Acessibilidade / Reportar erro

Por uma translíngua animal: o projeto antilogocêntrico de Gamaliel Churata

For an animal translanguage: Gamaliel Churata’s anti-logocentric project

Resumo

Este artigo propõe pensar as práticas translíngues que se dão na obra de Gamaliel Churata como uma forma de elaboração de uma concepção de língua anticolonial e antiplatônica que, a partir dos saberes andinos, questiona os fundamentos logocêntricos da linguística e da filosofia ocidentais. Em El pez de oro e Resurrección de los muertos, o autor dialoga diretamente com Platão para propor uma língua não fundada em um ideal abstrato, que a escrita literária codificaria, mas nas práticas orais, marcadas nos Andes pelas fronteiras fluidas entre as línguas em contato. Esse modelo leva-o a discutir não só as relações de poder envolvidas na língua, mas também seus fundamentos filosóficos. Churata questiona o homem-letra por trás da cidade letrada e, impugnando uma última grande divisão da língua, aquela que separa os humanos dos não humanos, propõe uma humanidade-animal cujas práticas culturais são entendidas como energia material e vinculadas à natureza.

Palavras-chave:
Gamaliel Churata; anti-logocentrismo; Platão; translíngua

Abstract

This article proposes a reflection about the translingual practices that occur in Gamaliel Churata’s works as a way of formulating an anti-colonial and anti-Platonic conception of language, which, rooted on Andean wisdom, questions the logocentric foundations of Western linguistics and philosophy. In El pez de oro y Resurrección de los muertos Churata dialogues directly with Plato to propose a language not founded on an abstract ideal, one that literary writing would encode, but on oral practices, marked in the Andes by the fluid boundaries of the languages in contact. This model leads Churata to discuss not only the power relations involved in language, but also its philosophical bases. Churata questions the man of letters that supports the lettered city and, challenging the last great division of the language that separates humans from non-humans, he proposes a mankind-animal, whose cultural practices are understood as material energy and are linked to nature.

Keywords:
Gamaliel Churata; anti-logocentrism; Plato; translanguage

Resumen

Este artículo propone pensar las prácticas translingües que se dan en la obra de Gamaliel Churata como una forma de elaboración de una concepción de lengua anticolonial y antiplatónica, que desde los saberes andinos cuestiona los fundamentos logocéntricos de la lingüística y de la filosofía occidentales. En El pez de oro y Resurrección de los muertos Churata dialoga directamente con Platón para proponer una lengua no fundada en un ideal abstracto, que la escritura literaria codificaría, sino en las prácticas orales, marcadas en los Andes por las fronteras fluidas de las lenguas en contacto. Este modelo lo lleva a discutir no solo las relaciones de poder implicadas en la lengua, sino también sus fundamentos filosóficos. Churata cuestiona al hombre-letra que sustenta la ciudad letrada e, impugnando la última gran división de la lengua, la que separa los humanos de los no humanos, propone una humanidad-animal, cuyas prácticas culturales son entendidas como energía material y vinculadas a la naturaleza.

Palabras clave:
Gamaliel Churata; anti-logocentrismo; Platón; translengua

A escrita literária de Gamaliel Churata está caracterizada pela imbricação de pelo menos três línguas: o castelhano, o aimará e o quéchua (encontram-se também outras línguas como o uru, o italiano ou o latim em empréstimos e citações). Essa prática translíngue aparece claramente em El pez de oro, obra de 1957, que durante muito tempo foi considerada a culminação de seu projeto literário, começado na esteira do modernismo nas revistas La Tea (1917) e Gesta Bárbara (1918), e continuado com a formulação do vanguardismo do Titikaka na revista Boletín Titikaka (1926-1930). Mas, nos últimos anos, as pesquisas de Riccardo Badini em relação aos inéditos de Churata têm revelado um conjunto de obras onde essas práticas translíngues formulam uma concepção de língua transandina e polilógica que contesta a imposição do pensamento ocidental na área. Em 2010, Riccardo Badini editou a obra Resurrección de los muertos, de caráter filosófico e em forma de diálogo, que formulava muito do que estava implícito em El pez de oro. O intuito argumentativo da obra limita um pouco o translinguismo, ainda que os conceitos e exclamações em línguas indígenas continuem presentes.

A translíngua adquire força de novo com a seguinte obra poética, Khirkhilas de la sirena, editada em 2017 por Paola Mancosu. A obra retoma os personagens míticos de El pez de oro e recria formas poéticas andinas com uma língua profundamente híbrida. Atualmente, uma equipe de pesquisadores e pesquisadoras, com a iniciativa de Elizabeth Monasterios e Riccardo Badini, e o material fornecido por Amaratt Peralta, filho do autor, tem se engajado na publicação da obra inédita, especialmente poética, onde as práticas translíngues estão muito presentes. Isso indica como o projeto linguístico de Churata vai além de uma experimentação vanguardista na procura do novo realizada em uma obra isolada, mas que encara as práticas translíngues como um modo de transformação da concepção de literatura e do contexto social onde ela surge. E vai além, seu pensamento não se restringe à área andina, pois a concepção de língua que essas práticas indicam, e que ele formula em suas obras, em conexão com os saberes indígenas, aspira a uma mudança das formas do conhecimento e da experiência, da concepção da vida e da morte, do humano e do não humano. Neste artigo vou desenvolver os principais pontos em que as práticas e formulações de Churata questionam uma concepção de língua logocêntrica e propõem uma outra forma de saber e viver.

Questionando Platão

A aposta firme pelo plurilinguismo na obra de Gamaliel Churata põe sob suspeita a naturalização do castelhano como a língua oficial da literatura hispano-americana e apresenta a língua como uma corrente imparável, em transformação, instável e fundamentalmente híbrida, que contém a heterogeneidade social e cuja condição histórica manifesta-se em várias direções: capaz de impugnar o passado da colonialidade, marcado pelo silêncio imposto às vozes não hispanas, de habitar o presente e de suscitar novas expressões por vir.

A língua constitui para Gamaliel Churata uma energia social, vinculada estreitamente àqueles que a usam: "o ponto de partida de toda literatura (e de todo homem) está no idioma que a substancia"1 1 Todas as citações da obra de Gamaliel Churata e sua fortuna crítica foram traduzidas pela autora do artigo. Nas notas de rodapé vão ser consignados os textos de partida: “el punto de partida de toda literatura (y de todo hombre) está en el idioma que la sustancia” (CHURATA, 2012, p. 152). (CHURATA, 2012CHURATA, Gamaliel. El pez de oro. Madrid: Cátedra, 2012., p. 152), afirma no capítulo inicial de El pez de oro. Segundo ele, a literatura pode ser "vocal", como a dos idiomas vernáculos americanos, ou escrita, como a que foi imposta com a chegada dos espanhóis. O empenho na segunda não desmerece a primeira, mas assinala um processo de subordinação cultural que Churata quer questionar. O problema é ingente, implica a própria concepção da língua; a tensão colonial entre uma língua imposta, sustentada pela escrita e por instituições políticas, educacionais e jurídicas, e uma gama de línguas minorizadas, circunscritas a âmbitos não institucionais; a valoração distinta de formas culturais orais e escritas; o desprezo da língua materna pelos próprios falantes e específicos mecanismos de opressão cultural. O nó do problema para Churata é Platão, ou melhor dizendo, uma concepção platônica da língua. A oposição a Platão é o motor filosófico que põe a caminhar El pez de oro e Resurrección de los muertos, um de seus empreendimentos mais ousados. O mote "Entende, Plato?"2 2 “¿Entiendes, Plato?”. Elizabeth Monasterios (2019, p. 255-6) destaca o caráter paródico desta expressão, na qual o autor brinca com o nome do filósofo, a partir do Plato latino e sua homonímia com a palavra prato em espanhol. Em algumas ocasiões, o nome é traduzido para o aimará como Chua. constitui um desafio constante que incide em direções diversas, como o questionamento da divisão de corpo e alma, matéria e espírito, aparência e essência, animal e humano e, sobretudo, vida e morte. Com ele, Churata questiona a filosofia ocidental fundada em um logos abstrato que desmerece o material, especialmente em suas derivações filosóficas, políticas, religiosas e econômicas. A razão colonial funda-se nesse platonismo que permite especular com as matérias e os corpos em função de um ideal metropolitano.

