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As nações de maracatu e os grupos percussivos: as fronteiras identitárias

Resumos

Este artigo objetiva discutir as diferenças entre os maracatus-nação e os grupos percussivos, tendo como referência os sentidos da palavra "nação", e como ela foi ressignificada ao longo dos séculos XIX e XX. Também busca estabelecer diferentes questões para entender o maracatu-nação, a exemplo das suas fronteiras com os grupos percussivos bem como os sentidos de nação existentes nos maracatus "ditos tradicionais". Procura ainda definir o maracatu-nação mostrando suas fronteiras com os novos grupos da contemporaneidade, definidos como "grupos percussivos", e entender as diferenças bem como as tensões e negociações entre essas práticas culturais.

nação; maracatus-nação; grupos percussivos; cultura negra


This article discusses the differences between maracatu nations (maracatus-nação) and percussion groups, using as a reference the meanings of the word "nation," and how it has been resignified over time. The article addresses different issues in order to understand maracatu-nação, its boundaries with percussion groups, as well as the meanings of nation in the first maracatus that constitute the boundaries between them. It is in this aspect that the article seeks to define maracatu-nação by what it is not, demonstrating its borders with the new contemporary groups, defined as "percussion groups." In addition to understanding the differences between maracatus-nação and the percussion groups, the article also succeeds in understanding the tensions and negotiations between these cultural practices.

