Acessibilidade / Reportar erro

ESCHERICHIA COLI, PRODUTORAS DE SHIGATOXINAS DETECTADAS EM FEZES DE BOVINOS LEITEIROS

SHIGATOXIN-PRODUCING ESCHERICHIA COLI DETECTED IN DAIRY CATTLE FECES

RESUMO

Este trabalho teve como objetivo determinar a prevalência de Escherichia coli produtoras de Shigatoxinas (STEC) e E. coli dos sorogrupos O157, O111 e O113 em rebanhos leiteiros do Município de Jaboticabal, SP, Brasil. A presença de sequências gênicas stx1, stx2e eae foi detectada pela reação em cadeia da polimerase (PCR) em amostras de fezes. Todas as amostras stx e eae positivas foram submetidas a uma nova reação de PCR para detecção das sequências rfb O157, O111 e O113. Observou-se uma alta prevalência (72,16%) de sequências stx nas fezes dos bovinos, sendo que o perfil genotípico encontrado com maior frequência foi o stx1 associado à stx2. Os coeficientes de prevalência das sequências rfb O157, O111 e O113 foram, respectivamente, 14,77%, 0,2% e 30,83%. Animais de todos os rebanhos (100%) apresentaram em suas fezes STEC e E. coli O113 e os sorogrupos O157 e O111 foram observados em 60,0% e 10,0% dos rebanhos, respectivamente. Concluiu-se que a alta prevalência de STEC detectada em rebanho leiteiro evidenciada nas fezes de bovinos desempenham um papel importante na contaminação ambiental e podem oferecerrisco de agravo à saúde pública.

PALAVRAS-CHAVE
Shigatoxigênica; prevalência; >E. coli> O157; >E. coli> O111; >E. coli> O113

ABSTRACT

The purpose of this study was to determine the prevalence of Shigatoxigenic Escherichia coli (STEC) and serogroups O157, O111 and O113 in dairy cattle from Jaboticabal, state of São Paulo, Brazil. Feces samples were collected from 10 herds and assessed for the presence of the virulence genes stx1, stx2 and eae by polymerase chain reaction (PCR). All samples positive for stx and eae were submitted to a second PCR reaction targeting the sequences rfb O157, rfb O111 and rfb O113. A high prevalence of stx (72.16%) was detected in the fecal samples, the most frequent being stx1 associated to stx2. The prevalence of sequences rfb O157, rfb O111 and rfb O113 was 14.77%, 0.2% and 30.83%, respectively. STEC and serogroup O113 was identified in all herds (100%), and serogroups O157 and O111 were observed in 60% and 10% of the herds. In conclusion, the high STEC prevalence detected in dairy herds evidences that bovine feces might play an important role as a contamination source in the region of Jaboticabal.

KEY WORDS
Shigatoxigenic; prevalence; >E. coli> O157; >E. coli> O111; >E. coli> O113

INTRODUÇÃO

Escherichia coli fazem parte da microbiota normal do intestino de mamíferos. A maioria delas são comensais inofensivos, entretanto, existem cepas patogênicas e que provocam diarréia (Doyle et al., 1995DOYLE, M.P.; ZHAO, T.; MENG, J.; ZHAO, S., Escherichia coli O157:H7. In: DOYLE, M. P.; BEUCHAT, L.R.; MONTVILLE, T.J. (Ed.). Food microbiology: fundamentals and frontiers. ASM Press, 1995. p.171-191.). Sabe-se que algumas E. coli produzem citotoxinas muito potentes, chamadas Shigatoxina 1 e Shigatoxina 2, e são capazes de aderir à mucosa intestinal (BARRETT et al., 1992BARRET, T.J.; KAPER, J.B.; JERSE, A.E.; WACHSMUTH, I.K. Virulence factors in Shiga-like toxinproducing Escherichia coli isolated from humans and cattle. Journal of Infectious Diseases, v.165, p.979-980, 1992.).

Dentre as cepas de E. coli que produzem Shigatoxinas, classificadas como E. coli shigatoxigênicas (STEC), existem as que são altamente patogênicas aos seres humanos. Estas podem pertencer a uma extensa gama de sorogrupos O, entretanto, particularmente as Escherichia coli enterohemorrágicas O157, O111, e mais recentemente O113, parecem ser as responsáveis pela maioria dos casos mais graves (PATON; PATON, 1999PATON, A.W.; PATON, J.C. Direct detection of shiga toxigenic Escherichia coli strains belonging to serogroups O111, O157, and O113 by multiples PCR. Journal of Clinical Microbiology, v.37, n.10, p.3362-3365, 1999.). Estes micro-organismos são uma ameaça à saúde pública uma vez que as patologias por eles provocadas são, geralmente, de natureza grave como, por exemplo, a colite hemorrágica, a síndrome hemolítica urêmica e a púrpura trombocitopênica trombótica, que podem ser fatais, principalmente para crianças e idosos (VOLD et al., 1998VOLD, L.; JOHANSEN, B.K.; KRUSE, H.; SKJERVE, E.; WASTESON, Y. Occurrence of shigatoxinogenic Escherichia coli O157 in Norwegian cattle herds. Epidemiology and Infection, v.120, p.21-28, 1998.).

A transmissão de STEC está frequentemente associada ao consumo de alimentos contaminados, particularmente carne moída e hambúrguer, crus ou mal cozidos (GRIFFIN; TAUXE, 1991GRIFFIN, P.M.; TAUXE, R.V. The epidemiology of infections caused by Escherichia coli O157:H7, other enterohemorrhagic E. coli, and the associated hemolytic uremic syndrome. Epidemiological Review, v.13, p.60-98, 1991.). A transmissão de pessoa a pessoa, assim como de animal a pessoa, também é possível (Doyle et al., 1995DOYLE, M.P.; ZHAO, T.; MENG, J.; ZHAO, S., Escherichia coli O157:H7. In: DOYLE, M. P.; BEUCHAT, L.R.; MONTVILLE, T.J. (Ed.). Food microbiology: fundamentals and frontiers. ASM Press, 1995. p.171-191.; PATON; PATON, 1998PATON, J.C.; PATON, A.W. Pathogenesis and diagnosis of shiga toxin-producing Escherichia coli infections. Clinical Microbiology Reviews, v.11, n.3, p.450-479, 1998.).

O reservatório principal das STEC são os bovinos (BLANCO et al., 1993BLANCO, M.; BLANCO, J.; BLANCO, J.E.; RAMOS, J. Enterotoxigenic, verotoxigenic, and necrotoxigenic Escherichia coli isolated from cattle in Spain. American Journal of Veterinary Research, v.54, p.1446-1451, 1993.; HANCOCK et al., 1994HANCOCK, D.D. BESSER, T.E.; KINSEL, M.L.; TARR, P.I.; RICE, D.H.; PAROS, M.G. The prevalence of Escherichia coli O157:H7 in dairy and beef cattle in Washington State. Epidemiology and Infection, v.113, p.199-207, 1994.). STEC podem entrar na cadeia de alimentação humana de várias maneiras, mais frequentemente, por meio da contaminação direta ou indireta da carne, após o abate, com fezes ou conteúdo intestinal contendo o patógeno (PATON; PATON, 1998PATON, J.C.; PATON, A.W. Pathogenesis and diagnosis of shiga toxin-producing Escherichia coli infections. Clinical Microbiology Reviews, v.11, n.3, p.450-479, 1998.).

