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O DESEJO DO ANALISTA NA ATUALIDADE

The analyst’s desire in contemporaneity

RESUMO:

Este artigo possui como eixo norteador o conceito de desejo do analista no ensino de Lacan, incluindo seus seminários e parte de sua obra escrita. O percurso conceitual que resulta no conceito de desejo do analista é refeito articulando-o com outros temas, sobretudo aqueles que abrangem a prática da clínica psicanalítica nas suas relações com a época atual.

Palavras-chave:
Jacques Lacan; desejo do analista; atualidade

Abstract:

This article has as its guiding principle the concept of the analyst’s desire in Lacan’s teaching, including his seminars and part of his written work. The conceptual route that results in the analyst’s desire concept is redone, articulating it with other themes, especially those that cover the practice of the psychoanalytic clinic in its relations with the current era.

Keywords:
Jacques Lacan; analyst’s desire; contemporaneity

INTRODUÇÃO

Por que abordar o desejo do analista na atualidade? Em um mundo marcado pela modalidade de laço social configurado pelo discurso da ciência em parceria com o discurso do capitalista1 1 “Discurso” é um conceito lacaniano referente às possibilidades estruturais de construção do laço social. O “discurso da ciência” pode se enlaçar ao “discurso universitário”, ao “discurso da histérica” e ao “discurso do capitalista”. Quando enlaçado a este último, a ciência funciona como mera produtora de “objetos mais-de-gozar”, que prometem recuperar o gozo perdido pelo sujeito ao advir como ser falante no laço social. Desse modo, não se toma o “mal-estar na civilização” como algo estrutural e inexorável, mas sim como algo contingente e remediável. , a hipermedicalização dos sintomas - concebidos majoritariamente como signos de disfunções neurocognitivas - torna-se a orientação principal das práticas psicoterápicas consideradas robustas e ditas científicas. Na contramão desse movimento, a psicanálise de orientação lacaniana vem então reposicionar os sintomas em Outra cena, aquela do inconsciente, inaugurando assim seu endereçamento ao Outro, isto é, à alteridade radical fundante do ser falante.

Na aula de 10 de janeiro de 2001 de seu seminário El lugar y el lazo, Miller (2013MILLER, Jacques-Alain. Fuera-de-sentido. In: MILLER, Jacques-Alain. El lugar y el lazo. Buenos Aires: Paidós, 2013.) argumenta que o Outro (A) abre a via ao andar superior do chamado “Grafo do desejo”; o Outro funciona como conector à Outra cena por intermédio do operador chamado “desejo do analista”.

Fonte:
Miller, 2013MILLER, Jacques-Alain. Fuera-de-sentido. In: MILLER, Jacques-Alain. El lugar y el lazo. Buenos Aires: Paidós, 2013., p. 106.

É o desejo do analista que possibilita o salto qualitativo no grafo, ao recusar a função de “auditor-intérprete” retificador de identificações, comodamente instalado no lugar da fala (A) - traço característico das práticas psicoterápicas; o acréscimo da instância do desejo do analista no lugar do Outro da fala abre, por meio da abstinência, um trajeto situado mais além rumo ao andar superior, onde se encontra a pulsão (Isso). Logo, a questão do gozo (satisfação pulsional) só pode ser colocada quando se acessa o nível superior do grafo do desejo, sendo tal questão justamente o que faz o Outro perder sua consistência: S (A barrado).

ENT#091;…ENT#093; para além do princípio do prazer, para além do Outro rumo à S (A barrado), para além da demanda e da identificação rumo ao desejo. O acesso ao gozo supõe uma transgressão, uma passagem ao mais além ENT#091;...ENT#093;. (MILLER, 2013MILLER, Jacques-Alain. Fuera-de-sentido. In: MILLER, Jacques-Alain. El lugar y el lazo. Buenos Aires: Paidós, 2013., p. 115).

Tal franqueamento não pode ser feito senão pelo desejo do analista, operador central à psicanálise de orientação lacaniana. Passemos agora a examinar mais detidamente o percurso conceitual de Lacan, em seu ensino, referente à confecção do desejo do analista, tomando como parâmetro essas observações introdutórias para, em seguida, passarmos a algumas considerações sobre o desejo do analista na atualidade.

O DESEJO DO ANALISTA EM LACAN

O Seminário, livro 6 - O desejo e sua interpretação

Em O Seminário, livro 6, “O desejo e sua interpretação” - na lição de primeiro de julho de 1959, intitulada “Rumo à sublimação” - colocada sob a forma de uma indagação na qual Lacan interpela o lugar do analista em relação ao desejo, pois haveria o confronto entre o desejo do paciente e o do analista. Sobre o desejo do sujeito e o desejo do analista, Lacan observará que:

O desejo do sujeito, como desejo do desejo, abre para o corte, para o ser puro, manifestado em Ⱥ sob a forma de falta. No fim das contas, com que desejo o sujeito vai se confrontar na análise senão com o desejo do analista? É precisamente por esse motivo que é tão necessário mantermos diante de nós essa dimensão sobre a função do desejo (LACAN, 1958-59/2016LACAN, J. O desejo e sua interpretação (1958-1959). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2016. (O seminário, 6), p. 518).

Esse desejo serviria como uma espécie de operador do desejo do sujeito para que ele encontre o seu desejo sem confundi-lo com a demanda, pois mais à frente, ainda na mesma lição, Lacan considera que: “A análise é sem dúvida uma situação em que o analista se oferece como suporte para todas as demandas e não responde a nenhuma” (LACAN, 1958-59/2016LACAN, J. O desejo e sua interpretação (1958-1959). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2016. (O seminário, 6), p. 519). O singular ofício do psicanalista exige que haja uma decidida abstenção - atitude que Freud recomendou aos analistas em um de seus artigos sobre a técnica - quanto aos apelos do paciente durante a nebulosa manifestação da transferência.

Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano

Em “Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano”, Lacan detalhadamente considera:

Eis por que uma vacilação calculada da “neutralidade” do analista pode valer, para uma histérica, mais do que todas as interpretações, com o risco de transtorno enlouquecido que disso pode resultar. Desde, é claro, que esse transtorno enlouquecido não acarrete o rompimento e que a sequência convença o sujeito de que o desejo do analista não teve nada a ver com isso. Esta observação não constitui, é claro, um conselho técnico, mas uma visão aberta para a questão do desejo do analista, para aqueles que de outro modo não poderiam ter ideia dela: como deve o analista preservar para o outro a dimensão imaginária de sua não-dominação, de sua imperfeição necessária, eis o que é tão importante estabelecer quanto o fortalecimento, nele voluntário, de sua insciência quanto a cada sujeito que vai procurá-lo em análise, de sua ignorância sempre renovada de que algum deles constitua um caso. (LACAN, 1960/1998LACAN, J. Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano (1960). In: LACAN, J. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998., p. 839).

