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Pulsão de morte: mortificação ou combate?

Death instinct: mortification or combat?

Resumos

Esse artigo pretende problematizar o conceito de pulsão de morte em Freud a partir de duas vertentes: de um lado, sinalizando seu aspecto mortificante e conservador. De outro, apontando possibilidades criativas impulsionadas pelas pulsões de morte no campo da clínica da psicanálise, como por exemplo, através do trabalho da sublimação.

Freud; pulsão de morte; conservação; criação; clínica psicanalítica


This paper sets out to investigate the concept of death instinct in Freudian thinking, based on two sources. On the one hand, it points out to its aspect of death and conservation. On the other, it shows creative possibilities stimulated by death instincts in the field of clinical psychoanalysis, using the work of sublimation as an example.

Freud; death instinct; conservation; creation; psychoanalysis clinical


ARTIGOS

Pulsão de morte: mortificação ou combate?

Death instinct: mortification or combat?

Maria Regina Prata

Professora do Mestrado em Educação da Universidade Estácio de Sá. Psicanalista do Espaço Brasileiro de Estudos Psicanalíticos. Rua Visconde de Pirajá, 419/202. 22410 003 Rio de Janeiro RJ. E-mail: mrprata@openlink.com.br

RESUMO

Esse artigo pretende problematizar o conceito de pulsão de morte em Freud a partir de duas vertentes: de um lado, sinalizando seu aspecto mortificante e conservador. De outro, apontando possibilidades criativas impulsionadas pelas pulsões de morte no campo da clínica da psicanálise, como por exemplo, através do trabalho da sublimação.

Palavras-chaves: Freud, pulsão de morte, conservação, criação, clínica psicanalítica.

ABSTRACT

This paper sets out to investigate the concept of death instinct in Freudian thinking, based on two sources. On the one hand, it points out to its aspect of death and conservation. On the other, it shows creative possibilities stimulated by death instincts in the field of clinical psychoanalysis, using the work of sublimation as an example.

Keywords: Freud, death instinct, conservation, creation, psychoanalysis clinical.

"Anunciada na positividade, a finitude do homem se perfila sob a forma

paradoxal do indefinido; ela indica, mais do que o rigor do limite, a monotonia

do caminhar que, sem dúvida, não tem limite mas que talvez não seja sem

esperança." (FOUCAULT, 1966/1987, p. 330)

No artigo Mais além do princípio do prazer, Freud (1920/1975) construiu o conceito de pulsão de morte, remontando essa pulsão às tendências regressivas e conservadoras. Segundo Freud, a pulsão de morte se remeteria a um campo que se dirige para além do princípio do prazer, ou seja, não corresponderia à tendência do aparelho psíquico em abaixar seu nível de desprazer interno, de tal forma que sua presença poderia ser observada clinicamente através da compulsão à repetição do desprazeroso, do sentimento inconsciente de culpa, da necessidade de punição e sofrimento, fenômenos que poderiam configurar-se em tendências mortificantes ao sujeito.

No entanto, em alguns momentos, Freud (1923/1975) também deu indicações de que as pulsões de morte poderiam fazer parte de um trabalho criativo, funcionando como propulsoras de um movimento diferencial e produtivo, como, por exemplo, através do processo da denegação e de forma marcante no processo da sublimação. São esses dois aspectos das pulsões de morte, de um lado, a mortificação, e de outro, a criação, que tentarmos problematizar neste artigo.

CONSTRUINDO O CONCEITO DE PULSÃO DE MORTE

Em 1920 Freud vai se aprofundar nos fenômenos que transcendem o princípio do prazer e não obedecem ao objetivo do aparelho psíquico em abaixar as tensões que causam desprazer. É em torno das experiências que não obedecem esse objetivo que o autor iniciará sua investigação.

Para investigar esse tema, Freud (1920/1975) discute, como questão inicial, a relação do princípio da constância com o princípio do prazer. Assim, depois de citar a tendência à estabilidade desenvolvida por Fechner, que relaciona a estabilidade ao prazer e a instabilidade ao desprazer, fala que o aparelho psíquico tenta manter constantes ou tão baixas quanto possível suas excitações internas. Em seguida, ressalta que o princípio do prazer decorre do princípio de constância, ou dito em outras palavras, que o princípio de constância é o fundamento econômico do princípio de prazer.

É a partir deste contexto que a dominância do princípio do prazer no aparelho psíquico começa a ser repensada: existe uma tendência ao princípio do prazer, mas há eventos que a contradizem, tais como os fenômenos de repetição dos sonhos traumáticos, a repetição na transferência que pode tomar o lugar da recordação, e o fort da, que é uma encenação de uma ausência, onde a criança joga para longe um carretel e o faz voltar.

Os sonhos das neuroses traumáticas têm a característica de reconduzir o sujeito de volta à situação terrificante de seu acidente, e neste caso, Freud (1920/1975) diz que talvez o sonho esteja ligado "a enigmáticas tendências masoquistas do ego" (p.14). Em relação à repetição no jogo da criança, pergunta como esta experiência aflitiva pode harmonizar-se com o princípio de prazer. No encaminhamento dessa questão, a positividade do fenômeno da repetição é expressada: ao repetir o desaparecimento e o retorno da mãe no jogo, a criança sai de uma situação passiva e assume um papel ativo, pois jogar longe o objeto satisfaz seu impulso de vingar-se da mãe provocando uma ab-reação da impressão e uma apropriação da situação (FREUD, 1920/1975). Aqui a repetição possibilita uma elaboração da situação vivida como desprazerosa pela criança.

Contudo, é através dos fenômenos de compulsão à repetição, que rememoram experiências do passado que não contêm possibilidade alguma de prazer e que nunca trouxeram satisfação, expressando seu poder demoníaco através de uma repetição desprazerosa na transferência, que Freud (1920/1975) vai em direção ao que transgride o princípio do prazer: "Os neuróticos repetem na transferência todas as ocasiões indesejadas e as situações afetivas dolorosas, reanimando-as com grande habilidade (...)" (p.21). A compulsão à repetição destrona o princípio do prazer, parecendo mais originária, mais elementar e mais pulsional do que ele. São essas características que participarão de forma decisiva na construção do conceito de pulsão de morte.

Mas para continuar a especulação que originará esse último conceito, Freud (1920/1975) vai relembrar ainda as concepções de energia livre e energia vinculada de Breuer, onde os investimentos energéticos apresentam-se de duas formas: um investimento que flui livremente e pressiona no sentido da descarga e um quiescente:1 1 Embora a noção de ligação não tenha um significado unívoco em Freud, de maneira geral, a Bindung é uma operação que tende a limitar o livre escoamento das excitações . Sobre o percurso dessa noção na obra freudiana, ver Laplanche & Pontalis, 1986, p.350.

"Temos discernido uma das mais antigas e importantes funções do aparelho psíquico, a de 'ligar' os impulsos pulsionais que lhe chocam, substituir o processo primário que neles governa pelo processo secundário, transformar sua energia livremente móvel em investimento predominantemente quiescente". (FREUD, p. 60)2 2 As traduções das citações de Freud publicadas pela Amorrortu Editores são de minha autoria.

