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BLOQUEIO DO ÓXIDO NÍTRICO COM L-NAME COMPROMETE A MICROCIRCULAÇÃO HEPÁTICA DURANTE ENDOTOXINEMIA

Blockade of NO with L-NAME jeopardize hepatic microcirculation during endotoxemia

Resumos

O bloqueio da produção do óxido nítrico durante endotoxinemia permanece controvertido. Visando avaliar o efeito do bloqueio do óxido nítrico na microcirculação hepática, ratos Sprague-Dawley machos receberam LPS e depois de 2h foram tratados com L-NAME (10 mg/kg, n=6) ou solução salina (NS, n=7). A perfusão sinusoidal foi avaliada pela microscopia intravital, sangue foi colhido das veias hepáticas para determinação do equilíbrio ácido-básico, e a bile produzida durante todo o experimento foi mensurada. Depois de 1h de tratamento L-NAME acentuou a falência da perfusão sinusoidal induzida pelo LPS (p < 0.05 vs NS), acentuando a acidose no sangue efluente hepático (p < 0.05 vs NS), enquanto o fluxo biliar apresentou uma redução adicional (L-NAME 2.0 ± 0.5 vs NS 2.4 ± 0.1 <FONT FACE="Symbol">m</font>l/g/min). O bloqueio não-seletivo do óxido nítrico na endotoxinemia aumenta a falência da perfusão sinusoidal, piora o equilíbrio ácido-básico do fígado e tende a acentuar a deficiência da função excretora.

Óxido nítrico; Microcirculação hepática; Perfusão sinusoidal


The blockade of NO production during endotoxemia remains controversial. To evaluate the effect of NO blockade on the liver microcirculation, Sprague-Dawley male rats received LPS and 2h after they were treated by injections of L-NAME (10 mg/kg BW, n=6) or normal saline (NS, n=7). Intravital microscopy (IVM) assessed sinusoidal perfusion, blood samples were taken from the hepatic vein to determine base excess, and bile was collected. After 1h treatment L-NAME increased the LPS-induced sinusoidal perfusion failure (p < 0.05 vs NS), accentuated the acidosis in the hepatic blood effluent (p < 0.05 vs NS), while bile flow was further reduced (L-NAME 2.0 ± 0.5 vs NS 2.4 ± 0.1 <FONT FACE="Symbol">m</font>l/g/min). Non-selective NO blockade in endotoxemia enhances the sinusoidal perfusion failure, impairs acid-basic status of the liver and shows a tendency of impairment of the excretory function.

Nitric oxide; Hepatic microcirculation; Sinusoidal perfusion


BLOQUEIO DO ÓXIDO NÍTRICO COM L-NAME COMPROMETE A MICROCIRCULAÇÃO HEPÁTICA DURANTE ENDOTOXINEMIA1 1 Trabalho realizado no Instituto para Pesquisa Cirúrgica, Universidade Ludwig-Maximilians, Munique, Alemanha. 2 Professor Adjunto do Departamento de Ciências Morfológicas da UFRGS. 3 Médico do Instituto para Pesquisa Cirúrgica, Universidade de Oslo, Noruega. 4 Pesquisadora do Instituto para Pesquisa Cirúrgica, Universidade Ludwig-Maximilians, Munique, Alemanha. 5 Professor Pesquisador do Instituto para Pesquisa Cirúrgica, Universidade de Oslo, Noruega. 6 Professor e Diretor do Instituto para Pesquisa Cirúrgica, Universidade de Oslo, Noruega. 7 Professor Catedrático de Cirurgia Experimental e Diretor do Instituto para Pesquisa Cirúrgica, Universidade Ludwig-Maximilians, Munique, Alemanha.