A observação de Lacan sobre o desejo do analista - que não chega a constituir um “conselho técnico” - não seria considerada por outros analistas. A relevância dessa observação implica que o analista esteja atento ao cultivo de um estado de ignorância advindo como “não-saber”, o qual não se confunde nem com a negação do saber, tampouco com uma das paixões do ser; em Lacan, o termo ignorância (também “douta ignorância”) não se furta a ter cadeira cativa junto ao desejo do psicanalista, na medida em que o não-saber sustenta a ausência de uma resposta padronizada ante a verdade que o desejo do paciente enuncia. Talvez a (douta) ignorância seja um apanágio da sustentação do desejo do analista como avesso ao bem utilitarista projetado no analisando.

Posição do inconsciente

Em “Posição do inconsciente”, apresentado no Congresso de Bonneval em 1960 e publicado posteriormente, Lacan (1966/1998, p. 858) não se priva a brevemente apreciar que o “desejo do analista” é a “verdadeira mola do que constitui a transferência” e que a transferência é essencialmente ligada ao tempo e a seu manejo.

O Seminário, livro 8 - A transferência

Em O Seminário, livro 8, “A transferência” - dedicado a este conceito e no qual Lacan comenta O banquete de Platão de modo minucioso - teremos, de início, na lição de 11 de janeiro de 1961, com o título “A atopia de Eros”, Lacan identificando que o problema da transferência não deve ser limitado ao que se passa com o paciente, pois o desejo do analista parece se apresentar como uma questão a ser detidamente considerada: “E em consequência disso, coloca-se a questão de articular, de uma maneira um pouco mais avançada do que foi feito até agora, o que deve ser o desejo do analista” (LACAN, 1960-61/2010LACAN, J. A transferência (1960-1961). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2010. (O seminário, 8), p. 136).

Ainda na lição de 11 de janeiro de 1961 vale citar o que Lacan articula:

Trata-se, portanto, para nós de tentar articular e situar o que deve ser, o que é fundamentalmente o desejo do analista - e isso, segundo balizas que podem, a partir de uma topologia já esboçada, ser designadas como coordenadas do desejo, pois não podemos encontrar nossas balizas idôneas referindo-nos às articulações da situação para o terapeuta ou para o observador, e em nenhuma das noções de situação tais como nos são expostas numa fenomenologia que se elabora à nossa volta. Pois o desejo do analista não é tal que possa se bastar por uma referência diádica. (LACAN, 1960-61/2010LACAN, J. A transferência (1960-1961). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2010. (O seminário, 8), p. 137).

Na sequência da citação acima, afirma: “Isso também não quer dizer que o analista deva ser um Sócrates, nem um puro, nem um santo” (LACAN, 1960-61/2010LACAN, J. A transferência (1960-1961). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2010. (O seminário, 8), p. 137). Outrossim, acentua a respeito de Sócrates, colocando-o como detentor de um “desejo purificado”. Contudo, a questão não seria que o analista busque assemelhar-se ao santo no sentido de anelar um estado de beatitude ou quaisquer que sejam os apanágios dos santos e sábios, todavia eles sinalizariam em relação ao desejo do analista.

Na lição de 3 de maio de 1961, no capítulo O não de Sygne, Lacan (1960-61/2010LACAN, J. A transferência (1960-1961). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2010. (O seminário, 8), p. 329) declara que vem interrogando “o que deve ser o desejo do analista” e que esse desejo está em consonância com a “posição do analista” que é “ENT#091;...ENT#093; a posição diante do apelo do ser, o mais profundo, que emerge no momento em que o paciente vem nos demandar nossa ajuda e nosso socorro”. Também, Lacan torna a reforçar que o analista não é o detentor de um saber pretensioso e definitivo sobre o analisando:

Certamente, não é adequado contentarmo-nos em pensar que o analista, por sua experiência e sua ciência, seja o equivalente moderno, o representante, autorizado pela força de uma pesquisa, de uma doutrina e de uma comunidade, daquilo a que se poderia chamar o direito da natureza, e que ele teria que nos designar, novamente, a via de uma harmonia natural, que seria acessível através dos desvios de uma experiência renovada. (LACAN, 1960-61/2010LACAN, J. A transferência (1960-1961). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2010. (O seminário, 8), p. 329).

O Seminário, livro 9 - A identificação

Lacan, em seu nono seminário (inédito)2 2 Utilizamos uma tradução que não é a “oficial” do seminário A identificação, todavia foi lançada pelo Centro de Estudos Freudianos do Recife para uso interno de seus membros, procurando atender a critérios de uma publicação formal como indicação de tradutores, revisores, ficha catalográfica etc. - denominado A identificação, realizado entre 1961 e 1962 - legou uma breve referência ao desejo do analista, na lição de 24 de janeiro de 1962, relacionando-o ao objeto do desejo do sujeito:

ENT#091;...ENT#093; há o objeto a, o objeto que é, enquanto nos interessa a nós analistas, mas não forçosamente, o objeto que corresponde à demanda. De maneira alguma forçosamente também não o contrário, porque sem isto não haveria dificuldades. Esse objeto é o objeto do desejo, e o desejo onde está? Está fora; e aí onde está verdadeiramente, o ponto decisivo, é você, o analista, na medida em que seu desejo não deve se enganar sobre o objeto do desejo do sujeito. Se as coisas não fossem assim, não haveria mérito em ser analista. (LACAN, 1961-62/2003LACAN, J. A identificação: seminário 1961-1962 (1961-1962). Recife: Centro de Estudos Freudianos do Recife, 2003., p. 133-134).

