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Agressores sexuais: é possível um tratamento psicanalítico sob prescrição judicial?

Sexual aggressors: is a psychoanalytic treatment possible under judicial prescription?

Resumos

Com base numa prática psicoterápica individual, de inspiração psicanalítica, conduzida junto a agressores sexuais presos em uma casa de detenção para homens, este estudo interpela, por um lado, os limites da inscrição de uma lógica terapêutica em um quadro repressivo, o da prisão, cujas modalidades encontram-se regidas por um enquadre legal - o da lei relativa à obrigação de tratamento - e, por outro, o paradoxo de uma terapia imposta, sustentada por uma lógica de normalização, de efeitos enganadores e à qual os agressores sexuais, sob o efeito de seu funcionamento dominado por processos de clivagem e de recusa, se submetem "de bom grado".

Agressores sexuais; clivagem; controle social; obrigação de tratamento; perversão sexual


As base in an individual psychotherapeutic practice, of psychoanalytic inspiration, conduct alongside the sexual aggressor inmates in a male jail house, this study interpellates, in one hand, the limits of a subscription of a therapeutic logic in a repressive picture-case, that of the prison, which modalities are found to be ruled by a legal approach - that of the law relative to the obligation of treatment - and, on the other hand, the paradox of an imposed therapy, sustained by a normalization logic, of devious effects and to which the sexual aggressors, under the effect of its dominated functioning by process of cleavage and refusal, are submitted as in "good intentions".

Sexual aggressor; cleavage; social control; treatment obligation; sexual perversion


ARTIGOS

Agressores sexuais. É possível um tratamento psicanalítico sob prescrição judicial?

Sexual aggressors. Is a psychoanalytic treatment possible under judicial prescription?

Amal Hachet

Psicanalista, professora assistente no Departamento de Psicologia da UFR de Ciências Humanas e Artes, da Universidade de Poitiers, França. 213 Boulevard Davout 75020, Paris; amal.hachet@wanadoo.fr

RESUMO

Com base numa prática psicoterápica individual, de inspiração psicanalítica, conduzida junto a agressores sexuais presos em uma casa de detenção para homens, este estudo interpela, por um lado, os limites da inscrição de uma lógica terapêutica em um quadro repressivo, o da prisão, cujas modalidades encontram-se regidas por um enquadre legal — o da lei relativa à obrigação de tratamento — e, por outro, o paradoxo de uma terapia imposta, sustentada por uma lógica de normalização, de efeitos enganadores e à qual os agressores sexuais, sob o efeito de seu funcionamento dominado por processos de clivagem e de recusa, se submetem "de bom grado".

Palavras-chave: Agressores sexuais, clivagem, controle social, obrigação de tratamento, perversão sexual.

ABSTRACT

As base in an individual psychotherapeutic practice, of psychoanalytic inspiration, conduct alongside the sexual aggressor inmates in a male jail house, this study interpellates, in one hand, the limits of a subscription of a therapeutic logic in a repressive picture-case, that of the prison, which modalities are found to be ruled by a legal approach — that of the law relative to the obligation of treatment — and, on the other hand, the paradox of an imposed therapy, sustained by a normalization logic, of devious effects and to which the sexual aggressors, under the effect of its dominated functioning by process of cleavage and refusal, are submitted as in "good intentions".

Keywords: Sexual aggressor, cleavage, social control, treatment obligation, sexual perversion.

INTRODUÇÃO

Nossa reflexão interroga a exeqüibilidade de um tratamento psicoterápico destinado aos agressores sexuais em ambiente carcerário, interpelando ao mesmo tempo o valor de uma terapia imposta, sustentada por uma lógica de normalização, de efeitos enganadores. Veiculado pela famosa lei de obrigação de tratamentos — cujo primeiro exemplo histórico data de 1838, com a lei de 30 de junho do Código da Saúde Pública gerindo os procedimentos de alocação voluntária e de ofício, segundo a qual os tratamentos médicos podiam ser dispensados e até mesmo impostos a um sujeito sem que este expressasse sua demanda, e constituindo, além disso, a primeira medida de prevenção da criminalidade patológica —, este paradoxo do tratamento sob coação deve ser articulado a uma petição sócio-judicial de normalização dominada por uma preocupação securitária. Esta última estava, aliás, na origem do conflito histórico que opôs o campo da psiquiatria (garante de tratamento) ao do judiciário (garante de repressão e de sanção).

Esse conflito foi marcado pelo acontecimento de duas leis: a de 1810, com o artigo 64 do Código Penal que regulamenta a responsabilidade penal em caso de loucura (tornado 122.1 primeira e segunda alíneas), e a de 30 de junho de 1838 do Código da Saúde Pública, já evocada, que regulamenta as alocações de ofício. Lembremos, nesse sentido, que o exercício da medicina na prisão foi introduzido com o decreto criminal de 1670. A introdução da psiquiatria nas prisões no início do século XX se fez justamente em função dessa petição sócio-judicial de normalização, tal como a elaboração de um saber médico-psiquiátrico em matéria de perversão sexual. Aliás, o conceito de sexualidade, como Foucault (1975) o explica em A vontade de saber, foi construído no século XIX pelo discurso médico, a fim de instaurar uma nova divisão entre a norma e o desvio de conduta, vinculado ao desmoronamento do ideal do patriarcado. A evolução dos papéis da psiquiatria e do judiciário, deslocando-se de uma delimitação a uma confusão e depois a uma inversão (o magistrado prescreve o tratamento como pena e o médico aplica a pena de tratamento), foi feita em paralelo tendo, por um lado, a imagem do sujeito situado na interseção desses dois campos, passando de um culpado criminoso e delinqüente marginal para um doente que convém tanto tratar quanto normalizar, e, por outro, a prisão moderna que se pretende um lugar de vocação terapêutica ou preventiva, depois de ter sido outrora um lugar de expiação de uma falta, de sanção, de neutralização e de controle social. Vemos aqui o paradoxo de inscrever uma lógica de tratamento sem objeto, nem sujeito, nem demanda, neste lugar específico que é a prisão, que continua sendo, antes de tudo, uma instituição totalitária e repressiva, e cuja equivalência com o delito no imaginário popular é dificilmente conciliável com a idéia de lugar de reabilitação.