Nesta mesma obra, essa capacidade de vincular energia se relaciona às possibilidades pulsionais de constituir ou não formas organizadas. Como não há possibilidades em impedir que o aparelho mental seja invadido por grandes quantidades de estímulos, o problema passa a ser o de vinculá-los, dominando esta energia psiquicamente (p. 29).

Para que a energia livre seja vinculada, a energia de investimento é convocada a fim de fornecer investimentos suficientemente altos, controlando a invasão contínua de excitações. Portanto, é estabelecido um contra-investimento, que é um recurso próprio do recalcamento originário, como uma medida protetora contra a invasão excessiva de energia.

No entanto, no caso das neuroses traumáticas, que rompem com esse escudo protetor, o aparelho psíquico não é capaz de ligar todas as quantidades de energia que nele chegam. Daí pode ser promovida a compulsão à repetição, que, como vimos, faz com que o sujeito retorne à situação do trauma, talvez na tentativa de vincular essa experiência psiquicamente. Como a compulsão à repetição nem sempre obtém êxito nessa tentativa de ligação, Freud (1920/1975) é levado a pensar em algo que se dirige para mais além do princípio do prazer:

"De nossa parte, nós temos abordado não a substância viva, mas as forças que nela atuam, e nos vimos levados a distinguir duas classes de pulsões: as que pretendem conduzir a vida à morte, e as outras, as pulsões sexuais, que aspiram continuamente a renovação da vida, e a realizam. Isso soa como um corolário dinâmico da teoria morfológica de Weismann." (p. 45)

As pulsões de morte têm uma tendência regressiva e conservadora, e podem efetuar um trabalho destrutivo de forma silenciosa. Em oposição às pulsões de morte, aparecem as pulsões de vida ou pulsões sexuais, que tendem a produzir formas organizadas e não destrutivas. A vida consiste no conflito dessas duas pulsões, enquanto a morte significa o triunfo das pulsões de morte. Aqui Freud (1920/1975) parece estar próximo do pensamento de Bichat, ao afirmar que a meta de toda a vida é a morte, vendo nesse movimento um retorno a um estado anterior das coisas.

Essa última citação aponta para a utilização que o autor faz da biologia de sua época, assunto que será discutido a seguir.

UM FREID "BIOLOGISTA"?

Ao construir sua especulação sobre a pulsão de morte, Freud (1920/1975) busca analogias na biologia:

"O que nos impressiona aqui é a inesperada analogia com nossa concepção, desenvolvida por caminhos tão diferentes. Weismann, em uma abordagem morfológica da substância viva, diferencia nela um componente pronunciado até a morte, o soma, o corpo exceto o material genético e relativo a herança, e outro imortal, justamente esse plasma germinal que serve a conservação da espécie, a reprodução." (p. 45)

Freud faz inicialmente reservas a essa analogia, dizendo que Weismann só distingue soma mortal e plasma germinal nos organismos multicelulares, considerando os organismos unicelulares como potencialmente imortais. Na tentativa de prosseguir suas especulações, Freud (1920/1975) busca aproximações com outros biólogos, afirmando que a biologia não contradiz o reconhecimento das pulsões de morte. No entanto, ele acaba por retomar o próprio Weismann, que, apesar de tudo, apresenta uma notável semelhança na sua distinção entre soma mortal e plasma germinal com o dualismo das pulsões de morte e as pulsões vitais (p. 48).

Prosseguindo seu raciocínio, Freud recorda Hering, que fala de dois processos que agem na substância viva operando em direções opostas, uma anabólica (assimilatória) e outra catabólica (dissimilatória), e pergunta se não pode comparar essas duas direções dos processos vitais às atividades das duas pulsões. Hering (citado em HIRSCHMÜLLER, 1991, p. 63-64), como sabemos, pesquisou uma das funções reguladoras mais importantes do organismo, a respiração. Foi a partir de sua pesquisa que as formas de energia livre e ligada foram distinguidas por Breuer (1893-95/1975), o que permitiu que este último pensasse o princípio de constância como um regulador homeostático que impulsionaria o aparelho psíquico ao equilíbrio.

Mas se a pulsão de morte traz a questão de uma instabilidade ou um desequilíbrio interno, não é estranho que para construir esse conceito, Freud retorne a Breuer e faça comparações com Hering? Talvez seja esse retorno que tenha feito Freud relacionar, em 1920, princípio do prazer, princípio de nirvana e pulsões de morte.3 3 "Temos discernido que a tendência dominante da vida psíquica, e talvez da vida nervosa em geral, a de rebaixar, manter constante, suprimir a tensão interna do estímulo (o princípio de Nirvana, segundo a terminologia de Barbara Low) do qual é expressão no princípio de prazer. Esse constitui um de nossos mais fortes motivos para crer na existência das pulsões de morte." (FREUD, 1920/1975, p. 54)

Laplanche e Pontalis (1986) colocam que permanece a questão de saber se aquilo que Freud (1920/1975) chama de princípio de prazer corresponde à manutenção da constância do nível energético ou a uma redução radical das tensões ao nível mais baixo. Pois se o princípio do prazer comanda o livre escoamento de energia, ele estaria em oposição à manutenção da constância, uma vez que essa última corresponderia a uma ligação.4 4 Em 1924, no artigo O problema econômico do masoquismo, Freud incrementa essa questão, introduzindo a noção de temporalidade nas concepções de prazer e desprazer. Nesse artigo, o autor coloca que a quantidade deve ser pensada ao lado da idéia de movimento, de um fluxo rítmico em um determinado período de tempo, trazendo o aspecto qualitativo à concepção de prazer.

E ainda, se o objetivo do texto de 1920 é buscar as experiências que se dirigem para além do princípio do prazer, por que Freud relaciona os princípios do prazer, nirvana e constância? Assim, ao recolocar o impasse que a repetição compulsiva traz ao trabalho analítico, ele fala do retorno da quiescência do mundo inorgânico ocasionada pela função do princípio do prazer, para adiante afirmar que o princípio do prazer parece estar a serviço das pulsões de morte:

"Separamos função e tendência de maneira mais nítida que até agora. O princípio do prazer é então uma tendência que está a serviço de uma função: a de fazer que o aparelho psíquico fique isento de excitação, ou mantenha no nível mínimo possível, a quantidade de excitação. Todavia não podemos decidir com certeza por nenhuma dessas versões, mas notamos que a função assim definida participaria da aspiração mais universal de todo ser vivo de voltar atrás até o repouso do mundo inorgânico. Todos temos experimentado que o máximo de prazer atingível por nós é o do ato sexual, unido de uma extinção momentânea de uma excitação extrema."(FREUD, 1920/1975, p. 60)

Podemos concluir que mesmo ao ilustrar a segunda dualidade das pulsões através da associação vital dos organismos multicelulares, essa aproximação apresenta uma discussão que escapa aos limites da biologia, que é a reflexão que o conceito de pulsão de morte traz para o campo do aparelho psíquico e para a clínica psicanalítica.

