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Em torno da economia gafeeira

Em torno da economia gafeeira

(Aula inaugural proferida pelo Prof. Érico da Rocha Nobre ao iniciar-se o ano letivo de 1945)

A Técnica e a Ciência, em suas modernas aplicações à exploração das forças biológicas dos organismos vegetais e animais, elevaram quase ilimitadamente as possibilidades de produção capitalista da Agricultura. Essa revolução agrária não só reduziu a quantidade necessária de forças de trabalho humanas, como, ainda, criou a possibilidade de se subministrarem produtos e serviços a todas as outras formas de atividade econômica e ofereceu à Sociedade as horas disponíveis de que se não prescinde na obra de rehabilitação intelectual e física da gente do campo.

A Economia Rural tem, no dominio de suas múltiplas-aplicações, a importantíssima missão de orientar essa mais elevada capacidade de rendimento, conduzindo-a para os setores que estadeiam maior relevo para o bem-estar social da humanidade. Seu papel é, por isso, tão importante quanto possa sê-lo o da Ciência e a Técnica, pois procura utilizar-se do tempo poupado para o aperfeiçoamento das populações agrárias e a melhoria de suas condições de vida, mediante tentativas sempre renova- das de prover a uma distribuição mais equitativa dos produtos e do rendimento do trabalho.

Nada de mais palpitante atualidade, portanto, do que uma nação qualquer se familiarizar com os problemas econômicos. 25 que eles são fundamentais. A própria imprensa diária alude constantemente às questões de produção e de estabilização dos mercados, às invenções que revolucionam as normas do capitalismo moderno, à economia planificada, ao nacionalismo econômico das agressivas tarifas alfandegárias, ao caos financeiro, à inflação e ao poder aquisitivo de moedas aviltadas, à racionalização do trabalho e às discutidas leis que regem a vida econômica dos povos. E surgem as polêmicas aceradas pelo fanatismo de ideologias visceralmente antagônicas e irreconciliáveis. Individualismo ou Socialismo? Capitalismo ou Coletivismo? Liberdade em matéria de atividade econômica ou, ao contrário, rigorosa intervenção estatal, a orientar, disciplinar, dirigir ou planificar a economia nacional? Agrarismo ou Industrialismo?

Eis um punhado de graves questões, que interessam a todos indistintamente, inclusive ao Brasil e à sua economia rural. Em nosso pais, estamos assistindo ao dinamismo duma civilização nacional em mudança, que se desdobra nesse decidido e conciente abandono dos velhos estágios de organização econômico-social, específicos duma fase estéril de colonialismo econômico, para acorrer à inauguração auspiciosa de quadros novos de economia capitalista, que significa fase mais avançada e mais consentànea ao farto acervo de riquezas estáticas que possuímos.

Tem sido penoso nosso esforço para valorizar e tornar dinâmicos os recursos naturais que se contém na imensa base ílsica da economia brasileira. E quem se adentra pelas páginas da história econômica do Brasil, deletreando-as desde os primeiros tempos de sua formação, nos idos distantes do ciclo do pau-de-tinta, até os nossos dias, não pode deixar de impressionar-se com a série de batalhas comerciais que vimos perdendo constantemente e com o atrazo da formação de capitais nacionais em relação ao crescimento da nossa população.

A história da economia brasileira é, porisso mesmo, a da periodicidade de "records" sensacionais, caracterizada por uma seqüência de flutuações, que nos impressiona desfavoràvelmenle. É que ela tem constituído, na realidade, a história do aparecimento e desaparecimento, por assim dizer, de sistemas econômicos inteiros, em que uma nação possa assentar as fundações de sua existência. E a característica principal de nossa evolução econômica tem sido a permanente mudança das condições desses produtos que, encarados como fautores decisivos da prosperidade brasileira, poderíamos chama-los, com muita propriedade, nossos produtos-reis. O açúcar, o cacau, o ouro, o fumo, o algodão, a borracha e o café, cada qual deles tem seu lugar na história econômica do Brasil e foi, cada um de per si e em sua respectiva época, o esteio da economia nacional ou estadual, dando ao nosso pais a supremacia mundial temporária.

Nesse particular, poderíamos afirmar que a história econômica de nossa Pátria se representa, em muitos de seus mais impressionantes capítulos, com o diagrama geométrico da febre dessoradora desses brasileiros impaludados e hiponutridos que, com a miséria triste de seus corpos emagrecidos, têm perlongado, em todas as épocas, as imensidades dos nossos selvosos sertões, em busca de melhores dias de vida e de fortuna, nessa luta épica de ajustamento da hihterlandia à economia monetária - condição preliminar, indispensável, para a criação dum grande mercado interno..

No século da mineração, que contribuiu em definitivo para a constituição da unidade política do pais, fazendo convergir para seu centro a atenção e os interesses que um determinismo geográfico perigoso parecia estar separando, não pudemos tirar partido das fabulosas riquezas em ouro e em pedrarias, então extraídas pela irrefreável cupidez mercantilista duma civilização que viera desventrar a terra, onde se escondiam os tesouros cobiçados desde os dias pretéritos do histórico périplo de Martim Affonso... Tesouros que haviam criado, no escaldante cérebro do ilustre D. Francisco de Souza - o admirável impulsiõnador do arrojado bandeirismo paulista - a miraculosa llusão da Sabarabuçu, essa galopante quimera duma montanha toda de ouro, que atraia para seu rutilante topo toda a ganância gulosa dos que haviam emigrado do reino lusitano à procura, na América opulenta e promitente, duma outra Cólquida, onde poderiam redoirar as suas posses esmaecidas, que a desastrosa perda da índia havia deixado perdidas no horizonte quinhentista e que a irreparável tragédia de Alcacer-Kibir havia definhado...

