OCORRÊNCIA DE ANTICORPOS ANTI-NEOSPORA CANINUM EM BOVINOS LEITEIROS E DE CORTE DA REGIÃO DE PRESIDENTE PRUDENTE, SP

OCCURRENCE OF ANTIBODIES ANTI-NEOROSPORA CANINUM IN DAIRY AND BEEF CATTLE IN THE REGION OF PRESIDENTE PRUDENTE, SP, BRAZIL

RESUMO

O Neospora caninum é considerado um agente de prioridade de estudo em reprodução animal em todo mundo, pelos distúrbios reprodutivos que afetam os bovinos. No Brasil, os estudos iniciais desta infecção são baseados em levantamentos soroepidimeológicos regionais. Sendo assim, amostras de soros sanguíneos de 505 de bovinos de corte da raça Nelore e de 408 bovinos leiteiros da raça Holstein localizados na região de Presidente Prudente, SP, Brasil, foram analisadas pelo teste imunoenzimático (ELISA). A ocorrência de anticorpos anti-N. caninum para o gado leiteiro foi de 35,54% (145/408) e 20,0% (101/505) para o gado de corte. A análise dos resultados mostra que há evidência de infecção de N. caninum nos rebanhos da região, sendo a ocorrência significativamente maior em rebanhos leiteiros (p < 0,01).

PALAVRAS-CHAVE
Neosporose; ocorrência; soroepidemiologia; Nelore; Holandês; bovino; Brasil

ABSTRACT

Neospora caninum is considered one of the most important world wideagents that affect the bovine reproductive tract. In Brazil the initial studies of this infection were based on regional soroepidemiologic data. So, blood serum samples of 505 Nelore beef cattle and 408 of Holstein dairy cattle located in the region of Presidente Prudente, SP, Brazil were analysed using the immunoenzymatic ELISA test. The occurrence of antibodies anti-Neorospora caninum for dairy cattle was 35.54% (145/408) and 20.0% (101/505) for the beef cattle. The analysis of the results revealed evidence of N. caninum infection in the herds of this region, which was significatively higher in dairy cattle (p < 0.01).

KEY WORDS
Neosporosis; occurrence; Nelore; soroedpidemiology; Holstein; Nelore Holstein; cattle; Brazil

INTRODUÇÃO

Existem várias causas de perdas embrionárias e abortamentos em bovinos, portanto, a identificação dos prováveis agentes etiológicos causadores dessas enfermidades é crucial para que sejam adotadas medidas preventivas de controle dessas doenças.

Em todo mundo, o Neospora caninum é considerado um dos principais agentes causadores de distúrbios da reprodução. Difunde-se rapidamente nos rebanhos pela transmissão horizontal, onde os cães (MCALLISTER et al., 1998) e, mais recentemente, os coiotes (GONDIM et al., 2004) foram descobertos como hospedeiros definitivos, sendo os primeiros também hospedeiros intermediários, infectando-se com seus próprios oocistos eliminados pelas fezes. Outra via de transmissão citada como importante é a vertical, que assume papel primordial na manutenção da doença, pelo fato da maioria das infecções congênitas resultar em bezerros clinicamente normais, porém persistentemente infectados.

A importância do rastreamento dos rebanhos visando a neosporose é justificada pelos prejuízos por ela assinalados. Na Califórnia (EUA), o N. caninum é o maior causador de abortamentos em bovinos leiteiros (ANDERSON et al., 1991), causando em todo país perdas com abortamentos da ordem de US$ 35 milhões (BARR et al., 1997), havendo um custo em torno de US$ 500,00 por abortamento (DUBEY, 1999). Na pecuária de corte as perdas são estimadas entre US$ 15 e US$ 24 milhões (KASARI et al., 1999).

Levantamentos sorológicos no Brasil apontam ocorrências de anticorpos anti-N. caninum que variam de 7,7% (ANDREOTTI et al., 1999) a 87,5% (MUNHOZ et al., 2002b). Essa diferença é decorrente do tipo de amostragem utilizada, como as provenientes de animais que sofreram abortamentos ou de uma amostragem simplesmente casualizada. Influencia também no índice de sororeatividade, a sensibilidade do método diagnóstico utilizado. Exemplo desse fato é a constatação que o teste de ELISA detecta maior número de animais infectados que a Reação de Imunofluorescência Indireta (RIFI) (SARTOR et al., 2003).

