidade, assume um peso que a aproxima das posições mais altas, o que não ocorre no português; esse fato evidencia a diferença de status desta restrição nas duas gramáticas.

Ainda é relevante observar que a restrição de marcação *{CORONAL/LABIAL, DORSAL/LABIAL, CORONAL, DORSAL}, que se encontra no topo do ranking , aparece com um peso central igual a 100 (o mesmo peso central inicial fornecido ao algoritmo), representando uma estratégia do algoritmo para demonstrar a redundância que oferece à gramática – veja-se que é a restrição de marcação que, na relação de estringência, reúne todos os pontos de vogal (veja-se (3g) da Seção referente à formalização das restrições).

A ideia é a de que as restrições em estringência explicitem que, naquele conjunto, há uma hierarquia intrínseca que faz com que as restrições ‘menos marcadas’ sejam primeiramente demovidas e, portanto, no ranking devem estar abaixo das demais restrições. Nesse sentido, a restrição *{CORONAL/LABIAL}, que representa o traço de ponto mais marcado, e a restrição *{-ALTO,-BAIXO,-ATR}, que representa o traço de altura mais marcado, devem aparecer sempre com peso central superior às demais restrições do conjunto e, assim, sucessivamente – é o que se observa no Tableau 2 e, também, no Tableau 1.

Com isso, na aquisição das vogais do francês, assim como ocorreu na aquisição plena das vogais do PB, a gramática assume uma representação na qual são admitidos outputs fiéis, de forma categórica (Fidelidade >> Marcação). Dito de outra forma, o algoritmo GLA vinculado à Teoria da Otimidade conseguiu convergir em gramáticas categóricas, que expressam o sistema-alvo a ser atingido pelos aprendizes.19 19 Observe-se que os valores centrais das restrições que são decisivas para a escolha de cada candidato têm diferença acima de 10 pontos, o que não permite a mudança de sua posição no ranking (destaca-se que é preciso sempre olhar as restrições relevantes para a decisão de cada vogal, uma a uma, como se cada uma delas fosse um tableau ).

Passa-se agora à Simulação 3, que representa a interlíngua, ou seja, a aquisição parcial do sistema vocálico do francês por falantes nativos de PB.

Simulação 3 – Aquisição parcial do francês (Interlíngua)

Nesta terceira e última simulação, é apresentada a hierarquia de restrições da interlíngua, que representa a gramática de falantes nativos do português do Brasil, aprendendo francês – conforme já foi explicitado, registram-se aqui os dados relativos aos aprendizes do Nível Avançado (ver Tabela 1 , na Seção dos Dados da Análise). Tendo em conta que está sendo formalizada a gramática em desenvolvimento, já que as vogais frontais arredondadas do francês ainda se encontram em estágio de aquisição, mostram-se outputs variáveis; entretanto, os pesos das restrições de fidelidade IDENT{ALTURA} e IDENT{PONTO} continuam com valores centrais um pouco maiores do que as restrições de marcação, pois, como foi registrado na Seção dos Dados da Análise, os dados dos aprendizes do Nível Avançado demonstram estar mais próximos do sistema do francês do que do sistema do PB, com o maior índice de produção das vogais frontais arredondadas em consonância com o alvo da L2.

Tabela 3
– Aquisição do francês como L2 – Interlíngua (Nível Avançado)

O Tableau 3 mostra a escolha dos outputs em um estágio no qual os informantes ainda apresentam outputs variáveis para as produções das vogais frontais do francês.20 20 Interpreta-se a possibilidade de ocorrência de outputs variáveis, no Tableau 3, pelos valores centrais ( ranking values ) das restrições: conforme já foi explicado, sempre que o valor central de duas ou mais restrições apresentar diferença menor do que 10 pontos, há a possibilidade de alteração de sua posição no ranking e, consequentemente, de alteração da escolha do candidato mais harmônico e, assim, de variação entre as formas de output . O momento de produção expresso está apresentando, para as vogais /y, ø, œ/ do francês, assim como para as vogais /a, e, ɛ, i, o, ɔ, u/, um candidato ótimo, fiel. Expressando esses resultados, as restrições assumiram pesos que explicam como os informantes estão adquirindo os sucessivos estágios mostrados na Seção dos Dados da Análise, isto é, explicam as hierarquias intermediárias envolvidas no processo de aquisição das vogais frontais arredondadas do francês e como são construídas. É relevante observar que os valores centrais das restrições que dizem respeito à possibilidade da escolha de outputs com as vogais frontais arredondadas, restrições essas que estão mais altas na hierarquia, estão apresentando distância inferior a 10 pontos, o que evidencia que podem mudar de posição, indicando que pode haver variação na opção dos outputs .