Não pudemos usufruir a opulência de tais e tamanhas, benesses, porque tão pouco soube Portugal fortalecer com alas seu aparelhamento econômico. Motivos de ordem política, mas, sobretudo, á ignorância e a incompreensão desses problemas vitais de travejamento duma próspera economia nacional, haviam-no feito assinar, em 1703, o famoso tratado de Methuen, que tornou-'Portugal é suas colônias meros tributários da poderosa' indústria britânica. Porisso, e fundamentalmente, foi o Brasil, durante largo período de sua vida, simples membro não oficial do império econômico da Grã-Bretanha. E o ouro extraído de nossas pletorioas minas, que, naquele ciclo de nossa economia, representava mais de 45% de todo o metal precioso produzido em terras de Colombo, nos últimos 300 anos, e, ainda, mais do que a totalidade produzida pelos demais continentes nesse período, contribuiu tão somente para o enriquecimento da Inglaterra e de outras nações em. que havia indústrias, e concorreu, inquestionavelmente, pelo, fecundo incentivo que trouxe às manufaturas, para a intensificação do capitalismo que se vinha emulando com a revolução industrial inglesa.

Terminado o ciclo do ouro, sofreu o Brasil uma das mais severas crises que jamais atravessou e o velho Portugal viu-se, dum instante para outro, sem equipamento técnico e econômica erpior do que tudo isso, sem fonte de renda que lhe jorrava em cornucopias abundantes.

Ainda não foi estudada em toda a sua profundidade a crise brasileira de reajustamento, que se estende de 1780 a 1845. Fechado praticamente o ciclo da mineração, tivemos que regressar ao ciclo puramente agro-pastoril dos primeiros tempos, Pode, assim mésmo, o Brasil superar as tormentosas atribulações da época, que era a de plena crise de nosso fatal desenvolvimento econômico, até que a cultura de café rios permitiu lobrigar novas e alentadas esperanças, que mais tarde iriam materializar-se na realidade de que, há bem pouco tempo ainda, era o Brasil um país de monocultura tradicional do café, com seu comércio externo dominado pelo vultoso contingente de mais de 70% desse produto.

É justificadamente necessário, destarte, que, pelas perspecttvas mais golpeantes de nossa história econômica, restituamos aqui a cultura da rubiácea ao nível e ao ponto que lhe cabem no quadro de nossa prosperidade material. É necessário ainda, principalmente nos dias atuais que, como já vos apontei, espelham rumos iniludíveis abraçados pela evolução do povo brasileiro. Evolução que procura ser um combate sem tréguas ao nosso colonialismo de economia tropical, mediante a exploração técnica das esplêndidas virtualidades do nosso território.

Foi com o café, nossa riqueza básica, que contámos para prover as necessidades Urgentes do equipamento econômico da nação. E o café, placenta fecunda desse pouco de riqueza e civilização que temos usufruído, propiciou-nos os recursos para valorizarmos nossas terras, melhorarmos nossas vias de comunicação, criarmos maior volume de utilidades exportáveis, administrarmos, sanearmos e educarmos, em suma, a nossa gente. A marcha do café, das fazendas da Baixada Fluminense e marginais do rio Paraíba, às barrancas do Paraná, constitui verdadeira epopéia, em cuja descrição se têm emulado os mais autorizados escritores patrícios. É que êle foi o derradeiro dos vitoriosos penetradores a desvendarem as terras gordas de húmus do Sul do Brasil. A caça ao ameríndio e a busca do ouro e das pedras preciosas rasgaram selvagíneos sertões, deixando apenas caminhos e picadas, exceção feita para certas zonas de Minas Gerais, onde um tipo novo de civilização conseguiu formar-se. No dia, porém, em que o ouro de aluvião escasseou, e os diamantes, e as esmeraldas, e as outras gemas preciosas, deixaram de aflorar à terra com a generosa freqüência das grandes épocas, vieram a decadência e a migração das populações que se entregavam a rendosa faina de falsear e batear.

O café, ao contrário, teve a enorme valia de fixar econômica e socialmente o homem à terra e estabelecer uma forma menos instável de civilização, em grande parte do nosso desmedido chão. E caminhou a passo de parada, alargando; mais e mais, nossa "moving frontier". O Estado de São Paulo, a cuja extraordinária terra roxa o arbusto se integrou definitivamente, disseminando-se por todos os recantos desta gleba excepcional e investindo, com seu bilhão e meio de cafeeiros, contra as matas multi-seculares da Sorocabana e da Noroeste, São Paulo, repetimos, deve o dinamismo de seu invejável progresso; que tanto o distancia, atualmente, das demais unidades da Federação, ao milagre desse "ouro púrpuro".

O panorama do crescimento paulista passou a desdobrar-re ante nossos olhos envaidecidos num cenário de colinas é es-pigões riscados caprichosamente por cafezais de tamanho inabarcável. Nas primitivas zonas de cultivo, já desapareceram ou tendem a desaparecer. Mas, as culturas novas, criadas mais além pela operosidade do paulista, foram garantindo o papel do Brasil como fornecedor principal dos mercados de consumo do mundo inteiro. Mais do que isso até. Aumentaram sempre, sensivelmente, de sorte a conquistarem para nós o primeiro lugar, numa hegemonia absoluta do mercado internacional. Não passando de simples amostra, nos idos recuados de 1798, quando o bergantim "Nossa Senhora do Carmo Leão'': transportava apenas sete sacas de café, avaliadas então em: 1001200, no entretanto, há bem poucos anos 3/5 ou mais da produção mundial de café procediam do Brasil e cerca de 2/5 do total mundial provinham do Estado de São Paulo.