Tendo em vista as informações retro apresentadas, esta pesquisa foi realizada com a finalidade de verificar a prevalência de STEC em rebanhos leiteiros e também de fornecer dados que poderão ser utilizados para melhor direcionar as medidas de controle desses importantes patógenos.

MATERIAL E MÉTODOS

Amostragem

Foi extraída uma amostra aleatória simples de dez rebanhos, produtores de leite situados no Município de Jaboticabal, Estado de São Paulo, Brasil. Amostras de fezes de 467 animais foram colhidas no período de estiagem, entre julho e agosto de 2003. A prevalência dos sorogrupos O157, O111 e O113 foi analisada por PCR nas amostras STEC positivas, ou seja, naquelas onde foram detectadas sequências gênicas stx1, stx2 por meio de PCR multiplex.

Os resultados das amostras de fezes foram analisados considerando-se três faixas etárias: bezerros (< 4 meses), novilhas (de 5 meses a 2 anos) e vacas (>2 anos).

Colheita de amostras

As amostras de fezes foram colhidas com suabe retal de todos os bovinos, com ou sem diarréia, de cada propriedade, com exceção de uma, em que foram colhidas amostras dos animais colocados a disposição pelo proprietário. O meio de cultura Cary-Blair (Copan, Itália) foi utilizado para o transporte das amostras (CERQUEIRA et al., 1999CERQUEIRA, A.M.F.; GUTH, B.E.C.; JOAQUIM, R.M.; ANDRADE, J.R.C. High occurrence of Shiga toxinproducing Escherichia coli (STEC) in healthy cattle in Rio de Janeiro State, Brazil. Veterinary Microbiology, v.70, p.111-121, 1999.), que foram levadas ao laboratório em caixas de material isotérmico, contendo gelo reciclável, sendo processadas imediatamente após a chegada.

Reação em cadeia da polimerase (PCR)

Preparo das amostras

Todas as amostras colhidas foram semeadas em superfície de placas contendo ágar cistina lactose eletrólito deficiente (CLED - Difco, France) e levadas à incubação a 37º C por 18-24h., para obtenção de crescimento confluente. Após esse período, o crescimento polimicrobiano foi coletado em aproximadamente 2 mL de tampão fosfato salino (PBS-D; pH 7,4) formando uma suspensão polimicrobiana. Cem microlitros desta suspensão foram então diluídos 10 vezes em água bidestilada ultrapura. O DNA alvo foi obtido pelo aquecimento da suspensão bacteriana diluída, por 10min. em banho à temperatura de 100º C, como descrito por Sambrook et al. (1989)SAMBROOK, J., FRITSCH, E.F., MANIATIS, T. Molecular cloning: a laboratory manual. New York: Cold Spring Harbor Press, 1989. p.9.16-9.19.. Concomitantemente, 0,5 mL da suspensão bacteriana concentrada foi misturada a 0,5 mL de TSB duplo, com 20% de glicerol, em duplicata, e estocado a -20º C (CERQUEIRA et al., 1999CERQUEIRA, A.M.F.; GUTH, B.E.C.; JOAQUIM, R.M.; ANDRADE, J.R.C. High occurrence of Shiga toxinproducing Escherichia coli (STEC) in healthy cattle in Rio de Janeiro State, Brazil. Veterinary Microbiology, v.70, p.111-121, 1999.).

PCR multiplex para detecção de stx1, stx2, eae em E. coli STEC

Utilizou-se a metodologia descrita por CHINA et al. (1996)CHINA, B.; PIRSON, V.; MAINIL, J. Typing of bovine attaching and effacing Escherichia coli by multiplex in vitro amplification of virulence-associated genes. Applied and Environmental Microbiology, v.62, n.9, p.3462-3465, 1996., com os primers citados a seguir:

  • Ep1 – 5’ AGG CTT CGT CAC AGT TG 3’

  • Ep2 – 5’ CCA TCG TCA CCA GAG GA 3’

  • Stx1R – 5’ AGA GCG ATG TTA CGG TTTG 3’

  • Stx1F – 5’ TTG CCC CCA GAG TGG ATG 3’

  • Stx2R – 5’ TGG GTT TTT CTT CGG TATC 3’

  • Stx2F – 5’ GAC ATT CTG GTT GAC TCT CTT 3’

Foram incluídos controles em todas as reações. Um controle negativo sem DNA foi usado, assim como controles de reação incluindo DNA extraídos de E. coliStx-negativo DH5α (K12), STEC Stx-positivo cepa E40705 - stx1 e eae (CPHL, London) e STEC Stx-positivo cepa E30138 stx2 e eae. Os amplicons e respectivos pesos moleculares são: Eae – 570bp, Stx1 – 388pb e Stx2 – 807pb.

PCR Multiplex para detecção de rfb O157, O113, O111 em E. coli STEC

Todas as amostras stx e eae positivas foram submetidas a uma segunda reação de PCR, de acordo com os procedimentos descritos por PATON; PATON (1999)PATON, A.W.; PATON, J.C. Direct detection of shiga toxigenic Escherichia coli strains belonging to serogroups O111, O157, and O113 by multiples PCR. Journal of Clinical Microbiology, v.37, n.10, p.3362-3365, 1999., usando os primers descritos a seguir:

  • O157 F – 5’ CGG ACA TCC ATG TGA TAT GG 3’

  • O157 R – 5’ TTG CCT ATG TAC AGC TAA TCC 3’

  • O113 F – 5’ AGC GTT TCT GAC ATA TGG AGTG 3’

  • O113 R – 5’ GTG TTA GTA TCA AAA GAG GCT CC 3’

  • O111 F – 5’ TAGAGAAATTATCAAGTTAGTTCC3’

  • O111 R – 5’ ATA GTT ATG AAC ATC TTG TTT AGC 3’

Foram incluídos controles em todas as reações: controle negativo sem DNA, E. coliStx-negativo DH5α (K12), STEC Stx-positivo cepa E40705 ou E30138 (O157), E. coli O113:H21 (O113) e EPEC cepa B171 (O111). Os amplicons e respectivos pesos moleculares são: O157 – 259bp, O113 – 593pb e O111– 406pb.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Uma alta prevalência (72,16%) de sequências stx (Fig. 1) foi detectada nas fezes de bovinos pertencentes a rebanhos leiteiros do Município de Jaboticabal, SP, por meio da PCR. Uma vez que, uma reação positiva com primers específicos para stx1 e stx2 é suficiente para confirmar a presença de STEC na amostra (PATON; PATON, 2005PATON, A.W.; PATON, J.C. Multiples PCR for direct detection of shiga toxigenic Escherichia coli strains producing the novel subtilase cytotoxin. Journal of Clinical Microbiology, v.43, n.6, p.2944-2947, 2005.), pode-se concluir que 72,16% das amostras de fezes analisadas apresentaram STEC.