A ocorrência da neosporose pode variar com o tipo de exploração, manejo dos rebanhos e a presença de hospedeiros definitivos. Rebanhos leiteiros mostram maior ocorrência de anticorpos (35,9%) quando comparados aos de corte (17,9%) (PITUCO et al., 1998). Entretanto, outros autores apontam semelhança nas taxas conforme citações de SARTOR et al. (2003), que constataram 15,9 % em rebanhos leiteiros e de HASEGAWA (2000) com 15,5% em gado de corte, na mesma região.

Com o objetivo de se conhecer a dimensão da doença na região de Presidente Prudente, SP, realizou-se um levantamento epidemiológico em rebanhos bovinos de corte e leiteiros.

MATERIAL E MÉTODOS

De um total de 6 rebanhos de raça Holandesa e 11 de raça Nelore, escolhidas ao acaso, foram colhidas 913 amostras de soro, sendo 408 e 505 respectivamente, provenientes de fêmeas bovinas, prenhes ou que haviam parido pelo menos uma vez. Todos os animais eram oriundos de propriedades com características próprias da região de Presidente Prudente, SP, que é constituída de 21 municípios, com população estimada em um milhão de cabeças entre corte e leite.

Os rebanhos leiteiros avaliados eram criados em regime semi–extensivo, com suplementação alimentar protéica particularmente no outono e inverno. O gado de corte era criado sob manejo extensivo.

Utilizou-se o ensaio imunoenzimático (ELISA), que emprega como antígeno taquizoítos rompidos, sendo as amostras de soro diluídas em 1:100, conforme instruções do fabricante.

Empregou-se o teste de Qui-quadrado, de acordo com PIMENTEL GOMES (1985), para verificação dos níveis de significância da freqüência de animais reagentes entre rebanhos leiteiros e de corte.

Tabela 1
Levantamentos soroepidemiológicos de Neospora caninum em bovinos no Brasil, segundo a Região geográfica, estado, aptidão dos animais, freqüência de ocorrência, técnica diagnóstica empregada, autor e ano.