FREUD E A ENTROPIA

Estamos percebendo que Freud estabeleceu relações constantes com outros campos do saber, tais como a física, a biologia, sem que essa característica aprisionasse a construção de suas idéias ou estabelecesse identidades restritas. Ao contrário, a aproximação com outros campos serviu como mola propulsora às especulações freudianas, permitindo que fossem estabelecidas semelhanças, mas sobretudo, diferenças.

A partir deste contexto, podemos pensar se o discurso freudiano possibilitou e manteve, a partir da segunda teoria pulsional, relações entre o conceito de pulsão de morte e a noção de entropia. Mas para estabelecermos um diálogo entre a pulsão de morte e a noção de entropia, é necessário, primeiramente, que apresentemos os dois princípios da termodinâmica. Em um segundo momento, tentaremos discutir a pulsão de morte à luz das estruturas dissipativas de Prigogine (Prigogine & stengers, 1984), remetendo essa problemática ao campo da clínica psicanalítica.

A termodinâmica apareceu a partir da verificação de Sadi Carnot, em 1824, de que o fogo é capaz de mover e transformar as coisas. Sua primeira descoberta, foi que nas transformações térmicas que acontecem em sistemas isolados do exterior, a energia conserva-se. Nesta perspectiva, o primeiro princípio da termodinâmica foi formulado, apresentando a idéia de que "o intercâmbio total de energia através das fronteiras de um dado sistema é igual à variação de energia desse sistema" (REIF, 1965, p. 22).

Acontece que nem toda energia de um sistema pode ser utilizada, o que traz o problema de harmonizar as perdas com a conservação energética. A partir dessa questão, foi construído o segundo princípio da termodinâmica, onde em qualquer transformação, a grandeza do grau de desordem da energia interna (ou seja, a entropia do sistema) aumenta até um grau máximo e quando esse processo pára, o sistema permanece em estado de constância.

Nesta perspectiva, o segundo princípio da termodinâmica expressa uma tendência para a desordem, para uma situação em que haja uma distribuição cada vez mais uniforme de matéria e de energia em um sistema. Assim, a entropia é uma grandeza que expressa a irreversibilidade de um processo e ao mesmo tempo traz a questão da degradação da energia em um sistema fechado (GARCIA-ROZA, 1990, p. 49).

Essa tendência em levar um sistema à degradação, trazendo como perspectiva final a morte térmica, permitiria uma relação com o conceito de pulsão de morte. No entanto, a ligação entre pulsão de morte e morte térmica deve ser feita com algumas reservas.

Freud (1920/1975), no artigo Mais além do princípio do prazer, parece não ter desprezado completamente a idéia de homeostase, de uma busca de equilíbrio interno, uma vez que ele relacionou os princípios do prazer, de nirvana e de constância. Por outro lado, se considerarmos que ele utilizava o campo científico de sua época a seu próprio modo, o que quer dizer que não se pode fazer uma transposição exata dos termos de outros campos do saber, como por exemplo da física ou da biologia para a psicanálise, um problema já pode ser colocado: só podemos falar de um aparelho psíquico em sua relação com o mundo, ou melhor, em sua relação com o outro.5 5 Deleuze (1969/1988), em seus comentários sobre o livro "Sexta-feira ou os limbos do pacífico", de Tournier, sublinha que Outrem como estrutura é a expressão de um mundo possível para constituir o tribunal da realidade, discutir e verificar o que acreditamos ver. Não podemos falar de um sistema isolado, pois o sistema psíquico é feito de trocas, de investimentos e de retiradas de energia: se há uma idéia de perda de energia no discurso freudiano, essa energia se movimentaria e retornaria insistentemente ao sujeito.

No entanto, mesmo ao apresentarmos reservas à aproximação da noção de entropia com as pulsões de morte, continuamos com um problema, que parece relevante para a clínica da psicanálise: se sabemos que a pulsão de morte não quer dizer realmente a morte em si mesma, é necessário lembrarmos que se ela funcionar livremente, sem produzir ligações com as pulsões de vida, ela realmente pode levar o sujeito à morte térmica. É nesta perspectiva que no final do artigo A denegação, quando Freud (1925/1975) destaca que a função do julgamento corresponde à dualidade pulsão de morte X pulsão de vida, dando uma positividade às pulsões de morte e remetendo à denegação essas pulsões, ele lembra imediatamente o negativismo dos psicóticos, que é resultado de uma desfusão das pulsões efetuada através da retirada dos componentes libidinais, ou seja, da retirada de Eros e do trabalho solitário de Tânatos (p. 256, 257). Não seria esse aspecto "mortificante" que alimentaria a idéia de uma degradação entrópica na segunda dualidade das pulsões? A tarefa, então, seria problematizar se Freud nos deu meios para que ultrapassemos essa interpretação negativa das pulsões de morte e se isso é viável quando nos confrontamos, por exemplo, com o negativismo dos catatônicos, com o suicídio, com o abandono da vida, e de forma mais geral, com o campo da clínica psicanalítica e seus impasses.

Podemos enriquecer esse problema trazendo a idéia de estruturas dissipativas, que deram a Ilya Prigogine o Prêmio Nobel de química em 1977, quando demonstrou em laboratório as possibilidades da criação da ordem a partir da desordem.

A "estrutura dissipativa" apresenta a ligação das idéias de ordem e de desperdício, colocando que a dissipação de energia, que geralmente é associada à perda de rendimento e conseqüentemente à evolução para a desordem, torna-se, longe do equilíbrio, produtora de ordem, de novos estados de matéria (PRIGOGINE & STENGERS, 1984, p.114).6 6 A aproximação entre as estruturas dissipativas de Ilya Prigogine e o conceito de pulsão de morte foi apresentada por Garcia-Roza (1990) no livro O mal radical em Freud, como é de conhecimento dos leitores do campo psicanalítico . Meu intuito nesse artigo é, a partir da indicação de Garcia-Roza, tentar apontar essa discussão para o campo da clínica da psicanálise e seus impasses, bem como dar uma positividade ao conceito de pulsão de morte a partir de sua relação com a sublimação.

Esse processo é equacionado através do que o autor chama de "instabilidade de Bérnard", que determina um fenômeno de auto-organização espontânea. Para exemplificar esse processo, submete uma fina camada líquida a uma diferença de temperatura entre a superfície inferior, que está constantemente aquecida e a superfície superior, que está em contato com o ambiente exterior. O que acontece é que o transporte do calor por condução através da colisão entre as moléculas é duplicado por um transporte por convenção, em que as próprias moléculas participam de um movimento coletivo que forma turbilhões que distribuem a camada líquida em células regulares, criando uma ordem. Assim, com o aparecimento da instabilidade de Bérnard, onde em determinado ponto as moléculas sobem, em outro elas descem, uma quebra da simetria espacial é traduzida, e as moléculas caóticas passam a adotar um comportamento coerente, diferenciado de região para região (PRIGOGINE & STENGERS, 1992, p. 56).