Fig. 1
Coeficientes de prevalência de sequências stx e rfb O113, O111 e O157 de Escherichia coli em amostras de fezes de bovinos, detectadas por Reação em Cadeia de Polimerase. Jaboticabal, SP, 2003.

Esta prevalência de STEC quando comparada aos dados de propriedades leiteiras de diferentes países encontrados na literatura, os quais apresentam uma grande variação, desde 8,0%, nos EUA (WELLS et al., 1991WELLS, J.G.; SHIPMAN, L.D.; GREENE, K.D.; SOWERS, E.G.; GREEN, J.H.; CAMERON, D.N.; DOWNES, F.P.; MARTIN, M.L.; GRIFFIN, P.M.; OSTROFF, S.M.; POTTER, M.E.; TAUXE, R.V.; WACHSMUTH, I.K. Isolation of Escherichia coli serotype O157:H7 and other Shiga-like-toxin-producing E. coli from dairy cattle. Journal of Clinical Microbiology, v.29, p.985-989, 1991.) até 44,3%, na Suíça (BUSATO et al., 1999BUSATO, A.; HOFER, D.; LENTZE, T.; GAILLARD, C.; BURNENS, A. Prevalence and infection risks of zoonotic enteropathogenic bacteria in Swiss cow-calf farms. Veterinary Microbiology, v.69, p.251-263, 1999.), mostra-se relativamente superior. Este resultado é concordante com o descrito por outros pesquisadores do Brasil que também registraram prevalências superiores, como 82% no Rio de Janeiro (CERQUEIRA et al., 1999CERQUEIRA, A.M.F.; GUTH, B.E.C.; JOAQUIM, R.M.; ANDRADE, J.R.C. High occurrence of Shiga toxinproducing Escherichia coli (STEC) in healthy cattle in Rio de Janeiro State, Brazil. Veterinary Microbiology, v.70, p.111-121, 1999.) e 49% no Rio Grande do Sul (MOREIRA et al., 2003MOREIRA, C.N.; PEREIRA, M.A.; BROD, C.S.; RODRIGUES, D.P.; CARVALHAL, J.B.; ALEIXO, J.A.G. Shiga toxin-producing Escherichia coli (STEC) isolated from healthy dairy cattle in southern Brazil. Veterinary Microbiology, v.93, p.179-183, 2003.).

Ainda não está claro que proporção de STEC detectadas nas fezes de bovinos ou em carcaças é capaz de causar doença em seres humanos. Contudo, GYLES et al. (1998)GYLES, C.; JOHNSON, R.; GAO, A.; ZIEBELL, K.; PIERARD, D.; ALEKSIC, S.; BOERLIN, P. Association of enterohemorrhagic Escherichia coli hemolysin with serotypes of Shiga-like-toxin-producing Escherichia coli of human and bovine origins. Applied and Environmental Microbiology, v.64, p.4134-4141, 1998. defende a idéia de que todas as STEC podem ser patogênicas em condições adequadas. Isto significa que cepas menos virulentas podem causar o mesmo tipo de doença que cepas mais virulentas, desde que haja uma dose suficientemente alta e imunidade suficientemente baixa do indivíduo infectado. Certamente existem STEC não patogênicas, entretanto cada cepa de STEC deveria ser considerada uma potencial E. coli enterohemorrágica.

O coeficiente de prevalência do sorogrupo O157, de 14,77%, encontrado nas fezes dos animais (Fig. 1), é bem mais elevado que os resultados apresentados por HANCOCK et al. (1997)HANCOCK, D.D.; BESSER, T.E.; RICE, D.H.; HERRIOTT, D.E.; TARR, P.I. A longitudinal study of Escherichia coli O157 in fourteen cattle herds. Epidemiology and Infection, v.118, p.193-195, 1997. e VOLD et al. (1998)VOLD, L.; JOHANSEN, B.K.; KRUSE, H.; SKJERVE, E.; WASTESON, Y. Occurrence of shigatoxinogenic Escherichia coli O157 in Norwegian cattle herds. Epidemiology and Infection, v.120, p.21-28, 1998., os quais obtiveram prevalências de 1,0%. CHAPMAN et al. (1993)CHAPMAN, P.A.; WRIGHT, D.J.; HIGGINS, R. Untreated milk as a source of verotoxigenic E coli O157. Veterinary Record, v.133, p.171-172, 1993. isolaram E. coli O157 de 4% das amostras de fezes de bovinos antes do abate. Destes animais O157 positivos nas fezes, 30% também apresentaram o sorogrupo O157 na carcaça após o abate, além disso, 8% dos bovinos O157 negativos nas fezes apresentaram contaminação por O157 na carcaça. Isto indica que os bovinos são um reservatório de E. coli O157 e que a contaminação da carcaça durante o abate ou processamento pode ser o meio pelo qual a carne e seus subprodutos se contaminem. Carnes, provenientes não só do gado de corte, como também do gado leiteiro, têm sido associadas a surtos causados por E. coli O157:H7 (GRIFFIN; TAUXE, 1991GRIFFIN, P.M.; TAUXE, R.V. The epidemiology of infections caused by Escherichia coli O157:H7, other enterohemorrhagic E. coli, and the associated hemolytic uremic syndrome. Epidemiological Review, v.13, p.60-98, 1991.).

STEC pertencentes ao sorogrupo O111 também têm sido encontradas em fezes de bovinos (BETTELHEIM, 2003BETTELHEIM, K.A. Non-O157 Verotoxin-producing Escherichia coli: A problem, paradox, and paradigm. Non-O157 Vtec Supplement. Society for Experimental Biology and Medicine, v.228, p.333-344, 2003.). Somente 0,2% dos animais foram positivos para o rfb O111 (Fig. 1). WELLS et al. (1991)WELLS, J.G.; SHIPMAN, L.D.; GREENE, K.D.; SOWERS, E.G.; GREEN, J.H.; CAMERON, D.N.; DOWNES, F.P.; MARTIN, M.L.; GRIFFIN, P.M.; OSTROFF, S.M.; POTTER, M.E.; TAUXE, R.V.; WACHSMUTH, I.K. Isolation of Escherichia coli serotype O157:H7 and other Shiga-like-toxin-producing E. coli from dairy cattle. Journal of Clinical Microbiology, v.29, p.985-989, 1991., KOBAYASHI et al. (2001)KOBAYASHI, H.; SHIMADA, J.; NAKAZAWA, M.; MOROZUMI, T.; POHJANVIRTA, T.; PELKONEN, S.; YAMAMOTO, K. Prevalence and characteristics of Shiga toxin-producing Escherichia coli from healthy cattle in Japan. Applied and Environmental Microbiology, v.67, p.484-489, 2001. e Orden et al. (2002)ORDEN, J.A.; CID, D.; RUIZ-SANTA-QUITERIA, J.A.; GARCÍA, S.; MARTINEZ, S.; DE LA FUENTE, R. Verotoxin-producing Escherichia coli (VTEC), enteropathogenic E. coli (EPEC) and necrotoxigenic E. coli (NTEC) isolated from healthy cattle in Spain. Journal of Applied Microbiology, v.93, p.29-35, 2002. relataram as seguintes prevalências, respectivamente, 0,32%, 0,56% e 1,21%. Embora o coeficiente de prevalência verificado tenha sido, relativamente, baixo, VICENTE et al. (2005)VICENTE, H.I.G.; AMARAL, L.A.; CERQUEIRA, A.M.F. Shigatoxigenic Escherichia coli serogroups o157, o111 and o113 in feces, water and milk samples from dairy farms. Brazilian Journal of Microbiology, v.36, n.3, p.217-222, 2005. encontraram uma prevalência de 3,3%, dois anos antes, em trabalho realizado nas mesmas propriedades, durante o período chuvoso.