Local	Aptidão	Frequência	Técnica	Autor e Ano
Região Sul
Rio Grande do Sul	Leiteira e Corte	23% (31/140)	RIFI	RAGOZO et al. (2003)
Paraná	Leiteira	34,8% (60/172)	ELISA	LOCATELLI DITTRICH et al. (2001b)
Paraná	Leiteira e Corte	32,3% (285/882)	ELISA	PITUCO et al. (2001)
Paraná	Leiteira e Corte	22% (20/90)	RIFI	RAGOZO et al. (2003)
Paraná	Corte	8,4% (16/190)	ELISA	ANDREOTTI et al. (2002)
Paraná	Leite tipo B	54,5% (225/413)	ELISA	GUIMARÃES JÚNIOR et al. (2003)
Paraná	Leite tipo B	21,6% (89/413)	RIFI	GUIMARÃES JÚNIOR et al. (2003)
Santa Catarina	Leiteira	65,5% (19/29)	ELISA	CORBELLINI et al. (2002)
Santa Catarina	Leiteira e Corte	19,3% (6/31)	ELISA	PITUCO et al. ( 001)
Santa Catarina	Corte	41,6% (05/12)	ELISA	ANDREOTTI et al. (2002)
Região Sudeste
São Paulo	Corte	15,6% (121/777)		HASEGAWA (2000)
São Paulo	Leiteira e Corte	29,3% (536/1824)	ELISA	PITUCO et al. (2001)
São Paulo	Leiteira e Corte	27% (40/150)	RIFI	RAGOZO et al. (2003)
São Paulo	Corte	41,6% (05/12)	ELISA	ANDREOTTI et al. (2002)
São Paulo	Leite	38,9% (144/370)	ELISA	PIAGENTINI (2002)
São Paulo	Leite	30,5% (159/521)	ELISA	SARTOR et al. (2003)
São Paulo	Leite	15,9% (83/521)	RIFI	SARTOR et al. (2003)
Rio de Janeiro	Leiteira	82,35% (14/140)	ELISA	MUNHOZ et al. (2002a)
Rio de Janeiro	Leiteira	14,2% (1/7) – 80% (8/10)	ELISA	MUNHOZ et al. (2002a)
Rio de Janeiro	Leiteira	87,5% (14/ 126)	ELISA	MUNHOZ et al. (2002b)
Rio de Janeiro	Leiteira e Corte	15% (23/150)	RIFI	RAGOZO et al. (2002)
Minas Gerais	Leiteira	18,7% (67/359)	ELISA	MELO & LEITE (2001)
Minas Gerais	Leiteira e Corte	44,8% (48/107)	ELISA	PITUCO et al. (2001)
Minas Gerais	Leiteira e Corte	29% (47/162)	RIFI	RAGOZO et al. (2003)
Região Centro-Oeste
Mato Grosso do Sul	Leiteira e Corte	28% (28/110)	RIFI	RAGOZO et al. (2003)
Goiás	Leiteira e Corte	32% (16/50)	ELISA	PITUCO et al. (2001)
Mato Grosso	Leiteira e Corte	16,6% (2/12)	ELISA	PITUCO et al. (2001)
Goiás	Corte	17,4% (77/441)	ELISA	ANDREOTTI et al. (2002)
Mato Grosso do Sul	Corte	7,7% (07/91) 30% (18/60)	ELISA	ANDREOTTI et al. (2002)
Região Nordeste
Bahia	Leiteira	14,9% (63/ 447)	RIFI	GONDIM et al. (1999b)
Pernambuco	Leiteira	34,75% (163/469)	RIFI	SILVA et al. (2002)
Sergipe	Leiteira	13,5% (05/37)	ELISA	MELO et al. (2001)

RESULTADOS

As Tabelas 2 e 3 mostram a distribuição da enfermidade entre e dentre os municípios na região de Presidente Prudente, SP. Evidencia-se nessas tabelas as diferenças marcantes entre a quantidade de animais possuidores de anticorpos nas amostras analisadas.

Tabela 2
Ocorrência de anticorpos anti-N.caninum pelo método de ELISA por município, em soros de bovinos leiteiros da região Presidente Prudente, SP,2004).

Município	N.º de animais positivos	N.º de animais testados	%
Total	145	408	35,54
Pres. Prudente	38	78	48,72
Pres. Prudente	10	40	25,00
Pres. Prudente	11	40	27,50
Pres. Prudente	8	20	40,00
Pres. Prudente	8	20	40,00
Pres. Bernardes	5	26	19,23
Pres. Bernardes	5	24	20,83
Pres. Bernardes	26	35	74,28
Pres. Bernardes	3	9	33,33
Emilianópolis	24	94	25,53
Pirapó	7	22	31,82

Tabela 3
Ocorrência de anticorpos anti-N.caninum pelo método de ELISA por município, em soros de bovinos de corte da região Presidente Prudente, SP, 2004.

Município	N.º de animais positivos	N.º de animais testados	%
Total	101	505	20,00
Pres. Prudente	32	149	21,48
Pres. Prudente	12	35	34,29
Santo Inácio	16	71	22,54
Santo Inácio	20	110	18,19
Anhumas	9	79	11,40
Paranapanema	12	61	19,68

DISCUSSÃO E CONCLUSÃO

Os resultados assinalados nas Tabelas 2 e 3 revelam a marcante presença da enfermidade nos rebanhos da região, onde maior ocorrência foi verificada nos rebanhos leiteiros, havendo diferença estatisticamente significativa na ocorrência de anticorpos anti N. caninum (Valor χ² = 26,90; p < 0,01; risco relativo = 1,78). O risco dos bovinos de leite se infectarem pelo N. caninum é de 1,78 vezes maior que os bovinos de corte (Tabela 4).

Tabela 4
Comparação entre a ocorrência de soropositividade de rebanhos de leite e corte aoN. caninumutilizando método de ELISA, analisada pelo método do Qui-quadrado.