O que parece interessante na concepção de estruturas dissipativas de Prigogine é essa idéia de que da desordem advém ordem, de que a atividade produtora de entropia não é sinônimo de degradação:

"Pois, se é verdade que temos que pagar um preço entrópico para manter em seu estado estacionário o processo de termodifusão, também é verdade que esse estado corresponde a uma criação de ordem. Torna-se então possível um novo olhar: podemos ver a 'desordem' produzida pela manutenção do estado estacionário como o que nos permite criar uma ordem, uma diferença de composição química entre os dois recintos. A ordem e a desordem mostram-se não como opostas entre si, e sim como indissociáveis." (PRIGOGINE & STENGERS, 1992, p.54. Grifos meus)

Para pensarmos as pulsões de morte a partir das estruturas dissipativas, poderíamos abrir mão do dualismo das pulsões, uma vez que a própria desordem de Tânatos produziria ordem. Contudo, isso se confrontaria com a relevância que Freud dá às temáticas do dualismo e do conflito.7 7 Só de saída podemos lembrar aqui várias momentos em que a idéia de conflito apresenta-se em Freud: no conflito pulsional, no conflito entre as instâncias psíquicas, no conflito entre princípio do prazer e princípio de realidade, entre energia livre e energia ligada, etc. Como então aproveitarmos as estruturas dissipativas de Prigogine para a psicanálise?

Talvez a teoria das estruturas dissipativas nos sirva para ilustrar a produtividade das pulsões de morte, apontando que na entropia há possibilidades criativas. No entanto, não podemos ignorar os possíveis efeitos devastadores da autodestrutividade no campo da clínica psicanalítica e da subjetividade. Então, podemos dizer que o pensamento freudiano apontava para a "nova ciência", ao destacar um pólo de Tânatos que parece estranho ao artigo de 1920: as pulsões de morte são a possibilidade da diferença, ao trazer a perspectiva da repetição do outro para o discurso freudiano.

Quando falamos que as pulsões de morte são a condição da diferença, estamos fazendo uma relação dessas pulsões com o conceito de diferença pura, mas, ao mesmo tempo, na medida em que este último conceito não traz como pressuposto categorias de oposição, criamos um problema em relação ao dualismo pulsional. Tentaremos problematizar esta questão no próximo ponto, definindo neste contexto o conceito de diferença pura a partir do pensamento de Deleuze (1968/1988).

É POSSÍVEL PENSAR CONFLITO E DIFERENÇA?

O conceito de diferença pura foi aprofundado por Deleuze no livro Diferença e repetição (1968/1988), onde o autor direciona sua pesquisa em dois sentidos: um que tenta desconectar a diferença da identidade e da negação, e outro concernente ao conceito de repetição identificado a uma repetição mecânica ou "nua" (repetição do mesmo), que encontraria sua razão de ser em estruturas mais profundas de uma repetição oculta, em que se disfarça e se desloca um "diferencial".

Em recusa ao indiferenciado ou ao indeterminado, a diferença para Deleuze (1968/1988) é objeto de afirmação. Essa afirmação é múltipla, é criação: não é o negativo que é o motor, pois a negatividade não captura o fenômeno da diferença.

Numa repetição diferencial, não há nada de repetido que possa ser abstraído da repetição. É nesta perspectiva que podemos ultrapassar a idéia de um tempo originário ou primeiro. Diz Deleuze (1968/1988):

"O antes, a primeira vez, não é menos repetição do que a segunda ou a terceira vez... a repetição já não incide (hipoteticamente) sobre uma primeira vez que pode dela subtrair-se e de qualquer modo lhe permanece exterior; a repetição incide imperativamente sobre repetições, sobre modos ou tipos de repetição.

A fronteira, a "diferença", portanto, se deslocou singularmente: ela já não está entre a primeira vez e as outras, entre o repetido e a repetição, mas entre esses tipos de repetição. O que se repete é a própria repetição." (p.16)

Neste contexto, a repetição não supõe um "originário" a ela. Quando repito, não me remeto a uma repetição primeira, pois a diferença já está na repetição. Essa diferença pura, não é uma diferença entre duas coisas, uma diferença de algo em relação a algo, mas seria assim como o diferenciar-se de algo. Contudo, este "algo" está no interior dela mesma. De forma mais clara, a diferença pura seria o diferenciar-se de si mesma, produzindo máscaras sem que delas se possa abstrair:

"A repetição é verdadeiramente o que se disfarça ao se constituir e que só se constitui ao se disfarçar. Ela não está sob as máscaras, mas se forma de uma máscara a outra como de um ponto relevante a outro, com e nas variantes. As máscaras nada recobrem, salvo outras máscaras." (DELEUZE, 1968/1988, p. 45, 46)

Não há nada para além das máscaras, pois aquilo que as constitui se dá através delas mesmas: as máscaras são elementos genéticos internos da própria repetição. Mas será que podemos pensar Freud a partir desta perspectiva?

A dificuldade em pensarmos a diferença pura no pensamento freudiano, apresenta-se de algumas formas. Em primeiro lugar, Deleuze (1968/1988) esclarece que é o mundo da representação que subordina a diferença como negativa, colocando-a ao lado da contradição. É em contraposição a este mundo que o autor propõe pensar a diferença em si mesma e a relação do diferente com o diferente, independentemente das formas da representação que as conduzem ao Mesmo e as fazem passar pelo negativo. Nesse caminho, a idéia de fixação em Freud (1915/1975) poderá incidir, podendo ser identificada, através do recalcamento, como uma cristalização do sujeito no passado ou em determinadas fases da libido. Essa fixação se contraporia a uma repetição diferencial e apontaria para a repetição do mesmo.

Para Deleuze (1968/1988), o desejo não aparece como potência de negação, nem como elemento de oposição, mas sobretudo como força de procura, uma força questionante e problematizante. Contudo, as questões e os problemas não são atos especulativos ou empíricos, e sim atos vivos, como uma força constante de busca. Assim, não existem respostas ou soluções originais ou últimas, pois os problemas concernem a um eterno disfarce, e as questões a um eterno deslocamento.

Segundo Deleuze (1968/1988), quando Freud, para além do recalcamento propriamente dito, que incide sobre representações, supõe um recalcamento originário, concernente às apresentações puras ou à maneira pela qual as pulsões são necessariamente vividas, ele aproxima-se ao máximo de uma razão positiva interna da repetição. Essa razão será mais tarde determinável na pulsão de morte e explicará o bloqueio da representação no recalque propriamente dito, em vez de ser explicado por ele. Neste sentido, a repetição não dependeria do recalcamento: "Não repito porque recalco. Recalco porque repito, esqueço porque repito. Recalco porque, primeiramente, não posso viver certas coisas ou certas experiências a não ser ao modo da repetição." (p. 47)

Nesta perspectiva, não há uma instância recalcante e uma recalcada, que compreenderiam formas negativas de oposição. A mesma coisa é disfarçante e disfarçada, e o mais oculto é ainda um esconderijo.

Então, para encaminharmos a discussão, podemos dizer que Freud talvez nos permita pensar alguns modos de repetição diferencial. Assim, a idéia de um tempo a posteriori, que se remete a uma temporalidade onde o passado não é primeiro em relação ao presente, a um tempo descontínuo, indica que a temporalidade em Freud não precisa necessariamente ser remontada a uma cristalização no passado.