O TRATAMENTO COMO "ALTERNATIVA" DA PENA OU A "PENA DE TRATAMENTO"

Se a lei de 1838 e o artigo 64 do CPP estão incontestavelmente na origem da criação de uma instituição na instituição, diferenciando-se da instituição carcerária repressiva, feita de sanção, com a lei de 1970 que concerne às toxicomanias e permite a cada acusado contornar a sanção penal submetendo-se a um tratamento sob imposição judicial, em nome de sua função de tratamento terapêutico, inaugurou-se uma nova forma de obrigação de tratamento. Essa subscrição ao tratamento equivalia a um reconhecimento de culpa. Embora o acompanhamento e o controle desse tratamento coubessem à autoridade sanitária, essa forma de prescrição "médico-judicial" parece decorrer de um registro muito mais "criminológico", em matéria de prevenção, do que de um registro "terapêutico", em termos de tratamento. Uma tal evolução da imagem do sujeito detido para a de um sujeito doente teve a vantagem de permitir ao detento uma certa liberação vis-à-vis da dominação carcerária.

Todavia, se o sujeito conserva o direito à livre escolha do terapeuta, ele se vê engajado em uma relação terapêutica sob coação, tal como seu terapeuta. Instala-se, então, uma confusão no pensamento do sujeito que não pode se impedir de identificar seu terapeuta, e até mesmo confundi-lo, com a instância repressiva instigadora do tratamento. É mais freqüente a demanda de tratamento emanar da administração penitenciária do que do sujeito detento, tanto mais no meio carcerário, visto que o sujeito teme ser taxado de "louco" pelos co-detentos.

Diretamente inspirada nas proposições formuladas nos relatórios de muitas comissões compostas por professores de direito, magistrados e médicos — em particular as presididas pela sra. Cartier e pelo dr. Balier —, a lei Guigou tem como primeiro objetivo instituir uma medida de acompanhamento sócio-judiciário pós-carcerário, obstaculizando os autores de crimes ou de delitos de natureza sexual, visando a permitir uma melhor prevenção dessas infrações. Essa medida de instituição de uma pena complementar de acompanhamento sócio-judicial é definida pelos artigos 131-36-1 a 131-36-5 no primeiro livro do novo Código Penal. Ela consiste na obrigação, por parte do condenado, de submeter-se, sob o controle do Juiz de Aplicação de Penas (JAP) e dos Comitês de Livramento Condicional, e por um período fixado pela jurisdição de julgamento, a medidas de vigilância e de assistência destinadas a prevenir a recidiva. Em casos de inobservância de suas obrigações, o condenado poderá sofrer uma prisão suplementar, cuja duração máxima é de dois anos para um delito, e de cinco anos para um crime. A duração máxima do acompanhamento "sócio-judicial" é de cinco anos para um delito, e de dez anos para um crime. Se a expertise da pessoa processada conclui que ela é suscetível de ser o objeto de um tratamento, a jurisdição de julgamento poderá incluir uma injunção de tratamentos no acompanhamento sócio-judicial (artigo 131-36-2). Em caso de não consentimento do condenado, esses tratamentos não lhe podem ser impostos. Contudo, quando o Presidente da Jurisdição informar ao condenado de que nenhum tratamento poderá ser empreendido sem seu consentimento, ele especificará que, caso o prisioneiro recuse os tratamentos que lhe serão propostos, a ordem de prisão pronunciada pela jurisdição poderá ser posta em execução. Assim, no quadro de uma medida de sursis posta à prova, o sursis é revogado em caso de recusa de tratamento.

Além disso, o terapeuta responsável pelo tratamento tem obrigação de estabelecer atestados de acompanhamento do tratamento em intervalos regulares, a fim de permitir ao condenado justificar junto ao juiz a realização de sua obrigação de tratamento. A lei precisa igualmente que esse terapeuta está habilitado, sem que os dispositivos relativos ao segredo médico possam se opor a isso, a informar imediatamente ao JAP ou ao agente de condicional sobre a cessação do tratamento ou sobre as dificuldades sobrevindas em sua execução. Trata-se de uma possibilidade deixada a cargo da consciência do terapeuta e não de uma obrigação. Essas medidas derrogatórias do segredo foram introduzidas no primeiro projeto de Jacques Toubon. Na pior das hipóteses, o terapeuta poderá preferir advertir o médico incumbido da coordenação que se encarregará, então, de prevenir o JAP. O terapeuta poderá também propor ao JAP ordenar uma expertise médica. Cabe principalmente ao terapeuta, e não ao JAP, prescrever o tratamento adaptado ao estado mental do condenado, definir sua natureza e periodicidade. O terapeuta pode também, a qualquer momento, juntar-se a outros médicos psiquiatras ou psicólogos, assim como solicitar a intervenção de médico incumbido da coordenação.

