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Escrevivência como metodologia de pesquisa em psicanálise

Resumo:

Este artigo discute a escrevivência como metodologia de pesquisa em psicanálise, ressaltando as subversões políticas e epistemológicas que comportam para a revitalização da vocação subversiva da psicanálise na abordagem do racismo e do sexismo. Destacamos seu caráter insurgente, relacionado por Evaristo à retomada de vozes e histórias silenciadas das pessoas negras. Mais do que uma escrita narcísica, ela propõe que a história de cada uma acolha vivências e memórias que remetem à coletividade. Apresentamos algumas práticas de pesquisa que lidam com essa tensão entre o domínio do saber e o real da experiência utilizando a escrevivência como via de abordagem.

Palavras-chave:
escrevivência; pesquisa; psicanálise; insurgência; coletividade

ABSTRACT:

This article discusses the escrevivência [live-writing] as a research methodology in Psychoanalysis, highlighting the political and epistemological subversions it entails for the revitalization of the subversive vocation of psychoanalysis in the approach to racism and sexism. We call attention to its insurgent character, related by Evaristo to the resumption of silenced voices and stories of black people. More than narcissistic writing, she proposes that the stories of each one of them embrace experiences and memories that refer to collectivity. We present some research practices that deal with the tension between the domain of knowledge and the real of experience using escrevivência as a means of approach.

Keywords:
escrevivência; research; psychoanalysis; insurgency; collectivity

Nos últimos anos, temos visto um crescente interesse da psicanálise em estudos sobre o racismo e sobre a negritude, que repercute na produção acadêmica, com interrogações epistêmicas acerca da produção de saber na universidade. A partir da psicanálise, somos convocados a dar um passo a mais (CASTAÑOLA, 2017CASTAÑOLA, M. A. Psicoanálisis y decolonialidad. Un paso más. In: CASTAÑOLA, María Amélia; GONZÁLEZ, Maurício G. (Orgs.), Decolonialidad y psicoanálisis. Ciudad de México: Ediciones Navarra, 2017, p. 77-84.) na problematização das posições enunciativas atravessadas pelo colonialismo do saber e avançar em metodologias que subvertam a objetificação de pessoas negras. É nesse cenário que apresentamos nosso encontro com as escrevivências como um dispositivo de pesquisa que possibilita articular vários desafios, tais como: a) trazer para o primeiro plano as temáticas do racismo e do sexismo; b) efetuar esse movimento de forma contextualizada geopoliticamente; c) contrapor-se à objetificação das pessoas negras, especialmente das mulheres, com espaços de produção de saber por elas sustentados; d) resgatar vozes e memórias silenciadas, recalcadas pelos discursos dominantes; e e) escutar as experiências vividas e as subversões subjetivas e políticas do inconsciente, que se contrapõem aos enquadres coloniais do saber e do ser.

Grada Kilomba questiona quem pode falar e produzir conhecimento na universidade. “Não é que nós não temos falado, o fato é que nossas vozes, graças a um sistema racista, têm sido sistematicamente desqualificadas, consideradas conhecimento inválido” (KILOMBA, 2019KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019., p. 51). Sua crítica destaca a necessidade de uma subversão epistemológica que se contraponha ao enquadre eurocêntrico da produção de conhecimento, que marginaliza a produção de intelectuais negras. Essa marginalização é operada por meio de predicativos que desqualificam o saber, como uma perspectiva muito subjetiva, muito pessoal, muito emocional ou muito específica. Essa enumeração denuncia os ideais de cientificidade, contra os quais a psicanálise sempre precisou se debater para afirmar a validade de um saber sobre o inconsciente: os mitos da universalidade, da objetividade, da neutralidade, da racionalidade e da totalidade. Lacan (1966/1988LACAN, Jacques A ciência e a verdade (1966). In: LACAN, J Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998, p. 869-892.) pontua a subversão freudiana da ciência justamente em uma relação com a verdade como causa enunciável para um sintoma, retomando o lugar do dizer - a dit-mansion ou “mansão do dito” (LACAN, 1972-1973/1985LACAN, J. Mais, ainda (1972-1973). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. (O seminário, 20), p. 146) -, foracluído pelas ciências ditas do homem.

No texto Do sujeito enfim em questão, Lacan comenta sobre o esforço de trazer para o campo de um saber transmissível a experiência vivida em análise, buscando conservar “a disponibilidade da experiência adquirida pelo sujeito, na estrutura própria de deslocamento e fendimento em que ela teve de se constituir” (LACAN, 1966/1998LACAN, Jacques. Do sujeito enfim em questão (1966). In: LACAN, J. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998, p. 229-237., p. 234). Há, portanto, um parentesco entre o desafio epistemológico da sustentação do inconsciente pela psicanálise e o resgate de vozes silenciadas pelo saber científico. Ao situar-se na universidade, a psicanálise precisa interrogá-la, levando-a a lidar com o real que escapa ao saber. França Neto propõe que a universidade tem medo do não saber e, por isso, tende a “restringir-se ao simbólico, excluindo o real de seu campo” (FRANÇA NETO, 2009FRANÇA NETO, O. Ciência, academia e psicanálise. In: DOS SANTOS, T. C. (Org.). Inovações no ensino e na pesquisa em psicanálise aplicada. Rio de Janeiro: 7Letras, 2009, p. 33-40., p. 36). Nesse sentido, Birman propõe que a pesquisa psicanalítica avança situando os próprios impasses da experiência como base teórica e motor de transformações conceituais: “foi pela escuta de um sujeito que fala para um outro, de suas dores insuportáveis, e que pede o reconhecimento vital de seus impasses, que se constituiu a experiência psicanalítica” (BIRMAN, 1994BIRMAN, J. Psicanálise, ciência e cultura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994., p. 26). Essa experiência, entretanto, não está restrita ao dispositivo clínico tradicional. Desde muito cedo, Freud busca apreender o sujeito “enredado nos fenômenos sociais e políticos, e não estritamente ligado à situação do tratamento psicanalítico” (ROSA, 2004ROSA, M. D. A pesquisa psicanalítica dos fenômenos sociais e políticos: metodologia e fundamentação teórica. Revista Mal-Estar e Subjetividade, Fortaleza, v. IV, n. 2, p. 329-348, set. 2004. Disponível em: Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1518-61482004000200008 . Acesso em: 16 mar. 2023.
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, p. 331).