Às dicotomias platônicas, em que um termo tem hierarquia sobre o outro, Churata opõe um universo, isto é, a célula ou unidade vital, onde as forças se implicam e opõem-se, sem hierarquias, indissociáveis: "Entende, Plato? Só se pode ser em mônada"3 3 “¿Entiendes, Plato? Sólo se puede ser en mónada” (CHURATA, 2012, p. 219). (CHURATA, 2012CHURATA, Gamaliel. El pez de oro. Madrid: Cátedra, 2012., p. 219). Marco Thomas Bosshard analisa a epistemologia monista de El pez de oro e assinala a concorrência dos contrários na noção andina de tinkuy como a operação fundamental: "O tinkuy como a união de hanan e hurin possibilita a afirmação da unidade do corpo e do espírito em uma base autóctone, e se transforma, ainda, em um conceito sobre o qual poderia se desenvolver uma filosofia andina"4 4 “El tinkuy como la unión de hanan y hurin posibilita la afirmación de la unidad del cuerpo y del espíritu en una base autóctona, y se convierte, por ende, en un concepto sobre el cual se podría desarrollar una filosofía andina” (BOSSHARD, 2014, p. 154). Hanan pode ser traduzido como "alto" e hurin como "baixo". Para esclarecer a centralidade desse par, Bosshard anota: "La dicotomía topográfica de arriba y abajo, que es idéntica a la de hombre y mujer, define en los Andes también las estructuras (agro)económicas, en la medida en que diversas plantas útiles y tubérculos comestibles sólo pueden cultivarse a determinadas alturas, de modo que los campesinos trabajan simultáneamente en diferentes pisos ecológicos" (BOSSHARD, 2014, p. 140). (BOSSHARD, 2014BOSSHARD, Marco Thomas. Churata y la vanguardia andina. Lima: CELAP / Latinoamericana Editores, 2014., p. 154).

Miguel Ángel Huaman define o tinkuy como "a zona de encontro onde se juntam dois elementos que procedem de duas direções diferentes, permite realizar o ideal de unidade ou das coisas que sempre vêm juntas (yanatin) como dois olhos, duas mãos, etc.; metades perfeitas de um centro primordial ou taypi"5 5 "la zona de encuentro donde se juntan dos elementos que proceden de dos direcciones diferentes, permite realizar el ideal de unidad o de las cosas que siempre vienen juntas (yanatin) como dos ojos, dos manos, etc; mitades perfectas de un centro primordial o taypi” (HUAMÁN, 1994, p. 64). (1994HUAMÁN, Miguel Ángel. Fronteras de la escritura. Discurso y utopía en Churata. Lima: Horizonte, 1994., p. 64). Bosshard (2014BOSSHARD, Marco Thomas. Churata y la vanguardia andina. Lima: CELAP / Latinoamericana Editores, 2014., p. 154) ilustra essas noções ao aproximá-las à filosofia chinesa: "Hanan e hurin parecem idênticos em muitos aspectos ao ying e o yang do pensamento chinês alcançando assim um potencial de categorias filosóficas"6 6 "Hanan y hurin parecen idénticos en muchos aspectos al ying y el yang del pensamiento chino alcanzando así un potencial de categorías filosóficas" (BOSSHARD, 2014, p. 154). , e as vincula com a concepção da língua: "pode-se supor que, em analogia com essa unidade paradoxal de hanan e hurin e de corpo e espírito no monismo churatiano, também exista um elo parecido ao tinkuy em relação ao par significante / significado"7 7 "es de suponer que, en analogía con esa unidad paradójica de hanan y hurin y de cuerpo y espíritu en el monismo churatiano, también exista un lazo parecido al tinkuy con respecto a la pareja significante / significado" (BOSSHARD, 2014, p. 154-155). (BOSSHARD, 2014BOSSHARD, Marco Thomas. Churata y la vanguardia andina. Lima: CELAP / Latinoamericana Editores, 2014., p. 154-155).

Esta concepção monista da língua opõe-se a que foi trazida à América pelos espanhóis, que hierarquizou o conhecimento estabelecendo uma verdade europeia, veiculada pela palavra escrita. Antonio Cornejo Polar assinala o encontro entre Atahualpa e o padre Vicente Valverde em 1532 em Cajamarca como o "grau zero" da tensão linguística entre oralidade e escrita (simbolizada nessa ocasião pela Bíblia), em que a escrita "ingressa nos Andes não tanto como um sistema de comunicação, mas no horizonte da ordem e da autoridade, quase como se seu único significado possível fosse o Poder" (CORNEJO POLAR, 2000CORNEJO POLAR, Antonio. O condor voa. Literatura e cultura latino-americanas. Tradução de Ilka Valle de Carvalho. Belo Horizonte: UFMG, 2000., p. 237). Marcos Bagno estabelece a filiação platônica da crença na superioridade da letra:

Desde o surgimento da tradição gramatical entre os filólogos alexandrinos do século III a. C. até algumas das escolas teóricas da linguística do século XX, o mito da caverna tem ressurgido − aberta ou veladamente e sob as mais diversas formas e figuras - na abordagem filosófica e científica dessa impressionante faculdade humana que é a linguagem". (BAGNO, 2012BAGNO, Marcos. Gramática pedagógica do português brasileiro. São Paulo: Parábola, 2012., p. 43)

A herança dos filólogos alexandrinos é perdurável e consistiu na elevação da língua escrita a modelo ideal, enquanto a fala era considerada "caótica e desregrada, o lugar do erro e do equívoco" (BAGNO, 2012BAGNO, Marcos. Gramática pedagógica do português brasileiro. São Paulo: Parábola, 2012., p. 43). Bagno comenta como incorreram em vários enganos (de registro, de modalidade, temporal e espacial) ao comparar duas entidades sociolinguísticas distintas (a língua literária da Atenas do século V a. C. e a fala espontânea da Alexandria do século III a. C.), mas:

Com isso, os alexandrinos definiram os rumos dos estudos gramaticais e da pedagogia das línguas por mais de dois mil anos. Acreditando na perfeição irrefutável da língua escrita literária, eles vão criar, com base nela, um modelo ideal de "língua correta", que deveria servir de meta a ser alcançada por todo cidadão [...] Assim, toda a língua falada e os demais usos possíveis da língua escrita foram considerados como "prisioneiros da caverna", enquanto essa norma-padrão idealizada (e a noção de ideal aqui não é gratuita) seria a "língua" em sua essência mais pura, inteligível somente pelas mentes mais brilhantes e dispostas a abandonar a escuridão. (BAGNO, 2012BAGNO, Marcos. Gramática pedagógica do português brasileiro. São Paulo: Parábola, 2012., p. 44)

Esses princípios impregnaram, e ainda impregnam, muitas formas de julgamentos sobre a língua e são a origem do dualismo certo/errado que segue ameaçando as formas espontâneas da fala. Nesse sentido, como foi colocado no início deste texto, Churata não separa a "ciência oral" da "literatura escrita" (CHURATA, 2012CHURATA, Gamaliel. El pez de oro. Madrid: Cátedra, 2012., p. 152) em termos de valor, ao contrário, procura a impregnação da segunda pela primeira.

O platonismo linguístico teve seu apogeu no início do século XX com a interpretação das lições de Ferdinand Saussure que serviram de base para o estruturalismo. Estabeleceu-se mais uma vez uma série de dicotomias que queriam fundar a ciência da linguagem: língua / fala, significante / significado, paradigma / sintagma, sincronia / diacronia. A opção pelo primeiro termo abstrato das oposições é clara: não é a fala individual que a linguística quer estudar, mas o sistema em um determinado momento. Bagno conclui: "A principal característica do estruturalismo é a desconsideração absoluta do sujeito, isto é, do falante historicamente situado, membro de uma sociedade, participante de uma cultura, dotado de vontade política e capacidade de ação e decisão" (BAGNO, 2012BAGNO, Marcos. Gramática pedagógica do português brasileiro. São Paulo: Parábola, 2012., p. 49).