Ademais se deve lembrar que a E. coli O111 é um dos sorogrupos de STEC mais importante, causa reconhecida de colite hemorrágica (CH) e síndrome hemolítica urêmica (SHU) (BanatVala et al., 2001BANATVALA, N.A.; GRIFFIN, P.M.; GREENE, K.D.; BARRETT, T.J.; BIBB, W.F.; GREEN, J.H.; WELLS, J.G. The United States national prospective hemolytic uremic syndrome study: microbiologic, serologic, clinical, and epidemiologic findings. Journal of Infectious Diseases, v.183, p.1063-1070, 2001.). A maioria dos surtos em seres humanos causados por outras STEC, exluindo-se a E. coli O157, são atribuídos a cepas pertencentes a esse sorogrupo (BETTELHEIM, 2003BETTELHEIM, K.A. Non-O157 Verotoxin-producing Escherichia coli: A problem, paradox, and paradigm. Non-O157 Vtec Supplement. Society for Experimental Biology and Medicine, v.228, p.333-344, 2003.).

O coeficiente de prevalência de sequências rfb de E. coli O113 encontrado nos bovinos neste trabalho foi de 30,83% (Fig. 1). STEC O113 prevalentes no rebanho bovino apresentam grandes chances de entrar na cadeia de alimentação humana (PATON; PATON, 1999PATON, A.W.; PATON, J.C. Direct detection of shiga toxigenic Escherichia coli strains belonging to serogroups O111, O157, and O113 by multiples PCR. Journal of Clinical Microbiology, v.37, n.10, p.3362-3365, 1999.). O sorogrupo de STEC O113 foi um dos primeiros a ser associado à SHU; segundo Karmali et al. (1985)KARMALI, M.A.; PETRIC, M.; LIM, C.; HEMING, P.C.; ARBUS, G.S.; LIOR, H. The association between hemolytic uremic syndrome and infection by Verotoxinproducing Escherichia coli. Journal of Infectious Diseases, v.151, p.775-782, 1985., duas a cada 12 cepas de STEC isoladas de pacientes com SHU são de E. coli O113.

E. coli O113 já foi isolada de alimentos como, carne moída, carne bovina, linguiça e leite (WHo..., 1998WHO SCIENTIFIC WORKING GROUP MEETING. 1998, Berlin, Germany 23-26 June. WHO/CSR/ APH/98.8. Zoonotic non-O157 shiga toxin-producing Escherichia coli (STEC). Report of a World Health Organization Department of Communicable Disease Surveillance and Response. http://www.who.int/emc
http://www.who.int/emc...
), incluindo hambúrguer congelado comercializado no Município do Rio de Janeiro (CERQUEIRA et al., 1997CERQUEIRA, A.M.F.; TIBANA, A.; GUTH, B.E.C. High occurrence of Shiga-like toxin-producing Escherichia coli isolated from raw beef products in Rio de Janeiro City, Brazil. Journal of Food Protection, v.60, n.2, p.177-180, 1997.). ARTHUR et al. (2002)ARTHUR, T.M.; BARKOCY-GALLAGHER, G.A.; RIVERA-BETANCOURT, M.; MOHAMMAD KOOHMARAIE. Prevalence and characterization of non-o157 shiga toxin-producing Escherichia coli on carcasses in commercial beef cattle processing plants. Applied and Environmental Microbiology, v.68, n.10, p.4847-4852, 2002. encontraram 3,59% das amostras de carcaça bovina contaminadas por E. coli O113, mesmo antes da evisceração, corroborando o demonstrado por BARKOCY-GALLAGHER et al. (2001)BARKOCY-GALLAGHER, G.A.; ARTHUR, T.M.; SIRAGUSA, G.R.; KEEN, J.E.; ELDER, R.O.; LAEGREID, W.W.; KOOHMARAIE, M. Genotypic analyses of Escherichia coli O157:H7 and O157 nonmotile isolates recovered from beef cattle and carcasses at processing plants in the midwestern states of the United States. Applied and Environmental Microbiology, v.67, p.3810-3818, 2001., que o couro e as fezes de animais destinados ao abate são as principais fontes de contaminação por patógenos durante o processamento da carne.

Em acordo com a maioria dos trabalhos publicados até o momento, a maior prevalência de STEC foi observada entre novilhas (86,09%), entretanto, a segunda maior prevalência foi encontrada em animais adultos (68,89%) e a menor em bezerros (58,88%), com diferença significativa ao nível de 5%, contrariando resultados anteriores que descrevem a prevalência em novilhas e bezerros maior que em vacas. Resultados semelhantes aos deste trabalho foram obtidos por MOREIRA et al. (2003)MOREIRA, C.N.; PEREIRA, M.A.; BROD, C.S.; RODRIGUES, D.P.; CARVALHAL, J.B.; ALEIXO, J.A.G. Shiga toxin-producing Escherichia coli (STEC) isolated from healthy dairy cattle in southern Brazil. Veterinary Microbiology, v.93, p.179-183, 2003., no Brasil e por KOBAYASHI et al. (2001)KOBAYASHI, H.; SHIMADA, J.; NAKAZAWA, M.; MOROZUMI, T.; POHJANVIRTA, T.; PELKONEN, S.; YAMAMOTO, K. Prevalence and characteristics of Shiga toxin-producing Escherichia coli from healthy cattle in Japan. Applied and Environmental Microbiology, v.67, p.484-489, 2001. no Japão, estes também relataram maior prevalência entre novilhas e vacas.