Carlos Otavio Corso2 1 Trabalho realizado no Instituto para Pesquisa Cirúrgica, Universidade Ludwig-Maximilians, Munique, Alemanha. 2 Professor Adjunto do Departamento de Ciências Morfológicas da UFRGS. 3 Médico do Instituto para Pesquisa Cirúrgica, Universidade de Oslo, Noruega. 4 Pesquisadora do Instituto para Pesquisa Cirúrgica, Universidade Ludwig-Maximilians, Munique, Alemanha. 5 Professor Pesquisador do Instituto para Pesquisa Cirúrgica, Universidade de Oslo, Noruega. 6 Professor e Diretor do Instituto para Pesquisa Cirúrgica, Universidade de Oslo, Noruega. 7 Professor Catedrático de Cirurgia Experimental e Diretor do Instituto para Pesquisa Cirúrgica, Universidade Ludwig-Maximilians, Munique, Alemanha.

Yngvar Gundersen3 1 Trabalho realizado no Instituto para Pesquisa Cirúrgica, Universidade Ludwig-Maximilians, Munique, Alemanha. 2 Professor Adjunto do Departamento de Ciências Morfológicas da UFRGS. 3 Médico do Instituto para Pesquisa Cirúrgica, Universidade de Oslo, Noruega. 4 Pesquisadora do Instituto para Pesquisa Cirúrgica, Universidade Ludwig-Maximilians, Munique, Alemanha. 5 Professor Pesquisador do Instituto para Pesquisa Cirúrgica, Universidade de Oslo, Noruega. 6 Professor e Diretor do Instituto para Pesquisa Cirúrgica, Universidade de Oslo, Noruega. 7 Professor Catedrático de Cirurgia Experimental e Diretor do Instituto para Pesquisa Cirúrgica, Universidade Ludwig-Maximilians, Munique, Alemanha.

Martina Dörger4 1 Trabalho realizado no Instituto para Pesquisa Cirúrgica, Universidade Ludwig-Maximilians, Munique, Alemanha. 2 Professor Adjunto do Departamento de Ciências Morfológicas da UFRGS. 3 Médico do Instituto para Pesquisa Cirúrgica, Universidade de Oslo, Noruega. 4 Pesquisadora do Instituto para Pesquisa Cirúrgica, Universidade Ludwig-Maximilians, Munique, Alemanha. 5 Professor Pesquisador do Instituto para Pesquisa Cirúrgica, Universidade de Oslo, Noruega. 6 Professor e Diretor do Instituto para Pesquisa Cirúrgica, Universidade de Oslo, Noruega. 7 Professor Catedrático de Cirurgia Experimental e Diretor do Instituto para Pesquisa Cirúrgica, Universidade Ludwig-Maximilians, Munique, Alemanha.

Per Lilleaasen5 1 Trabalho realizado no Instituto para Pesquisa Cirúrgica, Universidade Ludwig-Maximilians, Munique, Alemanha. 2 Professor Adjunto do Departamento de Ciências Morfológicas da UFRGS. 3 Médico do Instituto para Pesquisa Cirúrgica, Universidade de Oslo, Noruega. 4 Pesquisadora do Instituto para Pesquisa Cirúrgica, Universidade Ludwig-Maximilians, Munique, Alemanha. 5 Professor Pesquisador do Instituto para Pesquisa Cirúrgica, Universidade de Oslo, Noruega. 6 Professor e Diretor do Instituto para Pesquisa Cirúrgica, Universidade de Oslo, Noruega. 7 Professor Catedrático de Cirurgia Experimental e Diretor do Instituto para Pesquisa Cirúrgica, Universidade Ludwig-Maximilians, Munique, Alemanha.

Ansgar Aasen6 1 Trabalho realizado no Instituto para Pesquisa Cirúrgica, Universidade Ludwig-Maximilians, Munique, Alemanha. 2 Professor Adjunto do Departamento de Ciências Morfológicas da UFRGS. 3 Médico do Instituto para Pesquisa Cirúrgica, Universidade de Oslo, Noruega. 4 Pesquisadora do Instituto para Pesquisa Cirúrgica, Universidade Ludwig-Maximilians, Munique, Alemanha. 5 Professor Pesquisador do Instituto para Pesquisa Cirúrgica, Universidade de Oslo, Noruega. 6 Professor e Diretor do Instituto para Pesquisa Cirúrgica, Universidade de Oslo, Noruega. 7 Professor Catedrático de Cirurgia Experimental e Diretor do Instituto para Pesquisa Cirúrgica, Universidade Ludwig-Maximilians, Munique, Alemanha.