Todavia, estamos ameaçados de perder essa esplêndida posição. Graves erros cometeram-se com a conhecida política de "Defesa permanente do Café". Descuraram-se preceitos dos mais importantes, que falam de perto a uma orientação sã e inteligente do fomento da economia nacional. Adotaram-se medidas defensivas da economia cafeeira do Brasil que, afinal de contas, não redundaram no manancial de benefícios que sé esperavam. Ao se encarar, primitivamente, o problema do controle do café, não levámos em aprêço certas distinções absolutamente indispensáveis, quer quanto aos objetivos concretos desse controle, quer quanto ao período durante o qual êle deveria operar, O objetivo central, exclusivo, dos nossos esquemas nacionais foi, a princípio, a elevação dos preços ,e, em seguida, a estabilização deles a níveis tais qué, incoercívelmente, redundariam em danos severamente ruinosos para a economia nacional, como de fato aconteceu. Visaram-se apenas os interesses dos nossos produtores e esqueceram-se os dos consumidores, na ignorância, talvez, de que há, no campo da economia capitalista, estreita solidariedade da Produção com o Consumo. De sorte que não só não cogitámos da participação efetiva dos países consumidores em nossos esquemas de controle, como, pior do que tudo isso, fracassámos em assegurar um acordo internacional entre os países produtores, acordo que resolvesse questões improtraíveis, tais como a disposição regular das sobras temporárias ou persistentes, a melhoria das práticas da comercialização externa da produção e a maior intensificação da procura para o produto. Tem-se até a impressão de que nos faltou, oportunamente, o necessário grau de perspicácia econômica, que evitasse esse drama paradoxal da destruição pura e simples de quase 80 milhões de sacas de café, que representam a perda irreparável de alguns polpudos bilhões de cruzeiros. O drama do café brasileiro confirma, assim, o conceito ao americano Vanderlip, segundo o qual a metade dos males do mundo se deve ao desconhecimento das leis econômicas.

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Os fundamentos da cultura cafeeira, no Brasil, foram lançados no período colonial Seu grande desenvolvimento foi, porém, obra do Império. Em 1822, quando proclamámos nossa independência política, o café exportado pelo nosso pais não passava de 186.000 sacas. Na safra de 1833-34, isto é, pouco mais de 70 anos após sua chegada ao Rio de Janeiro, alcançou a elevada cifra de 1.120.000 sacas. E, ao ser proclamada a República, em 1889, ascendeu a 5.586.000 sacas. As plantações feitas nos últimos anos dó 2.o Império e nos primeiros dá República foram tantas que, ao iniciar-se o século XX, o Brasil se tornara o fator dominante no comércio mundial do café. É a partir dessa época, como iremos ver com certo detalhe, que se inaugurou a política de intervenção oficial no âmbito da economia cafeeira.

O café esteve sujeito a controles artificiais por períodos mais longos do que qualquer outra mercadoria de importância mundial. Até o "Inter-American Coffee Agreement", também conhecido por "Convênio de Washington", celebrado em 1940, foram eles sobretudo tarefa do Brasil, embora várias mal sucedidas tentativas houvessem sido feitas para estendê-lo a outros países produtores de café, isso mais recentemente em 1936 e 1937.

Os efeitos das atividades brasileiras, abarcando quase quatro décadas, foram inevitavelmente internacionais em seu caráter e em sua repercussão. Em muitos casos, as medidas de controle se apresentaram como realmente bem sucedidas, a-pesar de que, retrospectivamente, certos sucessos parecessem grandemente adventícios. As subsequentes medidas de controle, muito ambiciosas, foram fracassos literalmente desastrosos. A experiência, em sua totalidade, constitui o tópico nuclear desta aula inaugural, pela luz que pode lançar sobre a produção e o comércio.

Acentuadas variações na produção brasileira e as repercussões concomitantes sobre os preços do produto, os rendimentos, dos lavradores e o bem-estar econômico do país, levaram, inicialmente, à politica de se manter certo controle do mercado e dos preços. Retirando, quando da superveniência das grandes safras, as ofertas que excedessem as exigências normais do consumo, e libertando-se, em seguida, os estoques durante os anos de relativa escassez, esperava-se influir favoravelmente sobre os preços e as rendas brutas dos lavradores, estabilizando-as.

Mas, essas nossas primitivas experiências, conhecidas como "esquemas de valorização", procuraram, também, elevar os preços do café, pela adoção de medidas temporárias, que superassem as condições anormais emergentes. Somente depois, do colapso de após-guerra, em 1920, e da safra relativamente grande de 1920-21, é que surgiram as condições que levaram a um plano de controle contínuo, sistema que se passou a cha- mar de "Defesa do Café", pelo qual o Brasil pretendeu neutralizar a influência das variações do volume das safras sobre os preços de curto período auferidos pelo produtor.

Embora a primitiva experiência com as valorizações seja agora de interesse principalmente histórico, é desejável um sumário breve para melhor compreensão dos controles posteriores, mais ompletamente desenvolvidos, que foram ensaiados na vigência da política de "Defesa do Café".

AS VALORIZAÇÕES

Grandes variações anuais da oferta e uma procura, em curto período, .altamente inelástica, foram as circunstâncias que inspiraram nossas tentativas de exercermos o controle da produção e do comércio do café, para diminuirmos as bruscas oscilações dos preços de mercado e contarmos, assim, com mercados mais ou menos estabilizados. As experiências iniciais tornaram-se exeqüíveis porque o nosso país dominava a produção e o comércio de café do mundo. Outro fator importante, que tornou possível a política de valorização, se encontra no caráter mesmo da produção. É que o café pode ser armazenado por períodos suficientemente longos, de sorte que torna praticávèl a manipulação de grandes estoques.