Observou-se um coeficiente de prevalência de sequências rfb O157 e O111 significativamente maior, entre bezerros e novilhas, ao nível de 5%. Os coeficientes de prevalência de sequência rfb O113 não apresentaram diferença significativa entre as categorias animais, ao nível de 5%. Estes resultados são concordantes aos descritos por WELLS et al. (1991)WELLS, J.G.; SHIPMAN, L.D.; GREENE, K.D.; SOWERS, E.G.; GREEN, J.H.; CAMERON, D.N.; DOWNES, F.P.; MARTIN, M.L.; GRIFFIN, P.M.; OSTROFF, S.M.; POTTER, M.E.; TAUXE, R.V.; WACHSMUTH, I.K. Isolation of Escherichia coli serotype O157:H7 and other Shiga-like-toxin-producing E. coli from dairy cattle. Journal of Clinical Microbiology, v.29, p.985-989, 1991. e RAHN et al. (1997)RAHN, K.; RENWICK, S.A.; JOHSON, R.P.; WILSON, J.B.; CLARK, R.C.; ALVES, D.; McEWEN, S.; LIOR, H.; SPIKA, J. Persistence of Escherichia coli O157:H7 in dairy cattle and the dairy farm environment. Epidemiology and Infection, v.119, p.251-259, 1997.. As razões para essas diferenças de prevalência entre faixas etárias, ainda são desconhecidas, mas podem refletir disparidade no desenvolvimento ruminal, dieta, resistência a infecções e outros fatores (WELLS et al., 1991WELLS, J.G.; SHIPMAN, L.D.; GREENE, K.D.; SOWERS, E.G.; GREEN, J.H.; CAMERON, D.N.; DOWNES, F.P.; MARTIN, M.L.; GRIFFIN, P.M.; OSTROFF, S.M.; POTTER, M.E.; TAUXE, R.V.; WACHSMUTH, I.K. Isolation of Escherichia coli serotype O157:H7 and other Shiga-like-toxin-producing E. coli from dairy cattle. Journal of Clinical Microbiology, v.29, p.985-989, 1991.).

Fig. 2
Coeficiente de prevalência de sequências stx1, stx2 e stx1/stx2 de Escherichia coli em amostras de fezes de bovinos STEC positivas e coeficiente de prevalência de sequência eae de Escherichia coli em amostras de fezes de bovinos, detectadas por Reação em Cadeia de Polimerase. Jaboticabal, SP, 2003.
Fig. 3
Porcentagens de rebanhos, em que Escherichia coli com sequências stx (STEC) e rfb O157, O111 e O113 foram detectadas por Reação em Cadeia de Polimerase em amostras de fezes. Jaboticabal, SP, 2003.

Com exceção do sorogrupo O111, todas as outras STEC foram detectadas com maior frequência em fezes de bovinos sem diarréia. Vários autores sugerem que esses micro-organismos podem fazer parte da microbiota normal de bovinos, uma vez que são isolados com maior frequência de animais saudáveis do que de animais com diarréia (BLANCO et al., 1993BLANCO, M.; BLANCO, J.; BLANCO, J.E.; RAMOS, J. Enterotoxigenic, verotoxigenic, and necrotoxigenic Escherichia coli isolated from cattle in Spain. American Journal of Veterinary Research, v.54, p.1446-1451, 1993.). Os animais infectados não são clinicamente identificáveis, o que torna o controle da disseminação entre os bovinos difícil (GARBER et al., 1995GARBER, L.P.; WELLS, J.; HANCOCK, D.D.; DPYLE, M.P.; TUTTLE, J.; SHERE, J.A.; ZHAO, T. Risk factors for fecal shedding of Escherichia coli O157:H7 in dairy calves. Journal of the American Veterinary Medical Association, v.207, n.1, p.46-49, 1995.), facilitando que os portadores contaminem, por meio de suas fezes, o solo, a água, o cocho, equipamentos de ordenha e o ambiente de maneira geral.

Embora, o papel de cada Stx na patogênese das infecções causadas por cepas de EHEC e mais especificamente, no desenvolvimento da SHU, permaneça controverso (RIOS et al., 1999RIOS, M.; PRADO, V.; TRUCKSIS, M.; ARELLANO, C.; BORIE, C.; ALEXANDRE, M; FICA, A.; LEVINE, M.M. Clonal diversity of enterohemorrhagic Escherichia coli from patients with hemolytic-uremic syndrome, asymptomatic subjects, animal reservoirs, and food products. Journal of Clinical Microbiology, v.37, n.3, p.778-781, 1999.), a maioria dos autores relata que a produção de Stx2 está associada a maior risco de desenvolver SHU (BOERLIN et al., 1999BOERLIN, P.; MCEWEN, S.A.; BOERLIN-PETZOLD, F.; WILSON, J.B.; JOHNSON, R.P.; GYLES, C.L. Associations between virulence factors of Shiga toxin-producing Escherichia coli and disease in humans. Journal of Clinical Microbiology, v.37, p.497-503, 1999.). Além disso, as cepas de STEC que apresentam a sequência eae são mais virulentas para seres humanos (BARRET et al., 1992BARRET, T.J.; KAPER, J.B.; JERSE, A.E.; WACHSMUTH, I.K. Virulence factors in Shiga-like toxinproducing Escherichia coli isolated from humans and cattle. Journal of Infectious Diseases, v.165, p.979-980, 1992.).

Logo, torna-se relevante o resultado obtido nesta pesquisa, na qual sequências stx1/stx2, stx2 e eae apresentaram os maiores coeficientes de prevalência entre as amostras de fezes, respectivamente, 45,70%, 35,01% e 32,76% (Fig. 2), o que foi descrito, também, por BLANCO et al. (1997)BLANCO, M.; BLANCO, J.E.; BLANCO, J. MORA, A.; PRADO, C.; ALONSO, M.P.; MOURIÑO, M.; MADRID, C.; BALSALOBRE, C.; JUÁREZ, A. Distribution and characterization of faecal verotoxin producing Escherichia coli (VTEC) isolated from health cattle. Veterinary Microbiology, v.54, p.309-319, 1997., SANZ et al. (1998)SANZ, M.E.; VINAS, M.R.; PARMA, A.E. Prevalence of bovine verotoxin-producing Escherichia coli in Argentina. European Journal of Epidemiology, v.14, p.399-403, 1998., VOLD et al. (1998)VOLD, L.; JOHANSEN, B.K.; KRUSE, H.; SKJERVE, E.; WASTESON, Y. Occurrence of shigatoxinogenic Escherichia coli O157 in Norwegian cattle herds. Epidemiology and Infection, v.120, p.21-28, 1998. e CERQUEIRA et al. (1999)CERQUEIRA, A.M.F.; GUTH, B.E.C.; JOAQUIM, R.M.; ANDRADE, J.R.C. High occurrence of Shiga toxinproducing Escherichia coli (STEC) in healthy cattle in Rio de Janeiro State, Brazil. Veterinary Microbiology, v.70, p.111-121, 1999.. Segundo BLANCO et al. (1993)BLANCO, M.; BLANCO, J.; BLANCO, J.E.; RAMOS, J. Enterotoxigenic, verotoxigenic, and necrotoxigenic Escherichia coli isolated from cattle in Spain. American Journal of Veterinary Research, v.54, p.1446-1451, 1993. as STEC que produzem Stx2 fazem parte do grupo bacteriano que compõe a microbiota intestinal normal do rebanho, talvez por este motivo a sequência stx2 tenha sido encontrada com bastante frequência. Ademais, as sequências stx1 e stx2 estão localizadas em elementos genéticos móveis e podem apresentar diferentes padrões de mobilidade, portanto, talvez ocorra a transferência da sequência stx2 de sorotipos não patogênicos para patogênicos com maior frequência (VOLD et al., 1998VOLD, L.; JOHANSEN, B.K.; KRUSE, H.; SKJERVE, E.; WASTESON, Y. Occurrence of shigatoxinogenic Escherichia coli O157 in Norwegian cattle herds. Epidemiology and Infection, v.120, p.21-28, 1998.).