Se o psicanalista é objeto causa de desejo do analisando e coincide com o objeto a, Lacan, no entanto, indica que o desejo está fora. Ou seja, não se deve confundi-lo com o desejo daquele que escuta, tampouco se deve equivaler o lugar do analista com o objeto do desejo do sujeito. Ao apontar a extração do objeto corporal lançado ao campo do Outro, Lacan parece postular que o desejo do analista, bem como sua posição como semblante de objeto, sirva de direção preventiva às armadilhas de uma atuação guiada por supostos ideais de bem-estar que venham a incidir sobre o analisando - isso estaria em consonância com o modo geral de trabalho de um psicoterapeuta, porém, não o de um psicanalista. Enquanto o psicoterapeuta se guia pela ética do bem-estar (eudemonismo) e pela promessa de gestão do sintoma rumo à felicidade fálica - Miller (2013MILLER, Jacques-Alain. Fuera-de-sentido. In: MILLER, Jacques-Alain. El lugar y el lazo. Buenos Aires: Paidós, 2013., p. 105) o equivale a uma “posição de síndico da humanidade” -, o psicanalista se orienta pela ética do bem-dizer o desejo, sempre transgressivo, visando à diz-solução do evitável sofrimento neurótico nas suas relações com o modo de gozo que o sustenta.

Do “Trieb” de Freud e do desejo do psicanalista

Nessa mesma direção, em Do ‘Trieb’ de Freud e do desejo do psicanalista, Lacan indaga-se a respeito do desejo do analista:

Por conseguinte, qual pode ser o desejo do analista? Qual pode ser o tratamento a que ele se dedica? Irá ele cair na pregação que gera o descrédito do pregador cuja fé foi substituída pelos bons sentimentos, e como ele assumir uma direção abusiva? (LACAN, 1964/1998LACAN, J. Do “Trieb” de Freud e do desejo do psicanalista (1964). In: LACAN, J. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998., p. 867)

O Seminário, livro 11 - Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise

Em O Seminário, livro 11 - Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, na lição de 15 de janeiro de 1964, Lacan apresenta a seguinte questão: “qual é o desejo do analista?” e imediatamente observa:

O que há de ser o desejo do analista para que ele opere de maneira correta? Pode esta questão ser deixada fora dos limites de nosso campo, como o é de fato nas ciências - as ciências modernas do tipo mais garantido - em ninguém se interroga sobre o que é, por exemplo o desejo do físico? (LACAN, 1964/2008LACAN, J. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. (O Seminário, 11), p. 17).

E adiante acrescenta:

O desejo do analista, em cada caso, não pode de modo algum ser deixado fora de nossa questão, pela razão de que o problema da formação do analista o coloca. E a análise didática não pode servir para outra coisa senão para levá-lo a esse ponto que designo em minha álgebra como o desejo do analista (LACAN, 1964/2008LACAN, J. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. (O Seminário, 11), p. 17).

Vale lembrar que estas referências são apresentadas no primeiro capítulo do referido seminário. Desse modo, Lacan parece ter como objetivo tornar o desejo do analista uma questão perene para a formação do analista, pois a análise pessoal, a análise didática, proporcionaria a chegada ao que deveria ser o desejo do analista.

Lacan parece ocupado em colocar o desejo do analista como um ponto a ser considerado para que o psicanalista tenha um lugar diferente de um “pregador” que poderia conduzir a análise sob a égide de um suposto bem-estar, pois, mais à frente, Lacan irá provocar: “Então, qual é a finalidade da análise, para-além da terapêutica? Impossível não distingui-la desta quando se trata de produzir um analista” (LACAN, 1964/1998LACAN, J. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. (O Seminário, 11), p. 868). Desse modo, o desejo do analista parece representar uma diferença cabal entre a psicanálise e a psicoterapia, com o seu esteio na promoção de bem-estar para o sofrimento do sujeito. Por fim, nas últimas considerações, Lacan, de modo marcante, acrescenta que “(...) é o desejo do analista que, em última instância, opera na psicanálise” (LACAN, 1964/1998LACAN, J. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. (O Seminário, 11), p. 868).

Na lição de 29 de abril de 1964, ao falar sobre a transferência - utilizando a referência topológica do “oito interior” -, Lacan afirma que o desejo do analista teria relação com a junção do campo da demanda e do desejo e a linha da transferência, conquanto sem deixar de manter a distinção entre eles. Lacan teria observado em Breuer que a transferência “ENT#091;...ENT#093; é a espontaneidade do inconsciente de Bertha” (LACAN, 1964/2008LACAN, J. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. (O Seminário, 11), p. 156), não sendo o desejo de Breuer, mas, sim, o desejo do Outro.

Na lição de 6 de maio de 1964, Desmontagem da pulsão, Lacan torna a aludir brevemente à figura topológica do “oito interior” para designar que: “Essa topologia visa a fazê-los conceber onde fica o ponto de disjunção e de conjunção, de união e de fronteira, que só pode ser ocupado pelo desejo do analista” (LACAN, 1964/2008LACAN, J. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. (O Seminário, 11), p. 158). É possível depreender que o desejo do analista - embora encontre-se em um ponto limítrofe - não se confunde com a transferência nem com a demanda do paciente e, por extensão, não se confunde com o desejo do paciente, que deve ser mobilizado por meio do desejo do analista.

Lacan postula que:

Enquanto o analista é suposto saber, ele é suposto saber também partir ao encontro do desejo inconsciente. É por isso que eu digo - ilustrarei para vocês, da próxima vez, com um desenhozinho topológico que já esteve no quadro - que o desejo é o eixo, o pivô, o cabo, o martelo, graças ao qual se aplica o elemento-força, a inércia, que há por trás do que se formula primeiro, no discurso do paciente, como demanda, isto é, a transferência. O eixo, o ponto comum desse duplo machado, é o desejo do analista que eu designo aqui como uma função essencial. (LACAN, 1964/2008LACAN, J. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. (O Seminário, 11), p. 229).

Em mais uma alusão ao “oito interior”, Lacan deixa claro que o desejo do analista tem uma função essencial que se distingue do sujeito suposto saber e do desejo como desejo do Outro, pois o desejo do analista não endossaria a transferência como objetivo principal do tratamento e, também, preservar-se-ia ante a possibilidade de dar consistência ao desejo do Outro e a seu caráter enigmático - o desejo do analista deve ser um desejo advertido (RABINOVICH, 2000RABINOVICH, Diana. O Desejo do psicanalista: liberdade e determinação em psicanálise. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2000.).

Em Da interpretação à transferência, que é o título dado à lição de 17 de junho 1964, Lacan (1964/2008, p. 246) afirma que, devido à atualização da transferência, o paciente deseja “enganar” o analista e se fazer amar por ele por meio da “tapeação”. E acrescenta:

É por isso que, por trás do amor dito de transferência, podemos dizer que o que há é afirmação do laço do desejo do analista com o desejo do paciente. É o que Freud traduziu numa espécie de rápido escamoteamento, um chamariz, dizendo - depois de tudo, é apenas o desejo do paciente - coisa para serenar os confrades. (LACAN, 1964/2008LACAN, J. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. (O Seminário, 11), p. 246).