No fim do sécuo passado, já o dissemos aqui, o Brasil se tornara o fator dominante do comércio mundial de café. A despeito da depressão do decênio de 1890-1900, os anos desse período foram geralmente prósperos pára os nossos lavradores. Durante a primeira metade da década, os preços do café foiram altos em moeda americana è os nossos cafeicultores lucraram posteriormente com o declínio do valor da nossa moeda, declínio qüe começou depois da queda do Império, em 1889. Uma vez que fora abolida a escravatura, nó ano anterior, com a oposição de certa parte da classe rural, a revolução de 1889 encontrou apoio, triunfando facilmente. Nossa unidade monetária valia cerca de 60 cents nessa ocasião, mas caiu a perto de 15 cents, e ml897. Os custos para os fazendeiros (em têrmos de mil reis) aumentaram muito pouco, ao passo que as vendas pára o exterior (em termos dè ouro) resultaram em os fazendeiros receberem um grande aumento na soma de mil réis por dada quantidade de café. As exportações aumentaram rapidamente; abandonou-se à diversificação da produção agrária, para novos cafezais surgirem. Em 1900-01, havia mais do que o triplo de árvores em produção, só no Estado de São Paulo, em relação a 1890-91. A produção cafeeira do Brasil havia duplicado numa década.

Colheitas maiores, iniciando-se em 1896-97, refletiram as novas plantações dos anos anteriores. Em 1897, os preços do café, em Nova York, haviam caído a menos da metade do nível que prevalecera no início da década. No final do século, o valor do mil réis começou a subir e os poucos anos de grande prosperidade da lavoura chegaram a um fim abrupto. A safra de 1901-02 foi superior a 16 milhões de sacas, a maior então registrada, comparada -com u'a média de cerca de 6 milhões de sacas no começo de 1890. Os preços, no "New York Coffee Exchange", caíram ao mais baixo nível jamais registrado, seguindo-se o pânico. Uma Conferência Internacional do Café, reunida em 1902, fracassou em sua tentativa de se tomarem medidas adequadas para a debelação da crise. Plantações novas foram proibidas em São Paulo, mas não foram tomadas resoluções afetivas para se contornarem as dificuldades oriundas da severa depressão. Avolumou-se a agitação dos interessados pe-lo auxílio governamental, até que o Estado de São Paulo adotou oficialmente, em 1905, uma política de valorização, quando se tornou provável que a safra de 1906-07 seria uma colheita "record" em seu volume. Promoveu-se, assim, o "Convênio de Taubaté".

Três quartos da safra de 1906 estavam no Estado de São Paulo. Propoz-se a destruição de parte dela, mas não se tornou um caráter efetivo do esquema de valorização. Ao contrário, São Paulo assumiu à responsabilidade de comprar café nos mercados mundiais, armazená-lo e revendê-lo mais tarde, ao mesmo tempo que continuando nas primitivas restrições de novas culturas de café. Não logrando assegurar a cooperação efetiva dós Estados vizinhos produtores, Minas Gerais e Rio de Janeiro, signatários do Convênio, São Paulo logo verificou que, sozinho, lhe seria, financeiramente, impossível o levar a uma conclusão afortunada o programa, que se traçara, de defesa dos preços. Certa assistência foi, então, assegurada por parte do Governo Federal e, finalmente, os banqueiros estrangeiros forneceram o numerário necessário para permitir ao Estado a continuação do programa de compras e armazenamento do café. No fim de 1907, São Paulo possuia cerca de 8 milhões de sacas. Compras ulteriores, tornadas possíveis por um empréstimo externo de 15 milhões de libras esterlinas, trouxeram o total a quase 11 milhões de sacas. Os preços começaram a subir em 1908 e as vendas reduziram o estoque do Governo paulista a perto de 7 milhões de sacas em 1909 e a aproximadamente 3 milhões em 1914. O estoque remanescente, detido sob o esquema de valorização, foi gradualmente escoando-se nos anos subsequentes.

Um importante caráter desse primeiro esquema de valorização foi o esforço para controlar a produção, esforço esse paralelo ao para amparar os preços. Náo só foram proibidas novas plantações em importantes zonas, mas uma das condições para a obtenção de novos créditos, imposta pelo grupo de banqueiros internacionais, em 1908, foi a tarefa de restringir a 'produção e as exportações. É bem possível que a proibição de novas culturas de café, em São Paulo, pelo espaço de 10 anos, a partir de 1902, tenha sido em larga medida o elemento responsável pelo estabelecimento e Sucesso favoráveis do esquema. O consumo estava éxpandindo-se, de sorte que em face dum crescimento náo muito importante da capacidade produtiva, era apenas uma questão de tempo o se conseguir o salutar equilíbrio entre a oferta e a procura.

Os preços do café, cuja média estava um pouco acima de 6 cents por libra, para o Rio tipo 7, em Nova York, durante os unos de 1907 e 1908, subiu prontamente, nos anos seguintes, a um nível médio de 14 cents, em 1912. Essa alta deu ensejo a que se promovesse uma investigação do Congresso dos Estados Unidos. Nessa ocasião, o Senador Norris, de Nebraska, mostrou que a valorização brasileira estava custando ao povo americano 35 milhões de dólares por ano.