O monismo de Churata atinge a língua, a contrapelo da ciência linguística vigente e do sistema literário estabelecido, quando afirma categórico "não tem literatura sem homem"8 8 “no hay literatura sin hombre” (CHURATA, 2012, p. 169). (CHURATA, 2012CHURATA, Gamaliel. El pez de oro. Madrid: Cátedra, 2012., p. 169). A literatura e a língua fazem parte de um universo social, uma unidade que Churata percebe e quer resgatar das divisões operadas pela herança platônica. E para realizar isso ele leva em consideração um outro elemento desdenhado pelo estruturalismo, a história. Em suas considerações no início de El pez de oro, Churata assinala: "Os idiomas vêm de um tempo de trino: aquele da lactância do Pithecantropo; misturaram-se depois, lutaram com vozes a eles alheias, assimilaram umas, as chakcharam, cuspiram outras, enfim, as amanharam na índole de seu gorjeio e na idiossincrasia de seus meios laríngeos em não poucos séculos"9 9 “Los idiomas vienen de un tiempo de trino: el de la lactancia del Pithecantropo; se mezclaron después, contendieron con voces a ellos ajenas, asimilaron unas, chakcháronlas, escupieron otras, en fin, las amañaron a la índole de su gorjeo y a la idiosincrasia de sus medios laríngeos en no pocos siglos” (CHURATA, 2012, p. 153). (CHURATA, 2012CHURATA, Gamaliel. El pez de oro. Madrid: Cátedra, 2012., p. 153). Dessa maneira, não é possível considerar um idioma como um modelo fixo cuja correção seria codificada pela literatura. As línguas transformam-se no tempo, sua índole principal é a variação, na qual o contato entre os idiomas é decisivo. A língua participa assim da mônada vital; como o gorjeio, o que conta é o elemento material, sua realização, sua performance, que conforma sua idiossincrasia no tempo. Isto é fundamental pois alcança a língua castelhana imposta na América. Churata coloca uma proposição central: "O de Huaman e o nosso foi um espanhol no estado do romance quando amalgamava as influências que o conformavam e não assimilava ainda as substâncias visigóticas que, segundo historiadores do hispano, haveriam de dar-lhe as características que o diferençam do latim"10 10 “El de Huaman y el nuestro fue un español en el estado del romance cuando amalgamaba las influencias que le conformaban y no asimilara aún las substancias visigóticas que, según historiadores del hispano, habrían de darle las características que le diferencian del latín” (CHURATA, 2012, p. 165). Churata se refere ao escritor indígena Felipe Guamán Poma de Ayala, que no século XVII escreveu a obra Nueva Corónica y Buen Gobierno em um castelhano altamente influenciado pelo quéchua e com presença de outras línguas indígenas sem tradução. (CHURATA, 2012CHURATA, Gamaliel. El pez de oro. Madrid: Cátedra, 2012., p. 165). Se o que caracteriza a língua é a transformação, o castelhano instalado na América não constitui um sistema imóvel, codificado pela metrópole e alheio à vida onde se inseriu com a chegada dos espanhóis. Segundo Churata, o castelhano na América, ao entrar em contato com novas realidades e línguas, acelerou seu processo de transformação, e sua posição é parecida à do latim pós-romano. Assim, a visão da língua de Churata coloca-se contra uma concepção vigilante, purista, da língua que postularam intelectuais como Andrés Bello, autor da primeira gramática americana do castelhano. Com isso, Churata situa-se a contrapelo da concepção letrada, que associa a mudança com a corrupção e postula uma vigilância policial sobre a fala, estabelecendo categorias de correção que dão lugar a classificações sociais e despejos linguísticos. Julio Ramos assinala que esse era o intuito da proposta de Andrés Bello: "Nessa língua purificada, racionalizada e administrada pela gramática, os sujeitos se deslocariam no espaço da lei, submetidos à estrutura da sociabilidade instituída pelo ordem da letra e o poder dos letrados" (RAMOS, 2008RAMOS, Julio. Desencontros da modernidade na América Latina. Literatura e política no século 19. Tradução de Romulo Monte Alto. Belo Horizonte: UFMG , 2008. , p. 61).

Churata afirma a relação mútua entre as línguas em contato, a transformação ininterrupta e o protagonismo dos falantes que processam diariamente seu instrumento. Contra uma essência ideal da língua, Churata está propondo sua heterogeneidade, sua variação fundamental.

Uma translíngua andina

Dessa maneira, a proposta linguística de Gamaliel Churata em El pez de oro não se define como um mero experimentalismo, isto é, um cruzamento artificial entre línguas diversas, com uma finalidade inovadora e surpreendente, mas faz parte de sua concepção monista da realidade social, antiplatônica e anticolonial, que retorna a língua a seus falantes.

A proposta consiste em uma variedade específica do castelhano, o castelhano andino, fundada no contato com o quéchua e o aimará, um "idioma híbrido para híbridos" (CHURATA, 2010CHURATA, Gamaliel. Resurrección de los muertos. Lima: Asamblea Nacional de Rectores, 2010., p. 56). Esta proposta já foi defendida nos anos 20 do século passado nas páginas do Boletín Titikaka com a inclusão do artigo "Ortografía indoamericana", de Francisco Chuqiwanqa Ayulo, que inaugurava em dezembro de 1928 a segunda época da revista. Se a proposta de Chuqiwanqa era fundamentalmente fonética, a de Churata baseia-se no léxico. Essa discriminação deixa claro que não se trata de uma transposição da língua real em uso, mas de um projeto literário que ecoa procedimentos desse uso. Mas o que nem Chuqiwanqa nem Churata querem deixar de assinalar é a transformação do castelhano nos Andes e o reconhecimento de seus falantes.

O léxico do quéchua e do aimará que Churata incorpora ao castelhano não é aleatório, mas conforma um núcleo ecológico e filosófico, vinculado a realidades do território andino e à sua ação ritual, fundamental, como assinalou Helena Usandizaga (2012USANDIZAGA, Helena. "Introducción". In: CHURATA, Gamaliel. El pez de oro. Madrid: Cátedra: 2012: 11-121., p. 78), para o funcionamento de El pez de oro. Guissela Gonzales assinala que Churata consegue articular as lógicas distintas que regem a oralidade e a escrita, e que "através da presença de campos semânticos que funcionam como repertórios de conotações, imagens e metáforas, se produz uma ilusão de oralidade a partir da qual recria-se a cosmogonia, o universo andino em geral"11 11 "a través de la presencia de campos semánticos que funcionan como repertorios de connotaciones, imágenes y metáforas, se produce una ilusión de oralidad a partir de la cual se recrea la cosmogonía, el universo andino en general" (GONZALES, 2020, p. 149). (GONZALES, 2020GONZALES, Guissela. "Discurso y proceso de amestizamiento del castellano en 'La homilía del Khori Challwa' ". Mitologías hoy, v. 21, Bellaterra: Universitat Autònoma de Barcelona, 2020, p. 141-152. Disponível em: Disponível em: https://revistes.uab.cat/mitologias/article/view/v21-gonzales . Acesso em: 11 jan. 2021.
https://revistes.uab.cat/mitologias/arti...
, p. 149). Gonzales enfatiza que "cada uma destas cadeias coesivas se entrelaça às outras e ao se articular refletem um dos princípios básicos da cosmovisão andina: sua visão holística e relacional. Daí a afirmação categórica e tantas vezes repetida por Churata de que, em contraste com a visão metafísica ocidental, somos mônada"12 12 "cada una de estas cadenas cohesivas se entrelaza a las otras y al articularse reflejan uno de los principios básicos de la cosmovisión andina: su visión holística y relacional. De allí la afirmación categórica y tantas veces repetida por Churata de que, en contraste con la visión metafísica occidental, somos mónada" (GONZALES, 2020, p. 150). (GONZALES, 2020GONZALES, Guissela. "Discurso y proceso de amestizamiento del castellano en 'La homilía del Khori Challwa' ". Mitologías hoy, v. 21, Bellaterra: Universitat Autònoma de Barcelona, 2020, p. 141-152. Disponível em: Disponível em: https://revistes.uab.cat/mitologias/article/view/v21-gonzales . Acesso em: 11 jan. 2021.
https://revistes.uab.cat/mitologias/arti...
, p. 150).