nation; maracatu-nação; percussion groups; black culture


  • 1
    1 Ivaldo Marciano de França Lima, Maracatus do Recife: novas considerações sob o olhar dos tempos, Recife: Bagaço, 2012.
  • 5 Carlo Ginzburg, História noturna: decifrando o sabá, São Paulo: Companhia das Letras, 1998. Neste trabalho, Ginzburg interroga-se sobre as permanências de mitos, ritos e símbolos em diferentes regiões do mundo.
  • 6 Apesar de ser assunto já muito referido, nunca é demais lembrar as discussões levadas a efeito por Carlo Ginzburg a respeito da importância do método indiciário para o conhecimento histórico. Ver: Carlo Ginzburg, Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história, São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
  • 7 Para conferir alguns dos trabalhos dos autores em questão, ver: Leonardo Dantas da Silva, "A calunga de Angola nos maracatus do Recife", in Leonardo Dantas da Silva (org.), Estudos sobre a escravidão negra (Recife: Massangana, 1988, v. 2);
  • Leonardo Dantas da Silva, "A corte dos reis do Congo e os maracatus do Recife", Notícia bibliográfica e histórica, n. 184 (2002), pp. 43-64;
  • Leonardo Dantas da Silva, "A instituição do rei do Congo e sua presença nos maracatus", in Leonardo Dantas da Silva (org.), Estudos sobre a escravidão negra;
  • Roberto Benjamin, "Congos da Paraíba", Cadernos de Folclore, n. 18, Rio de Janeiro: FUNARTE, 1977.
  • 8
    8 Beatriz Góis Dantas, Vovó nagô e papai branco: usos e abusos da África no Brasil, Rio de Janeiro: Graal, 1988.
  • 9
    9 Stefania Capone, A busca da África no candomblé: tradição e poder no Brasil, Rio de Janeiro: Pallas/Contracapa, 2004.
  • 10
    10 Luís Rodolfo Vilhena, Projeto e missão: o movimento folclórico brasileiro (1947-1964), Rio de Janeiro: Funarte/FGV, 1997;
  • Katarina Real, Eudes, o rei do maracatu, Recife: FUNDAJ/Massangana, 2001.
  • 11 Para conferir parte das opiniões de Benjamin sobre Afonso e o Leão Coroado, ver: Roberto Benjamin, "Dona Santa e Luiz de França: gente dos maracatus", in Vagner Gonçalves da Silva (org.), Memória afro-brasileira: artes do corpo (São Paulo: Selo Negro, 2004).
  • Discuti essa questão, mostrando que existem outras versões sobre o processo sucessório desse maracatu, a exemplo do desejo de Luiz de França em entregar o Leão Coroado a sua filha adotiva, além de declarações suas afirmando em outros momentos que desejava ter o Leão Coroado no "museu", junto com o Elefante de Dona Santa. Para conferir, ver: Ivaldo Marciano de França Lima, Identidade negra no Recife: maracatus e afoxés, Bagaço: Recife, 2009.
  • Sobre as declarações de Luiz de França e o seu desejo em ver o Leão Coroado no museu, ver: "Um leão sem coroa", Diário de Pernambuco, 14 de janeiro de 1996, Caderno Viver, p. 1.
  • 12 Sobre a Noite dos Tambores Silenciosos, ver: Isabel Cristina Martins Guillen, "Xangôs e maracatus: uma relação historicamente construída", Ciências Humanas em Revista, v. 3, n. 2 (2005), pp. 59-72;
  • Isabel Cristina Martins Guillen, "Noite dos Tambores Silenciosos: ritual e tradição entre os maracatus-nação do Recife", Anais Eletrônicos da 25ª. Reunião Brasileira de Antropologia. Goiânia, ABA/UFG/Universidade Católica de Goiás, 2006.
  • 13 Pierre Bourdieu, O poder simbólico, Lisboa: Difel, 1989.
  • 14 César Guerra-Peixe afirmou que os maracatus de orquestra estavam ligados à jurema, enquanto os de baque virado (nação) se relacionavam com o xangô. A partir de seu trabalho, essa relação se tornou "natural" e tem sido repetida como se constituísse uma regra geral. Ver: Guerra-Peixe, Maracatus do Recife, Recife: Prefeitura da Cidade do Recife/Irmãos Vitale, 1980.
  • 15 Para as diferenciações das experiências entre grupos e indivíduos no processo de constituição identitária, ver: Simona Cerutti, "Processo e experiência: indivíduos, grupos e identidades", in Jacques Revel (org.), Jogos de escala: a experiência da microanálise (Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998).
  • 16 Tomke Lask, "Apresentação", in Fredrik Barth, O guru, o iniciador e outras variações antropológicas (Rio de Janeiro: Contracapa, 2000), p. 11.
  • 17 Eric Hobsbawm, Nações e nacionalismo desde 1780, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998.
  • 18 Marilena Chauí, Brasil: mito fundador e sociedade autoritária, São Paulo: Perseu Abramo, 2000.