Konrad Messmer7 1 Trabalho realizado no Instituto para Pesquisa Cirúrgica, Universidade Ludwig-Maximilians, Munique, Alemanha. 2 Professor Adjunto do Departamento de Ciências Morfológicas da UFRGS. 3 Médico do Instituto para Pesquisa Cirúrgica, Universidade de Oslo, Noruega. 4 Pesquisadora do Instituto para Pesquisa Cirúrgica, Universidade Ludwig-Maximilians, Munique, Alemanha. 5 Professor Pesquisador do Instituto para Pesquisa Cirúrgica, Universidade de Oslo, Noruega. 6 Professor e Diretor do Instituto para Pesquisa Cirúrgica, Universidade de Oslo, Noruega. 7 Professor Catedrático de Cirurgia Experimental e Diretor do Instituto para Pesquisa Cirúrgica, Universidade Ludwig-Maximilians, Munique, Alemanha.

Corso CO, Gundersen Y, Dörger M, Lilleaasen P, Aasen A, Messmer K. Bloqueio do óxido nítrico com L-Name compromete a microcirculação hepática durante endotoxinemia. Acta Cir Bras [serial online] 1999 Apr Jun; 14(2). Available from: URL: http://www.scielo.br/acb.

RESUMO: O bloqueio da produção do óxido nítrico durante endotoxinemia permanece controvertido. Visando avaliar o efeito do bloqueio do óxido nítrico na microcirculação hepática, ratos Sprague-Dawley machos receberam LPS e depois de 2h foram tratados com L-NAME (10 mg/kg, n=6) ou solução salina (NS, n=7). A perfusão sinusoidal foi avaliada pela microscopia intravital, sangue foi colhido das veias hepáticas para determinação do equilíbrio ácido-básico, e a bile produzida durante todo o experimento foi mensurada. Depois de 1h de tratamento L-NAME acentuou a falência da perfusão sinusoidal induzida pelo LPS (p < 0.05 vs NS), acentuando a acidose no sangue efluente hepático (p < 0.05 vs NS), enquanto o fluxo biliar apresentou uma redução adicional (L-NAME 2.0 ± 0.5 vs NS 2.4 ± 0.1 ml/g/min). O bloqueio não-seletivo do óxido nítrico na endotoxinemia aumenta a falência da perfusão sinusoidal, piora o equilíbrio ácido-básico do fígado e tende a acentuar a deficiência da função excretora.

DESCRITORES: Óxido nítrico. Microcirculação hepática. Perfusão sinusoidal.

INTRODUÇÃO

O comprometimento da função hepática é um achado comum em pacientes com patologia infecciosa grave1. A severidade e a recuperação da falência orgânica múltipla induzida pela sepsis são influenciadas de maneira decisiva pela existência e grau de disfunção hepática2.

Os baixos níveis de endotoxina normalmente encontrados no sistema porta parecem modular a função das células de Kupffer e a perfusão microvascular do fígado3. Todavia, em situações patológicas as endotoxinas induzem sério dano hepático devido à ativação das células de Kupffer, acumulação leucocitária e falência da perfusão sinusoidal. As células de Kupffer e os polimorfonucleares neutrófilos liberam um largo espectro de mediadores, os quais são considerados o evento principal no comprometimento crescente da perfusão sinusoidal hepática4. As endotoxinas alteram profundamente a produção do Óxido Nítrico (NO). A produção exagerada do NO na endotoxinemia é considerada como causa das alterações circulatórias, como a hipotensão e a irresponsividade a vasoconstritores. Portanto, o bloqueio da produção do NO poderia ser decisivo na reversão da disfunção cardíaca e na irresponsividade circulatória, melhorando assim o suprimento sangüíneo aos órgãos e contribuindo para a resolução do quadro séptico.