Nessas palavras fundam-se os saberes do laika ou bruxo (o subtítulo de El pez de oro é “Retablos del Laikakuy”, isto é, retábulos do caminho do laika), a possibilidade de um pensamento andino realizado no ato de fala, pois, como assinala Guissela Gonzales, o mundo andino caracteriza-se precisamente pelo "caráter sagrado da natureza que impregna tudo o que existe, mesmo as palavras através das quais se atualiza essa sacralidade"13 13 "el carácter sagrado de la naturaleza que impregna todo lo que existe, incluso las palabras a través de las cuales se actualiza esa sacralidad" (GONZALES, 2020, p. 146). (GONZALES, 2020GONZALES, Guissela. "Discurso y proceso de amestizamiento del castellano en 'La homilía del Khori Challwa' ". Mitologías hoy, v. 21, Bellaterra: Universitat Autònoma de Barcelona, 2020, p. 141-152. Disponível em: Disponível em: https://revistes.uab.cat/mitologias/article/view/v21-gonzales . Acesso em: 11 jan. 2021.
https://revistes.uab.cat/mitologias/arti...
, p. 146). Churata compara de novo as línguas andinas com as línguas clássicas, para demonstrar suas possibilidades de fundar uma filosofia:

Em todo caso, um e outro [quéchua e aimará] para a realidade anímica do americano da América exercem o papel do latim e do grego para os greco-romanos; são línguas depositárias não neste caso de sabedoria clássica, e sim de um sentimento clássico da natureza, de cultura biogenética; pelo que é muito importante e sugestivo comprovar que tanto no Peru como na Bolívia suscitam preocupações hierárquicas que não demorarão em se transformar em política e estética para seus povos.14 14 “En todo caso, uno y el otro [quechua y aymara] para la realidad anímica del americano de América juegan el papel del latín y el griego para los grecorromanos; son lenguas depositarias no en este caso de sabiduría clásica, sí de un sentimiento clásico de la naturaleza, de cultura biogenética; por lo que es muy importante y sugestivo comprobar que tanto en el Perú́ como en Bolivia suscitan preocupaciones jerárquicas que nada tardarán en convertirse en política y estética para sus pueblos” (CHURATA, 2012, p. 156). (CHURATA, 2012CHURATA, Gamaliel. El pez de oro. Madrid: Cátedra, 2012., p. 156)

Se o grego de Platão funda a filosofia ocidental, a presença dos idiomas andinos é a condição de possibilidade para uma política e uma arte em relação com a natureza que as sustenta. Assim, as palavras quéchuas e aimarás que aparecem no texto de Churata são inegociáveis: elas conectam com a matéria e suas formas de ação. Por isso, Churata as chama de incrustações, à maneira de pedra sobre metal, ou de semente na terra.

Mauro Mamani, na conferência "Pacha y Wakch'a: espacio y tiempo para librar la orfandad", traz a metáfora da pirca para explicar a relação das palavras do quéchua e do aimará na obra de Churata. A pirca é uma parede feita de pedras sobrepostas que são encaixadas com a incorporação de pedras menores entre elas, sem argamassa. Segundo Mamani, "na obra de Churata aparecem as palavras quéchuas e aimarás como essas pedras que amarram todo o texto e são centrais, são nós. Essas pedras e essa linguagem que utilizou aí nos estão reenviando a esse universo, nos estão reenviando à memória dos povos"15 15 "En la obra de Churata aparecen las palabras quechuas y aymaras como esas piedras que amarran todo el texto y son centrales, son nudos. Esas piedras y ese lenguaje que ha empleado ahí nos están reenviando a ese universo, nos están reenviando a la memoria de los pueblos" (MAMANI, 2020). (MAMANI, 2020MAMANI, Mauro. "Pacha y Wakch'a: espacio y tiempo para librar la orfandad". Conferência realizada no Instituto de Literatura Hispanoamericana, Universidad de Buenos Aires, 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=mLw8fH_Ct_E&ab_channel=CCUPU-UBA%3AFILO . Acesso em 10 jan. 2021.
https://www.youtube.com/watch?v=mLw8fH_C...
).

Outro texto que ilumina a questão da introdução de palavras em quéchua em relação ao pensamento andino e os procedimentos de tradução é o artigo de Antonio Cornejo Polar "O discurso da harmonia impossível". Nele, o autor explica o procedimento tradutório do Inca Garcilaso de la Vega a propósito, precisamente, de uma pedra incrustada de ouro, que para os espanhóis era "coisa de maravilha" e que em quéchua recebia o nome de huaca (que tem a ver com a sensação do extraordinário, mas também com o sagrado). Cornejo Polar analisa como a vontade explicativa do Inca acaba deixando o quéchua sem nenhum efeito. A tradução realiza-se

dentro da sempre desejada harmonia do duplo que, no fundo e na verdade, é único - embora o custo dessa operação, se bem observado, seja o esvaziamento semântico da palavra quéchua, que se torna, apesar de conservar sua função retórica, uma tão vistosa como inútil dobradiça que articula o mesmo com o mesmo. (CORNEJO POLAR, 2000CORNEJO POLAR, Antonio. O condor voa. Literatura e cultura latino-americanas. Tradução de Ilka Valle de Carvalho. Belo Horizonte: UFMG, 2000., p. 118-9)

Churata critica diretamente na sua obra as operações de "subalternização" (CHURATA, 2012CHURATA, Gamaliel. El pez de oro. Madrid: Cátedra, 2012., p. 162) do quéchua por parte do Inca Garcilaso e nos seus textos aspira a uma lógica diferente. Por isso, a questão da tradução é importante. Em uma obra que apela a todas as formas do diálogo, frente a estas palavras Churata nega sistematicamente a possibilidade de traduzir. Ou, melhor dizendo, a transfere para a leitura, graças ao glossário colocado no final do texto, que obriga a repassar, articular e distinguir os idiomas andinos.

O glossário é uma ferramenta paratextual de diálogo que Churata usa para dar relevância à coexistência das línguas. Além de qualquer pretensão de exotismo, Churata sustenta com ele a compreensão mútua, pois mantém as palavras andinas e permite que quem não conhece esses termos possa procurar por seu significado. É precisamente o que destaca Mauro Mamani na conferência citada anteriormente: "a palavra quéchua, o idioma quéchua, isso são pontes por onde nós podemos circular e ingressar nesse universo"16 16 "La palabra quechua, el idioma quechua, eso son puentes por donde nosotros podemos circular e ingresar a ese universo" (MAMANI, 2020). (MAMANI, 2020MAMANI, Mauro. "Pacha y Wakch'a: espacio y tiempo para librar la orfandad". Conferência realizada no Instituto de Literatura Hispanoamericana, Universidad de Buenos Aires, 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=mLw8fH_Ct_E&ab_channel=CCUPU-UBA%3AFILO . Acesso em 10 jan. 2021.
https://www.youtube.com/watch?v=mLw8fH_C...
).

Nesse sentido, o conceito de tradução que Churata está colocando não é um processo acabado, que se entrega como resultado no texto literário, mas um processo pendente, una tarefa por fazer por quem lê o livro. Assim, a tradução pertinaz das culturas andinas, do aimará e do quéchua para o castelhano, e vice-versa, na qual se empenhou Churata em toda sua obra, também deve ser realizada na leitura. É uma corrente que flui, um transcurso. A tradução a partir desse ponto de vista adquire o significado de um processo de conhecimento, como o define a bióloga Donna Haraway associando-a ao feminismo:

O feminismo ama outra ciência: a ciência e a política da interpretação, da tradução, do gaguejar e do parcialmente compreendido. O feminismo tem a ver com as ciências dos sujeitos múltiplos com (pelo menos) visão dupla. O feminismo tem a ver com uma visão crítica, consequente com um posicionamento crítico num espaço social não homogêneo e marcado pelo gênero. A tradução é sempre interpretativa, crítica e parcial. (HARAWAY, 1995HARAWAY, Donna. "Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial". Cadernos Pagu, n. 5, Campinas: UNICAMP, 1995, p. 07-41. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/1773 . Acesso em 11 jan. 2021.
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/in...
, p. 31-2)

Como foi assinalado, na sua proposta, Churata opõe-se à ciência da linguagem de raiz platônica, à linguística estrutural tanto de Saussure como de Chomsky, e em sua formulação monista da língua aposta nas ideias de variação e mudança. Mas o extraordinário de Churata é que aplica essas ideias à literatura. Enquanto instituição, sobretudo com o estabelecimento de um cânone, a literatura constitui uma força centrípeta que, junto com a escola, propõe um modelo de língua estável e aspira a sofrear seu impulso de câmbio (BAGNO, 2012BAGNO, Marcos. Gramática pedagógica do português brasileiro. São Paulo: Parábola, 2012., p. 125). Churata, no entanto, pensa sua obra em direção oposta, como uma força centrífuga que reconhece a mudança e a instala. Essa operação, por um lado, denuncia o conservadorismo literário, que nega o espaço para a transformação do castelhano na América. É famosa a exclamação de Churata contra o cânone da literatura hispano-americana, inclusive a nativista, por estar escrita em castelhano: "Tudo isso é, e em medida hierárquica, espanhol e da Espanha"17 17 "Todo esto es, y en medida jerárquica, español y de España" (CHURATA, 2012, p. 179). (CHURATA, 2012CHURATA, Gamaliel. El pez de oro. Madrid: Cátedra, 2012., p. 179). Mas, ao mesmo tempo, Churata confere à literatura a missão de reconhecer as transformações da língua, sua variação social, e de desajustar as estruturas da colonização cultural. Por isso, destaca autores como os peruanos Guamán Poma e José María Arguedas, o equatoriano Jorge Icaza e o guatemalteco Luis Cardoza y Aragón:

em quem são notórios os batimentos de uma natureza com raiz; são, com decisão indissimulável, do ponto de vista hispano deploráveis. Não, como possibilidades americanas; pois neles é sobre o idioma que recai uma violência expressiva de uma pessoalidade que acabará por rasgar os tecidos idiomáticos, fazendo do romance um jargão quase bárbaro, quase tão bárbaro quanto o usado por Guaman Poma18 18 “en quienes es notorio el latido de una naturaleza con raíz; son, con decisión indisimulable, desde el punto de vista hispano deplorables. No, como posibilidades americanas; pues en ellos es sobre el idioma que recae una violencia expresiva de una personalidad que acabará por romper los tejidos idiomáticos, haciendo del romance una jerga cuasi bárbara, cuasi tan bárbara como la usada por Huaman Poma” (CHURATA, 2012, p. 182). (CHURATA, 2012CHURATA, Gamaliel. El pez de oro. Madrid: Cátedra, 2012., p. 182).