É provável que os preços, mesmo sem o esquema de valorização, não permanecessem nos níveis baixos característicos do começo do século, tanto mais que o consumo excedeu à produção durante a maior parte do período. A rapidez da alta, porém, foi sem dúvida devida às medidas de controle empregadas. Não é fácil julgar-se o que teria acontecido se não tivesse havido a intervenção. É certo que os consumidores foram constrangidos a pagar mais pelo café, durante esse período, e, evidentemente, não concordaram com isso. Mas, contra esse fato, há a considerar a possibilidade de que, sem a valorização, tivesse desaparecido bom número de milhões de cafeeiros, tal como está acontecendo atualmente, criando assim uma deficiência da oferta que obrigasse os preços a se elevarem mais do que realmente aconteceu. Os efeitos significativos de tudo isso foram que os interesses cafeeiros, no Brasil, adquiriram grande confiança nos méritos da valorização e que o próprio Gvêrno Federal se tornou menos relutante em participar em tais assuntos.

Durante a primeira Guerra Mundial, o mercado da Euro- pa central foi eliminado pelo bloqueio inglês e as importações pelas Potências Aliadas foram restringidas grandemente. Os estoques começaram a acumular-se em nosso pais. A colheita de 1917-18 prometia ser de 3 milhões de sacas superior à antecedente e os preços em Nova York cairam rapidamente, no segundo semestre de 1917. O Estado de São Paulo tomou nova-' mente a iniciativa de sustar a baixa, dos preços, para o que realizou uma operação de empréstimo junto ao Govêrno Federal, aplicando-a na compra de 3 milhões de sacas de café. As safras dos dois anos seguintes foram as menores do século. A procura reforçou-se no fim da guerra, os preços se elevaram.espetacularmente em 1919 e o café valorizado foi vendido com enormes lucros. Embora muitos lavradores se arruinassem com a grande geada de 1918, aina receberam um preço muito melhor pela safra de 1917-18, do que se poderia esperar de outra forma. A geada não só reduziu grandemente a colheita de 1918, como ainda deixou prever a colheita extremamente pequena do ano seguintes, o que assegurou a liquidação afortunada do estoque adquirido em 1917.

Diferente das duas primeiras valorizações, a terceira surgiu da depressão econômica mundial e da deflação dos preços vigentes após a Primeira Guerra Mundial, antes que de dificuldades provenientes de superabundantes colheitas ou de excessiva capacidade produtiva. Em 1920-21, a produção brasileira retornou à posição normal, ao mesmo tempo que entrou em colapso o "boom" dos preços de após-guerra. Os preços cairam de cerca de 23 cents, para o "Santos tipo 4", em meados de 1920, a 9 cents no começo de 1921 e, destarte, a terceira valorização foi empreendida por São Paulo.

Nessa ocasião, como o nosso cambio se depreciasse, rapidamente, õ Governo Federal assumiu a parte predominante nas operações. Reteve 4 e meio milhões de sacas de café, mas todo esse estoque foi negociado com absoluto sucesso em 1924, na vigência do "trend" de alta dos preços, que começou em meados de 1921. A conclusão feliz dessa operação foi facilitada pelas safras relativamente menores de 1921-22 e 1922-23. Não foram impostas restrições a novas, plantações de café. Como na segunda valorização (mas não na primeira), os estoques retiveram-sc no Brasil.

Entrementes, um esquema do controle permanente estava tomando corpo, quando as entradas nos portos de Santos e Rio de Janeiro foram reguladas a fim de se assegurar um fluxo normal das colheitas para o mercado mundial. Em 1923, o Governo adotou uma política de retenção das ofertas em arma- zens especialmente construídos, dos quais seriam liberadas de acordo com a sua influência sobre os preços.

Todas as três intervenções foram levadas a cabo em bases altamente lucrativas para seus promotores. A primeira valorização, com suas decorrentes medidas restritivas, impediu uma séria baixa dos preços ém 1906-07 e resultou em preços mais elevados do que se poderiam esperar doutra forma, durante os anos de 1910 e 1912. Ao passo que a segunda e a terceira valorizações parecem ter moderado as flutuações dos preços, para beneficiar os produtores e quiçá os consumidores. Mas, a perspectiva de maior estabilidade nas rendas dos lavradores, decorrência dessa política de controle artificial, estimulou a rápida extensão de novas plantações, não só no Brasil como alhures, e conduziu a novas situações, que reclamavam cada vez mais a intervenção permanente do Estado.

DEFESA PERMANENTE - PRIMEIRA FASE

Enquanto a terceira valorização andava ainda em curso, já estavam sendo estabelecidas as bases para um esquema permamente de controle. Mais üma vez, à responsabilidade recaiu sobre o Estado de São Paulo e as várias medidas concertadas entraram em vigor em 1925, através da instituição semi-oficial do "INSTITUTO DE SAO PAULO PARA A DEFESA PERMANENTE DO CAFÉ", mais tarde conhecida pelo nome de "INSTITUTO DE CAFÉ DO ESTADO DE SAO PAULO". Os interesses econômico-financeiros de São Paulo foram sempre os mais ardorosos defensores da política de controle. É bem verdade que outros Estados e o próprio Governo Federal participaram nos vários esquemas postos em prática; mas, a confiança na eficácia deles permaneceu sempre com os paulistas.

Durante os anos de 1925 e 1926, 0 Instituto recém-criado se empenhou principalmente em aperfeiçoar os mecanismos para o controle permanente delineado. A regulação das entradas em Santos, iniciada pelo Governo Federal durante a 3.a valorização, foi continuada sob forma mais modificada e mais flexível também. Esse controle foi suplementado pela intervenção no mercado de Santos, todas as vezes que os preços mostravam tendência para a baixa. Os armazéns reguladores, construídos pelo Governo Federal, foram adquiridos pelo Instituto de Café e outros mais foram construídos. Estabeleceram-se arranjos através do funcionamento dum Banco do Estado para fazer operações de crédito sobre os estoques dos fazendeiros nos armazéns reguladores e até mesmo sobre as plantações. Os fun- dos necessários para a realização das operações do Instituto obtiveram-se por meio duma série de empréstimos externos e duma taxa de transporte sobre cada saca de café carreada do interior. Os preços estavam elevados e foram mantidos com sucesso, principalmente porque a posição estatística do produto não era desfavorável.