Além da “tapeação” da transferência, há o desejo do analista que pode aplicar uma direção ao desejo do paciente, porque o tratamento analítico proporcionaria uma direção ao tratamento e não ao paciente. Então, o encontro do desejo do paciente com o desejo do analista seria a característica específica da realização de uma análise em que o sujeito tem acesso à sua verdade e a uma produção de saber (IANINNI, 2013IANNINI, G. Estilo e verdade em Lacan. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013.).

Quanto à identificação e ao desejo do analista, Lacan indica:

Para lhes dar fórmulas-referência, direi - se a transferência é o que dá pulsão, desvia a demanda, o desejo do analista é aquilo que a traz ali de volta. E, por esta via, ele isola o a, o põe à maior distância do I que ele, o analista, é chamado pelo sujeito a encarnar. É dessa idealização que o analista tem que tombar para ser o suporte do a separador, na medida em que seu desejo lhe permite, numa hipótese às avessas, encarnar ele, o hipnotizado. (LACAN, 1964/2008LACAN, J. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. (O Seminário, 11), p. 264).

Desse modo, o desejo do analista seria o operador de uma possível “desmontagem” - termo que Lacan aplica ao falar da pulsão em O Seminário, livro 11 - das identificações do analisando por meio do afastamento do objeto a como causa de desejo do plano da identificação (MILLER, 2015MILLER, Jaques-Alain. O osso de uma análise + o inconsciente e o corpo falante. Rio de Janeiro: Zahar, 2015.).

Na mesma lição, Lacan lega outra relevante observação:

O esquema que lhes deixo como guia da experiência, como também da leitura, lhes indica que a transferência se exerce no sentido de reconduzir a demanda à identificação. É na medida em que o desejo do analista, que resta um x, tende para um sentido exatamente contrário à identificação, que a travessia do plano da identificação é possível, pelo intermédio da separação do sujeito na experiência. (LACAN, 1964/2008LACAN, J. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. (O Seminário, 11), p. 265).

Lacan reiteraria tal posição em Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola (LACAN, 1967a/2003LACAN, J. Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola (1967a). In: LACAN, J. Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003., p. 257) para esclarecer que, enquanto o manejo incorreto da transferência cristalizaria a cola da demanda do sujeito à identificação, o desejo do analista como um “x” - uma incógnita para o desejo do paciente - seria o promotor da travessia do plano da identificação do sujeito na análise.

Em seu último parágrafo, a lição de 24 de junho de 1964 é encerrada por Lacan da seguinte maneira:

O desejo do analista não é um desejo puro. É um desejo de obter a diferença absoluta, aquela que intervém quando, confrontado com o significante primordial, o sujeito vem, pela primeira vez, à posição de se assujeitar a ele. Só aí pode surgir a significação de um amor sem limites, porque fora dos limites da lei, somente onde ele pode viver. (LACAN, 1964/2008LACAN, J. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. (O Seminário, 11), p. 267).

A “diferença absoluta” provavelmente pode ser assimilada à separação da identificação em relação ao desejo inconsciente do sujeito dirigida pelo desejo do analista, porém, o desejo do analista é sobretudo um “desejo prevenido”, mas não um desejo puro.

O Seminário, livro 12 - Problemas cruciais para a psicanálise

Em O Seminário, livro 12 - Problemas cruciais para a psicanálise (ainda inédito; acessamos a versão não oficial disponível no site Staferla), na lição de 13 de janeiro de 1965, Lacan torna a abordar a identificação e o desejo do analista:

Or, la façon dont nous avons à définir topologiquement ce dont il s’agit dans l’analyse, qui est bien évidemment le repérage du désir… mais non pas de tel ou tel désir qui n’est que dérobement, métonymie, métabolisme voire défense comme c’en est la figure la plus commune quand il s’agit de repérer ce désir où l’analyse doit trouver son terme et surtout son axe, si, comme à la fin de l’année dernière nous l’avons avancé, c’est le désir de l’analyste, comme tel, qui est l’axe de l’analyse ENT#091;Cf. Les fondements... 24-06ENT#093;… Ce désir, nous devons savoir topologiquement le définir en relation avec cette passe, ce phénomène, qui lui est assurément lié d’une certaine façon, que là nous ne commençons qu’à appréhender, qu’à déchiffrer, qu’à approcher, à savoir l’identification3 3 (Tradução livre do francês): “Agora, a maneira como temos que definir topologicamente o que se trata na análise, que é obviamente a identificação do desejo... Mas não de tal ou qual desejo que é apenas roubo, metonímia, metabolismo ou mesmo defesa, como é a figura o mais comum quando se trata de identificar esse desejo, onde a análise deve encontrar seu fim e, especialmente, seu eixo. No final do ano passado, avançamos, é o desejo do analista, como tal, que é o eixo da análise ENT#091;Cf. Os fundamentos... 24-06ENT#093;... Esse desejo, precisamos saber defini-lo topologicamente em relação a esse passe, a esse fenômeno, que certamente está ligado a ele de certa forma, que aqui estamos apenas começando a apreender, a decifrar, a abordar, a saber, a identificação”. . (LACAN, 1964-65LACAN, J. Problème cruciaux (1964-1965). Staferla [on-line] versão em francês, s.d., 290 p. Disponível em: Disponível em: http://staferla.free.fr/S12/S12.htm . Acesso em: 24 jun. 2020.
http://staferla.free.fr/S12/S12.htm...
, p. 54).

Lacan evidencia que o desejo do analista seria um “mestre” na análise em prol da direção do tratamento e que seria importante considerar a localização topológica do desejo do analista em relação à identificação. No entanto, ao falar sobre o objeto topológico denominado “oito interior”, em O Seminário, livro 11, Lacan trabalha a “travessia do plano da identificação” pela operação do desejo do analista - também trabalha no “oito interior” a linha da demanda e a linha da transferência.

Na lição de 3 de fevereiro de 1965, Lacan trará a questão da transferência, da neurose de transferência, em relação ao desejo do psicanalista: “Et la névrose de transfert est une névrose de l’analyste: l’analyste s’évade dans le transfert dans la mesure stricte où il n’est pas au point quant au désir de l’analyste” (LACAN, 1964-65LACAN, J. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. (O Seminário, 11), p. 91)4 4 (Tradução livre do francês): “E a neurose de transferência é uma neurose do analista: o analista escapa da transferência na medida estrita onde ele não está no ponto quanto ao desejo do analista”. . A neurose de transferência seria uma neurose artificial criada pelo tratamento psicanalítico que revelaria mais um impasse do analista - ao dar consistência à demanda apresentada pelo analisando - do que promoveria qualquer progresso ao tratamento do analisando (LAPLANCHE; PONTALIS, 2000LAPLANCHE, Jean.; PONTALIS, Jean-Bertrand. Vocabulário da psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 2000.).