Estes autores, ao abrir a língua ao reconhecimento da diversidade linguística e cultural americana, arriscam-se ao erro, à inquisição dos gramáticos que assinalam a transgressão da norma. No entanto, como aponta Churata em relação à escritura do líder indígena Tupak Khatari, esse é o gesto mais poderoso de descolonização política e cultural, "o mais vivaz da resistência índia frente ao domínio hispano"19 19 “lo más vivaz de la resistencia india frente al dominio hispano” (CHURATA, 2012, p. 165). (CHURATA, 2012CHURATA, Gamaliel. El pez de oro. Madrid: Cátedra, 2012., p. 165). Além disso, a partir de um ponto de vista social, a língua híbrida de Khatari representa uma possibilidade real para a literatura americana, ainda que reiteradamente desprezada: "Ninguém viu no imundo espanhol de Huaman Poma, ou Tupak Khatari, a dialética de uma estética; nenhum crítico calculou a chaskhadeira: foi deixada para os espetáculos do Thantakhatu; jamais pensou-se em extraí-la das zonas plebeias às quais a alma americana foi confinada"20 20 “Nadie vio en el mugriento español de Huaman Poma, o Tupak Khatari, la dialéctica de una estética; ningún crítico tabuló la chaskhadera; se la dejó para los espectáculos del Thantakhatu; jamás se pensó en extraerla de las zonas plebeyas a que el alma americana fue confinada” (CHURATA, 2012, p. 184). (CHURATA, 2012CHURATA, Gamaliel. El pez de oro. Madrid: Cátedra, 2012., p. 184).

Um dos críticos que décadas depois respondeu ao desafio de Churata e que também levou o conceito de variação à literatura foi Antonio Cornejo Polar. Em lugar de assumir o sistema literário culto como único e normativo, fechado em si mesmo, Cornejo Polar afirmou o caráter heterogêneo do fenômeno literário imaginando um polissistema composto dos diversos subsistemas presentes em um determinado espaço cultural que interagem entre si. Em Escribir en el aire, assinala o esforço coletivo de reconhecimento de discursos e propostas de instrumentos críticos para dar conta da pluralidade que Churata reclamava:

Foi - é - o momento da revalorização das literaturas étnicas e outras marginais e do afinamento de categorias críticas que tentam explicar esse enredado corpus: ‘literatura transcultural’ (Rama), ‘literatura outra’ (Bendezú), ‘literatura diglóssica’ (Ballón), ‘literatura alternativa’ (Lienhard), ‘literatura heterogênea’ (que é como eu prefiro chamar), opções que em parte poderiam subsumir-se nos macroconceitos de ‘cultura híbrida’ (García Canclini) ou de ‘sociedade abigarrada’ (Zavaleta), e que - de outro lado - explicam a discussão não só da ‘transformação da noção de literatura’ (Rincón) mas do questionamento radical, ao menos para certos períodos, do conceito mesmo de ‘literatura’ (Mignolo, Adorno, Lienhard)21 21 “Fue - es - el momento de la revalorización de las literatura étnicas y otras marginales y del afinamiento de categorías críticas que intentan dar razón de ese enredado corpus: ‘literatura transcultural’ (Rama), ‘literatura otra’ (Bendezú), ‘literatura diglósica’ (Ballón), ‘literatura alternativa’ (Lienhard), ‘literatura heterogénea’ (que es como yo prefiero llamarla), opciones que en parte podrían subsumirse en los macro-conceptos de ‘cultura híbrida’ (García Canclini) o de ‘sociedad abigarrada’ (Zavaleta), y que - de otro lado - explican la discusión no sólo del ‘cambio de noción de literatura’ (Rincón) sino del cuestionamiento radical, al menos para ciertos periodos, del concepto mismo de ‘literatura’ (Mignolo, Adorno, Lienhard)” (CORNEJO POLAR, 2003, p. 6-7). . (CORNEJO POLAR, 2003CORNEJO POLAR, Antonio. Escribir en el aire. Ensayo sobre la heterogeneidad socio-cultural en las literaturas andinas. Lima: CELAP / Latinoamericana Editores , 2003., p. 6-7)

Por uma (trans)língua animal

Churata vai nas classes populares para alimentar a literatura, pois ela deve-se libertar da subserviência da letra. Isso que poderia parecer um paradoxo tem um fundamento colonial na América. Como foi anotado anteriormente, Cornejo Polar assinala como a letra entra nos Andes como um instrumento de poder e de subordinação das populações não hispanas. A cidade letrada americana foi definida de forma brilhante por Ángel Rama para explicar essas formas de dominação cultural impostas:

No centro de toda cidade, conforme diversos graus que alcançavam sua plenitude nas capitais vice-reinais, houve uma cidade letrada que compunha o anel protetor do poder e executor de suas ordens: uma plêiade de religiosos, administradores, educadores, profissionais, escritores e múltiplos servidores intelectuais. Todos os que manejavam a pena estavam estreitamente associados às funções do poder. (RAMA, 1985RAMA, Ángel. A cidade das letras. Tradução de Emir Sader. São Paulo: Brasiliense, 1985., p. 43)

Mas além das distinções entre o oral e o escrito, o homem-letra representa para Churata a síntese do pensamento logocêntrico ocidental trazido pelos espanhóis e que tentou apagar de forma violenta (basta pensar nas furiosas campanhas de 'extirpação de idolatrias' realizadas nos Andes) outras formas de pensar o mundo. Como foi assinalado, Churata defende a unidade vital, um conjunto onde humanos e não humanos, vivos e mortos, estabelecem relações entre si. O logos serviu como linha de separação entre a humanidade e os animais. Churata questiona essa operação platônica e suas funestas consequências para a compreensão da vida:

Será que tem alguma diferença entre o punhal nas mãos do homem tímido, ao que ontem você se referiu, e o bisturi com que o heleno secciona a unidade da vida para transformar o homem em deus? Pretendeu o grande filósofo criar a didática de uma psicologia mística na medida da soberba dos homens quando feria a célula do fenômeno vital. O ponto harmônico das funções somáticas é a alma: não só no quadrúpede, mas em todos os bípedes, implumes ou plumários, e o mesmo no anelídeo e na natureza unicelular. A imortalidade da alma não pode ser privativa do homem; se é condição de vida. Para os efeitos funcionais da alma todos devemos ser animais.22 22 "¿Es que hay alguna diferencia entre el puñal en manos del hombre tímido, a que ayer te referiste, y el bisturí con que el heleno secciona la unidad de la vida para convertir al hombre en dios? Pretendió el gran filósofo crear la didáctica de una psicología mística en la medida de la soberbia de los hombres cuando hería la célula del fenómeno vital. El punto armónico de las funciones somáticas es el alma: pero no sólo en el cuadrúpedo, sino en todos los bípedos, implumes o plumarios, y lo mismo en el anélido y en la naturaleza unicelular. La inmortalidad del alma no puede ser privativa del hombre; si es condición de la vida. Para los efectos funcionales del alma todos debemos ser animales" (CHURATA, 2012, p. 740-1). (CHURATA, 2012CHURATA, Gamaliel. El pez de oro. Madrid: Cátedra, 2012., p. 741)

A filosofia ocidental funda-se nesse pensamento abstrato que nega sua conexão com outras dimensões da vida. Elizabeth Monasterios indica que um dos objetivos principais de Churata é procurar uma "problematização da linguagem como facilitadora de significados conceptuais autônomos e universais - 'formas', diria Platão, que certificam que o conhecimento não provém da realidade sensível mas de Ideias verdadeiras e universais"23 23 "problematización del lenguaje en cuanto facilitador de significados conceptuales autónomos y universales - 'formas', diría Platón, que certifican que el conocimiento no proviene de la realidad sensible sino de Ideas verdaderas y universales" (MONASTERIOS, 2019, p. 258). (MONASTERIOS, 2019MONASTERIOS, Elizabeth. "La crítica de Gamaliel Churata al sistema filosófico de Platón o cómo construir un mundo a-teológico y des-jerarquizado". In: MONASTERIOS, Elizabeth; MAMANI, Mauro. Gamaliel Churata: El escritor, el filósofo, el artista que no conocíamos. Pittsburgh: Instituto Internacional de Literatura Iberoamericana, 2019, p. 245-273., p. 258).