DA INSTITUIÇÃO DO TRATAMENTO AO TRATAMENTO "INSTITUCIONALIZADO" NO CASO DOS AGRESSORES SEXUAIS: QUE LUGAR PARA A DEMANDA?

Uma demanda de acompanhamento psicoterápico diferencia-se de um simples consentimento ao tratamento pelo aspecto pessoal da démarche. Com efeito, o tratamento, quer seja em termos de injunção, de obrigação ou de incitação, decorre com freqüência de uma prescrição médico-judicial, ao passo que o acompanhamento psicoterápico implica uma démarche livre, pessoal e subjetiva. A ambigüidade dessa forma de prescrição médico-judicial com injunção de tratamento reside no fato de a demanda de tratamento emanar da autoridade judiciária, cujo único objetivo permanece de ordem criminológica, ou seja, apreender o comportamento delituoso em termos de prevenção, mais do que de ordem terapêutica, quer dizer, visando a apreender a estrutura patológica da personalidade.

Acrescenta-se a isso uma contradição estrutural própria à instituição. Cada um dos que intervêm encontra-se preso entre uma lógica de neutralização, em termos de exigência securitária e de controle social, e uma lógica de reeducação e reinserção, em termos de exigência humanitária e de modernização do tratamento reservado à população carcerária.

Nenhum dos que intervêm no meio carcerário pode fazer abstração da especificidade do contexto de encerro no seio do qual se inscreve sua intervenção. Esta revestir-se-ia de um aspecto totalmente diferente, caso tivesse ocorrido em um outro contexto. Sustentada por uma linguagem antinômica, a lógica carcerária sobredetermina toda atividade no seio da prisão. Solicitando as imagens contraditórias do detento como objeto administrativo em uma posição de submissão e de inferioridade diante do outro, e a imagem do detento ator de sua vida, essa linguagem antinômica corre o risco não apenas de reforçar a vivência de alienação do detento, mas, além disso, de desviar consideravelmente a prática de cada um dos que intervém no meio carcerário, seja qual for sua função. Nesta dinâmica de clivagem, a prisão aparece ao mesmo tempo como um lugar de sanção, que se aproximaria da realidade da detenção, e como um lugar de tratamento e de reabilitação, que se aproximaria de um "ideal" reparador.

Considerar a prisão como um lugar de tratamento ou como uma instituição de vocação terapêutica implicaria a medicalização do crime, e até mesmo a identificação deste com uma doença. Em outras palavras, o ato criminoso como tal seria esvaziado de seu componente "penal" para revestir exclusivamente um componente patológico. Desde 1888, Féré predissera a dissolução radical dos limites que separam o crime e a doença, uma vez que "criminosos e delinqüentes" seriam confundidos com os "anormais", sob os pontos de vista psíquico e físico. Em uma visão ainda mais "futurista" e estranhamente próxima da situação atual, em matéria de reforma penal, Victor Hugo, por sua vez, citado por D. Lhuilier (2000), anunciara a mutação da pena de prisão em uma pena de tratamento: "A pena de prisão subsistirá, mas será concebida como um tratamento". À medida que o crime se tornar uma doença, os médicos substituirão os juízes e os hospitais as prisões.

Para adaptar essa visão à nossa época, diríamos que, reciprocamente, os juízes tenderiam a substituir os médicos (uma vez que o tratamento se faz sob prescrição judicial e não mais sob prescrição médica) e as prisões os hospitais (uma vez que a prisão se tornaria um lugar de tratamento e não mais um lugar de sanção). Nesse contexto, a nova lei sobre o tratamento dos agressores sexuais ilustra plenamente a ambigüidade da relação entre o médico e o penal. Além disso, ela testemunha a maneira como o corpo penal se empenha em "instrumentalizar" o corpo "médico", reduzindo-o a um álibi "humanitário e normativo", garante de um "bom" tratamento que tem o dever de curar.

Esse dever de curar a qualquer preço, abstraindo, por vezes, a vontade do sujeito-objeto de tratamento, acaba por confundir aquele que trata com a instância que dita o tratamento. Sobre essa questão, Lhuilier (2000) situa a tentação do "tratamento sem consentimento" em um contexto dominado pelo "espectro da recidiva". Apoiando-se no conceito de ilegalismo desenvolvido por Foucault (1975), Lhuilier distingue duas ordens de preconceitos dos quais é preciso desfazer-se: a falsa neutralidade das categorias jurídicas que apresenta as infrações penais como fatos objetivos e universais; a falsa neutralidade das categorias criminológicas que reduz a causalidade dos atos de transgressão a determinantes internos. Ao convocar o que é de ordem médica através da identificação do desvio com uma patologia, "o corpo social economiza pôr novamente em questão seu próprio funcionamento e encobre a pena com o tratamento". Na falta de reduzir os crimes, a prisão produz "o delinqüente como sujeito patologizado".

Confrontado a uma pena de prisão suplementar, em caso de recusa do tratamento, o sujeito pode tão somente submeter-se a esta regra perversa ou pervertida aceitando, por vezes contra sua vontade, o famoso tratamento. Que valor pode ter tal demanda? Para melhor apreender o que está em jogo na lei de 1998, lembremos que essa lei instituiu duas medidas consideradas como facilitadoras do acesso ao tratamento para os sujeitos autores de agressões sexuais.

