OCORRÊNCIA DA DERMATOFILOSE (DERMATOPHILUS CONGOLENSIS) EM SUÍNOS CRIADOS NO ESTADO DE SÃO PAULO, BRASIL

OCCURRENCE OF DERMATOPHILOSIS (DERMATOPHILUS CONGOLENSIS) IN PIGS BRED IN THE STATE OF SÃO PAULO, BRAZIL

RESUMO

Descreveu-se a ocorrência da Dermatofilose em suínos adultos atendidos pela Clínica de Bovinos do Centro de Pesquisa e Diagnóstico de Enfermidades de Ruminantes da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo. Os animais enfermos apresentaram uma epidermite exsudativa caracterizada pela formação de crostas que se destacavam com facilidade e que apresentavam uma secreção com aspecto purulento, principalmente nas regiões do dorso e nas orelhas dos animais. Os esfregaços das crostas e secreções revelaram a presença de estruturas similares a cocos que se arranjavam em filamentos, morfologicamente semelhantes ao zoósporo do Dermatophilus congolensis, sendo a confirmação do diagnóstico realizada por biopsia de pele e isolamento do agente etiológico da doença em amostras colhidas dos dois animais enfermos.

PALAVRAS-CHAVE
Epidermite exsudativa; LargeWhite

ABSTRACT

We describe the occurrence of dermatophilosis in adult pigs admitted at the Clinic for Cattle in the Center for Research and Diagnostics of Ruminant Diseases in the School of Veterinary Medicine at University of São Paulo, Brazil. The sick animals had an exudative epidermitis, characterized by the presence of easily removable scabs with an underlying purulent exsudate. The lesions were observed mainly on the animals’ backs and ears. The smear of the scabs and secretions revealed the presence of structures that were similar to coccus which were displayed in filaments and were morphologically similar to the Dermatophilus congolensis zoospore. The diagnosis was confirmed by skin biopsy and by the isolation of the etiologic agent from samples collected from the sick animals.

KEY WORDS
Pigs; Dermatophilus congolensis ; dermatophilosis

A dermatofilose é uma enfermidade infecto-contagiosa, cujo agente etiológico, o Dermatophilus congolensis, um actinomiceto Gram positivo, filamentoso e ramificado, determina uma epidermite exsudativa com formação de crostas que se destacam com facilidade (VAN SACEGHEM, 1915 apud STEWART, 1972). Esta enfermidade, de evolução aguda ou crônica, tem sido descrita em diversas espécies animais, sendo a sua ocorrência considerada como freqüente em espécies como a bovina, eqüina e a caprina, porém na espécie suína é considerada como rara (SCOTT, 1988).

Ao analisar-se a bibliografia mundial foram encontradas poucas comunicações científicas sobre a dermatofilose em suínos, sendo a sua ocorrência, até o momento, relatada somente na Europa Central (STANKUSHEVE et al., 1968; VERDES, 1990) e nos Estados Unidos, LOMAX & COLE (1983), não havendo relatos da sua ocorrência no Brasil.

Em outubro de 2002 foram atendidos na Clínica de Bovinos da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo, 2 suínos adultos, da raça Large White, provenientes de granja localizada na Cidade de Franco da Rocha, Estado de São Paulo, sendo o plantel composto por 45 animais, dos quais havia outros 3 suínos adultos que apresentavam lesões de pele similares àquelas observadas nos suínos encaminhados à Clínica de Bovinos da FMVZ-USP.

Durante o exame clínico da pele foram observadas lesões crostosas, arredondadas, de coloração acastanhada, não pruriginosas e localizadas na região do dorso e das orelhas dos animais. As crostas podiam ser destacadas com facilidade, sendo verificado a presença de exsudato purulento associado às lesões (Fig. 1).

Fig. 1
Aspecto macroscópico das lesões da pele de suíno com dermatofilose. a. Lesões crostosas, arredondadas, de coloração acastanhada, não pruriginosas e localizadas na região do dorso e das orelhas dos animais; b. Detalhe das lesões crostosas no dorso do animal; c. Destacamento de crostas, revelando presença de exsudato purulento.