A lição de 5 de maio de 1965 é iniciada por Lacan com a seguinte afirmação:

Si être psychanalyste est une position responsable, la plus responsable de toutes puisqu’il est celui à qui est confiée l’opération d’une conversion éthique radicale, celle qui introduit le sujet à l’ordre du désir… Ordre dont tout ce qu’il y a dans mon enseignement de rétrospection historique: essai de situer la position philosophique traditionnelle, vous montre - cet ordre - qu’il est resté en quelque sorte exclu… Il est à savoir quelles sont les conditions qui sont requises pour que quelqu’un puisse se dire: “Je suis psychanalyste5 5 (Tradução livre do francês): “Se ser psicanalista é uma posição responsável, a mais responsável de todas que ele é o encarregado da operação de uma conversão ética radical, aquela que introduz o sujeito na ordem do desejo... Ordem em que tudo o que existe em meu ensino da retrospecção histórica: tentativa de localizar a posição filosófica tradicional, mostra a vocês - que essa ordem - de alguma forma ela permaneceu excluída... É preciso saber quais são as condições necessárias para alguém dizer: ‘Sou psicanalista’”. . (LACAN, 1964-65LACAN, J. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. (O Seminário, 11), p. 202).

A citação acima enfatiza a radicalidade da ética da posição do analista ao “converter” o sujeito à ordem do desejo.

Na lição de 19 de maio de 1965, há outra referência importante:

Et c’est cela qui est le désir de l’analyste dansl’opération. Amener le patient à son fantasme originel, ce n’est rien lui apprendre: c’est apprendre de lui comment faire. L’objet(a) et son rapport dans un cas déterminé à la division du sujet, c’est le patient qui sait y faire, et nous sommes à la place du résultat dans la mesure où nous le favorisons. L’analyse est le lieu où se vérifie d’une façon radicale, parce qu’elle en montre la superposition stricte, que le désir est le désir de l’Autre. Non pas parce qu’au patient est dicté le désir de l’analyste, mais parce que l’analyste se fait le désir du patient.6 6 (Tradução livre do francês): “E é isso que é o desejo do analista na operação. Trazer o paciente à sua fantasia original não é nada para ensiná-lo: é aprender com ele como fazer. O objeto (a) e sua relação, em um determinado caso, com a divisão do sujeito, é o paciente quem sabe fazê-lo, e nós estamos no lugar do resultado, tanto quanto o facilitamos. A análise é o lugar onde se verifica radicalmente, porque mostra sua estrita superposição, que o desejo é o desejo do Outro. Não porque o desejo do paciente é ditado pelo desejo do analista, mas porque o analista se faz o desejo do paciente”. (LACAN, 1964-1965LACAN, J. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. (O Seminário, 11), p. 220).

A operação do analista, por meio do desejo do analista, dirige o paciente para a travessia de sua fantasia fundamental, que Jacques-Alain Miller abordará a partir da “operação-redução”, oposta à amplificação significante, definida como a condensação dos elementos extraídos um a um da biografia do analisando, dos eventos dos seus pensamentos, com o bem-dizer, tal como revelado por intermédio dos equívocos d’alíngua via chiste (MILLER, 2015MILLER, Jaques-Alain. O osso de uma análise + o inconsciente e o corpo falante. Rio de Janeiro: Zahar, 2015., p. 33).

Logo adiante, ainda na lição de 19 de maio de 1965, Lacan fará a seguinte indagação: “Que doit être, que peut-il être ce désir de l’analyste, pour se tenir à la fois en ce point de suprême complicité, complicité ouverte. Ouverte à quoi? À la surprise! L’opposé de cette attente où se constitue le jeu en soi, le jeu comme tel, c’est l’inattendu” (LACAN, 1964-65LACAN, J. Problème cruciaux (1964-1965). Staferla [on-line] versão em francês, s.d., 290 p. Disponível em: Disponível em: http://staferla.free.fr/S12/S12.htm . Acesso em: 24 jun. 2020.
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, p. 221)7 7 (Tradução livre do francês): “O que deve ser, qual pode ser esse desejo do analista de permanecer ao mesmo tempo nesse ponto de cumplicidade suprema, cumplicidade aberta. Aberto a quê? Para a surpresa! O oposto dessa expectativa em que o jogo é constituído, o jogo como tal, é o inesperado”. . Por não estar regido por ideais terapêuticos estabelecidos de antemão, o desejo do analista estaria aberto à surpresa da irrupção do desejo do paciente, na análise, e ao inesperado do desvelamento de sua fantasia fundamental. Nesse sentido, Miller (2013MILLER, Jacques-Alain. Fuera-de-sentido. In: MILLER, Jacques-Alain. El lugar y el lazo. Buenos Aires: Paidós, 2013.) afirma se corresponderem e serem homólogas a transgressão do gozo, proporcionada pelo desejo do analista, e a travessia da fantasia, percurso típico de uma análise, dado que é preciso ir além do sintoma rumo à fantasia - passando do primeiro ao segundo nível do grafo do desejo, onde reside o que move o analisando em seu desejo.

O Seminário, livro 15 - O ato psicanalítico

Em O Seminário, livro 15 - O ato psicanalítico (LACAN, 1967-1968), será a conferência de 19 de junho de 1968 a única referência apontada por Krutzen (2009KRUTZEN. H. Jacques Lacan Séminaire 1952-1980: Index référentiel. Paris: Ed. Economica/Anthropos, 2009.) sobre o desejo do analista nesse texto. (Dado seu ineditismo, acessamos a versão não oficial disponível no site Staferla.) Nessa conferência, Lacan torna a utilizar o objeto topológico “oito interior” para trabalhar a transferência, a identificação e também o desejo do analista. Lacan refere-se diretamente à questão do desejo do analista e à fantasia do analista:

Ce vers quoi, je vous aurais menés cette année, si j’eus pu parler de l’acte psychanalytique jusqu’au terme, ç’aurait été pour vous dire que ce n’est pas pour rien si je vous ai parlé du désir du psychanalyste, car il est impossible de tirer d’ailleurs que du fantasme du psychanalyste…8 8 (Tradução livre do francês): “Ao que eu teria levado vocês este ano, se eu pudesse ter falado do ato psicanalítico até o fim, teria sido lhes dizer que não é por nada se eu lhes falasse sobre o desejo do psicanalista, porque é impossível desenhar mais do que a fantasia do psicanalista...”. (LACAN, 1967-68LACAN, J. O ato psicanalítico (1967-1968). In: LACAN, J. Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003., p. 145).