  • 19 Marina de Mello e Souza, Reis negros no Brasil escravista: história da festa de coroação de Rei Congo, Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002, p. 144;
  • Reginaldo Prandi, "A dança dos caboclos: uma síntese do Brasil segundo os terreiros afro-brasileiros", <http://www.fflch.usp.br/sociologia/prandi/dancacab.rtf>, acessado em 11/11/2012;
  • 20 Mary C. Karasch, A vida dos escravos no Rio de Janeiro, 1808-1850, São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
  • 21 Jacques Revel, "Microanálise e construção do social", in Revel (org.), Jogos de escala
  • 22 Vivaldo da Costa Lima, "O conceito de 'nação' nos candomblés da Bahia", Afro-Ásia, n. 12 (1976), pp. 65-90.
  • 23 Veja-se para a questão: Mariza de Carvalho Soares, "A 'nação' que se tem e a 'terra' de onde se vem: categorias de inserção social de africanos no Império português, século XVIII", Estudos Afro-Asiáticos, v. 2, n. 26 (2004), pp. 303-30.
  • 25 A designação de procedência no nome do escravo passou a constituir-se em prática efetiva ao longo do século XVIII. Para essa questão, ver: Mariza de Carvalho Soares, Devotos da cor: identidade étnica, religiosidade e escravidão no Rio de Janeiro, século XVIII, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000, pp. 96-7.
  • 26 Mariza de Carvalho Soares, "Mina, Angola e Guiné: nomes d'África no Rio de Janeiro setecentista", Tempo, v. 3, n. 6 (1998), p. 73.
  • 28 Maria Inês Côrtes Oliveira, "Quem eram os negros da Guiné? A origem dos africanos na Bahia", Afro-Ásia, n. 19/20 (1997), pp. 37-73.
  • 33 Sobre esta questão, ver também: Carlos Eugênio Líbano Soares, A negregada instituição: os capoeiras no Rio de Janeiro, Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 1994, p. 37.
  • 36 Sobre a origem étnica dos grupos de candomblé na Bahia, ver: João José Reis e Eduardo Silva, Negociação e conflito: a resistência negra no Brasil escravista, São Paulo: Companhia das Letras, 1999;
  • João José Reis, "Magia jeje na Bahia: a invasão do Calundu do Pasto de Cachoeira, 1795", Revista Brasileira de História, n. 16 (1988), pp. 57-81.
  • 40 Nina Rodrigues, Os africanos no Brasil, São Paulo: Nacional, 1932.
  • 44 Luis Nicolau Parés, A formação do candomblé: história e ritual da nação jeje na Bahia, Campinas: Ed. da UNICAMP, 2006, p. 15.
  • 45 Paul E. Lovejoy, "Identidade e a miragem da etnicidade. A jornada de Mahhomah Gardo Baquaqua para as Américas", Afro-Ásia, n. 27 (2002), pp. 9-39.
  • 46 Juliana Barreto Farias, Carlos Eugênio Líbano Soares e Flávio dos Santos Gomes, No labirinto das nações: africanos e identidades no Rio de Janeiro, século XIX, Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2005, p. 51.
  • 50 Manuela Carneiro da Cunha, Negros estrangeiros: os escravos libertos e sua volta à África, São Paulo: Brasiliense, 1985.
  • 51 Stuart Hall, "Identidade cultural e diáspora", Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n. 24 (1996), pp. 68-75.
  • 54 Martha Abreu, O Império do Divino: festas religiosas e cultura popular no Rio de Janeiro, 1830-1900, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, especialmente páginas 287-90;
  • João José Reis, "Tambores e temores. A festa negra na Bahia na primeira metade do século XIX", in Maria Clementina Pereira da Cunha (org.), Carnavais e outras f(r)estas (Campinas: Ed. Unicamp, 2005).
  • 55 Sobre maracatus e batuques no século XIX, ver: Clarissa Nunes Maia, Sambas, batuques, vozerias e farsas públicas: o controle social sobre os escravos em Pernambuco no século XIX (1850-1888), São Paulo: Annablume, 2008;
  • Marcelo Mac Cord, O Rosário de D. Antônio: irmandades negras, alianças e conflitos na história social do Recife, 1848-1872, Recife: FAPESP/Editora Universitária UFPE, 2005.
  • Sobre a migração dos maracatus para o carnaval, ver: Rita de Cássia Barbosa de Araújo, "Festas públicas e carnavais: o negro e a cultura popular em Pernambuco", in Luiz Sávio de Almeida, Otávio Cabral e Zezito Araújo (orgs.), O negro e a construção do carnaval no Nordeste (Maceió: EDUFAL, 1996).
  • Para o carnaval carioca, ver: Maria Clementina Pereira da Cunha, Ecos da folia: uma história social do carnaval carioca entre 1880-1920, São Paulo: Companhia das Letras, 2001;
  • Rachel Soihet, A subversão pelo riso, Rio de Janeiro: FGV, 1998.
  • Para o carnaval na Bahia, ver: Peter Fry, Sérgio Carrara e Ana Luiza Martins Costa, "Negros e brancos no carnaval da velha república", in João José Reis (org.), Escravidão e invenção da liberdade: estudo sobre o negro no Brasil (São Paulo: Brasiliense, 1988).