O primeiro "test" real para o novo esquema de controle permanente surgiu com a safra de 1927-28, no total de 27.100.000 sacas, bem maior, portanto, do que a de 1906-07. Em Setembro de 126, a florada dos nossos oceânicos cafezais deu o temeroso aviso da tormenta que se aproximava e os preços começaram a declinar até meados de 1927. A perspectiva de sobras colossais, em São Paulo, induziu, finalmente, os outros Estados da Federação a adotarem essencialmente as mesmas medidas de controle e a cooperarem com o Instituto de Café. Depois de cair de 22 cents (Santos tipo 4, em Nova York), em Setembro de 1926, para 16 cents por libra em meados de 1927, os preços começaram a se restabelecer e, em 1928, atingiram a 23 cents.

O Instituto deu muito crédito a essa recuperação dos preços, em face dum aumento no transporte do interior de cêrca de 4 milhões de sacas para 13 e meio milhões em meados de 1928, coisa equivalente às exportações dum ano. Mas, a safra de 1928-29 foi somente de metade da dos anos anteriores. Pareceu, destarte, que havia passado o perigo e que o fenomenal carreamento poderia ser manipulado sem muitas dificuldades, especialmente desde que colheitas menores eram, normalmente, esperadas após uma excepcionalmente grande.

Todavia, a florada de 1928 indicava outra grande safra para 1929-30. E provou mesmo, inesperadamente, ser bem maior do que a colheita "record" de há dois anos. A despeito dessa azíaga indicação de perturbações futuras e de que os estoques estavam aumentando cada vez mais e as exportações, ém 1928, terem sido consideravelmente menores do que as de 1927, os preços atingiram a níveis mais elevados ainda, em 1929, chegando mesmo a 25 cents, em Nova York, para o mês de Março.

Entretanto, durante os sucessivos anos de preços artificialmente elevados, novas plantações tinham surgido. A produção de milhões de pés de café adicionais, estava começando a se fazer sentir, embora o pináculo da capacidade produtiva não fosse atingido senão mais tarde, depois do "crak" bolsista ae 1929 e durante as profundidades da maior depressão que a economia mundial registrara até então. Assim, os novos cafezais desse período não foram os principais responsáveis pela grande safra de 1929-30, embora fossem um fator em todas as safras à partir de 1930.

De importância mais imediata nos acontecimentos que levaram ao "crak" do café foram a super-expansão do crédito e o malsáo "boom" gerado pelos empréstimos excessivamente liberais concedidos sobre a safra de 1927-28. Os adiantamentos foram feitos sobre o valor então corrente do produto em estoque, usado como garantia, em vez de o serem sobre as necessidades em numerário atuais dos lavradores para custeio das operações agrícolas. Uma vez que, via de regra, os custos de produção são mais baixos quando das colheitas abundantes, a maioria dos nossos fazendeiros se encontrou duma hora para outra opulenta de dinheiro. E inuito embora utilizassem eles parte desse dinheiro em obras de melhoramento fundiário e em novas plantações, boa parte dessas somas foi aplicada em outras inversões, criando assim um "boom" que solapou o sistema bancário do Estado de São Paulo.

A derrocada veiu, finalmente, em Outubro de 1929, com a quebra do mercado de valores, nos Estados Unidos. A perspectiva de se obter dinheiro para financiar os estoques colossais e se fornecerem adiantamentos aos fazendeiros tornou-se muito precária a pesar de que por muitos meses, aparentemente, os interesses cafeeiros de São Paulo encarassem o "crak" como apenas uma comoção passageira e ignorassem a natureza da crise que seviciara o mundo inteiro. O Instituto havia consumido seus recursos em numerário e a intervenção no mercado teve que ser retirada.

Embora o "crak" expuzesse os erros do controle do café durante o período da defesa permanente, era dificilmente praticável, nessas circunstancias, abandonar todos os esforços de intervenção governamental. Uma das características de todos os esquemas de controle parece ser a de que, quanto mais eles são empregados, tanto mais difícil é abandoná-los e se voltar à política do "laissez-faire". Era natural, nessa conjuntura, que a defesa do café se tornasse mais uma questão de política nacional, mesmo porque o Brasil passara a ser o café.

Começaram então os anos negros da história do produto e os efeitos da política de defesa permanente apareceram subitamente em sua severa realidade. Com a alta dos preços, ocasionada pelas sucessivas intervenções do nosso país, outros países começaram á plantar café e participar, em quantidades crescentes, nos mercados mundiais, durante os últimos vinte anos. O consumo crescera de 8.390.000 sacas anualmente. Contudo, a parte que coube ao Brasil nesse aumento foi somente de 2.980.000 sacas (35,5%), ao passo que a dos outros paises ascendeu a 5.410.000 sacas (64,5%).

Em Abril de 1930, outro empréstimo de 20 milhões de libras esterlinas ("Coffee Realization Loan") foi conseguido pelo Estado de São Paulo mas somente a uma taxa de 7%. E, em Julho, o Governo Federal assumiu novamente a responsabilidade da defesa do café, passando assim o controle para uma nova fase.