As taxas de prevalência de STEC em rebanhos apresentam flutuações significativas ao longo do tempo (HANCOCK et al., 1998HANCOCK, D.D.; BESSER, T.E.; RICE, D.H.; EBEL, E.D.; HERRIOTT, D.E.; CARPENTER, L.V. Multiple sources of Escherichia coli O157 in feedlots and dairy farms in the Northwestern USA. Preventive Veterinary Medicine, v.35, p.11-19, 1998.). Nota-se esta variação quando da comparação entre os resultados obtidos neste estudo (Fig. 3), em que STEC foram identificadas em todos os rebanhos (100%) e os sorogrupos O157, O111 e O113 foram observados em 60%, 10% e 100% dos rebanhos, respectivamente, com os resultados obtidos por VICENTE et al. (2005)VICENTE, H.I.G.; AMARAL, L.A.; CERQUEIRA, A.M.F. Shigatoxigenic Escherichia coli serogroups o157, o111 and o113 in feces, water and milk samples from dairy farms. Brazilian Journal of Microbiology, v.36, n.3, p.217-222, 2005. que analisando os mesmos rebanhos dois anos antes obtiveram, os seguintes resultados para STEC, O157, O111 e O113, respectivamente, 100%, 40%, 50% e 90%.

Testes repetidos demonstraram que STEC estão, pelo menos ocasionalmente, presentes na maioria das fazendas (HANCOCK et al., 1997HANCOCK, D.D.; BESSER, T.E.; RICE, D.H.; HERRIOTT, D.E.; TARR, P.I. A longitudinal study of Escherichia coli O157 in fourteen cattle herds. Epidemiology and Infection, v.118, p.193-195, 1997.). Esta afirmação foi confirmada, de acordo com o descrito no parágrafo anterior, em dois testes sucessivos realizados com intervalo de dois anos, uma vez que todos os rebanhos foram positivos para STEC em ambos testes. Tais dados evidenciam que estes grupos de bactérias estão amplamente difundidos entre os animais de propriedades rurais do Município de Jaboticabal, SP.

Considerando a ampla distribuição de STEC em propriedades leiteiras, as altas taxas de prevalência já relatadas e o isolamento de vários sorotipos de alta virulência de rebanhos leiteiros e seus produtos, deveriam ser desenvolvidas estratégias a longo prazo para garantir a segurança de alimentos provenientes desses rebanhos (HUSSEIN; SAKUMA, 2005HUSSEIN ,H.S.; SAKUMA, T. Invited Review: Prevalence of shiga toxin-producing Escherichia coli in dairy cattle and their products. Journal of Dairy Science, v.88, p.450-465, 2005.).

As fezes dos bovinos são uma fonte potencial para a disseminação de STEC à cadeia de alimentação humana e ao ambiente. Segundo KUDVA et al. (1995)KUDVA, I.T.; HATFIELD, P.G.; HOVDE, C.J. Effect of diet on the shedding of Escherichia coli O157:H7 in a sheep model. Applied and Environmental Microbiology, v.61, n.4, p.1363-1370, 1995. a E. coli O157 pode sobreviver por pelo menos seis semanas nas fezes e possivelmente se multiplicar neste material, além disso, PORTER et al. (1997)PORTER, J.; MOBBS, K.; HART, C.A.; SAUNDERS, J.R.; PICKUP, J.R.; EDWARDS, C. Detection, distribution and probable fate of Escherichia coli O157 from asyntomatic cattle on a dairy farm. Journal of Applied Microbiology, v.83, p.297-306, 1997. relataram que o sorotipo O157:H7 foi isolado com maior frequência de amostras ambientais colhidas próximas ao depósito de esterco dos animais e, rebanhos que pastejam em piquetes tratados com esterco podem apresentar uma prevalência de STEC e O157 maior (HANCOCK et al., 1994HANCOCK, D.D. BESSER, T.E.; KINSEL, M.L.; TARR, P.I.; RICE, D.H.; PAROS, M.G. The prevalence of Escherichia coli O157:H7 in dairy and beef cattle in Washington State. Epidemiology and Infection, v.113, p.199-207, 1994.). Em um estudo de várias amostras ambientais em propriedades leiterias, STEC foram encontradas em comedouros e baias de bezerros e vacas, demonstrando que o ambiente da propriedade pode permanecer contaminado por meses (BLANCO et al., 2001BLANCO, J.; BLANCO, M.; BLANCO, J.E.; MORA, A.; ALONSO, M.P.; GONZALEZ, E.A.; BERNARDEZ, M.I. Epidemiology of verocytotoxigenic Escherichia coli (VTEC) in ruminants. In: DUFFY, G., GARVEY, P., McDOWELL, D. (Ed.). Verocytotoxigenic Escherichia coli. Trumbull: Food and Nutrition Press, 2001. p.113-148.).

Além dos casos em que a transmissão dá-se diretamente dos animais para os seres humanos, surtos de STEC envolvendo vegetais indicam que as fezes dos bovinos podem contaminar também este tipo de alimento. A contaminação pode ocorrer quando eles são cultivados em campos fertilizados com esterco tratado incorretamente, através da irrigação com água contaminada pelas fezes ou pela água em que são lavados (Solomon et al., 2002SOLOMON, E.B.; YARON, S.; MATTHEWS, K.R. Transmission of Escherichia coli O157:H7 from contaminated manure and irrigation water to lettuce plant tissue and its subsequent internalization. Applied and Environmental Microbiology, Washington, v.68, p. 397-400, 2002.).

Embora a incidência de infecção em humanos por STEC seja, relativamente, baixa, a gravidade dos sintomas e a frequência de sequelas renais e neurológicas são motivos de preocupação. A infecção é de relevância em saúde pública e existe a necessidade de desenvolver tratamento ou medidas de prevenção. Estratégias para reduzir a prevalência em bovinos são cruciais para a diminuição da incidência de infecção em humanos (STEVENS et al., 2002STEVENS, M.P.; Van DIEMEN, P.M.; DZIVA, F.; JONES, P.W.; WALLIS, T.S. Options for the control of enterohaemorrhagic Escherichia coli in ruminants. Microbiology, v.148, p.3767-3778, 2002.).

O manejo adequado de dejetos é uma das práticas que evita que as fezes bovinas se tornem fonte de contaminação ambiental por STEC. Existem outras medidas a serem tomadas a fim de reduzir a disseminação das STEC, tais como, evitar a introdução de animais infectados no rebanho, principalmente bezerros e novilhas, fazer a desinfecção adequada das baias antes de introduzir novos animais, controlar o contato entre bezerros e vacas, oferecer água potável, manter bebedouros e comedouros limpos, prover cama adequada e acomodações limpas (RAHN et al., 1997RAHN, K.; RENWICK, S.A.; JOHSON, R.P.; WILSON, J.B.; CLARK, R.C.; ALVES, D.; McEWEN, S.; LIOR, H.; SPIKA, J. Persistence of Escherichia coli O157:H7 in dairy cattle and the dairy farm environment. Epidemiology and Infection, v.119, p.251-259, 1997.; STEVENS et al., 2002STEVENS, M.P.; Van DIEMEN, P.M.; DZIVA, F.; JONES, P.W.; WALLIS, T.S. Options for the control of enterohaemorrhagic Escherichia coli in ruminants. Microbiology, v.148, p.3767-3778, 2002.).