Mas com o método platônico o pensamento e o conhecimento ficam limitados ao alcance do logos. Churata realiza uma crítica epistemológica radical demonstrando que a filosofia ocidental circulou durante séculos dentro dos muros da palavra: "O mal radica no fato de que o homem que filosofa procura o conhecimento em palavras e sua capacidade de cognocer alcança só o quanto sua palavra descreve"24 24 "El mal radica en que el hombre que filosofa busca el conocimiento en palabras y su capacidad de cognocer alcanza sólo a cuanto su palabra describe" (CHURATA, 2010, p. 87). (CHURATA, 2010CHURATA, Gamaliel. Resurrección de los muertos. Lima: Asamblea Nacional de Rectores, 2010., p. 87). E levanta uma suspeita; aquilo que importa conhecer está além das palavras: "a inteligência é um suposto de dialético e não um fenômeno da fisiologia do homem. Só assim explicam-se os graus de ignorância - que caracterizam o homem com relação aos outros animais do planeta - nos problemas fundamentais da matéria"25 25 "la inteligencia es un supuesto de dialéctico y no un fenómeno de la fisiología del hombre. Sólo así se explican los grados de ignorancia - que caracterizan al hombre con relación a los demás animales del planeta - en los problemas fundamentales de la materia" (CHURATA, 2010, p. 80). (CHURATA, 2010CHURATA, Gamaliel. Resurrección de los muertos. Lima: Asamblea Nacional de Rectores, 2010., p. 80).

A linguagem assim se transforma naquilo que separou os homens dos animais, não como uma forma de superioridade, mas pelo contrário, como uma derrota: "O idioma do homem assinalaria o ponto da evasão do homem e a transmutação de seus valores como natureza animal. Não é esta uma acusação. Assinalamos fatos que vão permitir descobrir a raiz de seus páthos e torturas"26 26 "El idioma del hombre señalaría el punto de la evasión del hombre y la transmutación de sus valores como naturaleza animal. No es este un cargo. Señalamos hechos que permitirán descubrir la raíz de sus patéticas y torturas" (CHURATA, 2010, p. 67). (CHURATA, 2010CHURATA, Gamaliel. Resurrección de los muertos. Lima: Asamblea Nacional de Rectores, 2010., p. 67).

É preciso, pois, restabelecer a unidade vital e adquirir uma linguagem da matéria viva: "A civilização humana deverá ser civilização animal ou nada. Sua economia solar, estritamente: sua dinâmica sanguínea"27 27 "La civilización humana deberá ser civilización animal o nada. Su economía solar, estrictamente: su dinámica sanguínea" (CHURATA, 2010, p. 86-87). (CHURATA, 2010CHURATA, Gamaliel. Resurrección de los muertos. Lima: Asamblea Nacional de Rectores, 2010., p. 86-87). A língua configura-se então como movimento e pulsação da vida, em uma relação de reciprocidade: "esse ato de dar e receber em quanto é matéria e é espacial constitui a norma dinâmica do movimento absoluto [Heráclito]"28 28 "ese acto de dar y recibir en cuanto es materia y es espacial constituye la norma dinámica del movimiento absoluto [Heráclito]" (CHURATA, 2010, p. 78). (CHURATA, 2010CHURATA, Gamaliel. Resurrección de los muertos. Lima: Asamblea Nacional de Rectores, 2010., p. 78).

Língua que é matéria, ação e não abstração, movimento de dar e receber que supera a norma e a transforma: a translíngua de Churata reconhece-se animal para participar da vida com todas as formas da natureza. Para explicar essa ideia Churata utiliza a palavra quéchua Pachakamak:

Uns sobre as águas, outros na terra, todos os deuses sopraram na argila modelada à sua imagem e semelhança, e o barro animou-se: havia nascido o homem. O filósofo atlante foi mais profundo e mais sério, e chamou esse fluido de: Pachakamak: o que anima e se anima. Nenhuma corporeidade antrópica. Não tem, até onde alcanço, uma definição mais exata do movimento, isto é, da ahayu, a semente do homem e da natureza.29 29 "Unos sobre el haz de las aguas, otros a ras de la tierra, todos los dioses soplaron en la arcilla modelada a su imagen y semejanza, y el barro se animó: había nacido el hombre. El filósofo atlanta fue más profundo y más serio, y llamó a ese fluido: Pachakamak: lo que anima y se anima. Ninguna corporeidad antrópica. No hay, hasta donde alcanzo una definición más exacta del movimiento, es decir, de la ahayu, la semilla del hombre y de la naturaleza" (CHURATA, 2012, p. 326). (CHURATA, 2012CHURATA, Gamaliel. El pez de oro. Madrid: Cátedra, 2012., p. 326)

Nesse sentido, Otmar Ette destaca precisamente a relacionalidade e o movimento como as condições para as literaturas por vir: "o futuro das literaturas do mundo reside no desdobramento criativo de lógicas diferenciadas e mesmo variadas, para as quais têm de ser desenvolvidas não apenas teorias da poesia, mas também teorias da leitura, atualizadas e baseadas no movimento" (ETTE, 2019ETTE, Otmar. "As literaturas do mundo: condições transculturais e desafios polilógicos de um conceito prospectivo". In: MELLO, Ana Maria Lisboa de; ANDRADE, Antonio (orgs.). Translinguismo e poéticas do contemporâneo. Rio de Janeiro: 7Letras, 2019, p. 21-40., p. 38). Ao desafio de assumir propostas culturais descentradas e polilógicas, Churata adiciona, em sintonia com os saberes dos povos andinos, a necessidade de agir em relação de reciprocidade com a natureza que nos integra, para que um futuro da vida e das línguas seja possível.