Resultado ELISA	Rebanhos de leite	Rebanhos de corte	Teste de Qui-quadrado
Soropositivos	35,5 4% 145/408	20,00 % 101/505	χ2 = 26,90** p < 0,01
Soronegativos	64,46 % 263/408	80,00 % 404/505	risco relativo = 1,78

Levantamentos soroepidemiológicos no Brasil relatam a disseminação da enfermidade em importantes estados produtores de leite e carne com uma freqüência variável de animais sororeagentes, de 7,7% a 87,5% (Tabela 1). Observa-se nessas citações um maior índice de infecção em gado de leite, comparados aos bovinos de corte. Em resumo, o N. caninum está distribuído no Brasil e em outras partes mundo, afetando rebanhos bovinos de corte e leite. A amplitude de ocorrência de animais com anticorpos anti-Neospora entre rebanhos, mesmo os de aptidões iguais, ocorre em decorrência do uso de diferentes técnicas de amostragem, se viciadas ou não, poisamostras provenientes de animais que sofreram abortamento ou de rebanhos onde esse distúrbio é marcante, certamente evidenciarão uma taxa diferente de anticorpos, comparada à amostragem oriunda de levantamentos epidemiológicos cujas propriedades são sorteadas e as coletas realizadas ao acaso. Também influenciam nos resultados o manejo zootécnico, onde a concentração de animais por área deve ser levada em consideração e, particularmente, o método de diagnóstico laboratorial empregado, pois diferenças significativas de valores são observadas entre elas. SARTOR et al. (2003), comparando as técnicas de ELISA e RIFI em diluição 1:200 em soros procedentes dos mesmos animais, constataram que a ocorrência de anticorpos anti-N. caninum foi 85% superior na primeira técnica. Observação semelhante foi verificada por GUIMARÃES JUNIOR (2003) na comparação da RIFI e NAT, onde os valores encontrados no primeiro método foram 80% maiores que os constatados no segundo método.

Optou-se pelo método de ELISA, pelas vantagens oferecidas sobre os outros métodos diagnósticos, entre eles a sensibilidade de até 98%, especificidade de até 100%, menor tempo de execução, precisão e custo do teste (VENKASTEIN & WAKELI, 1993; OSAWA et al., 1988; SCHARES et al., 1998).

Comparando-se esses achados com estudos que utilizaram o mesmo método de detecção de anticorpos, ELISA, a ocorrência para o gado de leite (Tabela 2) assemelham-se aos encontrados por PITUCO et al. (1998), LOCATELLI-DITRICH et al. (2001b), MUNHOZ et al. (2002a), PIAGENTINI (2002) e SARTOR et al. (2003), entretanto, são inferiores aos achados por LOCATELLI-DITTRICH et al. (2001 a) e CORBELLINI et al. (2002) e superiores aos citados por MELO et al. (2001), BRAUTIGAM et al. (1996) e MELLO & LEITE (1999).

Para os rebanhos de corte (Tabela 3) esse número assemelha-se aos encontrados por MELO et al. (2001) e MUNHOZ et al. (2002b) sendo inferior ao citado por PITUCO et al. (1998) e CORBELLINI et al. (2002), e superior ao encontrado por ANDREOTTI et al.(1999) e MELO & LEITE (1999).

Ainda, no Brasil, há relatos onde as taxas de soropositividade ao N. caninum foram semelhantes em gado leiteiro e corte (HASEGAWA, 2000; SARTOR et al., 2003).

Maior ocorrência desses anticorpos em gado de corte é citada também na Argentina (MOORE et al., 2002), na Espanha (QUINTANILLA-GONÇALO et al., 1999) e na Bélgica (Hemphill & Gottstein, 2000).

Conclui-se que há evidência da doença na região de Presidente Prudente, SP, onde a ocorrência de anticorpos é significativamente maior em bovinos com aptidão leiteira em relação à de corte.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  24 Jun 2022
• Data do Fascículo
  Oct-Dec 2005

Histórico

• Recebido
  05 Set 2005
• Aceito
  19 Dez 2005