Temos outras referências de pesquisa em psicanálise que utilizam métodos narrativos para tentar “apreender os pontos nodais que enlaçam o sujeito na história e no próprio corpo” (GUERRA et al., 2022GUERRA, A. M. C. et al. Narrativa memorialística como estratégia de pesquisa psicanalítica de fenômenos sociais. In: MOREIRA, J. O.; KIND, L. Pesquisas com narrativas nas ciências humanas: Psicanálise, Psicologia Social, Sociologia e História. Porto Alegre: ediPUCRS, 2022, p. 19-50., p. 20), como as narrativas memorialísticas e a clínica do testemunho (RIBEIRO; NUNES, 2018RIBEIRO, M. H. M.; NUNES, O. A. W. Apresentação: por que uma Clínica do Testemunho? In: CLÍNICAS DO TESTEMUNHO RS e SC. Por que uma clínica do testemunho? Porto Alegre: Instituto APPOA, 2018. p. 17-21. Disponível em: Disponível em: https://appoa.org.br/uploads/arquivos/1437_livro_2.pdf . Acesso em: 16 mar. 2023.
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). O testemunho articula uma reparação psíquica com a elaboração dos traumas da ditadura, possibilitando a “construção de uma memória coletiva” e sustentando uma “resistência que produz abertura, fissura, no tecido social” (RIBEIRO; NUNES, 2018RIBEIRO, M. H. M.; NUNES, O. A. W. Apresentação: por que uma Clínica do Testemunho? In: CLÍNICAS DO TESTEMUNHO RS e SC. Por que uma clínica do testemunho? Porto Alegre: Instituto APPOA, 2018. p. 17-21. Disponível em: Disponível em: https://appoa.org.br/uploads/arquivos/1437_livro_2.pdf . Acesso em: 16 mar. 2023.
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, p. 20). Ribeiro, Mollica e Celen (2023RIBEIRO, C. S.; MOLLICA, M.; CELEN, T. Outros modos de conhecimento: a escrevivência e o testemunho. In: BISPO, F. S.; GUERRA, A. M. C. Ocupar a psicanálise: por uma clínica antirracista e decolonial. São Paulo: n-1 Edições, 2023.) aproximam alguns aspectos da escrevivência do que é visado na clínica do testemunho1 1 As autoras também discutem a utilização da noção de testemunho para a elaboração de saber sobre o passe no final de análise. Segundo as autoras, os testemunhos de passe “modificaram a transmissão da clínica, antes centrada no relato do caso clínico em terceira pessoa (pelo analista) que passou a ser protagonizado pelo próprio analisante que viesse a público narrar a travessia de sua análise” (RIBEIRO; MOLLICA; CELEN, 2023, p. 184). . Em uma pesquisa anterior (BISPO, 2018BISPO, F. S. Narrativas sobre a morte violenta: análises teóricas e clínicas de abordagem psicanalítica. Projeto de pesquisa. Centro de Ciências Humanas e Naturais, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2018.), utilizamos a noção de narrativas para abordar a morte violenta, investigando como sujeitos e comunidades escrevem e reescrevem as histórias em torno da violência, em um exercício que é ao mesmo tempo subjetivo, social e político. Nossa aposta é que as escrevivências se constituem também como um dispositivo de pesquisa e intervenção capaz de abrir uma via de apreensão política e subversiva da linguagem.

Neste artigo, discorremos sobre o modo como as escrevivências podem contribuir com a pesquisa em psicanálise, em sua abordagem de fenômenos sociais e subjetivos. A noção de escrevivência foi criada por Conceição Evaristo, a princípio de um modo despretensioso, como uma forma de referência às vivências que compõem sua literatura, “advindas da escuta de histórias contadas por mulheres e do contato com experiências vividas por negras na luta contra a discriminação e a violência” (FONSECA, 2020FONSECA, M. N. S. Escrevivência: sentidos em construção. In: DUARTE, C. L.; NUNES, I. R. (Orgs.). Escrevivência: a escrita de nós - reflexões sobre a obra de Conceição Evaristo. Rio de Janeiro: Mina Comunicação e Arte, 2020., p. 60). A assunção do termo ao estatuto de um conceito foi ocorrendo ao longo do tempo, devido ao modo lúcido e decidido como a própria escritora sustenta, em diversos escritos e entrevistas, a orientação estética e política de seu trabalho artístico. Essa tendência também se fortalece “a partir das muitas discussões que ele tem suscitado entre os pesquisadores da literatura afro-brasileira” (FONSECA, 2020FONSECA, M. N. S. Escrevivência: sentidos em construção. In: DUARTE, C. L.; NUNES, I. R. (Orgs.). Escrevivência: a escrita de nós - reflexões sobre a obra de Conceição Evaristo. Rio de Janeiro: Mina Comunicação e Arte, 2020., p. 59), comparecendo em artigos, dissertações e teses que se debruçam sobre a obra de Conceição e suas contribuições epistêmicas.