Contudo, não me parece fácil abrir mão da idéia de conflito na obra freudiana, pois teríamos, por exemplo, que deixar de lado o confronto das pulsões de vida com as pulsões de morte no campo da clínica da psicanálise. No entanto, podemos conjeturar que a pulsão de morte traduz um combate, um combate contra uma "mesmidade", visando a produção de diferenças, "discordando" da reprodução do mesmo. Seria, então, um trabalho positivo no conflito das pulsões. E por positividade estou entendendo a produção de trabalho, de elaborações, a produção de novas formas na ligação da energia. Portanto, a energia desvinculada das pulsões de morte, poderia produzir uma organização ao se confrontar com as pulsões de vida. Naturalmente, o analista auxiliaria o analisando nessas elaborações no campo da transferência.8 8 Neste contexto, no livro em que estudou a problemática da angústia, Laplanche (1980) sublinha que na palavra "elaboração" existe a raiz labor, que significa trabalho. Este trabalho pode remeter-se à quantidade de excitação e a ligação efetuada por essa energia não diferenciada, para que ela deixe de fluir livremente e fique ligada a certos conteúdos representativos. E ainda, segundo Laplanche, a Bindung não consiste apenas no fato da pulsão ficar ligada — dela encontrar-se atada a tal lembrança de acontecimento. Mais do que isso, a ligação consiste no fato de estas representações, que também são ligações, estabelecerem uma rede de significações (p. 30).

Concluímos que as possibilidades criativas das pulsões de morte só podem apresentar-se em sua ligação com a vida, no conflito pulsional: a pulsão de morte só pode produzir ordem quando consideramos sua dualidade com as pulsões de vida. Então, a pulsão de morte poderia até aproximar-se do funcionamento da entropia, não produzindo trabalho algum, mas desde que estivesse completamente desfusionada das pulsões de vida.

Assim, se o positivismo classificou as ciências sob o signo comum da ordem, do equilíbrio e inserido nele Freud iniciou seu percurso, com a pulsão de morte o autor pôde nos apontar que o desequilíbrio também impulsiona um movimento criador de formas, e não de degradação. Portanto, a energia que irrompe das pulsões de morte, com seu caráter "desestabilizador" e "desequilibrante", é o que produz uma positividade.

Por fim, ainda podemos perguntar: de que modo a energia das pulsões de morte poderia ser ligada? São as pulsões de vida que ligam a energia? É o conflito pulsional? É o ego? Ou é o trabalho de análise?

Se tomarmos o id como o pólo pulsional do psiquismo, tal com Freud (1923/1975) colocou no artigo O ego e o id, acrescentando a isso a afirmação da conferência de 1932, quando Freud diz que onde estava o id, o ego deve advir (p. 74), observaremos que uma das funções do ego, a mediação, vem auxiliar na ligação e contenção da energia pulsional. Mas para que isso aconteça é necessário ainda o trabalho do analista junto ao analisando, através das reconstruções feitas em análise.9 9 Laplanche (1991) esclarece que, em realidade, o analista faz desconstruções em análise, pois quem constrói a história é o analisando, para, junto ao analista, reconstruir a história É nesse sentido que o autor coloca que a psicanálise pode ser chamada de anti-hermenêutica: a construção de um novo destino para o sujeito, a partir da análise, não pode ser uma tarefa do analista. Aquele que traduz suas mensagens originárias, aquele que constrói seu destino, é, na análise como na infância, o ego. Neste contexto, o papel do analista é de desconstrução, e é do analisando o papel da construção. E é a partir dessa desconstrução que se pode fazer o trabalho da reconstrução, tarefa que parece ser tanto do analista quanto do analisando. Mas ela não será essencialmente a dos acontecimentos históricos do passado que teriam sido esquecidos, pois a locução sobre a qual insiste Freud, "isto eu sempre soube", posta em relação dialética com "isto eu não teria pensado nunca", significa que a reconstrução incide sobre algo bem diferente do acontecimento. O que é reconstruído é um certo processo incluindo a mensagem, a tentativa de tradução da mensagem, e o que foi deixado de lado por essa tradução: é essencialmente a reconstrução de uma defesa ou recalcamento (LAPLANCHE, 1991, p. 68, 69).

No entanto, as perguntas que fizemos acima não são nada simples. No próximo ponto, tentaremos encaminhá-las com o auxílio do artigo O ego e o id (1923).

O EGO E O ID E A SEGUNDA TEORIA PULSIONAL

Três anos após a criação do conceito de pulsão de morte, Freud escreve um artigo intitulado O ego e o id, que dentre seus vários aspectos importantes, revê a noção de ego e coloca o id como o pólo pulsional do psiquismo. Nesta obra, o ego é em grande parte inconsciente e comporta-se como o recalcado. Ele tem início no sistema perceptual, constitui-se como corporal e abrange o pré-consciente — que é adjacente aos vestígios de memória — em direção ao inconsciente.

Se o alcance do ego é ampliado, da mesma maneira suas funções também o são. Assim, uma vez que o aparelho psíquico precisa de uma instância responsável pelo controle da descarga de excitações ao mundo externo, esta instância será o ego. Ele é a organização coerente dos processos mentais, responsável pelo controle da motilidade, da percepção, pela prova de realidade, pela racionalidade e é também um mediador que tenta dar conta de exigências contraditórias do mundo externo, do id e do superego.

A parte da mente pela qual o ego estende-se e comporta-se como se fosse inconsciente, é o id. Segundo Freud, o ego é aquela parte do id que foi modificada pela influência direta do mundo externo, por intermédio do sistema perceptual/consciente. Este aspecto pode ser relacionado com a idéia de que o ego liga-se as sensações corporais, principalmente as que nascem na superfície do corpo, como a projeção mental de uma superfície. Fala Freud (1923/1975):

"(...) O ego se empenha em fazer valer sobre o id a influência do mundo externo, assim como seus propósitos próprios; esforça-se por substituir o princípio do prazer que rege irrestritamente no id, pelo princípio de realidade. Para o ego, a percepção cumpre um papel que no id cabe à pulsão. O ego é o representante do que pode ser chamado de razão e prudência, em oposição ao id, que contém as paixões." (p. 27)

Se o ego é uma parte modificada do id, ele também está sujeito a influência das pulsões, pois para Freud o id é palco do conflito entre Eros e pulsão de morte. Mas é importante dizer que essa idéia do psíquico conter um pólo passional torna-se possível após a formulação do conceito de pulsão de morte, uma vez que o id é esta instância "indomada", lugar da força pulsional insistente, que tem que ser controlada pelo ego. Em 1932/1975, Freud fala desse aspecto caótico do id:

"Nos aproximamos do id com comparações, os chamamos de um caos, uma caldeira cheia de excitações fervilhantes. Imaginamos que seu extremo está aberto até o somático, nisso acolhe dentro de si as necessidades pulsionais que nele encontram sua expressão psíquica, mas não podemos dizer em que substrato. Desde as pulsões se enche com energia, mas não se tem nenhuma organização, não concentra uma vontade global, somente a ânsia de procurar satisfação das necessidades pulsionais com a observância do princípio do prazer. As leis de pensamento, sobretudo o princípio de contradição, não se aplicam aos processos do id. Impulsos opostos coexistem uns juntos com os outros, sem cancelar-se entre si nem debilitar-se. Quando muito, entram em formações de compromisso sob a compulsão econômica dominante da descarga de energia." (p. 68, 69)

Freud continua dizendo que não há correspondência alguma com a representação de tempo no id, e que impulsos de desejo e impressões recalcadas que jamais saíram dele são virtualmente imortais, comportando-se durante décadas como se fossem acontecimentos novos. Somente quando essas impressões tornarem-se conscientes através do trabalho analítico é que elas poderão ser recolocadas como passado, desvalorizadas e quitadas de seu investimento energético.