O diagnóstico da enfermidade foi realizado baseado no aspecto das lesões e na demonstração da presença do Dermatophilus congolensis nas lesões da pele, sendo para tal realizado um esfregaço das crostas e secreções acumuladas que foram diluídas em água destilada. Após serem fixadas, algumas lâminas foram coradas utilizando-se o corante pancromático de ROSENFELD (1947) enquanto outras foram coradas pelo Método de Gram. Durante visualização, em microscopia óptica, utilizando aumentos que variaram de 100 a 1.000 vezes, verificou-se, conforme as descrições de STEWART (1972), a presença de estruturas similares a cocos que se arranjavam em filamentos, morfologicamente semelhantes ao zoósporo do Dermatophilus congolensis.

Para comprovação científica do diagnóstico de dermatofilose foram colhidas amostras de crostas e dos exsudatos acumulados para realização de exame microbiológico, bem como os dois suínos foram submetidos á biópsia de pele para a realização de exame histopatológico.

O material enviado para o exame microbiológico foi processado de acordo com o Método de Haaltra’s seguindo as recomendações de QUINN et al. (1994), sendo que os esfregaços corados pelo Método de Gram revelavam a presença dos filamentos característicos do Dermatophilus congolensis.

O exame histopatológico foi realizado, em amostras de pele, fixadas em solução de formalina a 10% e coradas pelo método da hematoxilina e eosina, conforme as recomendações de MICHALANY (1980). O exame da secção histológica da pele e estrato córneo revelou, entremeados a um intenso infiltrado inflamatório neutrofílico, a presença maciça de cocos arranjados em cadeias filamentosas e ramificadas de Dermatophilus congolensis. Segundo ROBERTS (1967) esse infiltrado inflamatório impediria que o processo atingisse maior profundidade da pele, restringindo o processo à epiderme e impedindo que a derme fosse colonizada pelo Dermatophilus congolensis. Nos dois suínos submetidos à biopsia constatou-se que as alterações da derme estavam restritas a existência de dermatite perivascular superficial, constituída por infiltrado inflamatório mononuclear. Ainda, com relação às alterações histopatológicas da pele foi observada uma hiperqueratose paraqueratótica, hiperplasia ora pseudocarcinomatosa, formando redemoinhos de queratina, ora psoriasiforme (Fig. 2).

Fig. 2
Fotomicrografias de corte histológico da pele de suíno com dermatofilose. a. Aspecto panorâmico da pele de suíno, mostrando acentuada hiperplasia da epiderme e infiltrado inflamatório na derme (Barra = 1 mm); b. Detalhe da hiperplasia irregular (pseudocarcinomatosa) da epiderme, que apresenta intensa projeção para a derme, e numerosos corpúsculos apoptóticos. Observa-se também infiltrado inflamatório na derme superficial (Barra = 50 mm); c. Detalhe do infiltrado inflamatório, constituído principalmente por mononucleares, na derme superficial (Barra = 20 mm); d. Detalhe de crosta junto à epiderme, mostrando numerosos filamentos semelhantes a Dermatophilus congolensis (Barra = 20 mm); e. Hiperqueratose paraqueratótica (Barra = 50 mm); f . Detalhe da figura anterior, mostrando faixas de queratina entremeadas por processo inflamatório, aspecto característico d

As possíveis razões para o surgimento da enfermidade na referida granja de suínos não puderam ser devidamente elucidadas, sendo que SCOTT (1988) e VERDES (1990) relataram que climas quentes e úmidos, lesões cutâneas prévias e dietas deficientes em zinco poderiam ser fatores predisponentes para o seu aparecimento. Apesar de ter-se observado a presença de hiperqueratose paraqueratótica nos achados histopatológicos não foram encontrados outros indícios que pudessem associar a ocorrência deste surto de dermatofilose com distúrbios nutricionais relacionados ao zinco.

O fato da enfermidade estar restrita a 5 animais do plantel, permite supor que o seu aparecimento esteja relacionado a fatores individuais que determinaram alterações nos pêlos, na camada sebácea ou no estrato córneo da pele quebrando as barreiras naturais que impedem a instalação do Dermatophilus congolensisno organismo hospedeiro (STEWART, 1972).