Em relação ao diálogo com a psicanálise, situamos essas contribuições como subversões políticas e epistemológicas. São dimensões interconectadas, de modo que uma utilização da escrevivência sem um resgate de sua inspiração ético-política representa uma redução técnica de uma prática que transcende o universo da pesquisa. Essa é uma questão que tem surgido entre pesquisadores de pós-graduação que se interessam pela técnica e perguntam se podem utilizá-la. Importante salientar que a escrevivência nasce e se afirma como uma prática de literatura, mas não se afasta de uma perspectiva de crítica social. Essa perspectiva abre uma ampla possibilidade de inserção nas pesquisas acadêmicas. Oliveira e Sampaio destacaram a expansão do conceito, que tem subsidiado pesquisas no campo das ciências humanas e sociais, que “a reconhece como espaço promotor de discussões políticas, étnicas e de gênero” (OLIVEIRA; SAMPAIO, 2022OLIVEIRA, M. J.; SAMPAIO, J. C. C. Escrevivência - um conceito em expansão. Revista Porto das Letras, v. 8, n. 4, p. 273-290, 2022. Disponível em: Disponível em: https://sistemas.uft.edu.br/periodicos/index.php/portodasletras/article/view/11837/20765 . Acesso em: 16 mar. 2023.
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, p. 274). Também encontramos importantes trabalhos no campo da psicologia social e institucional (SOARES; MACHADO, 2017SOARES, Lissandra Vieira; MACHADO, Paula Sandrine. Escrevivências como ferramenta metodológica na produção de conhecimento em Psicologia Social. Psicologia Política, v. 17, n. 39, p. 203-219, 2017. Disponível em: Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-549X2017000200002 . Acesso em: 16 mar. 2023.
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; MACHADO, 2021MACHADO, Lilian Paula de Souza Alves. Escrevivências clínicas: violência sexual na vida de meninas negras - um triplo trauma. Dissertação de Mestrado, Curso de Mestrado em Psicologia Clínica, Universidade Católica de Pernambuco, Recife, 2021. Disponível em: Disponível em: http://tede2.unicap.br:8080/handle/tede/1547 . Acesso em: 16 mar. 2023.
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; NEVES; HECKERT, 2021NEVES, G. S.; HECKERT, A. L. C. Escrevivência: uma ferramenta metodológica de análise. Mnemosine, v. 17, n. 1, p. 139-162, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.12957/mnemosine.2021.61847. Acesso em: 16 mar. 2023.
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; SIQUEIRA et al., 2021SIQUEIRA, L. A. R. et al. Narrativas em meio à pandemia: tecendo resistências, pensando metodologias, renovando apostas. Mnemosine, v. 17, n. 1, p. 26-49, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.12957/mnemosine.2021.61842. Acesso em:16 mar. 2023.
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) e, mais recentemente, no campo da psicanálise (RIBEIRO, 2022RIBEIRO, C. S. Tornar-se negro, devir sujeito. Belo Horizonte: Agência de Iniciativas Cidadãs, 2022.; SILVA, 2022SILVA, Beatriz Oliveira da. Por acaso não sou uma mulher? Sobre a depreciação de mulheres negras nas relações amorosas. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Psicologia Institucional, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2022. Disponível em: Disponível em: https://psicologiainstitucional.ufes.br/pt-br/pos-graduacao/PPGPSI/detalhes-da-tese?id=16484 Acesso em: 16 mar. 2023.
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; SANTOS, 2022SANTOS, Tayná Celen Pereira. A escrevivência como lituraterra. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2022. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/46973 . Acesso em: 16 mar. 2023.
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).

Essa dupla dimensão da escrevivência, poética e crítica, dialoga com o modo como o saber se constrói em psicanálise, na medida em que a voz recolhida na clínica também comporta um caráter estético de construção e ressignificação da verdade subjetiva - como podemos vislumbrar com Freud em Construções em análise (1937/1996) -, e um caráter de desconstrução ou crítica das estruturas sociais que alienam o sujeito a ideais superegoicos que oprimem a vida. Para as mulheres negras, podemos ver, com Neuza Souza (1983/2021SOUZA, Neusa Santos. Tornar-se negro: as vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social (1983). Rio de Janeiro: Edições Graal, 2021.) e Lélia Gonzalez (1983/2020GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira (1983). In: RIOS, F.; LIMA, M. (Orgs.). Por um feminismo afro-latino-americano. Rio de Janeiro, Zahar, 2020, p. 75-93.), que esse discurso do Outro que nos subjuga pode ser remetido ao Ideal da branquitude, por um lado, e ao caráter fálico do sexismo, por outro. Mas ele não domina todo o campo: a memória “fala através das mancadas do discurso da consciência” (GONZALEZ, 1983/2020GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira (1983). In: RIOS, F.; LIMA, M. (Orgs.). Por um feminismo afro-latino-americano. Rio de Janeiro, Zahar, 2020, p. 75-93., p. 79). A negritude2 2 Para uma discussão sobre negritude, recomendamos o livro Negritude: usos e sentidos (MUNANGA, 2020). dá uma rasteira e subverte a violência racista justamente a partir daquilo que, segundo Lélia, a mãe preta transmite com sua voz, suas histórias, em uma transmissão possível de uma amefricanidade. Veremos que a invenção de Conceição Evaristo converge justamente para a retomada desse ponto de subversão e transmissão.

Subversão epistemológica - as vozes de mulheres negras

Resgatamos o caráter crítico e insurgente na própria definição que Evaristo propõe, ao refletir sobre o que constitui a escrevivência:

Escrevivência, em sua concepção inicial, se realiza como um ato de escrita das mulheres negras, como uma ação que pretende borrar, desfazer uma imagem do passado, em que o corpo-voz de mulheres negras escravizadas tinha sua potência de emissão também sob o controle dos escravocratas, homens, mulheres e até crianças. E se ontem nem a voz pertencia às mulheres escravizadas, hoje a letra, a escrita, nos pertencem também. (EVARISTO, 2020EVARISTO, Conceição. A escrevivência e seus subtextos. In: DUARTE, C. L.; NUNES, I. R. (Orgs.). Escrevivência: a escrita de nós - reflexões sobre a obra de Conceição Evaristo. Rio de Janeiro: Mina Comunicação e Arte, 2020, p. 26-46., p. 30).

É crucial retomar essa definição para pensar a articulação com a pesquisa. Seja na perspectiva da história, da educação ou da psicanálise, esse princípio deve estar no horizonte, como uma questão preliminar, sem a qual o método se reduzirá a uma técnica vazia. Como a psicanálise também se propõe a efetuar o resgate de vozes recalcadas, poderíamos supor, a princípio, que esse exercício surgiria naturalmente em nosso campo. O problema é que a história nos mostra o contrário. Fanon (1950/2020FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas (1952). São Paulo: Ubu, 2020.) denuncia que o trabalho do colonialismo é tão forte que demanda um esforço adicional do pensamento para que algumas realidades sejam desveladas. No caso brasileiro, caracterizado pela neurose cultural (GONZALEZ, 1983/2020GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira (1983). In: RIOS, F.; LIMA, M. (Orgs.). Por um feminismo afro-latino-americano. Rio de Janeiro, Zahar, 2020, p. 75-93.), esse esforço precisa ser ainda mais contundente, para romper com o caráter encobridor do mito da democracia racial.