Este estudo foi realizado visando elucidar os efeitos do bloqueio não seletivo do óxido nítrico sobre a perfusão microvascular hepática, e as conseqüências imediatas sobre o equilíbrio ácido básico e a função excretória do fígado, em um modelo animal de endotoxinemia.

MÉTODO

Modelo. Ratos Sprague-Dawley machos (Peso médio 205 ± 6 g) foram anestesiados com a-cloralose (20 mg/kg/h) por via endovenosa, traqueostomizados e ventilados mecanicamente. A artéria carótida direita e a veia jugular direita foram canuladas, e o cateter venoso foi introduzido através da veia cava superior e coração, até atingir uma das veias hepáticas. Os cateteres permitiram a obtenção de dados hemodinâmicos (Pressão arterial média - PAM e freqüência cardíaca - FC), injeção do marcador fluorescente e coleta de amostras sangüíneas para dosagens laboratoriais. Foi realizada laparotomia transversa, o fígado foi liberado de seus ligamentos e o ducto colédoco cateterizado. A bile foi coletada durante todo o experimento, pesada e expressa em ml/g fígado/min, servindo como um índice de função hepática5. Um cateter adicional foi colocado na veia porta, através de uma veia mesentérica, sendo utilizado para a administração de lipopolissacarídeo (LPS) e de drogas.

Microscopia Fluorescente Intravital. O lobo esquerdo do fígado foi cuidadosamente rotado e exteriorizado, sendo posicionado sobre um suporte especialmente concebido para este fim, com a sua superfície visceral voltada para cima. Em todos os experimentos houve o cuidado de evitar-se qualquer comprometimento ao fluxo vascular, condição obrigatória para o seu prosseguimento. O lobo esquerdo foi coberto com uma lamínula, e o restante do fígado e abdome com uma película plástica, para evitar perda de calor e líquido. O animal foi posicionado sob o microscópio conectado a uma lâmpada de mercúrio de 100 W com iluminador, visando a microscopia por epi-iluminação. Através de uma câmera de vídeo (FK 6990, COHU, Prospective Measurements, San Diego, EUA) as imagens magnificadas do fígado (540X) foram observadas em um monitor de televisão e gravadas em um sistema de vídeo (S-VHS Panasonic AG 7330, Matsushita, Tóquio, Japão). A contagem do tempo foi superimposta através de um gerador (VTG 33, FOR-A Company, Tóquio, Japão). A fluoresceína sódica (2 mmol/kg ev), que se liga às proteínas plasmáticas, foi utilizada para visualização da perfusão sinusoidal com auxílio de um filtro específico (comprimento de onda de 450-490nm e > 515 nm, respectivamente para excitação e emissão), que foi quantificada por análise off-line, quadro a quadro, das imagens gravadas. Os resultados são expressos em sinusoides não perfundidos, como percentual do número total de sinusoides visualizados.

Protocolo Experimental. Após a conclusão da preparação e 30 minutos adicionais para estabilização, as medidas hemodinâmicas e a microscopia intravital basal foram gravadas, sendo também obtidas amostras sanguíneas. O LPS (E. coli O128:B12, Sigma, St. Louis, EUA) foi injetado na veia porta (5 mg/kg em 10 min), e novas medidas e amostras sangüíneas foram obtidas 2 horas após a injeção do LPS. Na sequência os animais foram divididos, de maneira randomizada, para o tratamento a ser instituído: NG -nitro-L-arginina metil ester (L-NAME, 10 mg/kg, n=6) ou um volume idêntico de solução salina (NS, 1 ml/kg, n=7), que foram injetados em bolo na veia porta. Depois de 1 h de tratamento foram realizadas as determinações finais, os animais foram sacrificados, e os seus fígados removidos e pesados.

Estatística. Os resultados são apresentados como média e erro padrão. As diferenças entre os grupos foram testadas utilizando-se o teste T de Sudent, e o nível de significância foi estabelecido em 0,05. As correlações foram realizadas pelo método de Spearman, e a significância igualmente situada em 0,05.