Podemos então tentar fazer uma construção: se o trabalho egóico auxilia a ligação de energia, nesse sentido ele seria aliado das pulsões de vida, que visam a manutenção de formas. Mas para que uma ligação se efetue, é necessário que a força "desequilibrante" das pulsões de morte se transforme em produção, é necessário que se transforme o conflito em criação.

Estamos, portanto, falando de dois tipos de ligação: uma ligação da manutenção de formas, da repetição do mesmo, mais própria do trabalho de Eros, onde poderíamos identificar o que Freud chama de fixação libidinal, e uma ligação que se originaria do trabalho desestabilizador das pulsões de morte em junção com as pulsões de vida, que no campo da análise permitiria um trabalho criativo possibilitando as elaborações psíquicas.

Por fim, é importante dizer que Freud estabeleceu em 1923 uma diferenciação no ego chamada de superego. O superego é um resíduo das escolhas objetais do id e apresenta-se como uma formação reativa contra estas escolhas. Esse duplo aspecto do superego deriva de sua missão em recalcar o complexo de Édipo, pois ele se constitui por uma interiorização das exigências parentais, cuja severidade pode ser vinculada à cultura pura das pulsões de morte. Essa questão será retomada a partir da temática da desfusão das pulsões e com a idéia de que pode haver um "desperdício de energia" no psíquico.

O DESPERDÍCIO DE ENERGIA

Para que as pulsões de morte apresentem seu trabalho criativo e diferencial é necessário que elas se liguem com a vida, ou melhor, com as pulsões de vida. Indicamos também, que o trabalho solitário das pulsões de morte pode originar uma "mortificação", tal como o negativismo dos catatônicos.

O que parece estar em questão é o que se apresenta como excesso às possibilidades de elaboração psíquica, que podemos remeter ao campo do traumático, uma vez que essa experiência pode ser entendida, em última instância, como algo que o sujeito não consegue dar um lugar em seu campo representacional, não conseguindo produzir sentido algum, e que pode provocar um renovado horror.

Se o sujeito nem sempre obtém sucesso na tentativa de esquecer o acontecimento, a compulsão à repetição poderia funcionar também como um desperdício de energia, onde não se conseguiria produzir trabalho: repete-se interminavelmente na demanda do novo, mas nem sempre esta demanda pode ser atingida.

Para ilustrar esse raciocínio, podemos aproveitar a noção de despesa improdutiva de Bataille (1973), em que ele discute os processos de produção e de conservação da energia através de dois pólos: de um lado, há a energia mínima necessária utilizada pelos homens para a conservação da vida e para a continuação da atividade produtiva; de outro, há as despesas improdutivas, como o luxo, as guerras, o sacrifício, que trazem seu fim nelas mesmas, ou seja, são desperdícios energéticos, remontados à destruição. Segundo o autor, o homem está apto a produzir e conservar energia, mas nem sempre isso acontece.10 10 Na sociedade arcaica, por exemplo, o mundo das coisas era dado como um fim para a violência íntima, com a condição dessa violência ser tida como soberana: a produção estava subordinada ao dispêndio improdutivo (BATAILLE, 1973/1993, p. 70, 71). O problema da economia seria o da energia excedente que não é útil, ou seja, da perda sem aproveitamento, do uso produtivo e eficaz da energia excedente (BATAILLE, 1967; 1973/1993). Mas tentemos refletir um pouco sobre essa idéia de eficácia da utilização da energia11 11 Bataille (1973/1993) fala do uso eficaz da energia quando pensa, por exemplo, a ordem militar, em que o dispêndio de forças visa a aquisição de outras maiores, como a ampliação da extensão de um império (p. 53, 54). para a problemática das pulsões de morte.

Dissemos que poderia haver um aspecto mortificante no trabalho solitário das pulsões de morte, em que a energia não seria utilizada como produção. Assim, haveria um excedente energético que não seria expulso ou que retornaria ao sujeito insistentemente. Seria como uma "despesa energética" interminável.

Essa idéia do excesso de energia que transcende a capacidade de representação psíquica parece ser fundamental à clínica freudiana após 1920. Pois foi a partir dela que Freud pôde repensar de forma profícua temas tais como o masoquismo, a angústia, os obstáculos silenciosos à análise, a transferência negativa, o sentimento inconsciente de culpa, o ganho com a doença, o término do processo analítico, a feminilidade, o desamparo. Vejamos alguns desses temas no próximo ponto.

A MORTIFICAÇÃO CAUSADA NA DESFUSÃO PULSIONAL

No artigo O ego e o id, Freud (1923/1975) retoma o sentimento inconsciente de culpa com a figura do superego e o remete ao que transcende o princípio de prazer. Assim, ele pergunta:

"Como é que o superego se exterioriza essencialmente como sentimento de culpa (melhor: como crítica; 'sentimento de culpa' é a percepção no ego que corresponde a essa crítica) e assim, desenvolve tão extraordinária dureza e severidade contra o ego?" (p. 53)

Em busca de respostas, Freud (1923/1975) recorre à clínica:

"Se nos voltarmos primeiramente para a melancolia, descobrimos que o superego hiperintenso, que conseguiu um ponto de apoio na consciência, dirige-se sem misericórdia com fúria contra o ego, como se tivesse se apoderado de todo o sadismo disponível no indivíduo. De acordo com nossa concepção do sadismo, diríamos que o componente destrutivo entrincheirou-se no superego e voltou-se contra o ego. O que está agora governando o superego é, por assim dizer, uma cultura pura da pulsão de morte, que com bastante freqüência obtém êxito em empurrar o ego à morte, se este não afastar o seu tirano a tempo, através da mudança para a mania." (p. 53, 54, grifos meus)

O autor está falando aqui de uma cultura pura das pulsões de morte, que poderia realmente significar a morte em seu sentido literal. Em relação à melancolia, é o superego excessivamente forte que se dirige contra o ego, podendo impulsioná-lo à morte. Em contraste com o melancólico, ao qual a perda é egóica, o neurótico obsessivo acha-se protegido contra o suicídio: a retenção do objeto garantiria a segurança do ego.

Isto porque na neurose obsessiva, a desfusão de amor em agressividade é o resultado de uma regressão que ocorreu no id, que faz com que os impulsos amorosos transformem-se em agressividade contra o objeto, buscando destruí-lo. O ego tenta lutar contra esses objetivos de forma precautória, mas isso não o protege da punição e severidade do superego, que age como se fosse o ego — e não o id — o responsável pelas intenções destrutivas. Para tentar manter o controle da situação, o ego reage com um auto-suplício interminável, como se realmente fosse culpado (FREUD, 1923/1975, p. 70, 71). Há aqui um equilíbrio de forças entre a autodestrutividade e a agressividade, mas fundamentalmente, há, com o advento da pulsão de morte, a afirmação de uma força "desestabilizante" no sujeito.