A primeira indicação, destinada tanto aos sujeitos encarcerados que têm um status de acusado quanto aos sujeitos condenados, concerne à incitação ao tratamento. Trata-se de entrevistas educativas chamadas "pré-terapêuticas", cujo objetivo, além do aspecto pedagógico de dispensar informações sobre os métodos e objetivos de um eventual tratamento, é derrubar a reticência do sujeito levando-o ao mesmo tempo a modificar sua atitude em relação tanto ao ato cometido quanto à vítima. Quando se trata de um sujeito condenado, por agressões sexuais, a uma pena acrescida de uma medida de acompanhamento sócio-judicial, a incitação ao tratamento é renovada a cada seis meses pelo JAP.

A segunda indicação concerne à injunção de tratamento, pronunciada no quadro de uma medida de acompanhamento sócio-judicial, seja no momento da condenação pela jurisdição, seja antes da restituição da liberdade pelo JAP. Duas considerações se apresentam, então: quer à injunção de tratamento se acrescente uma pena de prisão, caso em que a injunção de tratamento só é aplicável na saída desta, quer essa injunção constitua apenas a única "pena principal" pronunciada, cujo não respeito é imediatamente sancionado pelo JAP. Essa sanção implica então a execução de toda ou de parte da pena requerida ou pronunciada.

Se a incitação ao tratamento, praticada no respeito às regras de ética e de deontologia, se alia a uma simples proposição que visa ao acompanhamento progressivo e não forçado da demanda do sujeito, a injunção de tratamento decorre, antes, de uma dupla coação. A primeira concerne à instituição de tratamento em uma pena; a segunda, concerne à aplicação de uma pena suplementar no caso de inobservância de primeira pena. Ora, verifica-se que no caso preciso da obrigação de tratamento abre-se a porta a todos os tipos de manipulações, das quais o que é de ordem "médica" se torna o objeto principal: a lei instrumentaliza o que é de ordem "médica", utilizando-o como um álibi para contornar o fracasso de seu sistema sócio-penal em reduzir a taxa de recidiva, ao passo que o "sujeito do tratamento", por sua vez, também instrumentaliza o que é de ordem "médica", seja por ter acesso às vantagens penais em matéria de disposição da pena ou de liberação condicional, seja por escapar pura e simplesmente à sanção.

Por vezes, se assiste a uma cumplicidade mascarada entre o corpo judiciário e o corpo médico, em detrimento do sujeito a ser tratado. Disso dão testemunho as recentes recomendações do júri da Conferência de Consenso que aconteceu em novembro de 2001, entre as quais figura o convite, particularmente inquietante, a "contornar a ausência da demanda" dos agressores sexuais: "as pesquisas em andamento constataram que era possível contornar a ausência aparente de demanda dos autores de agressão sexual, abrindo assim a porta à terapêutica."?!

Como se pode considerar uma "terapêutica" na ausência de sua demanda? De qual "terapêutica" se pode então falar?

Esse paradoxo de um "tratamento" sem objeto, nem sujeito, nem demanda é aparentado à injunção paradoxal evocada por Anzieu (1975). De modo geral, o objeto de toda demanda de tratamento se inscreve em uma démarche subjetiva, motivada por um sofrimento sentido e reconhecido pelo sujeito, seja qual for a forma revestida por esse sofrimento. O efeito de uma tal terapia sob injunção permanece ilusório, diante da ausência de uma verdadeira vontade, por parte do sujeito concernido, de nela inscrever-se ativamente, e levanta inúmeras interrogações: qual é o sentido de um tal "tratamento"? A quem pertence verdadeiramente a demanda de tratamento? Quem é seu objeto? Para quem a instalação de tal paradoxo pode ser proveitosa?...

Em matéria de psicoterapia destinada aos pedófilos, Létuvé (1994)se questiona, de saída, sobre a natureza de uma demanda emanando de uma pessoa cujo "gozo se articula no ponto exato da relação com esses limites", com o objetivo de nele cultivar a o ardil da transgressão e contestar sua legitimidade. Se para o autor este "gozo da transgressão" suscita, antes de tudo, uma resposta de defesa social à qual seria arriscado substituir por uma resposta "médica", as fronteiras sociais da interdição nem por isso recobrem as da patologia. Na preocupação de sair de certa confusão de línguas, ele distingue três fontes de demanda de tratamento: a demanda, eventual, do sujeito pedófilo; a demanda, "inconsciente", do discurso social estabelecida sobre um modo neurótico; a "técnica", visando à proteção da sociedade através de meios de domínio e prevenção.

Abordando uma outra dimensão da problemática da demanda de tratamento, que decorre muito mais do registro judiciário do que do clínico, na fronteira da articulação da pena com o tratamento, Dubret e Cousin (1998) insistem sobre o fato de que o recurso a medidas tais como a obrigação ou a injunção de tratamentos testemunha, em si, a escassez das demandas emanando espontaneamente da parte dos sujeitos autores de agressões sexuais, uma vez que esses últimos não experimentam nenhum sofrimento suscetível de motivar tal demanda. Além disso, esses autores interrogam os limites de tais medidas "coercivas", inadaptadas à instauração de um laço terapêutico autêntico e geradoras de uma "ilusão de tratamento". Esvaziando a questão do consentimento, o judiciário deixa ao médico a preocupação de ajustá-la. Constatando ironicamente a impossibilidade de poder apoderar-se desses delinqüentes para lhes administrar à força tratamentos hormonais ou extirpar suas fantasias desviantes por hipotéticas psicoterapias de coerção, Dubret e Cousin (1998) alertam contra o deslizamento da imagem "sempre imprecisa" do psiquiatra para a de um "psico-reeducador", duplicado de um papel de auxiliar da repressão penal, porquanto, graças às medidas derrogatórias do segredo médico, o médico pode reenviar seu paciente à prisão quando este se mostrar reticente ao tratamento.