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As diferenças de opinião entre o Governo Federal e o Governo de Sao Paulo quanto à maneira de se conduzir o problema do café foram aparentemente resolvidas depois do movimento revolucionário de 1930. A nova administração federal lançou mão de outra série de medidas de defesa, em 1931. Daí por diante, a política do café variou de acordo com as circunstâncias, mas sempre com o fim em vista de reconquistar a posição que o Brasil detivera no suprimento dos mercados externos, posição que quase lhe fora arrebatada na vigência da primeira fase do plano de defesa. Não foi em poucos anos que a nova orientação adotada conseguiu muita cousa para recuperar a posição brasileira. Ao contrário, houve necessidade de resolver o problema das sobras invendáveis, que cresciam progressivamente durante os primeiros anos do decênio de 1930.

De 1931 a 1937, as principais características do nosso esquema de controle foram a destruição dos estoques existentes e das novas quantidades produzidas, e a proibição de novas plantações, num esforço supremo para se conseguir um melhor ajustamento com a procura mundial. As medidas de manipulação dos preços ofereciam, relativamente, pouca oportunidade de alcançarem sucesso, quando todo o mundo sabia da situação angustiosa do nosso pais, reduzido inesperadamente ao papel passivo de preencher os claros que a concorrência vitoriosa de outros paises ainda deixava nos mercados externos. Enquanto nos aferrávamos a uma economia de quantidade, nossos concorrentes haviam enveredado pela senda econômica de qualidade e, assim, continuavam a expandir sua produção e exportação dos famosos "mild coffees" (cafés suaves), vendendo-os a preços não muito mais elevados do que os dos cafés de baixa qualidade do Brasil.

Nossas duas grandes safras de 1927-28 e 1929-30 haviam deixado um excesso sobre as exportações para os três anos de 1928-30 de aproximadamente 25 milhões de sacas. A perspectiva duma terceira safra monstro, em 1931-32 (que foi de 28.300.000 sacas) tornou absolutamente evidente, mesmo aos mais otimistas, que medidas muito mais drásticas precisavam de ser tomadas sem mais delonga. Os preços continuaram a baixar muito em 1930, quando não só as influências da aguda patologia econômica mundial, mas a previsão duma terceira safra fenomenal apressavam o declínio quase vertical deles. O programa da destruição do café foi inaugurado em 1931 e cerca de 2.800.000 sacas foram incineradas nesse ano. À medida que progredia tal medida tão drástica, ainda que a princípio numa escala relativamente modesta, os preços se firmaram e começaram a se elevar, deixando seu baixo nível de 8 cents.

Nossas exportações de café, em 1931, grandemente estimuladas pela queda dos preços ao mais baixo nível desde o alvorecer do século (8-9 cents para o Santos tipo 4, em Nova York), alcançaram a cifra de 17.900.00 -sacas. Mas, o aumento do volume não compensou a queda.dos preços. A economia nacional brasileira passou a sofrer o fenômeno conhecido na linguagem dos economistas pela expressão "perda de substância" Consequentemente, o valor-ouro total das nossas exportações caiu de forma enérgica e uma vez mais se tornou crítica a situação do nosso câmbio. A despeito da contração das importações, através dum rigoroso controle cambial, os compromissos externos do nosso país eram imensos, em virtude dum vultoso serviço dos empréstimos primitivos. O valor do mil réis começou a cair rapidamente em fins de 1930 e permaneceu a um aviltado nível durante 1931 e 1932. Embora o Brasil houvesse enviado para fora suas reservas-ouro, num esforço para defender a posição da nossa moeda, o problema financeiro permaneceu difícil. Os altos preços do café, nos últimos anos, combinados com uma política de empréstimos, tinham permitido a estabilização da taxa cambial. Agora, porém, a nenhuma disposição dos banqueiros estrangeiros para adiantarem mais somas em dinheiro em face duma situação financeira internacional sumamente catastrófica, a par da baixa violenta dos preços do café o do fracasso do Governo de São Paulo em sua política de defesa permanente do café, tornaram-se amplas razões para o Governo Federal assumir novamente a direção dos esquemas de controle.

Dito Governo concordou em adquirir todos os estoques em São Paulo, em 1.°. de Julho de 1931, a preços pouco acima das somas já emprestadas aos lavradores. O financiamento foi conseguido por meio de créditos fornecidos pelo Banco do Brasil. Obteve-se, ainda, um empréstimo duma firma americana, mediante consignação de café. E, também, uma permuta de 1.300.000 sacas de, café por 25 milhões de bushels de trigo, possuídos pela

"United States Grain Stabilization Corporation". Os Estados produtores de.café concordaram com o estabelecimento duma taxa de exportação de 10 shillings por saca (logo aumentada para 15 s.), destinada à compra e à destruição do café em excesso e ao serviço do empréstimo de 1930, obtido por São Paulo. Em 1933, á taxa foi fixada, em termos de moeda nacional, em 45 mil réis por saca, então igual a 2,7 cents por libra.

Embora a queima de cerca de 9 milhões de sacas em 1932 (interrompida somente de Agosto a Outubro, em virtude da revolução constitucionalista) elevasse a destruição total a 12 milhões de sacas; a posição estatística não melhorou muito e os estoques continuaram em niveis "records". O bloqueio do porto de Santos, durante a revolução paulista, reduziu as exportações a 11.900.000 sacas e trouxe, assim, uma alta temporária de preços em Nova York. Todavia, esses preços, que atingiram a quase 15 cents, durante os meses de Setembro e Outubro, não se mantiveram nesse nível, porque nova florada indicava outra grande safra para 1933-34. E, de fato, quando dita safra se materializou, os preços em Nova York, durante 1933, retornaram a um nível médio de cerca de 9 cents.