Considerando a alta prevalência de STEC em rebanhos leiteiros demonstrada no presente estudo, inclusive a detecção de sorogrupos patogênicos, pode-se concluir que os bovinos leiteiros são importantes reservatórios de STEC, levando, por meio de suas fezes, à contaminação do ambiente rural, o que constitui um risco a saúde pública.

REFERÊNCIAS

  • ARTHUR, T.M.; BARKOCY-GALLAGHER, G.A.; RIVERA-BETANCOURT, M.; MOHAMMAD KOOHMARAIE. Prevalence and characterization of non-o157 shiga toxin-producing Escherichia coli on carcasses in commercial beef cattle processing plants. Applied and Environmental Microbiology, v.68, n.10, p.4847-4852, 2002.
  • BANATVALA, N.A.; GRIFFIN, P.M.; GREENE, K.D.; BARRETT, T.J.; BIBB, W.F.; GREEN, J.H.; WELLS, J.G. The United States national prospective hemolytic uremic syndrome study: microbiologic, serologic, clinical, and epidemiologic findings. Journal of Infectious Diseases, v.183, p.1063-1070, 2001.
  • BARKOCY-GALLAGHER, G.A.; ARTHUR, T.M.; SIRAGUSA, G.R.; KEEN, J.E.; ELDER, R.O.; LAEGREID, W.W.; KOOHMARAIE, M. Genotypic analyses of Escherichia coli O157:H7 and O157 nonmotile isolates recovered from beef cattle and carcasses at processing plants in the midwestern states of the United States. Applied and Environmental Microbiology, v.67, p.3810-3818, 2001.
  • BARRET, T.J.; KAPER, J.B.; JERSE, A.E.; WACHSMUTH, I.K. Virulence factors in Shiga-like toxinproducing Escherichia coli isolated from humans and cattle. Journal of Infectious Diseases, v.165, p.979-980, 1992.
  • BETTELHEIM, K.A. Non-O157 Verotoxin-producing Escherichia coli: A problem, paradox, and paradigm. Non-O157 Vtec Supplement Society for Experimental Biology and Medicine, v.228, p.333-344, 2003.
  • BLANCO, M.; BLANCO, J.; BLANCO, J.E.; RAMOS, J. Enterotoxigenic, verotoxigenic, and necrotoxigenic Escherichia coli isolated from cattle in Spain. American Journal of Veterinary Research, v.54, p.1446-1451, 1993.
  • BLANCO, M.; BLANCO, J.E.; BLANCO, J. MORA, A.; PRADO, C.; ALONSO, M.P.; MOURIÑO, M.; MADRID, C.; BALSALOBRE, C.; JUÁREZ, A. Distribution and characterization of faecal verotoxin producing Escherichia coli (VTEC) isolated from health cattle. Veterinary Microbiology, v.54, p.309-319, 1997.
  • BLANCO, J.; BLANCO, M.; BLANCO, J.E.; MORA, A.; ALONSO, M.P.; GONZALEZ, E.A.; BERNARDEZ, M.I. Epidemiology of verocytotoxigenic Escherichia coli (VTEC) in ruminants. In: DUFFY, G., GARVEY, P., McDOWELL, D. (Ed.). Verocytotoxigenic Escherichia coli Trumbull: Food and Nutrition Press, 2001. p.113-148.
  • BOERLIN, P.; MCEWEN, S.A.; BOERLIN-PETZOLD, F.; WILSON, J.B.; JOHNSON, R.P.; GYLES, C.L. Associations between virulence factors of Shiga toxin-producing Escherichia coli and disease in humans. Journal of Clinical Microbiology, v.37, p.497-503, 1999.
  • BUSATO, A.; HOFER, D.; LENTZE, T.; GAILLARD, C.; BURNENS, A. Prevalence and infection risks of zoonotic enteropathogenic bacteria in Swiss cow-calf farms. Veterinary Microbiology, v.69, p.251-263, 1999.
  • CERQUEIRA, A.M.F.; TIBANA, A.; GUTH, B.E.C. High occurrence of Shiga-like toxin-producing Escherichia coli isolated from raw beef products in Rio de Janeiro City, Brazil. Journal of Food Protection, v.60, n.2, p.177-180, 1997.
  • CERQUEIRA, A.M.F.; GUTH, B.E.C.; JOAQUIM, R.M.; ANDRADE, J.R.C. High occurrence of Shiga toxinproducing Escherichia coli (STEC) in healthy cattle in Rio de Janeiro State, Brazil. Veterinary Microbiology, v.70, p.111-121, 1999.
  • CHAPMAN, P.A.; WRIGHT, D.J.; HIGGINS, R. Untreated milk as a source of verotoxigenic E coli O157. Veterinary Record, v.133, p.171-172, 1993.
  • CHINA, B.; PIRSON, V.; MAINIL, J. Typing of bovine attaching and effacing Escherichia coli by multiplex in vitro amplification of virulence-associated genes. Applied and Environmental Microbiology, v.62, n.9, p.3462-3465, 1996.
  • DOYLE, M.P.; ZHAO, T.; MENG, J.; ZHAO, S., Escherichia coli O157:H7. In: DOYLE, M. P.; BEUCHAT, L.R.; MONTVILLE, T.J. (Ed.). Food microbiology: fundamentals and frontiers. ASM Press, 1995. p.171-191.
  • GARBER, L.P.; WELLS, J.; HANCOCK, D.D.; DPYLE, M.P.; TUTTLE, J.; SHERE, J.A.; ZHAO, T. Risk factors for fecal shedding of Escherichia coli O157:H7 in dairy calves. Journal of the American Veterinary Medical Association, v.207, n.1, p.46-49, 1995.
  • GRIFFIN, P.M.; TAUXE, R.V. The epidemiology of infections caused by Escherichia coli O157:H7, other enterohemorrhagic E. coli, and the associated hemolytic uremic syndrome. Epidemiological Review, v.13, p.60-98, 1991.
  • GYLES, C.; JOHNSON, R.; GAO, A.; ZIEBELL, K.; PIERARD, D.; ALEKSIC, S.; BOERLIN, P. Association of enterohemorrhagic Escherichia coli hemolysin with serotypes of Shiga-like-toxin-producing Escherichia coli of human and bovine origins. Applied and Environmental Microbiology, v.64, p.4134-4141, 1998.
  • HANCOCK, D.D. BESSER, T.E.; KINSEL, M.L.; TARR, P.I.; RICE, D.H.; PAROS, M.G. The prevalence of Escherichia coli O157:H7 in dairy and beef cattle in Washington State. Epidemiology and Infection, v.113, p.199-207, 1994.
  • HANCOCK, D.D.; BESSER, T.E.; RICE, D.H.; HERRIOTT, D.E.; TARR, P.I. A longitudinal study of Escherichia coli O157 in fourteen cattle herds. Epidemiology and Infection, v.118, p.193-195, 1997.