A severidade do superego pode originar uma desfusão pulsional. Pois segundo Freud (1923/1975), uma vez que se admite a idéia de uma fusão das pulsões, deve-se pensar também na possibilidade de uma desfusão das pulsões de morte com Eros. O componente sádico da pulsão sexual seria um exemplo clássico da fusão pulsional útil. E o sadismo que tornou-se independente como perversão seria típico de uma desfusão. Freud continua:

"Percebemos que a pulsão de destruição, para fins de descarga, é habitualmente colocada a serviço de Eros; vislumbramos que a crise epiléptica é produto e indício de uma desfusão pulsional, e viemos a compreender que entre os produtos de muitas neurose graves, entre elas a neurose obsessiva, a desfusão pulsional merece uma apreciação particular e o ressalto da pulsão de morte. Fazendo uma generalização rápida, gostaríamos de conjeturar que a essência de uma regressão libidinal (da fase genital para a anal-sádica, por exemplo) reside numa desfusão de pulsões, tal como, inversamente, o avanço de uma fase anterior para a genital definitiva estaria condicionado a um acréscimo de componentes eróticos." (p. 42, 43)

A pulsão de vida trabalha em prol da fusão e a pulsão de morte em prol da desfusão pulsional, rompendo as ligações na luta com Eros. Como resultado deste rompimento ou da desfusão, acontece uma dessexualização da libido — uma retirada da libido investida nos objetos e subseqüentemente um retorno desta libido ao ego. Essa desfusão pulsional pode ocasionar também um desinvestimento do analista, desencadeando uma piora clínica do analisando:

"Há pessoas que se comportam de maneira estranhíssima no trabalho analítico. Se alguém lhes dá esperança ou lhe mostra satisfação pelo progresso do tratamento, elas mostram sinais de descontentamento e seu estado invariavelmente piora (...). Exibem o que é conhecido como 'reação terapêutica negativa'.

Não há dúvida de que há algo nessas pessoas que se opõe à cura, cuja iminência é temida como um perigo. Se diz que nestas pessoas não prevalece a vontade de cura, senão a necessidade de estar doente (...)." (FREUD, 1923/1975, p. 50)

Este "ganho com a doença" revela-se como o mais poderoso obstáculo à cura. Freud (1923/1975) continua:

"Por último, percebemos que se trata de um fator, por assim dizer, 'moral', de um sentimento de culpa, que obtém sua satisfação na doença e não quer renunciar ao castigo do sofrimento (...). Mas este sentimento de culpa é mudo para o paciente, não lhe diz que é culpado; ele não se sente culpado, mas doente. Só se exterioriza como uma resistência à cura que é extremamente difícil de superar." (p. 50)

Vemos então como o ideal freudiano de "cura das doenças mentais" almejado no final do século XIX,12 12 Em uma carta de 1896 enviada à sua noiva, Freud expressava suas ambições: "Hei de tornar-me um grande sábio, e voltarei a Viena ornado por uma grande, enorme auréola, e nós nos casaremos de imediato, e curarei todos os doentes mentais incuráveis." (Citado por Chertok & Stengers, 1990, p. 100) baseado em um equilíbrio homeostático a ser buscado, se modifica com a criação do conceito de pulsão de morte. Agora, o analista tem que enfrentar os obstáculos internos do analisando que se dirigem contra o tratamento e não tem a pretensão de impossibilitar as reações patológicas, mas de dar ao ego do analisando liberdade para decidir seu caminho.

Finalmente, é importante ainda colocarmos uma pergunta: quando falamos que a pulsão de morte desfusionada das pulsões de vida teria um aspecto mortificante, estamos dando uma negatividade a Tânatos, ou seja, localizando um aspecto conservador e regressivo em seu movimento? Estamos falando aqui de uma entropia?

Partimos da positividade do conflito pulsional. Falamos também que são as pulsões de vida que têm uma função reprodutora. Assim, parece que é importante não somente ressaltar a positividade da pulsão de morte em si mesma, pois correríamos o risco de cair num monismo pulsional: a pulsão de morte é sim a condição da diferença, mas esta diferença se manifesta na fusão das pulsões. E ao invés de estacionarmos nossa discussão em torno de forças negativas ou positivas, o mais importante é o fato de que Freud nos indicou que na desordem pode haver produção.

Então, não podemos mais pensar em uma possível homeostase interna ligada a um estado de saúde ideal. Ao contrário, a própria vida é marcada constantemente pelo conflito das pulsões, em que o pólo das pulsões de morte incomodará indefinidamente a calmaria do equilíbrio constante.

No próximo e último ponto, lançaremos mão do conceito de sublimação para discutirmos o aspecto produtivo impulsionado pelas pulsões de morte.

A SUBLIMAÇÃO COMO UM DESTINO CRIATIVO

Em 1908, no artigo A moral sexual civilizada e a doença nervosa moderna, Freud apresentava a sublimação como uma das formas de evitar o desprazer e as fontes de sofrimento causadas pela civilização, remetendo-a à mudança de objetivo pulsional e conseqüentemente à dessexualização da pulsão. Mas em 1932, na conferência Angústia e vida pulsional, Freud (1932b/1975) acrescenta que a sublimação se relaciona às mudanças de objetivo e de objeto sexuais, ou seja, a um destino criativo, mas não necessariamente de acordo com o que é considerado belo pela civilização. Seria mais uma ação sublime frente ao desamparo, onde o sujeito não abriria mão de sua posição desejante, trazendo a invenção de um outro objeto para a satisfação pulsional (BIRMAN, 1994, p. 32).

Após essa breve indicação do percurso da sublimação,

"Aqui surge a questão, que merece consideração cuidadosa, de saber se este [a transformação de libido objetal em narcísica] não é o caminho universal à sublimação. Toda sublimação não se efetua através da mediação do ego, que primeiro muda a libido objetal em narcísica e, depois talvez passa a fornecer-lhe outro objetivo? Posteriormente teremos de averiguar se esta mudança não pode ter como conseqüência outros destinos das pulsões; produzir, por exemplo, uma desfusão das diversas pulsões que se acham fundidas" (p. 32)

Neste contexto, a sublimação é um destino que pode se apresentar à desfusão pulsional, sendo produzida pela mediação do ego, que segundo Freud (1923/1975), ao sublimar a libido do id, coloca-se contra os objetivos eróticos e fica a mercê das pulsões de morte (p. 46). Mas para que o ego não vire objeto das pulsões "inimigas", ele tem que acumular libido dentro de si e tornar-se o representante de Eros. Com o risco de morrer, o ego escolhe, através da sublimação, o caminho do combate que torna a vida possível:

"Mas como seu trabalho de sublimação tem por conseqüência uma desfusão das pulsões e uma liberação das pulsões de agressão dentro do superego, sua luta contra a libido o expõe ao perigo dos maus-tratos e da morte. Se o ego padecer ou sucumbir às agressões do superego, seu destino é o mesmo dos protistas, que perecem pelos produtos catabólicos que eles mesmo criaram." (p. 57)

Assim, ao destacarmos que através da mediação egóica a desfusão pulsional pode fazer parte de um caminho criativo, podemos dar uma positividade às pulsões de morte. Pois se a desfusão das pulsões é impulsionada por Tânatos, podemos extrair um trabalho produtivo nessas últimas pulsões, que será engendrado através de sua ligação com as pulsões de vida. Acreditamos, portanto, que Freud (1923/1975) nos dá condições para pensarmos as pulsões de morte como criadoras, uma vez que elas são responsáveis por um combate, no sentido em que Empédocles coloca a discórdia em confronto com o amor.