A safra de 1933-34, de 29.600.000 sacas, foi a última duma série de quatro safras enormes que surgiram a partir de 1927-28. Esta última safra refletiu definitivamente no plantio intensivo, que se acelerara a partir de 1927, durante os anos de altos preços e do otimismo reinante em consequência da confiança depositada na eficácia do esquema de controle permanente. Depois disso, as estatísticas sobre os cafeeiros em produção começaram a mostrar um declínio animador, por causa do abandono das culturas e das restrições sobre novos plantios.

De acordo com estatísticas oficiais, em nosso país, o carreamento do Café, em comêço de 1933, foi de 25.600.000 sacas, comparado com o de 29.400.000 sacas, verificado no início de 1931. Durante 1933, acentuou-se o nosso programa de destruição do café produzido. Outros 13.900.000 sacas foram incinerados e as exportações retornaram a 15.500.000 sacas, em parte porque os preços melhoraram mais e talvez em parte, também, porque o preço diferencial entre os cafés brasileiros e os "milds" estava tendendo a aumentar.

Além da destruição dos estoques existentes, uma quota de "sacrifício" foi introduzida, quando se tornou patente que a safra de 1933-34 seria mui grande. Em Fevereiro de 1933, foi estabelecido o Departamento Nacional do Café, por meio do qual o Governo da União assumiu diretamente o encargo da defesa do produto, que até essa data havia sido em parte ad- ministrada por um conselho dos Estados produtores. O plano primitivo de ajustamento automático entre as entradas nos portos de exportação e a produção mesma foi abandonado em face duma colheita de cerca de 30 milhões de sacas. Agora passava a preponderar o critério de se dividir a colheita em três partes : - 30% para a entrada nos portos; 30% para a retenção nos armazéns reguladores do interior; e 40% para a destruição (quota de sacrifício).

Os 30% retidos no interior não deveriam ser liberados enquanto a quota de entrada nos portos não fosse totalmente absorvida e os fazendeiros deveriam receber 30 mil réis por saca destinada à destruição. Assim, 11 milhões de sacas, dos 13 milhões e 900 mil, representaram a quota de sacrifício. O DNC comprou também cerca de 11 milhões de sacas do excesso das colheitas de 1931-32 e 1932-33, elevando as compras totais, desde Outubro de 1930 até Junho de 1934, a quase 49 milhões de sacas.

A despeito das safras menores de 1934-35 e 1935-36, da manutenção das exportações a um nível de 14-15 milhões de sacas e da destruição contínua, o melhoramento da posição estatística era lento. Uma convenção dos lavradores propoz a destruição de 4 milhões de sacas adicionais a serem compradas no interior por meio de fundos obtidos com uma taxa de exportação. Isso foi feito e os preços se elevaram um pouco durante 1936, mas era transparente que medidas mais severas eram necessárias. Surgiu outra quota de sacrifício e o Governo, agindo de forma praticamente compulsória, levou a cabo a destruição de 40% da safa corrente, sendo que os agricultores receberam apenas o bastante para cobrir o custo da sacaria e do transporte. Nò fim de 1936, aproximadamente 40 milhões de sacas haviam sido destruidos. Assim mesmo, os estoques eram elevados, perfazendo 18.600.000 sacas, isto é, 2.200.000 sacas a mais em relação ao estoque do ano anterior.

A safra de 1936-37 foi novamente grande (24.400.000 sacas). Uma quota de sacrifício de 30% foi mais uma vez aplicada, a destruição do produto acentuou-se e um total de 17.200.000 sacas foi incinerado em 1937. Afinal, uma ação drástica eátava sendo posta em prática. Com exceção de 1932, quando da revolução de São Paulo, que paralisou os embarques por algum tempo, as exportações de .1937 cairam ao mais baixo nível desde o começo do decênio de 1920 e os "mild coffees" se vendiam a pouco ou nenhum prêmio sobre os cafés brasileiros. impunha-se, por oportuna, u'a mudança radical em nossa política cafeeirá. O Brasil estava perdendo rapidamente sua po- sição no mercado mundial, os lavradores se sentiam mal satisfeitos, o câmbio caia e o crédito se tornava escasso. Um segundo Congresso Pan-Americano de Café, reunido em Havana, em Agosto de 1937, não trouxe nenhum acordo quanto à restrição das exportações ou quanto à defesa dos preços do café.

Os planos para a colheita de 1937-38 envolviam a continuação da destruição e outra quota de sacrifício de 30%. Mas, em face dos resultados negativos da Conferência de Havana, uma radical modificação da nossa política cafeeira foi finalmente adotada. A política de defesa dos preços, a princípio adotada como característica da intervenção oficial em 1925, foi abandonada em favor da política de livre concorrência. Reduzindo a 12 mil réis a taxa de exportação, que permanecera a 45 mil réis desde 1933, foi possível deixar nosso café cair a níveis de concorrência sem baixar o preço recebido pelos nossos agricultores.

Os efeitos da nova política cafeeira foram imediatos. A queda nos preços médios para o Santos tipo 4, em Nova York, de 11,1 cents, em 1937, para 7,5 cents, em 1939, fez-se acompanhar duma alta das exportações, de 12.100.000 sacas, em 1937, para 16.500.000 sacas em 1939. E os países latino-americanos, que eram os principais beneficiários da nossa política de defesa, tornaram-se então as principais vítimas de nossa política.

Da expansão das nossas exportações secundada pela influência das colheitas menores de 1937-38 e 1938-39 e pela continuação da destruição do produto em estoque, resultou uma melhoria muito grande da produção estatística em 1939. E quando, finalmente, nossos estoques se achavam reduzidos a proporções perfeitamente manipuláveis, estourou a Segunda Guerra Mundial, que nos trouxe novos problemas, cuja história constitui outra fase da nossa política cafeeira.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Fev 2013
  • Data do Fascículo
    1945
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