Lacan dirá que a fantasia, a fantasia do analista, seria um elemento opaco para o analisando: “ENT#091;...ENT#093; le choc d’où se dégèle chez l’analysant la parole ENT#091;...ENT#093;”9 9 (Tradução livre do francês): “O choque do qual a fala do analisando é descongelada”. (LACAN,1967-1968LACAN, J. L’ acte (1967-1968). Staferla [on-line] versão em francês, s.d., 145 p. Disponível em:Disponível em:http://staferla.free.fr/S15/S15.htm . Acesso em: 18 ago. 2019.
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, p. 145). O descongelamento da fala do analisando teria um efeito de choque para que um saber venha a ser produzido a partir de uma verdade que emergiu por meio do Outro e assim dito por Lacan: “Ainsi se confirme que la vérité se fait savoir par l’Autre”10 10 (Tradução livre do francês): “Assim, confirma-se que a verdade se faz saber pelo Outro”. (LACAN, 1967-1968, p. 145). Ainda nessa conferência, Lacan observa que o desejo do analista seria o que não sustentaria o sujeito suposto saber e a demanda do paciente:

C’est justement l’erreur de l’analyste que de croire que ce ou nous avons à intervenir - comme analystes - c’est au niveau de la demande, ce qui ne cesse pas de se théoriser, alors que ce dont ils’agit, c’est três précisément de cet intervalle entre le “sujet supposé savoir” et “le sujet supposé demande”, et en ceci que l’on connaît pourtant depuis longtemps: que le sujet ne sait pás ce qu’il demande.11 11 (Tradução livre do francês): “É precisamente o erro do analista acreditar que o que temos de intervir - como analistas - é ao nível da demanda, o que não deixa de teorizar, enquanto o que é precisamente esse intervalo entre o ‘sujeito suposto saber’ e ‘o sujeito que se supõe estar em demanda’ e que conhecemos há muito tempo: que o sujeito não sabe o que está pedindo”. (LACAN, 1968, p. 145).

Em O engano do sujeito suposto saber (LACAN, 1967b/2003LACAN, J. O engano do sujeito suposto saber (1967b). In: LACAN, J. Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.) - texto que corresponde ao ano do seminário O ato psicanalítico - o saber só se revela pelo engano do sujeito, por isso, seria um erro do analista manejar o sujeito suposto saber visando à sustentação da demanda do analisando como uma forma de dirigir o tratamento.

Discurso na Escola Freudiana de Paris

Em Discurso na Escola Freudiana de Paris, poderemos encontrar um Lacan preocupado com a formação do analista e que apresentará a seguinte questão:

A quê tem de responder o desejo do psicanalista? A uma necessidade que só podemos teorizar como tendo que produzir o desejo do sujeito como desejo do Outro, ou seja, fazer-se causa desse desejo. Mas, para satisfazer essa necessidade, o psicanalista tem que ser tomado tal como é na demanda como acabamos de ilustrar. (LACAN, 1970/2003LACAN, J. Discurso na Escola Freudiana de Paris (1970). In: LACAN, J. Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003., p. 271).

Outrora, Lacan (1962-1963/2005LACAN, J. A angústia (1962-1963). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. (O seminário, 10), p. 359) já havia afirmado que o psicanalista escorregaria ao interpretar a demanda de falo do obsessivo em termos de coprofagia, fixando o sujeito em sua demanda e o afastando de seu desejo. Parece acertado supor que Lacan deixa claro, agora, que o analisando deve reconhecer o quê do desejo do Outro é tomado por ele como o seu desejo e, a partir daí, tentar alcançar alguma separação do desejo do Outro.

Ainda no mesmo texto Lacan postula:

É nesse sentido que o atributo do não-psicanalista é o garante da psicanálise, e que de fato desejo não-analistas, que pelo menos se distingam dos psicanalistas de agora, daqueles que pagam por seu status de analista com o esquecimento do ato que o funda. (LACAN, 1970/2003LACAN, J. Discurso na Escola Freudiana de Paris (1970). In: LACAN, J. Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003., p. 277-78).

Desse modo, o lugar do psicanalista, na análise do sujeito, não se confundiria com o desejo de se tornar psicanalista como uma função social culminando com a figura de um “psicanalista multiuso”, o que talvez possamos definir como um analista que atende ao lugar de responder às demandas de um sentido fabricado para aliviar o mal-estar contemporâneo.

O Seminário, livro 24 - O momento de concluir

Segundo o recenseamento de Krutzen (2009KRUTZEN. H. Jacques Lacan Séminaire 1952-1980: Index référentiel. Paris: Ed. Economica/Anthropos, 2009.), uma última referência ao desejo do analista será encontrada na lição 15 de novembro de 1977, de O Seminário, livro 24, intitulado O momento de concluir - cujo acesso foi feito na versão não oficial do site Staferla. Lacan continuará a abordar a questão da demanda, do sujeito suposto saber e do desejo do analista. Portanto, Lacan dirá que: “Mais justement, ce qui définit la demande, c’est qu’on ne demande jamais que par ce qu’on désire… je veux dire: en passant par ce qu’on désire… et ce qu’on désire, on ne le sait pas. C’est bien pour ça que j’ai mis l’accent sur le désir de l’analyste...” (LACAN, 1977LACAN, J. Discurso na Escola Freudiana de Paris (1970). In: LACAN, J. Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003., p. 4)12 12 (Tradução livre do francês): “Mas, precisamente, o que define a demanda é que você nunca pergunta, exceto pelo que deseja... Quero dizer: passando pelo que você quer... E o que queremos, não sabemos. Por isso, enfatizei o desejo do analista”. . É sabido que o neurótico confunde o seu desejo com a demanda do Outro - este fato clínico não pode ser olvidado pelo analista na escuta de seu analisando.