É por isso que precisamos das escrevivências, assim como de outras escritas insurgentes, porque elas fazem aquilo que a literatura tradicional não faz. Fazem aquilo que a própria fala do paciente na clínica corre sempre o risco de não fazer, se não há nenhuma fissura do pacto de silenciamento no laço social: trabalham com a linguagem de modo a subverter as históricas técnicas simbólicas de apagamento do negro, tanto de suas dores quanto de suas vidas e memórias. Evaristo destaca esse gesto de resgate da história escravocrata brasileira, que se apropriava do trabalho, do corpo e da própria voz das mulheres negras, furtando-lhe sua “liberdade de calar, silenciar ou gritar”, mas também se apropriando dessa voz, que se ocupava de contar histórias para fazer os filhos dos senhores, seus futuros carrascos, adormecerem docemente. “Foi nesse gesto perene de resgate dessa imagem, que subjaz no fundo de minha memória e história, que encontrei a força motriz para conceber, pensar, falar e desejar e ampliar a semântica do termo” (EVARISTO, 2020EVARISTO, Conceição. A escrevivência e seus subtextos. In: DUARTE, C. L.; NUNES, I. R. (Orgs.). Escrevivência: a escrita de nós - reflexões sobre a obra de Conceição Evaristo. Rio de Janeiro: Mina Comunicação e Arte, 2020, p. 26-46., p. 30) escrevivência.

Uma decolonização da psicanálise implica o reconhecimento da necessidade de um gesto político e de um esforço epistemológico que desloque o foco das subjetividades brancas hegemônicas para os modos de sofrimento das pessoas negras no Brasil, que são constitutivamente atravessados pelo racismo. Quando Fanon se interroga acerca do modo de transmissão inconsciente de uma identificação coletiva com a branquitude, ele descarta qualquer explicação relativa a um simbolismo arquetípico, de tipo jungiano, situando na literatura, nas revistas ilustradas, na repetição incessante dos estereótipos racistas os elementos determinantes para que o jovem negro se identifique “com o branco que traz a verdade aos selvagens” (FANON, 1950/2020FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas (1952). São Paulo: Ubu, 2020., p. 163). Diversos estudos (CAMPOS; FERES JÚNIOR, 2015CAMPOS, L. A.; FERES JÚNIOR, J. Televisão em cores? Raça e sexo nas telenovelas “Globais” dos últimos 30 anos. Textos para discussão do GEMAA, n. 10, p. 1-23, 2015. Disponível em: Disponível em: http://gemaa.iesp.uerj.br/wp-content/uploads/2015/12/images_publicacoes_TpD_TpD10_Gemaa.pdf . Acesso em:16 mar. 2023.
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; ROZA, 2019ROZA, Sandra Rita de Cássia. Novas e antigas formas de representar a mulher negra nas telenovelas: uma análise da personagem Raquel, de O outro lado do paraíso. Cadernos de Gênero e Tecnologia, Curitiba, v. 12, n. 40, p. 189-19, 2019. Disponível em: http://dx.doi.org/10.3895/cgt.v12n40.9476. Acesso em: 16 mar. 2023.
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; CANDIDO; FERES JÚNIOR, 2019CANDIDO, Marcia Rangel; FERES JÚNIOR, João. Representação e estereótipos de mulheres negras no cinema brasileiro. Revista Estudos Feministas, v. 27, n. 2, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1806-9584-2019v27n254549. Acesso em:16 mar. 2023.
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) mostram como as mulheres negras são abordadas no cinema e nas telenovelas a partir de estereótipos racistas que limitam sua subjetividade. Candido e Feres Júnior (2019CANDIDO, Marcia Rangel; FERES JÚNIOR, João. Representação e estereótipos de mulheres negras no cinema brasileiro. Revista Estudos Feministas, v. 27, n. 2, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1806-9584-2019v27n254549. Acesso em:16 mar. 2023.
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) citam 13 estereótipos sobre os/as negros/as encontrados na literatura, nos programas de TV e no cinema, dentre eles a “mãe-preta”, como mulher sofredora e abnegada; a “mártir”, mulher forte e resistente; a “mulata boazuda”, dentre outros. Collins (2019COLLINS, Patricia Hill. Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. São Paulo: Boitempo Editorial, 2019.) utiliza a noção de “imagens de controle” para referir-se a esses estereótipos, que teriam a função de naturalizar e justificar as violências racistas contra as mulheres negras. Beatriz Oliveira da Silva descreve o modo como essas imagens de controle operam a favor da depreciação de mulheres negras e propõe que as escrevivências vêm desmontar essas imagens, quando, por exemplo, “retomam a imagem da mãe preta de um outro lugar”, destacando muitos aspectos que “as imagens de controle não são capazes de capturar e de dominar” (SILVA, 2022SILVA, Beatriz Oliveira da. Por acaso não sou uma mulher? Sobre a depreciação de mulheres negras nas relações amorosas. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Psicologia Institucional, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2022. Disponível em: Disponível em: https://psicologiainstitucional.ufes.br/pt-br/pos-graduacao/PPGPSI/detalhes-da-tese?id=16484 Acesso em: 16 mar. 2023.
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, p. 65).

Conceição Evaristo mostra que sua literatura está atenta ao modo como as narrativas costumam apagar a subjetividade negra, situando-a como elemento coadjuvante em relação aos dramas das personagens brancas. Ela opera intencionalmente de modo oposto: os poucos personagens brancos que constrói são representados em seus espaços violentos de poder. Ela não procura “humanizar” essa violência, levando-nos a ter compaixão por suas ações racistas e dominadoras: “o branco surge e ocupa o lugar da crueldade; não salvo ninguém” (EVARISTO, 2020EVARISTO, Conceição. A escrevivência e seus subtextos. In: DUARTE, C. L.; NUNES, I. R. (Orgs.). Escrevivência: a escrita de nós - reflexões sobre a obra de Conceição Evaristo. Rio de Janeiro: Mina Comunicação e Arte, 2020, p. 26-46., p. 29), diz a autora. Ela cita o exemplo de Becos da memória, onde retrata a relação entre a doméstica Ditinha e sua patroa, Dona Laura. Na contramão da literatura hegemônica, quem está no centro da narrativa é a empregada Ditinha: “O estado emocional de Ditinha, os traços psicológicos da personagem são descritos... De Dona Laura pouco é dito; aliás, a patroa é descrita pelo olhar da empregada” (EVARISTO, 2020EVARISTO, Conceição. A escrevivência e seus subtextos. In: DUARTE, C. L.; NUNES, I. R. (Orgs.). Escrevivência: a escrita de nós - reflexões sobre a obra de Conceição Evaristo. Rio de Janeiro: Mina Comunicação e Arte, 2020, p. 26-46., p. 27).

