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Psicanálise e exceção

RESENHAS

Psicanálise e exceção

Maria José Gontijo Salum

Psicanalista, membro aderente da Escola Brasileira de Psicanálise/MG; professora do Instituto de Psicologia da PUC Minas; mgontijo.bhe@terra.com.br

Efeitos terapêuticos na psicanálise aplicada. Tânia Coelho dos Santos (org.), Rio de Janeiro: Contra Capa, 2005, 111 p.

Esta publicação organizada por Tânia Coelho dos Santos et al., a partir de trabalhos realizados no âmbito do Programa de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, apresenta uma orientação de pesquisa em psicanálise que vem sendo buscada por seus autores. Um trabalho de investigação que leva em conta as transformações em nossa época.

Três fatores são considerados como indicadores dessa transformação: o declínio da função paterna, o esvaziamento de uma moral sexual civilizada e a influência do discurso da ciência regendo o mundo. Como efeito dessa transformação, vemos aparecer na clínica novos sintomas, novas formas de lidar com o mal-estar na civilização.

Essas novas modalidades de impasse subjetivo no mundo contemporâneo têm convocado o analista praticante a repensar e elaborar, teoricamente, as indicações e contra-indicações da aplicação da psicanálise, tal como a herdamos de Freud e de Lacan. Nesse esforço de construção e reelaboração da teoria e da clínica, este livro se situa.

Vemos que este esforço de construção se deu através de uma diversidade de instituições: a UFRJ, através do trabalho de pesquisa e extensão de professores do Programa de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica, a Escola Brasileira de Psicanálise, o Departamento de Psicanálise da Universidade de Paris VIII, e o Centro Psicanalítico de Consultas e Tratamento (CPCT) em Paris.

A interlocução feita a partir desses lugares distintos é uma das grandes contribuições do livro. Ele mostra um trabalho no qual se engajaram instituições que, no Brasil, têm seguido caminhos apartados; a saber: a universidade e as instituições de formação psicanalítica. Por isso, a contribuição do psicanalista francês Serge Cottet foi tão bem-vinda.

Serge Cottet esteve no Rio de Janeiro em novembro de 2003 e apresentou, mais que uma série de conferências, um testemunho vivo de seu trabalho, no qual se articulam a formalização do saber e a formação do analista. O alcance dessa contribuição não é apenas pragmático, no que concerne à aplicação da psicanálise à terapêutica. Trata-se de um trabalho político: a relação da política, em seu sentido amplo, à política da formação do analista e a política da cura. A psicanálise aplicada à terapêutica lida, predominantemente, com demandas que estão relacionadas aos grandes problemas sociais de nossa civilização.

Relendo o texto lacaniano "A direção do tratamento e os princípios de seu poder" à luz do cenário atual, Serge Cottet tece importantes considerações que têm conseqüências sobre a prática do psicanalista na contemporaneidade. Partindo da constatação de que o futuro da psicanálise previsto por Freud em "Linhas de progresso na terapia psicanalítica" é o nosso presente, isto é, a psicanálise, hoje, está ampliada a contextos e problemáticas que não estavam ao alcance da ação do psicanalista, Serge Cottet nos adverte: há uma abertura do dispositivo, mas a psicanálise não se presta a intervir em qualquer situação.

A extensão da aplicação da psicanálise à terapêutica produz uma variação das práticas, mas não uma degradação, já que seus princípios se mantêm. Uma prática, mesmo em circunstâncias adversas, quando esclarecida por seus princípios, não se degrada, nos lembra Serge Cottet. Ao contrário, o enfraquecimento das regras, em muitos casos, é o que permite o encontro com o real; a clínica tem demonstrado isso. O problema concerne em saber qual remanejamento da técnica é necessário para que o ato analítico se produza. Nisso reside a diferença entre a psicanálise aplicada à terapêutica e as psicoterapias: não se trata de escuta e a eficácia não se resume à presença. Banalizar a escuta oferecendo apenas uma presença é lidar com o problema na modalidade do universal. O ato analítico, que se dirige ao particular, tem como horizonte, em cada caso, fazer existir o inconsciente. Assim, Cottet faz uma afirmação instigante: a psicanálise lida apenas com exceções.

Cada texto que compõe esta publicação nos remete ao esforço de operar, na clínica psicanalítica a partir da orientação em direção à exceção. Nos dois sentidos que esta palavra pode nos remeter: o excessivo e o que escapa à regra. Quer dizer, o real sem lei e que não pode ser classificado nem generalizado. Por mais que o dispositivo tenha sofrido variações desde Freud, esse é o principio que orienta o psicanalista.

Verificar a forma que o sintoma, como signo do real, aparece em nossos tempos e obter efeitos terapêuticos a partir de sua emergência e não de sua sutura, como fazem os psicoterapeutas, é o convite que este livro nos faz.

Recebido em 27/9/2005.

Aprovado em 17/10/2005.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Jan 2006
  • Data do Fascículo
    Dez 2005
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