Merece ser destacado que, de acordo com o Tableau 3, é escolhida a forma de output com as vogais coronais arredondadas [y, ø, œ], em razão da relação que, neste momento de fala representado pela Simulação 3, a restrição de fidelidade IDENT{PONTO} tem especialmente com as restrições conjuntas: *{-ALTO,-BAIXO,-ATR}&*{CORONAL/LABIAL} (Restrição n°4); *{-ALTO,-BAIXO,+ATR}&*{CORONAL/LABIAL} (Restrição n°6) e {+ALTO}&*{CORONAL/LABIAL} (Restrição n°5): nesta manifestação, a restrição IDENT{PONTO} ocupou lugar mais alto no ranking . Mas outros outputs sem as vogais frontais arredondadas também poderão ser escolhidos neste estágio de desenvolvimento da L2, porque a distância dos valores centrais das restrições aqui referidas é inferior a 10 pontos, o que prenuncia a possibilidade de variação entre as escolhas das formas de output (veja-se Tableau 3).

Cabe salientar que, além de demonstrar que os outputs são variáveis, o algoritmo permite demonstrar quais outputs são mais frequentes, considerando-se os pesos das restrições. O fato de a restrição de fidelidade IDENT{PONTO} ter peso central ( ranking value ) igual a 93.746, superando o peso central das restrições *{-ALTO,-BAIXO,+ATR}&*{CORONAL/LABIAL} (92.876) e {+ALTO}&*{CORONAL/LABIAL} (92.402) informa que, para estes outputs com as vogais [y, ø], tem-se, como resultado ótimo mais frequente, candidatos fiéis, ou seja, a restrição de fidelidade aparece dominando a restrição de marcação de forma mais frequente. Isto é diferente do que ocorre com o output [œ], que também é uma possibilidade de resultado ótimo, já que apresenta peso central (94.083), próximo ao da restrição IDENT{PONTO} (93.746), mas deve aparecer em suas formas menos marcadas com mais frequência do que a forma fiel.

Foi a partir da ação do algoritmo GLA, portanto, que conferiu pesos centrais próximos entre as restrições de marcação e de fidelidade propostas, que tal resultado pôde representar outputs variáveis; também foi fundamental a presença das restrições conjuntas, que foram inseridas no rol de restrições com a ideia de que elas possam ser ativadas no processo de aquisição de uma língua estrangeira. Sem estas restrições, não seria possível ilustrar que, para o falante nativo do português aprender as vogais frontais do francês, a promoção e a demoção de restrições de traços de ponto e de altura de vogal, por si só, não dariam conta deste processo intermediário, ou seja, de manifestação da interlíngua. São as restrições de marcação de altura, em coocorrência com a restrição de ponto *{CORONAL/LABIAL}, em posição alta no ranking , que conferem este efeito.

O fato de os aprendizes recorrerem à produção de vogais da mesma altura das vogais frontais arredondadas, mas com ponto diferente, em substituição a elas, parece indicar que a consciência do aprendiz com relação à altura destas três vogais frontais do francês já está manifestada, conforme é retomado em (5), em consonância com os dados da Tabela 1 , na Seção dos Dados da Análise.

(5)

(a) para a vogal alta /y/ → formas de output [y], [u] e [i];

(b) para a vogal média alta /ø/ → formas de output [ø], [e] e [o];

(c) para a vogal média baixa /œ/ → formas de output [œ], [ε] e [ɔ].

Nas Simulações 1 e 2, o conflito entre as restrições de marcação e de fidelidade estava limitado a um jogo entre Identidade de altura, Identidade de ponto e Identidade labial versus a oposição a traços de ponto e de altura, representando a ideia de que as vogais vão sendo adquiridas, respeitando hierarquias que assumem as organizações mostradas em (6a), com referência à altura, e em (6b), com referência ao ponto.