O desejo do analista na atualidade

A impossibilidade de dizer qual é o objeto de nosso desejo, o objeto a de Lacan, é o que se torna causa para nós de nosso desejo. Somos desse modo causados. A força desse desejo, que jamais renuncia em ser descoberto, impele-nos rumo ao Outro do significante, ao qual nos alienamos. Mas o Outro é furado - ou melhor, o Outro é uma furada! -, pois ele não existe, dado que é estruturalmente incapaz de responder ao enigma de nosso desejo. O real do sujeito é esse furo no campo do Outro que o deixa sozinho com seu drama, envolto com a insistência inexorável do desejo. O inconsciente, nosso saber não sabido e nosso real, faz-se porta-voz mudo desse drama (MILLER, 2011MILLER, Dominique. Desejo. In: ASSOCIAÇÃO MUNDIAL DE PSICANÁLISE. Scilicet: A ordem simbólica no século XXI. Belo Horizonte: Scriptum Livros , 2011., p. 109). Assim, cada um de nós encontra uma solução singular de satisfação, um modo sintomático de gozar do inconsciente na medida em que o inconsciente determina (LACAN, 1974-1975LACAN, J. RSI (1974-1975). [on-line]. (O Seminário, 22). Disponível em:Disponível em:http://facebook.com/lacanempdf . Acesso em: 9 mar. 2023.
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, p. 37).

O imperativo de satisfação contemporâneo apoia-se no mais-de-gozar, definido por Lacan como aquilo que do gozo o sujeito recupera. A configuração subjetiva atrelada ao discurso do capitalismo (aggiornamento do discurso do mestre), lima o laço social em prol do mercado comum e do consumo de massa. O mais-de-gozar é da ordem da produção industrial, simples efeito do discurso do mestre, reduzido à demanda de gozo. Já o objeto a é o “produto singular de uma psicanálise, quando o sujeito se coloca a decifrar as suas aventuras com o gozo do corpo e o inconsciente para liberar a lógica discursiva. Vale, portanto, confrontar a ambos, o que implica “melhor saber usar o objeto a para a-rejar este mundo poluído pelo mais-de-gozar” (LA SAGNA, 2011LA SAGNA, Philippe. Mais-de-gozar. In: ASSOCIAÇÃO MUNDIAL DE PSICANÁLISE. Scilicet: A ordem simbólica no século XXI. Belo Horizonte: Scriptum Livros, 2011., p. 241-242).

É com tal finalidade que entra em cena aí o “desejo do analista”, que opõe ao mais-de-gozar um desejo de saber. A solução via desejo possui como perspectiva o enigma de sua causa, haja vista que a obscuridade do desejo inconsciente é uma defesa contra o imperativo de gozo. O analista visa a diz-solver a solda entre sujeito e mais-de-gozar, engajando o analisando na articulação do sintoma com o significante (MILLER, 2011MILLER, Dominique. Desejo. In: ASSOCIAÇÃO MUNDIAL DE PSICANÁLISE. Scilicet: A ordem simbólica no século XXI. Belo Horizonte: Scriptum Livros , 2011., p. 110).

Desalojar o que se esconde por trás da desordem, da qual os analisandos se queixam, não sem, contudo, se satisfazerem, poderia ser considerada uma das modalidades do ato de desarrumar a defesa contra o real, isto é, de desarrumar certo arranjo subterrâneo o qual, a partir da fantasia, satisfaz a qualquer coisa. O desejo do analista é um operador variável que indica para cada um de nós a orientação de nosso desejo (NAVEAU, 2014NAVEAU, Pierre. Desejo do analista. In: ASSOCIAÇÃO MUNDIAL DE PSICANÁLISE. Scilicet: Um real para o século XXI. Belo Horizonte: Scriptum Livros, 2014., p. 109).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desejo do analista é o operador que possibilita a psicanálise se separar de seu duplo, as psicoterapias, as quais assumem tal feição como nos contos à moda de Maupassant e Edgar Poe. Cabe ao psicanalista furar a consistência do Outro da demanda e elevar o objeto (a) ao estatuto de causa pulsional do sujeito. Por sua presença, o analista encarna a dimensão do inconsciente, jogando com o simbólico para operar a divisão no sujeito. Conforme o discurso do analista, este “faz semblante de objeto a” perante um sujeito que escolheu como parceiros os engodos do objeto a. Isso opera e relança o desejo, fazendo com que os sujeitos experimentem o inexorável da não-relação sexual (MILLER, 2011MILLER, Dominique. Desejo. In: ASSOCIAÇÃO MUNDIAL DE PSICANÁLISE. Scilicet: A ordem simbólica no século XXI. Belo Horizonte: Scriptum Livros , 2011., p. 110). Uma análise atrela-se às ressonâncias que se encontram para além do sentido sexual, fundadas sobre o chiste com recurso ao equívoco d’alíngua (LACAN, 1976-1977LACAN, J. L’insu que sait de l’une-bévue s’ aile à mourre (1976-1977). [on-line]. (O Seminário, 24). Disponível em: Disponível em: http://facebook.com/lacanempdf . Acesso em: 9 mar. 2023.
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, p. 4).