Parece-nos interessante sublinhar que, diante da delinqüência juvenil, a evolução atual em matéria de justiça penal para os menores na França, relativa às noções de coação, contenção e sanção educativa expressas pela lei de 9 de setembro de 2002, aproxima-se da política carcerária praticada nos Estados Unidos para com menores de pouca idade, autores de agressão e de violência. Lembremos que nos EUA 150 mil crianças estão presas, 800 mil se encontram em casa de correção (cifras comunicadas quando da edição n.347 da emissão Envoyé spécial difundida em 29 de outubro de 1998). Paralelamente a essa tendência, a atual política carcerária francesa em matéria de tratamento se inscreve cada vez mais no sentido da coação, semelhante à política praticada nos EUA, onde o tratamento é imposto, por ofício, aos "delinqüentes", notadamente sexuais, fazendo então impasse à sua eventual adesão ou a qualquer conscientização de seus problemas, seja qual for sua idade. Assim, em uma obra dedicada à violência conjugal, o terapeuta familiar Jerry L. Brinegar (1992) observa, a respeito do incesto, que "aquele que abusa não tem nem mesmo necessidade de admitir ter um problema para se fazer ajudar. O que conta para fazer cessar a violência familiar é a intervenção, com ou sem a cooperação daquele que abusa e com ou sem a apreensão de suas causas."

O RISCO DE NORMALIZAÇÃO

Esse risco se inscreve em um duplo movimento de mutação histórica: um deles cobre o campo penal e o outro, clínico, o das perversões sexuais. A articulação desses dois campos que, embora não possam ser superpostos, parecem evoluir de modo paralelo para um "ideal" ou "ilusão" de "normalidade", e até mesmo de "normalização", permite apreender melhor o que está em jogo dos pontos de vista histórico e sociocultural de tal mutação.

O primeiro movimento diz respeito à maneira como o sistema penal se transformou sob o impulso do que Foucault (1975) chama dispositivos de normalização", a saber, a medicina, a psicologia, a educação, a assistência e o trabalho social. Chamando a atenção sobre o risco de normalização do sistema penal, que se medicaliza, se psicologiza e se pedagogiza, explica essa metamorfose através de uma deslocação interna do poder judiciário. Disso decorre uma dificuldade crescente de julgar e uma "vergonha de condenar". Impelidos pelo desejo furioso de apreciar, diagnosticar, distinguir o normal do anormal, de curar ou de readaptar, os juízes acabaram perdendo suas verdadeiras funções — controlar, julgar e sancionar — e, por isso mesmo, seu poder. Este último, regido pelas leis, funciona fundamentalmente como um poder normativo. Foucault (1975), nesse sentido, considera que é em nome da "economia do poder "que os juízes formulam veredictos "terapêuticos" e decidem sobre prisões "readaptativas". Esse poder acabou por engendrar o que chama "juízes de normalidade" em outros campos de ação, tais como a educação, o ensino, a medicina e o trabalho social, cujos principais atores (professores, médicos, educadores ou trabalhadores sociais) teriam por missão fazer reinar a "universalidade do normativo". Foi graças a esses outros dispositivos "carcerários", os quais, embora aparentemente muito distintos — já que destinados a aliviar, curar e socorrer —, tendem, tal como a prisão, a exercer um poder de normalização, que esta última não mais ocupa uma posição central. Além disso, com o desenvolvimento de tais redes "disciplinares" de "normalização" e com a multiplicação de suas trocas com o sistema penal, a prisão, em seu papel de sanção, perdeu sua especificidade, e até mesmo sua razão de ser.

O segundo movimento concerne à maneira de apreender as perversões sexuais no plano clínico, notadamente em termos de tratamentos, uma vez que "tratar", nesse caso preciso, comporta o risco de "normalizar", podendo até mesmo confundir-se com isso. Para melhor apreender sua ambigüidade, façamos uma pergunta em sentido contrário: como se efetua a passagem da sexualidade perversa para uma sexualidade normal ou normativa?

Létuvé (1994) ilustra esse processo de normalização em matéria de perversão sexual com uma publicidade televisiva da empresa EDF que, enquanto leva o espectador a uma excitação voyeurista perversa, o convida a viver a organização ideal do mundo da sexualidade fantasiada pelo neurótico, por meio de uma pacificação do campo de desejo e de seu enquadramento. Uma vez liberado de seu caráter "perverso", esse mundo tornado "normal" é imediatamente "pacificado, assepsiado, contido e calibrado". Em seguida, o autor estabelece um paralelo entre a missão outorgada por essa publicidade à EDF — a de regular nossas energias à demanda — e a missão da qual os psiquiatras estão investidos pelo sistema judiciário, vis-à-vis dos autores de agressões sexuais: regular, e até mesmo regularizar, sua energia libidinal extraviada. Nessa ótica, de modo semelhante à EDF, os psiquiatras propõem responder com a ajuda de uma "química interposta (...), moléculas, peptídeos (...) ou outros meios", segundo as demandas e os limites morais, sociais ou legais. Nesse exemplo preciso, uma vez que ele está engolfado ali onde a lógica da neurose o chama, os tratamentos se resumem a duas funções: favorecer o recalque e fazer consistir o "Grande Outro" deficiente, regulador da energia. No que concerne ao recalque, segundo Létuvé (1994), uma evidência é negada: os traços ditos de "perversão" são comuns. Além disso, preenchendo a função de um "Grande Outro deficiente", a "ciência" tende a abolir os "limites" entre a saúde e a doença ocultando, assim, as "mil pequenas perversões que agitam o que se nomeia "normalidade". Disso é testemunha o procedimento de classificação dos "pedófilos" que os reduz a um tipo de atos, inclinações e escolhas objetais, escamoteando sua dimensão subjetiva e sua abordagem estrutural.