(6)

(6a) /œ, ɛ, ɔ >> ø, e, o >> y, i, u >> a/ → hierarquia de marcação relativamente à Altura

(6b) /œ, ø, y >> u, o, ɔ >> i, e, ɛ >> a/ → hierarquia de marcação relativamente ao Ponto

O que não ficou explícito nas Simulações 1 e 2, já que o objetivo era demonstrar a aquisição completa, isto é, somente a fase adulta do uso do português e do francês, respectivamente, é que se acredita que, até que se chegue a um resultado categórico, as restrições de marcação de altura e de ponto se unem, ou seja, formam uma ‘restrição conjunta’, de forma a explicar que as restrições, na produção, são ativadas aos poucos, como em estágios ou etapas, que vão combinando o que há de menos complexo na articulação e no emprego fonológico dos segmentos, para que haja cada vez mais a aproximação do alvo da língua.

Nesse sentido, a partir do Algoritmo de Aprendizagem Gradual, na aquisição completa, as restrições conjuntas vão sendo demovidas até não fazerem parte da gramática da língua; elas integram, portanto, o processo de aprendizagem. Tal situação está aqui explicada na aquisição do francês como LE, especialmente na união entre os traços de altura, com a restrição de ponto (coronal/labial), que caracteriza as vogais frontais do francês /y, ø, œ/. Assim, quanto mais os informantes se aproximarem da língua alvo, mais abaixo no ranking as restrições conjuntas devem estar.

Voltando-se aos índices expressos na Tabela 1 (Seção Dados da Análise), podem-se observar em (7) os diferentes percentuais de emprego adequado, pelos aprendizes brasileiros do Nível Avançado, das vogais frontais arredondadas do francês.

(7)

/y/ → 67,95% de acertos

/ø/ → 60,98% de acertos

/œ/ → 43,90% de acertos

Apesar de o momento de produção linguística, apresentado na Simulação 3, ter motivado uma organização entre as restrições que provocou a demoção das restrições de marcação conjunta *{-ALTO,-BAIXO,-ATR}&*{CORONAL/LABIAL}; *{-ALTO,-BAIXO,+ATR}&*{CORONAL/LABIAL} e *{+ ALTO}&*{CORONAL/LABIAL} sobre a restrição de fidelidade IDENT{PONTO}, ressalta-se e repete-se aqui que esse fato pode ser modificado, permitindo a emergência das vogais não-arredondadas em substituição às vogais frontais arredondadas. Salienta-se mais uma vez também que, ao mesmo tempo, o algoritmo não descuidou de deixar clara a probabilidade de que [y] emerja mais vezes do que a vogal média alta [ø], e que esta vogal venha a ser empregada de forma mais frequente do que a vogal [œ]. Tal fato está demonstrado no peso das restrições conjuntas e nas suas distâncias com relação à restrição IDENT{PONTO} (valor central: 93.746) – observem-se os valores centrais das restrições destacados em (8).

(8)

/œ/ → * {-ALTO, -BAIXO, -ATR}&*{CORONAL/LABIAL} → peso central igual a 94.083;

/ø/ → * {-ALTO, -BAIXO, +ATR}&*{CORONAL/LABIAL}→ peso central igual a 92.876;

/y/ → * {+ALTO} &*{CORONAL/LABIAL} → peso central igual a 92.402

Esses pesos das restrições, que representam um momento da interlíngua dos aprendizes, são capazes de expressar um ordenamento na aquisição das vogais frontais arredondadas do francês por aprendizes brasileiros: /y/ > /ø/ > /œ/. Essa é a ordem de emergência de tais vogais, segundo o estudo do Alcântara (1998)ALCÂNTARA, C. O processo de aquisição das vogais frontais arredondadas do francês por falantes nativos do português . 1998. Orientadora: Carmen Lúcia Matzenauer Hernandorena. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Católica de Pelotas, Pelotas, 1998. .