Em sua discussão sobre a análise leiga, Freud admite que a formação do analista precisa contemplar dimensões que ele não encontra nem no saber acadêmico nem na sua própria clínica: “a instrução analítica abrangeria ramos de conhecimento distantes da medicina e que o médico não encontra em sua clínica: a história da civilização [com Fanon, podemos ler colonização], a mitologia [não apenas a judaico-cristã ocidental], a psicologia da religião [inclusive aquelas de matriz africana] e a ciência da literatura [incluindo aqui as literaturas negras]” (FREUD, 1926/2016FREUD, S. A questão da análise leiga (1926). In: FREUD, S. Fundamentos da clínica psicanalítica - Obras incompletas de Sigmund Freud. Belo Horizonte: Autêntica, 2016., p. 284). Se a psicanálise sempre admitiu que a literatura nos precede em relação ao desvelamento de dimensões complexas da experiência (FREUD, 1907/1996FREUD, S. Delírios e sonhos na Gradiva de Jensen (1907). Rio de Janeiro: Imago, 1996. (Edição standard das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 9)), penso que a escrevivência pode contribuir com a psicanálise de forma tripla: resgatando uma história sistematicamente apagada e que constitui as contradições da subjetividade brasileira; realizando esse exercício poético de circunscrevê-la sem reduzi-la, mantendo em aberto o indizível dessa experiência; e afirmando politicamente uma via de superação que extrai, de uma experiência singular, algo que nos remete à coletividade.

Subversão política - a voz de uma coletividade

Esse ponto introduz a dialética entre a lógica da coletividade e a singularidade captada na escuta de cada trajetória. Este é um grande desafio, em uma sociedade individualista, em que o empuxo ao narcisismo é algo constante: destacar um valor coletivo para as experiências vividas. Evaristo descreve poeticamente esse movimento:

A Escrevivência pode ser como se o sujeito da escrita estivesse escrevendo a si próprio, sendo ele a realidade ficcional, a própria inventiva de sua escrita, e muitas vezes o é. Mas, ao escrever a si próprio, seu gesto se amplia e, sem sair de si, colhe vidas, histórias do entorno. E por isso é uma escrita que não se esgota em si, mas, aprofunda, amplia, abarca a história de uma coletividade. Não se restringe, pois, a uma escrita de si, a uma pintura de si. (EVARISTO, 2020EVARISTO, Conceição. A escrevivência e seus subtextos. In: DUARTE, C. L.; NUNES, I. R. (Orgs.). Escrevivência: a escrita de nós - reflexões sobre a obra de Conceição Evaristo. Rio de Janeiro: Mina Comunicação e Arte, 2020, p. 26-46., p. 35).

Esse é um aspecto fundamental e que sempre foi um desafio para a psicanálise: como extrair de um caso único um saber que seja transmissível. Desafio também circunscrito por Lacan (1972-1973/1985LACAN, J. Mais, ainda (1972-1973). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. (O seminário, 20)) no sentido inverso: como inscrever a psicanálise no discurso universalista da ciência sem foracluir o real da experiência subjetiva? Se o matema foi a estratégia por ele escolhida para lidar com os impasses da formalização, ele também não deixa de reconhecer a potência do poema ou da lituraterra para circunscrever esse litoral entre o real do gozo e sua inscrição simbólica na linguagem (LACAN, 1971/2009LACAN, J. De um discurso que não fosse semblante (1971). Rio de Janeiro: Zahar, 2009. (O seminário, 18)). Tayná Celen aborda essa elaboração, destacando o quanto a potência da escrevivência pode ser demarcada para além da transmissão de um sentido histórico. Ela permite emergir “uma descontinuidade que somente a letra como litoral permite” (SANTOS, 2022SANTOS, Tayná Celen Pereira. A escrevivência como lituraterra. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2022. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/46973 . Acesso em: 16 mar. 2023.
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, p. 98), cernindo uma borda para o gozo relativo à insistência das lógicas de dominação colonial.

Se o discurso do analista, ao colocar o objeto a como agente, se institui como o avesso dos discursos de dominação (LACAN, 1969-1970/1992LACAN, J. O avesso da psicanálise (1969-1970). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992. (O seminário, 17)), a escrevivência renova essa operação em um domínio muito específico da escrita literária, destacado na experiência das mulheres negras brasileiras, lida por Gonzalez (1983/2020) como a experiência do resto excluído da lógica de dominação e que se atreve a assumir o ato de falar. Do mesmo modo, a escrita “é uma busca por se inserir no mundo com as nossas histórias, com as nossas vidas, que o mundo desconsidera”, reafirma Evaristo (2020EVARISTO, Conceição. A escrevivência e seus subtextos. In: DUARTE, C. L.; NUNES, I. R. (Orgs.). Escrevivência: a escrita de nós - reflexões sobre a obra de Conceição Evaristo. Rio de Janeiro: Mina Comunicação e Arte, 2020, p. 26-46., p. 35).

A história do movimento negro está cheia de experiências muito diversas que realizam operações semelhantes em outros campos. Destaco a proposta da profa Giovana Xavier, que trabalha em torno desse desafio na universidade. O título de seu livro já constitui uma provocação: Você pode substituir mulheres negras como objeto de estudo por mulheres negras contando sua própria história (XAVIER, 2019XAVIER, Giovana. Você pode substituir mulheres negras como objeto de estudo por mulheres negras contando sua própria história. Rio de Janeiro: Malê, 2019.). Saia do lugar de mestre e deixe que o objeto assuma a sua própria fala, com todos os riscos que esse gesto implica. Seu trabalho não deixa de se ancorar na ancestralidade de Conceição Evaristo, buscando ampliar, para a universidade, os avanços que a escrevivência trouxe para a literatura. Ela comenta que menos de 0,4% das doutoras que atuam em programas de pós-graduação no Brasil são mulheres negras, um problema generalizado das universidades, que impacta a vida de milhões de estudantes, cuja formação permanece distante da diversidade da população e reproduz os modelos brancos, masculinos e heteronormativos como pretensamente universais. E faz uma aposta em novas formas de produção acadêmica ancoradas nos saberes de mulheres negras: “conhecimentos ligados à memória, oralidade, histórias, trajetórias familiares e demais narrativas das classes trabalhadoras, desqualificadas pela mainstream” (XAVIER, 2019XAVIER, Giovana. Você pode substituir mulheres negras como objeto de estudo por mulheres negras contando sua própria história. Rio de Janeiro: Malê, 2019., p. 77).