Arviller (1998) mostra que a elaboração de um saber médico-psiquiátrico em matéria de perversão sexual, em especial a pedofilia, foi muito fortemente determinada não por uma demanda de saúde, mas por "uma petição judicial e social de fornecimento de normas, visando a uma regulação das condutas sexuais desviantes". Essa demanda foi justificada pela necessidade de uma caução exterior científica destinada a permitir ao parceiro judiciário desempenhar o papel que lhe era atribuído pelo corpo social. Esse saber, tomando como forma a expertise psiquiátrica, deve ser relacionado com a freqüência dos abusos sexuais em crianças no decorrer do século XIX. Assiste-se então a um paradoxo: a conduta se torna a manifestação de uma organização cerebral ou mental, a única reconhecida como decisiva; e ali onde o magistrado "ganha, do lado da caução científica dada às suas decisões, ele perde do lado da legitimidade em julgar um ato cuja determinação última escapa ao seu conhecimento e não mais se arrima a um livre arbítrio do acusado".

Com o acontecimento do pensamento positivista, produziu-se uma desordenação no nível do pensamento, uma vez que a definição da perversão sexual escapou progressivamente do estrito campo da psiquiatria para se tornar intimamente ligada à dimensão da ética, na verdade, à da lei.

Cobrindo um campo mais vasto do que o da neurose ou da psicose, o termo perversão, sejam quais forem suas formas clínicas — caráteres, comportamentos, práticas ou fantasias — só pode ser apreendido em relação a uma norma social, ela própria induzindo a uma norma jurídica. Nesse sentido, Bonnet (1994) estima que a hostilidade defensiva para com esse conceito obstaculiza um aprofundamento teórico e uma abordagem clínica do comportamento perverso, cujo sentido profundo corre o risco, desde então, de ser perdido. Para esse psicanalista, a verdadeira razão desse recuo, e até mesmo dessa resistência, reside na impossibilidade de admitir ou de se representar a presença de uma patologia que escapa totalmente ao recalque, e em uma organização psíquica fundada em uma exigência de acesso imediato e brutal a um forma de gozo imediato, a despeito da lei.

OS DADOS CLÍNICOS DE NOSSA PESQUISA

A partir de uma prática psicoterápica individual de inspiração psicanalítica conduzida junto a uma população carcerária, no seio da Unidade de Consultas e de Tratamentos Ambulatoriais (UCSA) de uma Casa de Detenção para homens, esta pesquisa interroga, com a ajuda de uma metodologia entrecruzada construída no a posteriori, a possibilidade de um atendimento psicoterápico dos agressores sexuais em meio carcerário. Inspirada em uma abordagem qualitativa, nossa metodologia consistiu no entrecruzamento da análise transversal temporal de observações clínicas (24 casos de autores de agressões sexuais e 12 casos de autores de outras agressões não sexuais) e do estudo aprofundado de um caso de incesto.

Validando o conjunto de nossas hipóteses, os resultados dessa pesquisa interpelam, de um lado, os limites da inscrição de uma lógica terapêutica no quadro repressivo da prisão, cujas modalidades se encontram regidas por um enquadre legal — o da lei relativa à obrigação de tratamento —, e , por outro, enfatizam o paradoxo de uma terapia imposta, sustentada por uma lógica de normalização, de efeitos enganadores e à qual os agressores sexuais se submetem "de bom grado". Com efeito, essa população se presta mais facilmente a um tal logro, porquanto seu funcionamento psíquico, dominado por processos de clivagem e recusa, é exatamente mantido pelo caráter adaptativo do projeto carcerário.

Como lembramos, a introdução da psiquiatria nas prisões no início do século XX (o exercício da medicina na prisão foi introduzido com o decreto criminal de 1670) — aliás, pela mesma razão que a elaboração de um saber psiquiátrico em matéria de perversão sexual — foi feita em função de uma petição de normalização. Foucault (1975) explica, em A vontade de saber, que o conceito de sexualidade foi construído no século XIX pelo discurso médico, a fim de instaurar uma nova divisão entre a norma e o desvio, ligado ao desmoronamento do ideal do patriarcado.

A evolução dos papéis da psiquiatria e do judiciário, deslocando-se de uma delimitação a uma confusão, e, depois, a uma inversão (o magistrado prescrevendo o tratamento como pena e o médico aplicando a pena de tratamento), efetuou-se paralelamente à:

• evolução da imagem do sujeito situada na interseção desses dois campos, a do culpado criminoso e o delinqüente marginal dando lugar à imagem de um doente que convém tanto tratar quanto normalizar;

• evolução da prisão moderna que, depois de ter sido apenas um lugar de expiação das faltas, de sanção, de neutralização e de controle social, integrou uma vocação terapêutica ou preventiva.

Nesse contexto, o recurso à lógica de tratamento sob coação tal como foi anunciado na lei de 17 de janeiro de 1998, incidindo sobre o tratamento dos agressores sexuais, parece, antes de tudo, visar instrumentalizar o "corpo médico", reduzindo-o a um álibi "humanitário e normativo", garante de um "bom" tratamento que tem o dever de curar.