Considerando os resultados dos informantes para cada vogal frontal do francês, é possível observar que:

  1. a restrição *{-ALTO, -BAIXO, -ATR}&*{CORONAL/LABIAL}, que é violada pela vogal [œ], tem peso central superior à restrição de Fidelidade de ponto, indicando que, de forma mais frequente, apresenta resultados que não são fiéis, isto é, os informantes, nesta etapa de aprendizagem, ainda optam por outputs menos marcados;

  2. as restrições *{-ALTO,-BAIXO,+ATR}&*{CORONAL/LABIAL} e *{+ALTO}&*{CORONAL/LABIAL}, violadas pelas vogais [y, ø], têm pesos centrais inferiores à restrição de fidelidade de ponto, apresentando resultados fiéis de forma mais frequente;

  3. a distância da restrição de marcação violada pela vogal média /ø/ *{-ALTO, -BAIXO, +ATR}&*{CORONAL/LABIAL} com relação à restrição de fidelidade é igual a 0.87, enquanto a distância da restrição violada pela vogal alta do francês /y/ *{+ ALTO}&*{CORONAL/LABIAL} com relação à restrição de fidelidade é igual a 1.34, mostrando que os resultados fiéis para a vogal alta aparecem em índices maiores, com relação às outras vogais do francês, tendo em vista que a restrição de fidelidade está mais distante, com menos possibilidade de variar com a restrição de marcação conjunta *{+ ALTO}&*{CORONAL/LABIAL}.

Interessante é ressaltar a diferença de peso central assumida entre as restrições de IDENT{ALTURA} e IDENT{PONTO}. Como a relação de altura já aparece estabelecida para os informantes, a fidelidade com relação à altura é mantida mesmo que um resultado menos marcado possa emergir como output ótimo, como acontece na Simulação 3. Observa-se, mais uma vez, que as duas restrições de marcação mais acima no ranking , com peso central igual a 100.00, estão redundantes na análise, sendo desnecessárias na formalização deste fragmento de gramática. Optou-se por manter essas restrições apenas como contribuição ao exercício teórico que se está expondo.

Com a formalização da gramática via TO Estocástica, foi possível expressar-se que a complexidade da aquisição de uma língua estrangeira está na coocorrência dos traços, formalizada pela conjunção das restrições de ponto e altura. As restrições conjuntas permitiram demonstrar, para além de uma estratégia do processo de aquisição das vogais do francês, que a aquisição das vogais constituídas pelos traços coronal/labial sucede a aquisição das vogais constituídas pelos traços dorsal/labial.

Destaca-se que a aquisição do francês, diferente da aquisição do português, ainda deve lidar com a Identidade ao traço [labial], o que foi demonstrado pelo movimento da restrição IDENT{LABIAL} na aquisição do português como língua materna (Simulação 1) e na aquisição do francês como L1 (Simulação 2). Logo, um aspecto marcante do estágio de aprendizagem aqui representado é que, diferentemente das Simulações 1 e 2, os pesos centrais das restrições de fidelidade (IDENT{PONTO} e IDENT{ALTURA}) encontram-se bastante próximos daqueles que mostram as restrições de marcação. Tal comportamento expressa que momentos de produção linguística constituirão uma fonte de motivação para que se tenha mudança na hierarquia das restrições.

Considerações Finais

O objetivo de descrever e formalizar, à luz dos pressupostos da Teoria da Otimidade Estocástica, a emergência das vogais /y/, /ø/, /œ/ na fonologia do francês como língua estrangeira para falantes nativos de PB, buscando explicações em restrições de marcação e de fidelidade, que integram a TO, trouxe a reflexão sobre as restrições relevantes para tal processo e o seu comportamento nas gramáticas das duas línguas, bem como na interlíngua dos aprendizes.