A escrevivência é uma dessas vias de subversão epistemológica que revitaliza a subversão psicanalítica do sujeito abstrato da ciência, mas sobretudo propõe uma insurgência política: a experiência afro-brasileira das mulheres negras vem contar uma outra história que descompleta o caráter universal do mundo fálico. “Escrevivência não está para a abstração do mundo, e sim para a existência, para o mundo-vida. Um mundo que busco apreender, para que eu possa, nele, me autoinscrever, mas, com a justa compreensão de que a letra não é só minha” (EVARISTO, 2020EVARISTO, Conceição. A escrevivência e seus subtextos. In: DUARTE, C. L.; NUNES, I. R. (Orgs.). Escrevivência: a escrita de nós - reflexões sobre a obra de Conceição Evaristo. Rio de Janeiro: Mina Comunicação e Arte, 2020, p. 26-46., p. 35). Essa autoinscrição aparece como a possibilidade de que a história seja recontada por outras pessoas, cuja experiência da vida e do mundo são experiências intensas recolhidas na violência e nas alegrias do cotidiano. Histórias que, assim como em uma análise, precisam ser contadas e assumidas por um sujeito que se liberta do lugar que o Outro lhe reservou. Uma história autorreferenciada, em primeira pessoa, mas, nem por isso, narcísica. Cristiane Ribeiro aborda o “impasse entre ser tomado pelo discurso ou apropriar-se dele” (RIBEIRO, 2022RIBEIRO, C. S. Tornar-se negro, devir sujeito. Belo Horizonte: Agência de Iniciativas Cidadãs, 2022., p. 108), destacando que não se trata de um imperativo narcísico de dominação, mas da superação da violência que ser nomeado pelo Outro implica. “Nunca pensaria a escrevivência como possibilidade de domínio”, adverte Conceição. O que é escrever para alguém que nunca teve sequer a promessa de uma experiência de domínio, nem material nem simbólico? “Escrevivência, antes de qualquer domínio, é interrogação” (RIBEIRO, 2022RIBEIRO, C. S. Tornar-se negro, devir sujeito. Belo Horizonte: Agência de Iniciativas Cidadãs, 2022., p. 35), responde a autora. É nesse sentido que Evaristo faz questão de distinguir a escrevivência de outras modalidades de autoficção e escrita de si, justamente destacando o fato de que essa escrita que surge de uma autoria feminina, negra e pobre “assume o seu fazer, o seu pensamento, a sua reflexão, não somente como um exercício isolado, mas atravessado por grupos, por uma coletividade” (EVARISTO, 2020EVARISTO, Conceição. A escrevivência e seus subtextos. In: DUARTE, C. L.; NUNES, I. R. (Orgs.). Escrevivência: a escrita de nós - reflexões sobre a obra de Conceição Evaristo. Rio de Janeiro: Mina Comunicação e Arte, 2020, p. 26-46., p. 38).

Dessas elaborações, extraímos pelo menos três consequências para a aproximação entre psicanálise e escrevivência. 1) a escrevivência demanda um extenso trabalho subjetivo e de vida, que não é puramente intelectual, mas que diz respeito a uma dimensão real da experiência. Esse trabalho implica uma superação das estruturas coloniais que aprisionam a subjetividade. Se, por um lado, a escrita pode ser uma via para essa superação, ela não se sustenta sem uma experiência viva de onde extrai seu caldo e sua substância, que pode advir do sofrimento, mas também da ancestralidade, da leitura de autoras que atravessaram caminhos semelhantes, do encontro com lutas vivas que ocorrem nos espaços públicos. 2) O segundo ponto é consequência do primeiro, no sentido de que não se trata de uma relativização do saber ou um solipsismo. Não se trata apenas de um estilo de exposição em primeira pessoa, que pode cair na dimensão narcísica de uma experiência individualista. Do ponto de vista formal, a primeira pessoa nem é o mais importante, mas o movimento em que minha experiência faz esse exercício de apreender uma leitura própria do mundo. 3) O terceiro ponto é algo também caro à psicanálise, que demarca que o ser sexuado só se autoriza por si mesmo, não sem os outros. Ou seja, embora a escrevivência busque situar a dimensão política da coletividade, o laço coletivo não garante o exercício de despojamento das opressões coloniais: “uma transformação política pode ou não engendrar transformações subjetivas” (RIBEIRO, 2022RIBEIRO, C. S. Tornar-se negro, devir sujeito. Belo Horizonte: Agência de Iniciativas Cidadãs, 2022., p. 107). Embora os movimentos políticos sirvam de suporte e catalizador, a singularidade de cada trajetória não é apagada na escrevivência e se constitui como a possibilidade mesmo da insurgência de novas invenções, potentes o suficiente para renovar a força de superação coletiva do silenciamento.

Práticas de escrevivência em pesquisas psicanalíticas

A utilização das escrevivências implica certa liberdade autoral que deve, por óbvio, deparar-se com o rigor metodológico que constitua uma linha de conexão entre um trabalho teórico e uma escrita literária. Essa já era uma preocupação de Freud em seu trabalho de escrita de casos clínicos e de interpretação de sonhos, nos quais ele insiste “apesar das reprovações da ciência estrita” (FREUD, 1907/1996FREUD, S. Delírios e sonhos na Gradiva de Jensen (1907). Rio de Janeiro: Imago, 1996. (Edição standard das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 9), p. 19). Também tem sido uma preocupação de várias intelectuais negras, tanto para fazer frente à desqualificação racista quanto para alcançar, de fato, a inspiração política e epistemológica escrevivente.