Nossa pesquisa explora, de maneira empírica, semelhante a uma pesquisa-ação, o que está em jogo em tais paradoxos, apoiando-se na construção clínica feita a posteriori e a partir de três hipóteses:

1. A patologia dos agressores sexuais implicaria, em seu funcionamento psíquico, processos de clivagem e recusa.

2. O meio carcerário, devido ao seu modo de funcionamento, manteria, e até mesmo reforçaria e favoreceria a manutenção dos mecanismos de clivagem e de recusa nos sujeitos autores de agressões sexuais, porquanto a prisão, apresentando-se como figura maternal arcaica onipotente, agiria como um ativador da patologia — que se situa nas zonas arcaicas — dessa população.

3. Toda intervenção com proposta psicoterápica junto a uma população de agressores sexuais encarcerados implicaria na elaboração de um projeto de acompanhamento específico, levando em conta o caráter pouco neutro e ambíguo do lugar do acompanhamento no qual evolui essa população e, em particular, seu impacto patogênico sobre o funcionamento psíquico específico desta última.

Procuramos operacionalizar nossas hipóteses com a ajuda de uma metodologia entrecruzada, segundo o eixo transferencial e o eixo temporal. Este último articulou-se com a temporalidade judiciária e carcerária que sobredetermina toda atividade praticada na prisão. Para dizer de outro modo, o tempo terapêutico, nesse meio, é — em termos de ritmo e de duração — subordinado ao tempo judiciário.

Os principais critérios de inclusão de nossos dois grupos — o dos agressores sexuais e o dos agressores não sexuais — incidiram sobre a qualidade da demanda, a regularidade do acompanhamento assim como do reconhecimento, ainda que parcial, do delito ou do crime cometido. Preocupados com a transparência, incluímos casos inicialmente excluídos, uma vez que não preenchiam os critérios de inclusão enunciados. Nosso recorte em grupos e subgrupos — notadamente para o grupo principal — respondeu à preocupação de revelar, o mais acuradamente possível, as variantes clínicas e patológicas que subtendem a passagem ao ato.

A escolha do termo "agressão", em vez de "violência", leva em consideração o fato de que os pacientes são recebidos num enquadre legal. No primeiro caso, a dimensão da passagem ao ato, e mesmo de um agir na transgressão da lei, predomina. O segundo caso resulta de um registro puramente sugestivo; assim, a sedução é uma forma de violência sem que por isso ela se inscreva em um agir e sem revestir um caráter transgressivo passível de uma condenação aos olhos da lei. Existem múltiplas formas de violência social ou educativa que não se inscrevem nem em uma passagem ao ato, nem em uma transgressão da lei.

Os resultados de nossa pesquisa permitem articular, a posteriori, a clínica com a teoria:

1. No plano metapsicológico:

• Do ponto de vista econômico, o funcionamento psíquico dos agressores sexuais é caracterizado por uma disposição pulsional e defensiva limite, de caráter perverso, feita de clivagem (cujos efeitos se manifestam tanto no nível do afeto quanto do comportamento "conformista"), e de recusa (cujos efeitos se manifestam no nível do acesso à simbolização, que permanece problemática). Quando a clivagem cede, o retorno do recalcado se efetua sob a forma de atos, através das produções oníricas, pulsionais e fantasísticas. A rememoração cede então lugar a uma repetição.

• Do ponto de vista dinâmico, o conflito nos agressores sexuais se situa quase em uma cena extrapsíquica, notadamente corporal, desempenhada no cotidiano judiciário e carcerário. O sobre-investimento deste último serve para contra-investir o pensamento e traduz uma resistência à transferência.

• Do ponto de vista tópico, a clivagem acontece no eu e o supereu é arcaico. O princípio do prazer prevalece sobre o princípio de realidade que se encontra desmentido.

Por outro lado, de um ponto de vista estrutural, a patologia dos agressores sexuais se situaria nas zonas arcaicas, com uma fixação em uma sexualidade pré-genital fetichista e incestuosa.

A recusa, característica do funcionamento psíquico desses sujeitos, tem de específico o fato de ela se situar no nível do tratamento da perda, que segue um movimento inverso ao do jogo do carretel (assim, Roland instaurou um ritual oral: alegando como pretexto uma secura na garganta, ele chupa uma bala no decorrer da sessão). Aqui, não se trata de tornar presente o objeto materno ausente, mas, antes, a experiência de gozo ligada a esse objeto. Por essa razão, não se trata de pensar a perda do objeto, identificado a um fetiche, em termos de elaboração possível, mas, antes, a impossibilidade de gozar dele. É o gozo desse objeto parcial no real que o faz existir, e não o fato de que ele possa faltar. Essas observações incitam a situar a problemática da perda muito mais do lado da perversão do que da melancolia ou da psicose.

A clivagem característica do funcionamento dos agressores sexuais tem de específico o fato de que ela se articula em torno de um projeto incestuoso, realizado por esses sujeitos quando o podem, e possível de ser descoberto em sua história. Simultaneamente, essa realização indica uma tentativa de ser contido pelo social, na falta de não o ter sido pelo pai. Tal projeto com freqüência foi tornado possível por uma identificação com um pai, funcionando ele próprio na transgressão e no desmentido da lei, ou por uma mãe sedutora que deixou a criança acreditar que ela, mãe, poderia prescindir do pai e de todos os que poderiam substituí-lo.

2. No plano psicoterápico:

Esse projeto incestuoso se repete na transferência, que se encontra desinvestida, uma vez que não torna tal projeto possível, não oferecendo espaço para a transgressão.

Em contrapartida, nos agressores não sexuais prevalece a presença de um projeto parricida. Esse projeto se traduz por uma oposição diante do pai, cuja autoridade se encontra recusada em sua legitimidade e à qual o sujeito superpõe sua própria autoridade, o que explica o fracasso a integrar-se — contrariamente aos agressores sexuais — ao projeto carcerário adaptativo.