Os dados de Alcântara (1998)ALCÂNTARA, C. O processo de aquisição das vogais frontais arredondadas do francês por falantes nativos do português . 1998. Orientadora: Carmen Lúcia Matzenauer Hernandorena. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Católica de Pelotas, Pelotas, 1998. mostraram a existência de uma ordem no processo de aquisição das vogais frontais arredondadas do francês por falantes de português, caracterizada por: (1º) aquisição da vogal frontal arredondada, alta (/y/); (2º) aquisição da vogal frontal arredondada, média alta (/ø/) e (3º) aquisição da vogal frontal arredondada, média baixa (/œ/). A Teoria da Marcação e de Procedimentos de Simplificação com Base em Restrições, de Calabrese (1995)CALABRESE, A. A constraint-based theory of phonological markedness and simplification procedures. Linguistic Inquiry , Cambridge, v. 26, n. 3, p. 373-463, 1995. , que deu suporte àquele estudo, ofereceu aparato que explicou a motivação da emergência tardia das vogais frontais arredondadas, em comparação com as vogais frontais não-arredondadas, bem como a razão do emprego destas em lugar daquelas no processo de aquisição do francês como L2 por falantes de PB. No entanto, deixou a lacuna da explicação do ordenamento na aquisição das vogais do francês, ou seja, não explicitou por que há esta ordem na emergência das vogais arredondadas: /y/ > /ø/ > /œ/. A análise com a TO Estocástica, proposta no presente artigo, foi capaz de suprir essa lacuna, a partir da conjunção das restrições de altura e ponto, e também o fez com uma visão de gramática e de aquisição de língua estrangeira diferenciada, sustentada na noção de traços distintivos como parte de restrições universais.

Essa formalização oferecida pela conjunção entre restrições consistiu em uma contribuição deste estudo, que conseguiu captar a complexidade na aquisição de segmentos da L2 a partir da coocorrência de traços. Credita-se à reunião dos traços distintivos que definem os sistemas de vogais a representação da estratégia utilizada por aprendizes em um estágio de aquisição.

A abordagem proposta permitiu formalizar as diferenças que apresentam o sistema vocálico do português e do francês, particularmente por meio do comportamento da restrição de fidelidade IDENT{LABIAL}: enquanto no francês o arredondamento tem caráter distintivo, no português não o tem; esse fato ficou representado pela diferente posição, no ranking , que a restrição mostrou na representação da gramática do português (Simulação 1) e na representação da gramática do francês (Simulação 2) – a restrição IDENT{LABIAL} recebeu do algoritmo pesos numéricos que puderam promovê-la quando a gramática da língua está comprometida com a fidelidade do traço [labial], como ocorre no francês, e demovê-la, quando não há comprometimento distintivo no que se refere ao traço [labial], caso do PB.

Além disso, considerando que foi necessário o mapeamento também do estágio inicial do processo de aquisição do português, língua materna dos aprendizes (Simulação 1), e da aquisição do francês como língua materna (Simulação 2), antes da formalização do estágio de interlíngua (Simulação 3), outra característica relevante pôde ser destacada, no que se refere à hierarquia de restrições: enquanto na aquisição, seja do PB ou do francês, existe a dominância categórica de Fidelidade sobre Marcação (Fidelidade >> Marcação), no estágio desenvolvimental esta relação se apresenta variável pela distância inferior a 10 pontos, nos valores centrais, que as restrições apresentam. Com respeito à interlíngua, há uma promoção das restrições conjuntas, como uma estratégia que integra os estágios de aprendizagem da língua estrangeira.

As observações aqui apresentadas relativamente às restrições relevantes para explicar a motivação do ordenamento na emergência das vogais arredondadas (/y/ > /ø/ > /œ/), na aquisição do francês por falantes nativos de PB, bem como referentemente à formalização de gramáticas fonológicas, à luz da TO Estocástica, vêm reforçar, com dados ainda não explorados anteriormente, a pertinência do modelo teórico para a explicitação do processo da aquisição da linguagem, o que se faz na esteira de autores como Alves (2008)ALVES, U. K. A Aquisição das Sequências Finais de Obstruintes do Inglês (L2) por Falantes do Sul do Brasil: Análise via Teoria da Otimidade. 2008. 296f. Orientadora: Leda Bisol. Tese (Doutorado em Letras) – Pontifícia Universidade Católica, Porto Alegre, 2008. , McCarthy (2008)McCARTHY, J. J. Doing Optimality Theory: Applying theory to data. Maiden, MA: Blackwell, 2008. e Boersma (1997)BOERSMA, P. How we learn variation, optionality, and probability. Proceedings of the Institute of Phonetic Sciences, Amsterdam, n.21, p.43-58, 1997. – essa é uma contribuição para as reflexões teóricas que estão no suporte dos estudos no campo da aquisição do componente fonológico das línguas. Há também aqui uma contribuição especial para o campo dos estudos sobre a aquisição de L2: com a utilização do algoritmo de aprendizagem que integra a TO Estocástica, a gramática da interlíngua foi caracterizada por meio de simulação que exigiu informações articuladas com o processo de aquisição, como L1, tanto da língua dos aprendizes, como da língua alvo – essa abordagem pode oferecer, aos estudiosos de aquisição de L2, a explicitação e a formalização de uma visão da gramática da interlíngua, apontando um caminho diferenciado para a explicitação da natureza do fenômeno da interlíngua.