Fernanda Felisberto (2020FELISBERTO, Fernanda. Escrevivência como rota de escrita acadêmica. In: DUARTE, C. L.; NUNES, I. R. (Orgs.). Escrevivência: a escrita de nós - reflexões sobre a obra de Conceição Evaristo. Rio de Janeiro: Mina Comunicação e Arte, 2020, p. 164-180.) descreve o quanto a noção de escrevivência está aberta às invenções de jovens pesquisadoras, conectadas com as conquistas ancestrais de mulheres negras que pavimentaram o debate teórico-político e abriram também vias de escrita. Nesse sentido, notamos todo um esforço para que a escrita de uma experiência abarque outras experiências em vez de apagá-las - o que é sempre um risco, já que somos atravessados pelas lógicas colonialistas. Construir uma pesquisa com escrevivência não é escrever qualquer coisa. As situações se modificam conforme a tomemos como um método de exposição ou construção textual ou mais diretamente como o próprio método de investigação ou intervenção. O mais importante, porém, é que a escrita esteja conectada com a vida de quem escreve, no sentido de amplificar sua voz e abrir vias de criação e de libertação dos modos coloniais de saber.

Felisberto (2020FELISBERTO, Fernanda. Escrevivência como rota de escrita acadêmica. In: DUARTE, C. L.; NUNES, I. R. (Orgs.). Escrevivência: a escrita de nós - reflexões sobre a obra de Conceição Evaristo. Rio de Janeiro: Mina Comunicação e Arte, 2020, p. 164-180.) enfatiza o elemento de empoderamento frente ao texto convencional, valorizando a autonomia e a autenticidade da escrita, que não se esconde em fórmulas que simulam neutralidade. Em pesquisas psicanalíticas que utilizam escrevivências, esses dois elementos metodológicos, de construção textual e de investigação, surgem entrelaçados, já que a relação da autora/pesquisadora com os sujeitos/objetos da pesquisa subverte o vetor tradicional de poder, acolhendo como saber não apenas a fala objetificada do outro. A fala acolhida se constitui como uma tradução das vivências, que se conectam com experiências coletivas e, portanto, também tocam a própria experiência da pesquisadora. Se importa o que o outro diz e escreve, também importa o modo como isso reverbera em mim e no saber já constituído, descompletando-o. Importa também o modo como utilizo a teoria para cernir a experiência, sem apagá-la ou formatá-la, e sobretudo o modo como escrevo essa construção, subvertendo os condicionamentos que o discurso universitário institui. Ainda resta um trabalho epistemológico a ser feito para formalizar esse encontro das escrevivências com a psicanálise. Alguns exemplos, entretanto, podem ilustrar modos de utilização que potencializem a subversão psicanalítica3 3 Fernanda Felisberto (2020) abre alguns caminhos, relatando diferentes e criativas formas de utilização das escrevivências por pesquisadoras que inovam, construindo conexões criativas, mas que também encontram na construção de um trabalho acadêmico um espaço de liberdade e de reencontro com elementos silenciados da própria negritude. Escolhi apresentar aqui algumas pesquisas que relatam espaços semelhantes construídos em diálogo com a psicanálise. . Cito dois exemplos em que a produção da escrevivência se dá no interior de uma pesquisa-intervenção, seguidos de dois outros oriundos de pesquisas mais autorais.

O coletivo Ocupação psicanalítica realizou uma série de conversações com estudantes universitários em torno de temáticas relativas ao racismo e à negritude. Nesse trabalho, as escrevivências foram situadas no momento de fechamento dos encontros de conversação, basicamente como um momento de decantação da experiência. “Utilizamos a escrevivência não apenas como técnica, mas sobretudo como inspiração político-metodológica”. O intuito foi “incentivar pessoas negras a contar suas próprias histórias, sempre silenciadas ou esquecidas” (SANTOS et al., 2022SANTOS, Tayná Celen Pereira. A escrevivência como lituraterra. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2022. Disponível em: Disponível em: https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/46973 . Acesso em: 16 mar. 2023.
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, p. 3). Nesse sentido, o trabalho das conversações desperta os afetos que se tornarão a matéria da escrita, mas o convite ao exercício da escrevivência torna-se também motor do desejo de tomar a palavra no coletivo.

Em outra pesquisa, também realizada pelo mesmo coletivo, as psicanalistas foram convidadas a escreviver livremente e apresentar seus escritos em encontros do grupo de pesquisa. Embora a escrita fosse livre, o próprio endereçamento a um coletivo antirracista instigava as autoras a compartilharem suas experiências com o racismo e com a negritude. Outros significantes que circunscreviam esse lugar de endereçamento, como os que marcavam o lugar da psicanálise e da universidade, também compareceram em quase todas as histórias, destacando trajetórias de encontro com o saber psicanalítico, com a negritude, com a universidade, dentre outras. O movimento, nesse caso, foi inverso: as conversações se deram após a leitura da escrevivência, realizada geralmente pela própria autora. Era o texto que produzia os afetos e experiências em torno dos quais a conversação se realizava. Após cada um dos encontros, outra psicanalista, que também havia participado da conversação, era convidada a escrever um texto de relatoria. Essa segunda escrita buscava recolher as reverberações teóricas, afetivas e políticas que a escrevivência havia ocasionado para as participantes que se manifestaram na conversação e para a própria relatora. Não era apenas um trabalho de reprodução nem de enquadramento teórico, mas um esforço de teorização e transmissão de algo vivo da experiência coletiva.

Os dois outros exemplos tiveram um cunho mais autoral, compondo pesquisas de mestrado que podem ilustrar o esforço para que a transmissão da vivência pessoal não apague a apreensão das experiências coletivas. Cristiane Ribeiro (2022RIBEIRO, C. S. Tornar-se negro, devir sujeito. Belo Horizonte: Agência de Iniciativas Cidadãs, 2022.) investigou o impacto que a luta política poderia ter no processo de tornar-se negro. Sendo ela mesma uma mulher negra oriunda da periferia de Belo Horizonte e atuante em movimentos sociais, tinha em sua trajetória um rico material para debater sua questão. Ela se utiliza de sua experiência, mas escolhe trazer também a experiência de outra mulher negra, Benilda Brito, dona de uma extensa trajetória de ativismo político em movimentos feministas e antirracistas desde a década de 1980. Destaca que Benilda também se aproximava das experiências relatadas por Neusa Souza em seu livro, por ser “uma mulher negra em ascensão social” (RIBEIRO, 2022RIBEIRO, C. S. Tornar-se negro, devir sujeito. Belo Horizonte: Agência de Iniciativas Cidadãs, 2022., p. 87) que transita em círculos de hegemonia branca. Cristiane Ribeiro realiza uma entrevista estruturada em torno da trajetória de Benilda e, em sintonia com a inspiração epistemológica das escrevivências, decide transcrevê-la na íntegra, contemplando a oralidade, a vivacidade e a originalidade da narrativa de Benilda, a quem convida a ler e aprovar a transcrição, colocando-se como coautora do texto.