Se um processo terapêutico mínimo se demonstra como possível em um momento de crise, ele é imediatamente comprometido:

• pela resistência do agressor sexual. Na transferência, essa resistência toma a forma de uma emergência de expressões fantasísticas e pulsionais com valor de ato, que repetem um projeto incestuoso ao qual o sujeito permaneceu fixado e se manifestam na transferência para contra-investi-lo;

• pelas exigências securitárias e normo-adaptativas que regem o projeto carcerário, que não tolera nenhuma manifestação patológica ruidosa de sua população e responde a ela através de três meios: sufocar, sancionar e neutralizar.

CONCLUSÃO

Ao fazer o balanço das práticas psicoterápicas atuais destinadas aos agressores sexuais, somos, de saída, confrontados com o mesmo tipo de paradoxo confundindo tratamento e normalização. Assim, considerar uma estratégia terapêutica de múltiplas escolhas associando a ela muitas abordagens, mesmo quando elas são totalmente opostas — por exemplo, administrar uma psicoterapia de apoio paralelamente a uma terapia cognitiva ou a uma terapia hormonal —, equivale a reduzir ao idêntico o que o contradiz. Essa fórmula à la carte, qualificada de abordagem "associativa" e cujos adeptos justificam a pertinência pela necessidade de adotar estratégias terapêuticas variadas diante de um problema tão complexo quanto a "delinqüência sexual", deve ser ligada ao contexto sociocultural atual que erigiu em ideal os objetos-coisas-descartáveis, e mesmo substituíveis, semelhante aos "pais intercambiáveis" descritos por Legendre (1989); quando tudo se torna mercadoria, a própria função paterna é submetida à lei do mercado: escolhe-se o pai como um artigo na prateleira e, caso ele não convenha, ou ele é jogado fora ou é devolvido para ser trocado.

Em vez de uma abordagem autenticamente pluridisciplinar, encontramo-nos hoje diante de um amalgamado de "técnicas" improvisadas que perdem assim tanto sua credibilidade quanto sua pertinência, nas quais a própria essência do sujeito singular se encontra absorvida em um plural impreciso. Esse fenômeno seria o testemunho de um processo de recalque de escala sociocultural, visando a anular a perversão normalizando-a? Ou, inversamente, ele é o testemunho de um levantar do recalque que faria da perversão uma "norma social"?

Por outro lado, a prevalência de técnicas comportamentais e cognitivas no tratamento dos agressores sexuais demonstra a dificuldade dos "que tratam" em apropriar-se corretamente de seu "objeto" de tratamento — o inconsciente, diríamos —, reduzido a esquemas de comportamento ou de cognição torcidos, os quais é preciso restabelecer ou normalizar. O refugiar-se atrás desse tecnicismo não é revelador da recusa e da clivagem às quais sucumbem seus adeptos, assim como do fosso que se escavou e cresceu entre a realidade psíquica do sujeito e a pseudo-realidade do tratamento? Como sair do impasse quando se persiste em querer contornar a demanda, garantia única de engajamento autêntico do sujeito em um projeto terapêutico? Como tornar explícito o caráter fundamentalmente contraditório de uma terapia "imposta", de efeitos enganadores, à qual os agressores sexuais se submetem de bom grado, já que ela lhes permite enganar e manipular os representantes de uma lei que, de sua parte, aprova a normalização a qualquer preço?

A sexualidade não é redutível à genitalidade. Representação subjetiva (libido, pulsão, apoio), e até mesmo construção mental, ao mesmo tempo que lugar de uma diferença anatômica, a sexualidade é fundamentalmente ligada ao laço social. Se o agressor sexual é psiquicamente fixado em uma sexualidade infantil pré-genital, muito aquém da genitalidade, estamos em condições de nos interrogar sobre o valor das terapias hormonais, conhecidas como "de castração química", que um atual projeto de lei se dispõe a validar. Sustentado por uma preocupação de seguridade e de normalização, a própria existência desse projeto demonstra os limites, e mesmo o fracasso, dos dispositivos de tratamentos existentes. Pior ainda, ele comporta o risco de impelir o agressor sexual a um agir cada vez mais violento, destinado a compensar a "ausência de excitabilidade" iatrogênica. Não esqueçamos que se a castração química induz distúrbios no nível da ereção, nem por isso ela suprime as fantasias subjacentes ao ato. Além disso, esse tratamento contribui para manter a recusa característica do funcionamento do agressor sexual, encorajado a não se sentir responsável de seu ato, visto que seu "problema" seria medicalizado, não requerendo nenhum questionamento de sua parte. Caso as terapias hormonais se desenvolvam, cairemos novamente na confusão e na clivagem existente entre o que subtende o ato, em termos de funcionamento e de patologia, e o próprio ato em sua tradução penal.

Por essas diferentes razões, pensamos ser imperativo estabelecer uma dissociação entre o tratamento e o judiciário. O objeto e o sujeito de tratamento devem ser novamente situados na singularidade e na especificidade de um encontro terapêutico, que não poderia ser reduzido, por um lado, a uma prática administrada sob coação, e, por outro, sustentada por uma lógica de normalização fazendo impasse à realidade clínica que recusa submeter-se a isso.

Recebido em 28/2/2005. Aprovado em 12/4/2005.

Tradução: Vera Avellar Ribeiro

veraveri@uol.com.br

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Set 2005
  • Data do Fascículo
    Jan 2005

Histórico

  • Recebido
    28 Fev 2005
  • Aceito
    12 Abr 2005
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