  • HANCOCK, D.D.; BESSER, T.E.; RICE, D.H.; EBEL, E.D.; HERRIOTT, D.E.; CARPENTER, L.V. Multiple sources of Escherichia coli O157 in feedlots and dairy farms in the Northwestern USA. Preventive Veterinary Medicine, v.35, p.11-19, 1998.
  • HUSSEIN ,H.S.; SAKUMA, T. Invited Review: Prevalence of shiga toxin-producing Escherichia coli in dairy cattle and their products. Journal of Dairy Science, v.88, p.450-465, 2005.
  • KARMALI, M.A.; PETRIC, M.; LIM, C.; HEMING, P.C.; ARBUS, G.S.; LIOR, H. The association between hemolytic uremic syndrome and infection by Verotoxinproducing Escherichia coli Journal of Infectious Diseases, v.151, p.775-782, 1985.
  • KOBAYASHI, H.; SHIMADA, J.; NAKAZAWA, M.; MOROZUMI, T.; POHJANVIRTA, T.; PELKONEN, S.; YAMAMOTO, K. Prevalence and characteristics of Shiga toxin-producing Escherichia coli from healthy cattle in Japan. Applied and Environmental Microbiology, v.67, p.484-489, 2001.
  • KUDVA, I.T.; HATFIELD, P.G.; HOVDE, C.J. Effect of diet on the shedding of Escherichia coli O157:H7 in a sheep model. Applied and Environmental Microbiology, v.61, n.4, p.1363-1370, 1995.
  • MOREIRA, C.N.; PEREIRA, M.A.; BROD, C.S.; RODRIGUES, D.P.; CARVALHAL, J.B.; ALEIXO, J.A.G. Shiga toxin-producing Escherichia coli (STEC) isolated from healthy dairy cattle in southern Brazil. Veterinary Microbiology, v.93, p.179-183, 2003.
  • ORDEN, J.A.; CID, D.; RUIZ-SANTA-QUITERIA, J.A.; GARCÍA, S.; MARTINEZ, S.; DE LA FUENTE, R. Verotoxin-producing Escherichia coli (VTEC), enteropathogenic E coli (EPEC) and necrotoxigenic E coli (NTEC) isolated from healthy cattle in Spain. Journal of Applied Microbiology, v.93, p.29-35, 2002.
  • PATON, J.C.; PATON, A.W. Pathogenesis and diagnosis of shiga toxin-producing Escherichia coli infections. Clinical Microbiology Reviews, v.11, n.3, p.450-479, 1998.
  • PATON, A.W.; PATON, J.C. Direct detection of shiga toxigenic Escherichia coli strains belonging to serogroups O111, O157, and O113 by multiples PCR. Journal of Clinical Microbiology, v.37, n.10, p.3362-3365, 1999.
  • PATON, A.W.; PATON, J.C. Multiples PCR for direct detection of shiga toxigenic Escherichia coli strains producing the novel subtilase cytotoxin. Journal of Clinical Microbiology, v.43, n.6, p.2944-2947, 2005.
  • PORTER, J.; MOBBS, K.; HART, C.A.; SAUNDERS, J.R.; PICKUP, J.R.; EDWARDS, C. Detection, distribution and probable fate of Escherichia coli O157 from asyntomatic cattle on a dairy farm. Journal of Applied Microbiology, v.83, p.297-306, 1997.
  • RAHN, K.; RENWICK, S.A.; JOHSON, R.P.; WILSON, J.B.; CLARK, R.C.; ALVES, D.; McEWEN, S.; LIOR, H.; SPIKA, J. Persistence of Escherichia coli O157:H7 in dairy cattle and the dairy farm environment. Epidemiology and Infection, v.119, p.251-259, 1997.
  • RIOS, M.; PRADO, V.; TRUCKSIS, M.; ARELLANO, C.; BORIE, C.; ALEXANDRE, M; FICA, A.; LEVINE, M.M. Clonal diversity of enterohemorrhagic Escherichia coli from patients with hemolytic-uremic syndrome, asymptomatic subjects, animal reservoirs, and food products. Journal of Clinical Microbiology, v.37, n.3, p.778-781, 1999.
  • SAMBROOK, J., FRITSCH, E.F., MANIATIS, T. Molecular cloning: a laboratory manual. New York: Cold Spring Harbor Press, 1989. p.9.16-9.19.
  • SANZ, M.E.; VINAS, M.R.; PARMA, A.E. Prevalence of bovine verotoxin-producing Escherichia coli in Argentina. European Journal of Epidemiology, v.14, p.399-403, 1998.
  • SOLOMON, E.B.; YARON, S.; MATTHEWS, K.R. Transmission of Escherichia coli O157:H7 from contaminated manure and irrigation water to lettuce plant tissue and its subsequent internalization. Applied and Environmental Microbiology, Washington, v.68, p. 397-400, 2002.
  • STEVENS, M.P.; Van DIEMEN, P.M.; DZIVA, F.; JONES, P.W.; WALLIS, T.S. Options for the control of enterohaemorrhagic Escherichia coli in ruminants. Microbiology, v.148, p.3767-3778, 2002.
  • VICENTE, H.I.G.; AMARAL, L.A.; CERQUEIRA, A.M.F. Shigatoxigenic Escherichia coli serogroups o157, o111 and o113 in feces, water and milk samples from dairy farms. Brazilian Journal of Microbiology, v.36, n.3, p.217-222, 2005.
  • VOLD, L.; JOHANSEN, B.K.; KRUSE, H.; SKJERVE, E.; WASTESON, Y. Occurrence of shigatoxinogenic Escherichia coli O157 in Norwegian cattle herds. Epidemiology and Infection, v.120, p.21-28, 1998.
  • WELLS, J.G.; SHIPMAN, L.D.; GREENE, K.D.; SOWERS, E.G.; GREEN, J.H.; CAMERON, D.N.; DOWNES, F.P.; MARTIN, M.L.; GRIFFIN, P.M.; OSTROFF, S.M.; POTTER, M.E.; TAUXE, R.V.; WACHSMUTH, I.K. Isolation of Escherichia coli serotype O157:H7 and other Shiga-like-toxin-producing E. coli from dairy cattle. Journal of Clinical Microbiology, v.29, p.985-989, 1991.
  • WHO SCIENTIFIC WORKING GROUP MEETING. 1998, Berlin, Germany 23-26 June. WHO/CSR/ APH/98.8. Zoonotic non-O157 shiga toxin-producing Escherichia coli (STEC). Report of a World Health Organization Department of Communicable Disease Surveillance and Response. http://www.who.int/emc
    » http://www.who.int/emc

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2010

Histórico

  • Recebido
    05 Maio 2009
  • Aceito
    16 Nov 2010
Instituto Biológico Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 1252 - Vila Mariana - São Paulo - SP, 04014-002 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: arquivos@biologico.sp.gov.br