Dentre os mecanismos que poderiam estar relacionados a esta quebra de resistência da pele poderiam ser considerados as alterações da microbiota da pele, pois estudos realizados por LLOYD & NOBLE (1982), ALLAKER (1990) e ZARIA (1991), relataram a possibilidade de se utilizar esta substância, semelhante a antibiótico, provindas de Staphylococcus isolados a partir de pele de suínos ou humanos, na prevenção de infecção por Dermatophilus congolensis.

Para o tratamento da enfermidade, optou-se pela limpeza da pele, sendo as lesões foram diariamente lavadas com solução anti-séptica à base de iodo PVPI e tratadas com solução de iodo a 2 %. Associado ao tratamento tópico optou-se pela administração parenteral de antibióticos, sendo que nos primeiros sete dias utilizou-se produto comercial à base de benzilpenicilina G procaína na dosagem de 50.000 UI/kg de peso vivo/ dia. Decorridos 15 dias do final do primeiro tratamento, como não houve regressão das lesões, realizou-se nova antibioticoterapia parenteral, utilizando-se como base terapêutica a oxitetraciclina na dosagem de 20 mg/kg de peso vivo/dia durante sete dias.

Face à ineficácia da terapia instituída, os animais foram descartados do plantel. Passados dois anos deste surto de dermatofilose, nenhum outro animal do rebanho apresentou lesões similares, confirmando os relatos existentes na literatura que a dermatofilose é uma enfermidade que ocorre de forma esporádica nos suínos (STANKUSHEVE et al., 1968; LOMAX & COLE, 1983; SCOTT, 1988; VERDES, 1990).

REFERÊNCIAS

• ALLAKER, R.P.; LLOYD, D.H.; SMITH, I.M.; NOBLE, W.C. Interation of Staphylococcus hyicus with inhibitor producing bacteria of the skin of gnotobiotic piglets. Microbial Ecology in Health and Disease, v.3, p.19-24, 1990.
• QUINN, P.J; CARTER, M.E; MARKEY, B.; CARTER, G.R. The Actinomycetes. In:______. Clinical veterinary microbiology London: Wolf, 1994. p.144-155.
• LOMAX, L.J. & C OLE, J.R. Porcine epidermitis and dermatitis associated with Staphylococcus hyicus and Dermatophilus congolensis infections. Journal American Veterinary Medical Association, v.183, n.10, p.1091-1092, 1983.
• LLOYD, D.H & NOBLE, W.C. Dermatophilus congolensis as a model pathogen in mice for the investigation of factors influencing skin infection. British Veterinary Journal, v.138, p.51-60, 1982.
• MICHALANY, J. Técnica histológica em anatomia patológica São Paulo: Pedagógica e Universitária, 1980. 277p.
• ROBERTS, D.S. Dermatophilus infection. Veterinary Bulletin, v.37, p.513-521, 1967.
• ROSENFELD, G. Corante pancrômico para hematologia e citologia clínica. Nova combinação dos componentes de May-Grunwald e do Giemsa num só corante de emprego rápido. Memórias do Instituto Butantan, v.20, p.329-335, 1947.
• SCOTT, D.W. Bacterial diseases. In:______ Large animal dermatology Philadelphia: W.B Saunders, 1988. p.120-167.
• STANKUSHEVE, K.; SIMOV, I.; DENEV, I.. Micotic dermatitis in pigs. Veterinarna Sbirka, v.65, p.3-5, 1968.
• STEWART, G.R Dermatophilosis: a skin disease of animal and man. Part I. Veterinary Record, v.91, p.537-544, 1972a.
• STEWART, G.R. Dermatophilosis: a skin disease of animal and man. Part II. Veterinary Record, v.91, p.555-561, 1972b.
• VERDES, N. Infection with Dermatophilus congolensis in pigs. Archiva Veterinaria Bucuresti, v.19, p.75-81, 1990.
• ZARIA, T. In vitro and in vivo inhibition of Dermatophilus congolensis by coagulase-negative antibioticproducing staphylococci from pigs. Research in Veterinary Science, v.50, p.245-246, 1991.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  14 Jan 2022
• Data do Fascículo
  Jul-Sep 2006

Histórico

• Recebido
  21 Mar 2006
• Aceito
  21 Ago 2006