REFERÊNCIAS

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  • SMOLENSKY, P. On the internal structure of the constraint component Con of UG . Handout da palestra apresentada na UCLA, Los Angeles, California, 1995. ROA 86.
  • 1
    No presente artigo, usam-se como equivalentes as expressões “língua estrangeira (LE)” e “Segunda Língua (L2)”. Também não é feita distinção entre as expressões “aquisição” e “aprendizagem” de uma L2.
  • 2
    Seguindo-se Clements e Hume (1995)CLEMENTS, G. N.; HUME, E. V. The Internal Organization of Speech Sounds. In: GOLDSMITH, J. The Handbook of Phonological Theory . London: Blackwell, 1995. p.245-306. , ao tratar-se de vogais, emprega-se o traço [Labial] como equivalente ao traço [+Arredondado], presente em Chomsky e Halle (1968)CHOMSKY, N.; HALLE, M. The sound pattern of English . New York: Harper & Row, 1968. .
  • 3
    As vogais frontais do francês, foco deste estudo, aparecem circundadas.
  • 4
    Enquanto a vogal /i/ ([cor]), por exemplo, no português se relaciona com a vogal alta dorsal-labial /u/ e com as outras vogais coronais (não-arredondadas), a mesma vogal /i/ ([cor]) no francês se relaciona com a vogal alta dorsal-labial /u/, com as outras vogais coronais (não-arredondadas) e também com a vogal alta coronal-labial /y/.
  • 5
    Nos tableaux constantes deste artigo, os pesos das restrições correspondem aos valores listados na coluna denominada Ranking Value .
  • 6
    Disponível em: http://www.praat.org/ . Acesso em: 27 jul. 2021.
  • 7
    Para captar esta concepção mais precisamente, as faixas de valores das restrições são explicadas como uma distribuição probabilística ( BOERSMA, 1997BOERSMA, P. How we learn variation, optionality, and probability. Proceedings of the Institute of Phonetic Sciences, Amsterdam, n.21, p.43-58, 1997. , 1998BOERSMA, P. Functional Phonology: Formalizing the interactions between articulatory and perceptual drives. 1998. Thesis (Doctor in Humanities) - University of Amsterdam. The Hague: Holland Academic Graphics, 1998. ; HAYES; MACEACHERN, 1998HAYES, B. P.; MACEACHERN, M. Quatrain form in English folk verse. Language: Linguistic Society of America, Washington, v.74, n.3, p.473-507, 1998. ) – distribuição normal (curva de Gauss).
  • 8
    No estudo de Alcântara (1998)ALCÂNTARA, C. O processo de aquisição das vogais frontais arredondadas do francês por falantes nativos do português . 1998. Orientadora: Carmen Lúcia Matzenauer Hernandorena. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Católica de Pelotas, Pelotas, 1998. , dentre os critérios de seleção dos informantes constavam: (a) ser aluno universitário de Curso de Letras, Habilitação em Francês; (b) ser falante nativo de PB; (c) ter contato sistemático com o francês apenas em contexto formal; (d) estar adquirindo o francês com o método comunicativo “Archipel”. ( ALCÂNTARA, 1998ALCÂNTARA, C. O processo de aquisição das vogais frontais arredondadas do francês por falantes nativos do português . 1998. Orientadora: Carmen Lúcia Matzenauer Hernandorena. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Católica de Pelotas, Pelotas, 1998. , p.39). Os informantes tinham idades entre 19 e 39 anos.
  • 9
    Alcântara justifica a escolha dessa variável em razão de o processo de aquisição de uma língua estrangeira (LE) ser gradual e o tempo de uso da língua e de exposição a ela ser fator que contribui para o domínio, pelo aluno, do novo sistema linguístico. O nível ‘principiante’ corresponde a menos de um ano de estudo em Língua Francesa em um sistema de ensino cuja carga horária é de 8 horas/aula semanais; quanto ao nível ‘avançado’, corresponde a mais de três anos de estudo na língua-alvo. A pesquisa de Alcântara (1998) contemplava ainda dois níveis ‘intermediários’, correspondentes ao período de 1 a 2 anos e de 2 a 3 anos de estudo da LE, respectivamente.