REFERÊNCIAS

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  • LACAN, J. A angústia (1962-1963). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. (O seminário, 10)
  • LACAN, J. A direção do tratamento e os princípios de seu poder (1958). In: LACAN, J. Escritos Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
  • LACAN, J. A identificação: seminário 1961-1962 (1961-1962). Recife: Centro de Estudos Freudianos do Recife, 2003.
  • LACAN, J. A relação de objeto (1956-1957). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995. (O Seminário, 4)
  • LACAN, J. A transferência (1960-1961). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2010. (O seminário, 8)
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  • LACAN, J. Do “Trieb” de Freud e do desejo do psicanalista (1964). In: LACAN, J. Escritos Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
  • LACAN, J. L’ acte (1967-1968). Staferla [on-line] versão em francês, s.d., 145 p. Disponível em:Disponível em:http://staferla.free.fr/S15/S15.htm Acesso em: 18 ago. 2019.
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  • LACAN, J. Le moment de conclure (1977-1978). Staferla ENT#091;on-lineENT#093; versão em francês, s.d., 61 p. Disponível em: Disponível em: http://staferla.free.fr/S25/S25.htm Acesso em: 24 jun. 2020.
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  • LACAN, J. L’insu que sait de l’une-bévue s’ aile à mourre (1976-1977). [on-line]. (O Seminário, 24). Disponível em: Disponível em: http://facebook.com/lacanempdf Acesso em: 9 mar. 2023.
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  • LACAN, J. O ato psicanalítico (1967-1968). In: LACAN, J. Outros Escritos Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
  • LACAN, J. O desejo e sua interpretação (1958-1959). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2016. (O seminário, 6)
  • LACAN, J. O engano do sujeito suposto saber (1967b). In: LACAN, J. Outros Escritos Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
  • LACAN, J. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. (O Seminário, 11)
  • LACAN, J. Posição do inconsciente (1966). In: LACAN, J. Escritos Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
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  • LACAN, J. Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola (1967a). In: LACAN, J. Outros Escritos Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
  • LACAN, J. RSI (1974-1975). [on-line]. (O Seminário, 22). Disponível em:Disponível em:http://facebook.com/lacanempdf Acesso em: 9 mar. 2023.
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  • LACAN, J. Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano (1960). In: LACAN, J. Escritos Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
  • LAPLANCHE, Jean.; PONTALIS, Jean-Bertrand. Vocabulário da psicanálise São Paulo: Martins Fontes, 2000.
  • LA SAGNA, Philippe. Mais-de-gozar. In: ASSOCIAÇÃO MUNDIAL DE PSICANÁLISE. Scilicet: A ordem simbólica no século XXI Belo Horizonte: Scriptum Livros, 2011.
  • MILLER, Dominique. Desejo. In: ASSOCIAÇÃO MUNDIAL DE PSICANÁLISE. Scilicet: A ordem simbólica no século XXI Belo Horizonte: Scriptum Livros , 2011.
  • MILLER, Jacques-Alain. Fuera-de-sentido. In: MILLER, Jacques-Alain. El lugar y el lazo Buenos Aires: Paidós, 2013.
  • MILLER, Jaques-Alain. O osso de uma análise + o inconsciente e o corpo falante Rio de Janeiro: Zahar, 2015.
  • NAVEAU, Pierre. Desejo do analista. In: ASSOCIAÇÃO MUNDIAL DE PSICANÁLISE. Scilicet: Um real para o século XXI Belo Horizonte: Scriptum Livros, 2014.
  • RABINOVICH, Diana. O Desejo do psicanalista: liberdade e determinação em psicanálise. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2000.
  • 1
    “Discurso” é um conceito lacaniano referente às possibilidades estruturais de construção do laço social. O “discurso da ciência” pode se enlaçar ao “discurso universitário”, ao “discurso da histérica” e ao “discurso do capitalista”. Quando enlaçado a este último, a ciência funciona como mera produtora de “objetos mais-de-gozar”, que prometem recuperar o gozo perdido pelo sujeito ao advir como ser falante no laço social. Desse modo, não se toma o “mal-estar na civilização” como algo estrutural e inexorável, mas sim como algo contingente e remediável.
  • 2
    Utilizamos uma tradução que não é a “oficial” do seminário A identificação, todavia foi lançada pelo Centro de Estudos Freudianos do Recife para uso interno de seus membros, procurando atender a critérios de uma publicação formal como indicação de tradutores, revisores, ficha catalográfica etc.
  • 3
    (Tradução livre do francês): “Agora, a maneira como temos que definir topologicamente o que se trata na análise, que é obviamente a identificação do desejo... Mas não de tal ou qual desejo que é apenas roubo, metonímia, metabolismo ou mesmo defesa, como é a figura o mais comum quando se trata de identificar esse desejo, onde a análise deve encontrar seu fim e, especialmente, seu eixo. No final do ano passado, avançamos, é o desejo do analista, como tal, que é o eixo da análise ENT#091;Cf. Os fundamentos... 24-06ENT#093;... Esse desejo, precisamos saber defini-lo topologicamente em relação a esse passe, a esse fenômeno, que certamente está ligado a ele de certa forma, que aqui estamos apenas começando a apreender, a decifrar, a abordar, a saber, a identificação”.
  • 4
    (Tradução livre do francês): “E a neurose de transferência é uma neurose do analista: o analista escapa da transferência na medida estrita onde ele não está no ponto quanto ao desejo do analista”.
  • 5
    (Tradução livre do francês): “Se ser psicanalista é uma posição responsável, a mais responsável de todas que ele é o encarregado da operação de uma conversão ética radical, aquela que introduz o sujeito na ordem do desejo... Ordem em que tudo o que existe em meu ensino da retrospecção histórica: tentativa de localizar a posição filosófica tradicional, mostra a vocês - que essa ordem - de alguma forma ela permaneceu excluída... É preciso saber quais são as condições necessárias para alguém dizer: ‘Sou psicanalista’”.
  • 6
    (Tradução livre do francês): “E é isso que é o desejo do analista na operação. Trazer o paciente à sua fantasia original não é nada para ensiná-lo: é aprender com ele como fazer. O objeto (a) e sua relação, em um determinado caso, com a divisão do sujeito, é o paciente quem sabe fazê-lo, e nós estamos no lugar do resultado, tanto quanto o facilitamos. A análise é o lugar onde se verifica radicalmente, porque mostra sua estrita superposição, que o desejo é o desejo do Outro. Não porque o desejo do paciente é ditado pelo desejo do analista, mas porque o analista se faz o desejo do paciente”.
  • 7
    (Tradução livre do francês): “O que deve ser, qual pode ser esse desejo do analista de permanecer ao mesmo tempo nesse ponto de cumplicidade suprema, cumplicidade aberta. Aberto a quê? Para a surpresa! O oposto dessa expectativa em que o jogo é constituído, o jogo como tal, é o inesperado”.
  • 8
    (Tradução livre do francês): “Ao que eu teria levado vocês este ano, se eu pudesse ter falado do ato psicanalítico até o fim, teria sido lhes dizer que não é por nada se eu lhes falasse sobre o desejo do psicanalista, porque é impossível desenhar mais do que a fantasia do psicanalista...”.
  • 9
    (Tradução livre do francês): “O choque do qual a fala do analisando é descongelada”.
  • 10
    (Tradução livre do francês): “Assim, confirma-se que a verdade se faz saber pelo Outro”.
  • 11
    (Tradução livre do francês): “É precisamente o erro do analista acreditar que o que temos de intervir - como analistas - é ao nível da demanda, o que não deixa de teorizar, enquanto o que é precisamente esse intervalo entre o ‘sujeito suposto saber’ e ‘o sujeito que se supõe estar em demanda’ e que conhecemos há muito tempo: que o sujeito não sabe o que está pedindo”.
  • 12
    (Tradução livre do francês): “Mas, precisamente, o que define a demanda é que você nunca pergunta, exceto pelo que deseja... Quero dizer: passando pelo que você quer... E o que queremos, não sabemos. Por isso, enfatizei o desejo do analista”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    04 Out 2020
  • Aceito
    18 Mar 2023
Programa de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ Instituto de Psicologia UFRJ, Campus Praia Vermelha, Av. Pasteur, 250 - Pavilhão Nilton Campos - Urca, 22290-240 Rio de Janeiro RJ - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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