Referências

  • BAGNO, Marcos. Gramática pedagógica do português brasileiro São Paulo: Parábola, 2012.
  • BOSSHARD, Marco Thomas. Churata y la vanguardia andina Lima: CELAP / Latinoamericana Editores, 2014.
  • CHURATA, Gamaliel. Resurrección de los muertos Lima: Asamblea Nacional de Rectores, 2010.
  • CHURATA, Gamaliel. El pez de oro Madrid: Cátedra, 2012.
  • CORNEJO POLAR, Antonio. O condor voa. Literatura e cultura latino-americanas Tradução de Ilka Valle de Carvalho. Belo Horizonte: UFMG, 2000.
  • CORNEJO POLAR, Antonio. Escribir en el aire. Ensayo sobre la heterogeneidad socio-cultural en las literaturas andinas Lima: CELAP / Latinoamericana Editores , 2003.
  • ETTE, Otmar. "As literaturas do mundo: condições transculturais e desafios polilógicos de um conceito prospectivo". In: MELLO, Ana Maria Lisboa de; ANDRADE, Antonio (orgs.). Translinguismo e poéticas do contemporâneo Rio de Janeiro: 7Letras, 2019, p. 21-40.
  • GONZALES, Guissela. "Discurso y proceso de amestizamiento del castellano en 'La homilía del Khori Challwa' ". Mitologías hoy, v. 21, Bellaterra: Universitat Autònoma de Barcelona, 2020, p. 141-152. Disponível em: Disponível em: https://revistes.uab.cat/mitologias/article/view/v21-gonzales Acesso em: 11 jan. 2021.
    » https://revistes.uab.cat/mitologias/article/view/v21-gonzales
  • HARAWAY, Donna. "Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial". Cadernos Pagu, n. 5, Campinas: UNICAMP, 1995, p. 07-41. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/1773 Acesso em 11 jan. 2021.
    » https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/1773
  • HUAMÁN, Miguel Ángel. Fronteras de la escritura. Discurso y utopía en Churata Lima: Horizonte, 1994.
  • MAMANI, Mauro. "Pacha y Wakch'a: espacio y tiempo para librar la orfandad". Conferência realizada no Instituto de Literatura Hispanoamericana, Universidad de Buenos Aires, 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=mLw8fH_Ct_E&ab_channel=CCUPU-UBA%3AFILO Acesso em 10 jan. 2021.
    » https://www.youtube.com/watch?v=mLw8fH_Ct_E&ab_channel=CCUPU-UBA%3AFILO
  • MONASTERIOS, Elizabeth. "La crítica de Gamaliel Churata al sistema filosófico de Platón o cómo construir un mundo a-teológico y des-jerarquizado". In: MONASTERIOS, Elizabeth; MAMANI, Mauro. Gamaliel Churata: El escritor, el filósofo, el artista que no conocíamos Pittsburgh: Instituto Internacional de Literatura Iberoamericana, 2019, p. 245-273.
  • RAMA, Ángel. A cidade das letras Tradução de Emir Sader. São Paulo: Brasiliense, 1985.
  • RAMOS, Julio. Desencontros da modernidade na América Latina. Literatura e política no século 19 Tradução de Romulo Monte Alto. Belo Horizonte: UFMG , 2008.
  • USANDIZAGA, Helena. "Introducción". In: CHURATA, Gamaliel. El pez de oro Madrid: Cátedra: 2012: 11-121.
  • 1
    Todas as citações da obra de Gamaliel Churata e sua fortuna crítica foram traduzidas pela autora do artigo. Nas notas de rodapé vão ser consignados os textos de partida: “el punto de partida de toda literatura (y de todo hombre) está en el idioma que la sustancia” (CHURATA, 2012CHURATA, Gamaliel. El pez de oro. Madrid: Cátedra, 2012., p. 152).
  • 2
    “¿Entiendes, Plato?”. Elizabeth Monasterios (2019MONASTERIOS, Elizabeth. "La crítica de Gamaliel Churata al sistema filosófico de Platón o cómo construir un mundo a-teológico y des-jerarquizado". In: MONASTERIOS, Elizabeth; MAMANI, Mauro. Gamaliel Churata: El escritor, el filósofo, el artista que no conocíamos. Pittsburgh: Instituto Internacional de Literatura Iberoamericana, 2019, p. 245-273., p. 255-6) destaca o caráter paródico desta expressão, na qual o autor brinca com o nome do filósofo, a partir do Plato latino e sua homonímia com a palavra prato em espanhol. Em algumas ocasiões, o nome é traduzido para o aimará como Chua.
  • 3
    “¿Entiendes, Plato? Sólo se puede ser en mónada” (CHURATA, 2012CHURATA, Gamaliel. El pez de oro. Madrid: Cátedra, 2012., p. 219).
  • 4
    “El tinkuy como la unión de hanan y hurin posibilita la afirmación de la unidad del cuerpo y del espíritu en una base autóctona, y se convierte, por ende, en un concepto sobre el cual se podría desarrollar una filosofía andina” (BOSSHARD, 2014BOSSHARD, Marco Thomas. Churata y la vanguardia andina. Lima: CELAP / Latinoamericana Editores, 2014., p. 154). Hanan pode ser traduzido como "alto" e hurin como "baixo". Para esclarecer a centralidade desse par, Bosshard anota: "La dicotomía topográfica de arriba y abajo, que es idéntica a la de hombre y mujer, define en los Andes también las estructuras (agro)económicas, en la medida en que diversas plantas útiles y tubérculos comestibles sólo pueden cultivarse a determinadas alturas, de modo que los campesinos trabajan simultáneamente en diferentes pisos ecológicos" (BOSSHARD, 2014BOSSHARD, Marco Thomas. Churata y la vanguardia andina. Lima: CELAP / Latinoamericana Editores, 2014., p. 140).
  • 5
    "la zona de encuentro donde se juntan dos elementos que proceden de dos direcciones diferentes, permite realizar el ideal de unidad o de las cosas que siempre vienen juntas (yanatin) como dos ojos, dos manos, etc; mitades perfectas de un centro primordial o taypi” (HUAMÁN, 1994HUAMÁN, Miguel Ángel. Fronteras de la escritura. Discurso y utopía en Churata. Lima: Horizonte, 1994., p. 64).
  • 6
    "Hanan y hurin parecen idénticos en muchos aspectos al ying y el yang del pensamiento chino alcanzando así un potencial de categorías filosóficas" (BOSSHARD, 2014BOSSHARD, Marco Thomas. Churata y la vanguardia andina. Lima: CELAP / Latinoamericana Editores, 2014., p. 154).
  • 7
    "es de suponer que, en analogía con esa unidad paradójica de hanan y hurin y de cuerpo y espíritu en el monismo churatiano, también exista un lazo parecido al tinkuy con respecto a la pareja significante / significado" (BOSSHARD, 2014BOSSHARD, Marco Thomas. Churata y la vanguardia andina. Lima: CELAP / Latinoamericana Editores, 2014., p. 154-155).
  • 8
    “no hay literatura sin hombre” (CHURATA, 2012CHURATA, Gamaliel. El pez de oro. Madrid: Cátedra, 2012., p. 169).
  • 9
    “Los idiomas vienen de un tiempo de trino: el de la lactancia del Pithecantropo; se mezclaron después, contendieron con voces a ellos ajenas, asimilaron unas, chakcháronlas, escupieron otras, en fin, las amañaron a la índole de su gorjeo y a la idiosincrasia de sus medios laríngeos en no pocos siglos” (CHURATA, 2012CHURATA, Gamaliel. El pez de oro. Madrid: Cátedra, 2012., p. 153).
  • 10
    “El de Huaman y el nuestro fue un español en el estado del romance cuando amalgamaba las influencias que le conformaban y no asimilara aún las substancias visigóticas que, según historiadores del hispano, habrían de darle las características que le diferencian del latín” (CHURATA, 2012CHURATA, Gamaliel. El pez de oro. Madrid: Cátedra, 2012., p. 165). Churata se refere ao escritor indígena Felipe Guamán Poma de Ayala, que no século XVII escreveu a obra Nueva Corónica y Buen Gobierno em um castelhano altamente influenciado pelo quéchua e com presença de outras línguas indígenas sem tradução.
  • 11
    "a través de la presencia de campos semánticos que funcionan como repertorios de connotaciones, imágenes y metáforas, se produce una ilusión de oralidad a partir de la cual se recrea la cosmogonía, el universo andino en general" (GONZALES, 2020GONZALES, Guissela. "Discurso y proceso de amestizamiento del castellano en 'La homilía del Khori Challwa' ". Mitologías hoy, v. 21, Bellaterra: Universitat Autònoma de Barcelona, 2020, p. 141-152. Disponível em: Disponível em: https://revistes.uab.cat/mitologias/article/view/v21-gonzales . Acesso em: 11 jan. 2021.
    https://revistes.uab.cat/mitologias/arti...
    , p. 149).
  • 12
    "cada una de estas cadenas cohesivas se entrelaza a las otras y al articularse reflejan uno de los principios básicos de la cosmovisión andina: su visión holística y relacional. De allí la afirmación categórica y tantas veces repetida por Churata de que, en contraste con la visión metafísica occidental, somos mónada" (GONZALES, 2020GONZALES, Guissela. "Discurso y proceso de amestizamiento del castellano en 'La homilía del Khori Challwa' ". Mitologías hoy, v. 21, Bellaterra: Universitat Autònoma de Barcelona, 2020, p. 141-152. Disponível em: Disponível em: https://revistes.uab.cat/mitologias/article/view/v21-gonzales . Acesso em: 11 jan. 2021.