Mas do que as pulsões de morte "discordariam"? Parece-me que, como "combatentes", elas discordam da mesmidade do equilíbrio homeostático. Enquanto as pulsões de vida visam a união de formas através da sexualidade, são as pulsões de morte que podem impulsionar o trabalho da diferença, que será engendrado no conflito das pulsões. Assim, as pulsões de morte expressam esses dois pólos: de um lado, quando fazem seu trabalho de forma solitária, elas podem ser mortificantes para o sujeito, de outro, são elas também que apresentam as condições de um movimento criativo e diferencial.

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Recebido em 18/1/2000. Aceito em 25/8/2000.

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  • 13
    tentaremos sustentar, a partir do discurso freudiano, que a desfusão pulsional é um caminho necessário à sublimação. Assim, em
    O ego e o id, Freud (1923/1975) diz que a sublimação é um dos caminhos que o conflito pulsional pode desembocar, através de um retorno ao ego da libido investida nos objetos, uma desfusão pulsional e um posterior destino à libido:
  • 1
    Embora a noção de ligação não tenha um significado unívoco em Freud, de maneira geral, a
    Bindung é uma operação que tende a limitar o livre escoamento das excitações
    . Sobre o percurso dessa noção na obra freudiana, ver Laplanche & Pontalis, 1986, p.350.
  • 2
    As traduções das citações de Freud publicadas pela Amorrortu Editores são de minha autoria.
  • 3
    "Temos discernido que a tendência dominante da vida psíquica, e talvez da vida nervosa em geral, a de rebaixar, manter constante, suprimir a tensão interna do estímulo (o princípio de Nirvana, segundo a terminologia de Barbara Low) do qual é expressão no princípio de prazer. Esse constitui um de nossos mais fortes motivos para crer na existência das pulsões de morte." (FREUD, 1920/1975, p. 54)
  • 4
    Em 1924, no artigo
    O problema econômico do masoquismo, Freud incrementa essa questão, introduzindo a noção de temporalidade nas concepções de prazer e desprazer. Nesse artigo, o autor coloca que a quantidade deve ser pensada ao lado da idéia de movimento, de um fluxo rítmico em um determinado período de tempo, trazendo o aspecto qualitativo à concepção de prazer.
  • 5
    Deleuze (1969/1988), em seus comentários sobre o livro
    "Sexta-feira ou os limbos do pacífico", de Tournier, sublinha que Outrem como estrutura é a expressão de um mundo possível para constituir o tribunal da realidade, discutir e verificar o que acreditamos ver.
  • 6
    A aproximação entre as estruturas dissipativas de Ilya Prigogine e o conceito de pulsão de morte foi apresentada por Garcia-Roza (1990) no livro
    O mal radical em Freud, como é de conhecimento dos leitores do campo psicanalítico
    . Meu intuito nesse artigo é, a partir da indicação de Garcia-Roza, tentar apontar essa discussão para o campo da clínica da psicanálise e seus impasses, bem como dar uma positividade ao conceito de pulsão de morte a partir de sua relação com a sublimação.
  • 7
    Só de saída podemos lembrar aqui várias momentos em que a idéia de conflito apresenta-se em Freud: no conflito pulsional, no conflito entre as instâncias psíquicas, no conflito entre princípio do prazer e princípio de realidade, entre energia livre e energia ligada, etc.
  • 8
    Neste contexto, no livro em que estudou a problemática da angústia, Laplanche (1980) sublinha que na palavra "elaboração" existe a raiz
    labor, que significa trabalho. Este trabalho pode remeter-se à quantidade de excitação e a ligação efetuada por essa energia não diferenciada, para que ela deixe de fluir livremente e fique ligada a certos conteúdos representativos. E ainda, segundo Laplanche, a
    Bindung não consiste apenas no fato da pulsão ficar ligada — dela encontrar-se atada a tal lembrança de acontecimento. Mais do que isso, a ligação consiste no fato de estas representações, que também são ligações, estabelecerem uma rede de significações (p. 30).
  • 9
    Laplanche (1991) esclarece que, em realidade, o analista faz desconstruções em análise, pois quem constrói a história é o analisando, para, junto ao analista, reconstruir a história É nesse sentido que o autor coloca que a psicanálise pode ser chamada de anti-hermenêutica: a construção de um novo destino para o sujeito, a partir da análise, não pode ser uma tarefa do analista. Aquele que traduz suas mensagens originárias, aquele que constrói seu destino, é, na análise como na infância, o ego. Neste contexto, o papel do analista é de desconstrução, e é do analisando o papel da construção. E é a partir dessa desconstrução que se pode fazer o trabalho da reconstrução, tarefa que parece ser tanto do analista quanto do analisando. Mas ela não será essencialmente a dos acontecimentos históricos do passado que teriam sido esquecidos, pois a locução sobre a qual insiste Freud, "isto eu sempre soube", posta em relação dialética com "isto eu não teria pensado nunca", significa que a reconstrução incide sobre algo bem diferente do acontecimento. O que é reconstruído é um certo processo incluindo a mensagem, a tentativa de tradução da mensagem, e o que foi deixado de lado por essa tradução: é essencialmente a reconstrução de uma defesa ou recalcamento (LAPLANCHE, 1991, p. 68, 69).
  • 10
    Na sociedade arcaica, por exemplo, o mundo das coisas era dado como um fim para a violência íntima, com a condição dessa violência ser tida como soberana: a produção estava subordinada ao dispêndio improdutivo (BATAILLE, 1973/1993, p. 70, 71).
  • 11
    Bataille (1973/1993) fala do uso eficaz da energia quando pensa, por exemplo, a ordem militar, em que o dispêndio de forças visa a aquisição de outras maiores, como a ampliação da extensão de um império (p. 53, 54).
  • 12
    Em uma carta de 1896 enviada à sua noiva, Freud expressava suas ambições:
    "Hei de tornar-me um grande sábio, e voltarei a Viena ornado por uma grande, enorme auréola, e nós nos casaremos de imediato, e curarei todos os doentes mentais incuráveis." (Citado por Chertok & Stengers, 1990, p. 100)
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Fev 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2000

    Histórico

    • Aceito
      25 Ago 2000
    • Recebido
      18 Jan 2000
    Programa de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ Instituto de Psicologia UFRJ, Campus Praia Vermelha, Av. Pasteur, 250 - Pavilhão Nilton Campos - Urca, 22290-240 Rio de Janeiro RJ - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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