  • 10
    Embora a análise, no presente artigo, tenha o foco apenas no corpus dos alunos do nível avançado, na Tabela 1 registram-se os dados dos alunos do nível principiante somente a título de comparação.
  • 11
    As análises estatísticas dos dados foram feitas pelo viés da Sociolinguística Quantitativa, pelo pacote VARBRUL, e levaram em conta fatores linguísticos e extralinguísticos. Os resultados são pertinentes, já que se almeja demonstrar a expressão do funcionamento da língua para uma amostra pequena, como um exercício teórico.
  • 12
    Para a definição de estringência, segue-se Matzenauer e Miranda (2010)MATZENAUER, C.; MIRANDA, A. R. Aquisição da fala e da escrita: relações com a fonologia. Cadernos de Educação , Pelotas, n. 35, p.359-405, 2010. , que explicam ser esse um tipo de relação de subconjunto com referência a violações de restrições, sendo formalmente assim expressa, segundo McCarthy (2008McCARTHY, J. J. Doing Optimality Theory: Applying theory to data. Maiden, MA: Blackwell, 2008. , p.65-66): “A restrição R1 é mais estringente do que a restrição R2 se toda a violação de R2 implicar também a violação de R1, sendo que algumas violações de R1 não implicam violação de R2”.
  • 13
    A relação de estringência estabelecida entre as restrições que referem a altura das vogais (3 a-d) refletem esta escala de harmonia: a f i, u f e, o f ɛ, ɔ; a relação de estringência estabelecida entre as restrições que referem o ponto das vogais (3 e-h) refletem esta escala de harmonia: a f ɛ, e, i fɔ, o, u fœ, ø, y.
  • 14
    A formalização das restrições pode ser dada por ranking fixo, mais comumente encontrado na literatura, ou por estringência (PRINCE 1997a, 1997b), como está sendo proposto: em relação de estringência, as restrições se encontram em escalas graduais, em que o primeiro constituinte inclui o seguinte e assim sucessivamente, em uma escala de marcação. Na presente análise, por exemplo, pode-se afirmar que há uma relação implicacional entre os traços de altura que faz com que as vogais compostas do traço /+ BAIXO/, que são menos marcadas na escala proposta, sejam violadas quando uma restrição mais marcada na hierarquia, como /+ ALTO/ ou /-ALTO, -BAIXO, +ATR/, sofrer uma violação. Por estringência, a restrição que se refere ao menos marcado sempre será mais baixa no ranking , ou seja, receberá do algoritmo os menores pesos centrais, o que é decorrência da própria formalização em estringência. Este conjunto de restrições é necessário para permitir que ocorra a distinção no processo de aquisição vocálica.
  • 15
    Compartilha-se com Alves (2008)ALVES, U. K. A Aquisição das Sequências Finais de Obstruintes do Inglês (L2) por Falantes do Sul do Brasil: Análise via Teoria da Otimidade. 2008. 296f. Orientadora: Leda Bisol. Tese (Doutorado em Letras) – Pontifícia Universidade Católica, Porto Alegre, 2008. – e também com Smolensky (1997)SMOLENSKY, P. Constraint Interaction in Generative Grammar II: Local Conjunction or Random Rules in Universal Grammar. Handout da palestra apresentada na Hopkins Optimality Theory Workshop, Maryland Mayfest, 1997. , Fukazawa e Miglio (1998)FUKAZAWA, H.; MIGLIO, V. Restricting Conjuction to Constraint Families. Proceedings of Western Conference on Linguistics, Fresno, CA, n. 9, p.102-117, 1998. e Fukazawa (1999FUKAZAWA, H. Theoretical Implications of OCP effects on features in Optimality Theory. 