  • 56 Pereira da Costa, "Folk-lore pernambucano. Subsídios à história da poesia popular em Pernambuco", Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, tomo LXX, parte II (1908).
  • Sobre Pereira da Costa e os maracatus, ver: Ivaldo Marciano de França Lima, "Práticas e representações em choque: o lugar social dos maracatus na cidade do Recife, nos anos de 1890-1930", Clio, Série História do Nordeste, v. 1, n. 21 (2003), pp. 85-106.
  • 58 Oscar Melo, Recife sangrento, Recife: Edição do Autor, 1953, especialmente as páginas 139-42.
  • Sobre Adama, ver: Ivaldo Marciano de França Lima, "Adama e Nascimento Grande: valentes do Recife da Primeira República", Cadernos de Estudos Sociais, v. 22 (2006), pp. 49-61;
  • Israel Ozanan de Souza Cunha, "Capoeira e capoeiras entre a Guarda Negra e a Educação Física no Recife" (Dissertação de Mestrado em História, Universidade Federal de Pernambuco, 2013).
  • 59 Maia, Sambas, batuques, vozerias; Sylvia Costa Couceiro, "Artes de viver a cidade. Conflitos e convivências nos espaços de diversão e prazer do Recife nos anos 1920" (Tese de Doutorado em História, Universidade Federal de Pernambuco, 2003).
  • 60 Rita de Cássia Barbosa de Araújo, Festas: máscaras do tempo, Recife: Fundação de Cultura da Cidade do Recife, 1996, especialmente cap. IV, "No frevedouro da República".
  • Sobre a noção de teatro, ver: E. P. Thompson, As peculiaridades dos ingleses e outros artigos, Campinas: Ed. da UNICAMP, 2001, p. 241 e passim.
  • 62 Francisco Mateus Carvalho Vidal, "A fresta do Estado e o brinquedo para os populares: histórias da Federação Carnavalesca Pernambucana" (Dissertação de Mestrado em História, Universidade Federal de Pernambuco, 2010).
  • Para esse debate em 1947, ver: Gilberto Freyre, "Carnaval do povo. Carnaval de Federação", Diário de Pernambuco, 08 de janeiro de 1947.
  • 63 Katarina Real, O folclore no carnaval do Recife, Recife: Fundação Joaquim Nabuco/Massangana, 1990.
  • 64 Sobre os maracatus rurais, ver: Roberto Benjamin, "Maracatus rurais de Pernambuco", in Américo Pellegrini Filho (org.), Antologia de folclore brasileiro (São Paulo: Edart, 1982), pp. 199-212;
  • Mariana Cunha Mesquita do Nascimento, João, Manoel, Maciel Salustiano: três gerações de artistas populares recriando os folguedos de Pernambuco, Recife: Reviva, 2005.
  • 65 Guerra-Peixe, Maracatus do Recife, p. 23. Tal questão influenciou sobremaneira os estudiosos que lhe seguiram nas pesquisas sobre os maracatus-nação, e a relação estabelecida por Guerra-Peixe sequer foi questionada e ainda hoje é aceita como tal, inclusive entre alguns maracatuzeiros que afirmam terem vínculos apenas com a religião dos orixás, negando qualquer tipo de vínculo com a jurema. Sobre a questão da "pureza africana e nagô" nas religiões de divindades e de entidades, ver: Dantas, Vovó nagô; Roberto Motta, "A invenção da África: Roger Bastide, Édison Carneiro e os conceitos de memória coletiva e pureza nagô", in Tânia Lima (org.), Sincretismo religioso: o ritual afro. Anais do IV Congresso Afro-Brasileiro (Recife: Massangana/Fundaj, 1996), pp. 24-32;
  • Roberto Motta, "Antropologia, pensamento, dominação e sincretismo", in Sylvana Brandão (org.), História das religiões no Brasil, v. 3 (Recife: Ed. da UFPE, 2004), pp. 487-523.
  • Sobre a questão da dominação iorubá (nagô), ver: Lívio Sansone, "Da África ao afro: uso e abuso da África entre os intelectuais e na cultura popular brasileira durante o século XX", Afro-Ásia, n. 27 (2002), pp. 249-69.
  • 66 Barth, O guru, o iniciador, p. 26.
  • 67 Lívio Sansone, Negritude sem etnicidade, Rio de Janeiro: Pallas; Salvador: EdUFBA, 2004.
  • 68 Giovanni Levi, "Usos da biografia", in Marieta de Moraes Ferreira e Janaína Amado (orgs.), Usos & abusos da História oral (Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1996), p. 173.
  • Ver ainda: Pierre Bourdieu, "A ilusão biográfica", in Ferreira e Amado (orgs.), Usos & abusos;
  • Sabina Loriga, "A biografia como problema", in Revel (org.), Jogos de escala
  • 69 Victor W. Turner, O processo ritual: estrutura e anti-estrutura, Petrópolis: Vozes, 1974.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jul 2014
  • Data do Fascículo
    Jun 2014

Histórico

  • Recebido
    18 Abr 2013
  • Aceito
    21 Jun 2013
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