Outra pesquisadora, Beatriz Oliveira da Silva (2022SILVA, Beatriz Oliveira da. Por acaso não sou uma mulher? Sobre a depreciação de mulheres negras nas relações amorosas. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Psicologia Institucional, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2022. Disponível em: Disponível em: https://psicologiainstitucional.ufes.br/pt-br/pos-graduacao/PPGPSI/detalhes-da-tese?id=16484 Acesso em: 16 mar. 2023.
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), realizou um trabalho sobre a depreciação das mulheres negras nas relações amorosas. Ela retoma o texto de Freud acerca da tendência masculina à depreciação na esfera do amor e o indaga acerca do modo como essa depreciação se situa em relação à diferença racial. Ela também considerava ter vivido experiências impactantes que poderiam ser evocadas na pesquisa, além de poder manter-se em uma investigação teórica, em um diálogo da psicanálise com autoras feministas negras. O encontro com as escrevivências, porém, influencia sua decisão de escutar também outras mulheres e suas histórias. Realiza então três entrevistas centradas em sujeitos, tal como descritas por Grada Kilomba (2019KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019.), para “examinar as experiências, autopercepções e as negociações de identidade descritas pelo sujeito e por sua perspectiva” (SILVA, 2022SILVA, Beatriz Oliveira da. Por acaso não sou uma mulher? Sobre a depreciação de mulheres negras nas relações amorosas. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Psicologia Institucional, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2022. Disponível em: Disponível em: https://psicologiainstitucional.ufes.br/pt-br/pos-graduacao/PPGPSI/detalhes-da-tese?id=16484 Acesso em: 16 mar. 2023.
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, p. 67). Seu modo de escrever as entrevistas foi um pouco diferente, mais descontraído e narrativo, como também foi o estilo de sua escrita nas outras seções teóricas. Também descreve a preocupação de não objetificar as mulheres e desqualificar as vozes e experiências: “como comentar essas narrativas, tão ricas e que falam tanto por si, sem tomar o discurso como ‘objeto’”? (ibidem, p. 88).

Outras formas de escrita, como cartas, crônicas e músicas, também vêm sendo consideradas formas possíveis de escrevivência. A própria escrita de casos clínicos, sobretudo aqueles que retomam a história de mulheres negras, poderia ser muito enriquecida se recorresse à dignidade que a escrevivência traz para as vozes negras, como nos indica Lílian Machado (2021MACHADO, Lilian Paula de Souza Alves. Escrevivências clínicas: violência sexual na vida de meninas negras - um triplo trauma. Dissertação de Mestrado, Curso de Mestrado em Psicologia Clínica, Universidade Católica de Pernambuco, Recife, 2021. Disponível em: Disponível em: http://tede2.unicap.br:8080/handle/tede/1547 . Acesso em: 16 mar. 2023.
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), ao cunhar o termo escrevivências clínicas. Seja a partir de uma conversação, de uma entrevista, de um relato biográfico ou um caso clínico, o essencial é que a teorização não apague a experiência e se inspire em alguns princípios da escrevivência e da psicanálise, dentre os quais: a) uma escrita que não é sem afeto, sem história e sem memória, de modo que imprimo nela também as vivências que o texto do outro faz reverberar em mim; b) uma escrita que abdica do lugar de dominação próprio ao saber universitário, para abordar a verdade como enigma, ou seja, para extrair do texto as questões capazes de interrogar a psicanálise e despertar o desejo de saber; e c) uma escrita que não é sem as outras, não é sem o coletivo.

Para concluir

Concluímos afirmando a importância de que o campo psicanalítico se abra para acolher a escrita de mulheres psicanalistas negras, como autoras de uma experiência que precisa urgentemente se ampliar. Nosso desejo foi contribuir com a consolidação da escrevivência como uma via de pesquisa, enfrentando as resistências acadêmicas ainda existentes e recolhendo subsídios para o diálogo com a psicanálise. Sugerimos que a inspiração ético-política escrevivente seja ampliada para outros métodos, como para os casos clínicos, as narrativas, as conversações etc. É importante que os métodos de pesquisa, além de abertos à escuta do inconsciente, estejam abertos aos atravessamentos coloniais que o constituem no Brasil, e aprendam, com as escrevivências, importantes estratégias de subversão e de resgate de memórias e histórias silenciadas.

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  • XAVIER, Giovana. Você pode substituir mulheres negras como objeto de estudo por mulheres negras contando sua própria história Rio de Janeiro: Malê, 2019.
  • 1
    As autoras também discutem a utilização da noção de testemunho para a elaboração de saber sobre o passe no final de análise. Segundo as autoras, os testemunhos de passe “modificaram a transmissão da clínica, antes centrada no relato do caso clínico em terceira pessoa (pelo analista) que passou a ser protagonizado pelo próprio analisante que viesse a público narrar a travessia de sua análise” (RIBEIRO; MOLLICA; CELEN, 2023, p. 184).
  • 2
    Para uma discussão sobre negritude, recomendamos o livro Negritude: usos e sentidos (MUNANGA, 2020).
  • 3
    Fernanda Felisberto (2020) abre alguns caminhos, relatando diferentes e criativas formas de utilização das escrevivências por pesquisadoras que inovam, construindo conexões criativas, mas que também encontram na construção de um trabalho acadêmico um espaço de liberdade e de reencontro com elementos silenciados da própria negritude. Escolhi apresentar aqui algumas pesquisas que relatam espaços semelhantes construídos em diálogo com a psicanálise.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    16 Mar 2023
  • Aceito
    02 Nov 2023
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