1999. Thesis (Doctor in Linguistics) - University of Maryland, College Park, 1999. , 2001FUKAZAWA, H. Local Conjunction and Extending Sympathy Theory: OCP Effects in Yucatec Maya. In: LOMBARDI, L. Segmental Phonology in Optimality Theory : Constraints and Representations. Cambridge: Cambridge University Press, 2001. p.231-260. ) – a posição de que é o operador de conjunção “&”, e não as restrições conjuntas per se , que se encontra na Gramática Universal e, por isso, depois de alcançado o alvo no processo de aquisição, seja de L1 ou de L2, as restrições conjuntas passam a ocupar um valor baixo no ranking , uma vez que foram superadas pelas restrições de fidelidade, sendo que, de acordo com Bonilha (2005)BONILHA, G. F. G. Aquisição fonológica do português brasileiro: uma abordagem conexionista da Teoria da Otimidade. 2005. Orientadora: Leda Bisol. Tese (Doutorado em Letras) - Pontifícia Universidade Católica, Porto Alegre, 2005. , podem ser desfeitas.
  • 16
    Uma discussão mais completa e exemplificada para o uso da restrição conjunta em fenômenos do português pode ser encontrada em Bonilha (2005)BONILHA, G. F. G. Aquisição fonológica do português brasileiro: uma abordagem conexionista da Teoria da Otimidade. 2005. Orientadora: Leda Bisol. Tese (Doutorado em Letras) - Pontifícia Universidade Católica, Porto Alegre, 2005. e Alves (2008)ALVES, U. K. A Aquisição das Sequências Finais de Obstruintes do Inglês (L2) por Falantes do Sul do Brasil: Análise via Teoria da Otimidade. 2008. 296f. Orientadora: Leda Bisol. Tese (Doutorado em Letras) – Pontifícia Universidade Católica, Porto Alegre, 2008. .
  • 17
    Pelo grande número de restrições, no Tableau sua representação é feita por meio dos números que as identificam. O mesmo ocorre nos Tableaux 2 e 3. Nos tableaux , o “valor central” de cada Restrição corresponde aos valores que estão sob a coluna “ ranking value ”, enquanto o “valor de ponto de seleção” de cada Restrição corresponde aos valores que estão sob a coluna “ disharmony ”. “ Plasticity ” é um valor numérico através do qual o algoritmo vai ajustar o ranking das restrições; esse valor é fornecido durante a simulação computacional, através da função Learn do PRAAT.
  • 18
    Observe-se que, neste Tableau , a Restrição (4) está ranqueada acima da Restrição (5), embora esta tenha peso (“valor central” - ranking value ) maior do que aquela: isso é possível porque a distância entre seus pesos é menor do que 10 pontos, o que permite a variação entre elas. Essa ocorrência no Tableau 1 é devida ao fato de que, nesta simulação (que representa uma produção dos falantes), o valor da Restrição (4) foi alterado dentro da faixa de 10 pontos, apresentando “valor de ponto de seleção” ( disharmony ) superior ao da Restrição (5) - o ponto de seleção é o valor assumido, dentro da faixa de valores, que corresponde ao valor exibido no momento de avaliação dos candidatos.
  • 19
    Observe-se que os valores centrais das restrições que são decisivas para a escolha de cada candidato têm diferença acima de 10 pontos, o que não permite a mudança de sua posição no ranking (destaca-se que é preciso sempre olhar as restrições relevantes para a decisão de cada vogal, uma a uma, como se cada uma delas fosse um tableau ).
  • 20
    Interpreta-se a possibilidade de ocorrência de outputs variáveis, no Tableau 3, pelos valores centrais ( ranking values ) das restrições: conforme já foi explicado, sempre que o valor central de duas ou mais restrições apresentar diferença menor do que 10 pontos, há a possibilidade de alteração de sua posição no ranking e, consequentemente, de alteração da escolha do candidato mais harmônico e, assim, de variação entre as formas de output .

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Out 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    8 Ago 2019
  • Aceito
    16 Jan 2020
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