    https://revistes.uab.cat/mitologias/arti...
    , p. 150).
  • 13
    "el carácter sagrado de la naturaleza que impregna todo lo que existe, incluso las palabras a través de las cuales se actualiza esa sacralidad" (GONZALES, 2020GONZALES, Guissela. "Discurso y proceso de amestizamiento del castellano en 'La homilía del Khori Challwa' ". Mitologías hoy, v. 21, Bellaterra: Universitat Autònoma de Barcelona, 2020, p. 141-152. Disponível em: Disponível em: https://revistes.uab.cat/mitologias/article/view/v21-gonzales . Acesso em: 11 jan. 2021.
    https://revistes.uab.cat/mitologias/arti...
    , p. 146).
  • 14
    “En todo caso, uno y el otro [quechua y aymara] para la realidad anímica del americano de América juegan el papel del latín y el griego para los grecorromanos; son lenguas depositarias no en este caso de sabiduría clásica, sí de un sentimiento clásico de la naturaleza, de cultura biogenética; por lo que es muy importante y sugestivo comprobar que tanto en el Perú́ como en Bolivia suscitan preocupaciones jerárquicas que nada tardarán en convertirse en política y estética para sus pueblos” (CHURATA, 2012CHURATA, Gamaliel. El pez de oro. Madrid: Cátedra, 2012., p. 156).
  • 15
    "En la obra de Churata aparecen las palabras quechuas y aymaras como esas piedras que amarran todo el texto y son centrales, son nudos. Esas piedras y ese lenguaje que ha empleado ahí nos están reenviando a ese universo, nos están reenviando a la memoria de los pueblos" (MAMANI, 2020MAMANI, Mauro. "Pacha y Wakch'a: espacio y tiempo para librar la orfandad". Conferência realizada no Instituto de Literatura Hispanoamericana, Universidad de Buenos Aires, 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=mLw8fH_Ct_E&ab_channel=CCUPU-UBA%3AFILO . Acesso em 10 jan. 2021.
    https://www.youtube.com/watch?v=mLw8fH_C...
    ).
  • 16
    "La palabra quechua, el idioma quechua, eso son puentes por donde nosotros podemos circular e ingresar a ese universo" (MAMANI, 2020MAMANI, Mauro. "Pacha y Wakch'a: espacio y tiempo para librar la orfandad". Conferência realizada no Instituto de Literatura Hispanoamericana, Universidad de Buenos Aires, 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=mLw8fH_Ct_E&ab_channel=CCUPU-UBA%3AFILO . Acesso em 10 jan. 2021.
    https://www.youtube.com/watch?v=mLw8fH_C...
    ).
  • 17
    "Todo esto es, y en medida jerárquica, español y de España" (CHURATA, 2012CHURATA, Gamaliel. El pez de oro. Madrid: Cátedra, 2012., p. 179).
  • 18
    “en quienes es notorio el latido de una naturaleza con raíz; son, con decisión indisimulable, desde el punto de vista hispano deplorables. No, como posibilidades americanas; pues en ellos es sobre el idioma que recae una violencia expresiva de una personalidad que acabará por romper los tejidos idiomáticos, haciendo del romance una jerga cuasi bárbara, cuasi tan bárbara como la usada por Huaman Poma” (CHURATA, 2012CHURATA, Gamaliel. El pez de oro. Madrid: Cátedra, 2012., p. 182).
  • 19
    “lo más vivaz de la resistencia india frente al dominio hispano” (CHURATA, 2012CHURATA, Gamaliel. El pez de oro. Madrid: Cátedra, 2012., p. 165).
  • 20
    “Nadie vio en el mugriento español de Huaman Poma, o Tupak Khatari, la dialéctica de una estética; ningún crítico tabuló la chaskhadera; se la dejó para los espectáculos del Thantakhatu; jamás se pensó en extraerla de las zonas plebeyas a que el alma americana fue confinada” (CHURATA, 2012CHURATA, Gamaliel. El pez de oro. Madrid: Cátedra, 2012., p. 184).
  • 21
    “Fue - es - el momento de la revalorización de las literatura étnicas y otras marginales y del afinamiento de categorías críticas que intentan dar razón de ese enredado corpus: ‘literatura transcultural’ (Rama), ‘literatura otra’ (Bendezú), ‘literatura diglósica’ (Ballón), ‘literatura alternativa’ (Lienhard), ‘literatura heterogénea’ (que es como yo prefiero llamarla), opciones que en parte podrían subsumirse en los macro-conceptos de ‘cultura híbrida’ (García Canclini) o de ‘sociedad abigarrada’ (Zavaleta), y que - de otro lado - explican la discusión no sólo del ‘cambio de noción de literatura’ (Rincón) sino del cuestionamiento radical, al menos para ciertos periodos, del concepto mismo de ‘literatura’ (Mignolo, Adorno, Lienhard)” (CORNEJO POLAR, 2003CORNEJO POLAR, Antonio. Escribir en el aire. Ensayo sobre la heterogeneidad socio-cultural en las literaturas andinas. Lima: CELAP / Latinoamericana Editores , 2003., p. 6-7).
  • 22
    "¿Es que hay alguna diferencia entre el puñal en manos del hombre tímido, a que ayer te referiste, y el bisturí con que el heleno secciona la unidad de la vida para convertir al hombre en dios? Pretendió el gran filósofo crear la didáctica de una psicología mística en la medida de la soberbia de los hombres cuando hería la célula del fenómeno vital. El punto armónico de las funciones somáticas es el alma: pero no sólo en el cuadrúpedo, sino en todos los bípedos, implumes o plumarios, y lo mismo en el anélido y en la naturaleza unicelular. La inmortalidad del alma no puede ser privativa del hombre; si es condición de la vida. Para los efectos funcionales del alma todos debemos ser animales" (CHURATA, 2012CHURATA, Gamaliel. El pez de oro. Madrid: Cátedra, 2012., p. 740-1).
  • 23
    "problematización del lenguaje en cuanto facilitador de significados conceptuales autónomos y universales - 'formas', diría Platón, que certifican que el conocimiento no proviene de la realidad sensible sino de Ideas verdaderas y universales" (MONASTERIOS, 2019MONASTERIOS, Elizabeth. "La crítica de Gamaliel Churata al sistema filosófico de Platón o cómo construir un mundo a-teológico y des-jerarquizado". In: MONASTERIOS, Elizabeth; MAMANI, Mauro. Gamaliel Churata: El escritor, el filósofo, el artista que no conocíamos. Pittsburgh: Instituto Internacional de Literatura Iberoamericana, 2019, p. 245-273., p. 258).
  • 24
    "El mal radica en que el hombre que filosofa busca el conocimiento en palabras y su capacidad de cognocer alcanza sólo a cuanto su palabra describe" (CHURATA, 2010CHURATA, Gamaliel. Resurrección de los muertos. Lima: Asamblea Nacional de Rectores, 2010., p. 87).
  • 25
    "la inteligencia es un supuesto de dialéctico y no un fenómeno de la fisiología del hombre. Sólo así se explican los grados de ignorancia - que caracterizan al hombre con relación a los demás animales del planeta - en los problemas fundamentales de la materia" (CHURATA, 2010CHURATA, Gamaliel. Resurrección de los muertos. Lima: Asamblea Nacional de Rectores, 2010., p. 80).
  • 26
    "El idioma del hombre señalaría el punto de la evasión del hombre y la transmutación de sus valores como naturaleza animal. No es este un cargo. Señalamos hechos que permitirán descubrir la raíz de sus patéticas y torturas" (CHURATA, 2010CHURATA, Gamaliel. Resurrección de los muertos. Lima: Asamblea Nacional de Rectores, 2010., p. 67).
  • 27
    "La civilización humana deberá ser civilización animal o nada. Su economía solar, estrictamente: su dinámica sanguínea" (CHURATA, 2010CHURATA, Gamaliel. Resurrección de los muertos. Lima: Asamblea Nacional de Rectores, 2010., p. 86-87).
  • 28
    "ese acto de dar y recibir en cuanto es materia y es espacial constituye la norma dinámica del movimiento absoluto [Heráclito]" (CHURATA, 2010CHURATA, Gamaliel. Resurrección de los muertos. Lima: Asamblea Nacional de Rectores, 2010., p. 78).
  • 29
    "Unos sobre el haz de las aguas, otros a ras de la tierra, todos los dioses soplaron en la arcilla modelada a su imagen y semejanza, y el barro se animó: había nacido el hombre. El filósofo atlanta fue más profundo y más serio, y llamó a ese fluido: Pachakamak: lo que anima y se anima. Ninguna corporeidad antrópica. No hay, hasta donde alcanzo una definición más exacta del movimiento, es decir, de la ahayu, la semilla del hombre y de la naturaleza" (CHURATA, 2012CHURATA, Gamaliel. El pez de oro. Madrid: Cátedra, 2012., p. 326).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Out 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2021

Histórico

  • Recebido
    11 Jan 2021
  • Aceito
    19 Mar 2021
Programa de Pos-Graduação em Letras Neolatinas, Faculdade de Letras -UFRJ Av. Horácio Macedo, 2151, Cidade Universitária, CEP 21941-97 - Rio de Janeiro RJ Brasil , - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: alea.ufrj@gmail.com