RESULTADOS

Não houve diferença significativa entre os grupos em condições basais com relação à PAM (fig. 1), e ambos os grupos apresentaram uma queda de aproximadamente 20% 2 h após a administração do LPS.

Fig. 1 -
Pressão arterial média em condições basais, após 2h da infusão de LPS, e após 5, 15 e 60 min de tratamento com solução salina (NS, circulos, n=7) e NG-nitro-L-arginina metil ester (L-NAME, quadrados, n=6). * P < 0,05 vs NS.

O tratamento com L-NAME resultou num aumento significativo da PAM após 5 e 15 min, quando comparado com a solução salina. Após 1 h de tratamento os dois grupos apresentavam PAM equivalente.

Em condições basais, menos de 1% dos sinusoides apresentavam-se sem perfusão (fig. 2).

Fig. 2
- Sinusóides não perfundidos (expressos em percentual de todos os sinusóides visualizados) em condições basais, após 2h da infusão de LPS, e após 1h de tratamento com solução salina (NS, circulos, n=7) e NG-nitro-L-arginina metil ester (L-NAME, quadrados, n=6). * P < 0,05 vs NS.

O LPS induziu um forte aumento no número de sinusoides não perfundidos 2 h após a sua administração. Após o tratamento a falência da perfusão sinusoidal continuou a progredir, mas foi claramente mais intensa nos animais que receberam L-NAME (26,5 ± 2,5% vs NS 19,3 ± 1,8% dos sinusoides não perfundidos, p < 0,05). Depois de 2 h da infusão do LPS, o sangue efluente hepático mostrava uma acidose moderada (fig. 3), que se tornou mais acentuada após 1 h de tratamento com L-NAME (-12,1 ± 1,6 vs NS -9,0 ± 0,8 mmol/l, p < 0.05).

Fig. 3
- Fluxo biliar em condições basais, após 2h da infusão de LPS, e após 1h de tratamento com solução salina (NS, circulos, n=7) e NG-nitro-L-arginina metil ester (L-NAME, quadrados, n=6).

O fluxo biliar era superior a 3 ml/g/min em condições basais (fig. 4).

Fig. 4
- Excesso de base em condições basais, após 2h da infusão de LPS, e após 1h de tratamento com solução salina (NS, circulos, n=7) e NG-nitro-L-arginina metil ester (L-NAME, quadrados, n=6). * P < 0,05 vs NS.

Duas horas de exposição à endotoxina resultou numa redução de cerca de 15%, e o tratamento levou a uma queda adicional em ambos os grupos (L-NAME 2,0 ± 0,5 vs NS 2,4 ± 0,1 ml/g/min), todavia sem que houvesse diferença significativa entre ambos.

As seguintes correlações foram observadas após 1 h de tratamento da endotoxinemia com NS e L-NAME:

Perfusão sinusoidal x Fluxo biliar r = -0,79 p < 0.01

Perfusão sinusoidal x Excesso de base r = -0,56 p < 0.05

Excesso de base x Fluxo biliar r = 0,77 p < 0.01

DISCUSSÃO

Os resultados obtidos indicam que os efeitos iniciais do bloqueio não-seletivo do NO durante as fases iniciais da endotoxinemia são extremamente deletérios. Pode-se constatar claramente um prejuizo adicional da perfusão sinusoidal já comprometida pela endotoxina, suportando o ponto de vista de que o óxido nítrico desempenha um papel importante na preservação da perfusão microvascular nutritiva do fígado6,7. De maneira correspondente, a falência da perfusão tem relação direta com o déficit na função excretora hepática e com a acentuação da acidose no efluente sangüíneo hepático .

A elevação instantânea da PAM após a injeção de L-NAME está relacionada com aumento da resistência vascular periférica, favorecendo uma subsequente redução do débito cardíaco e também do aporte de sangue arterial ao fígado7. Durante a endotoxinemia o NO parece também determinar um efeito benéfico, pelo fato de evitar uma queda suplementar do fluxo sanguíneo total ao fígado, devido à ausência de uma resposta adequada do sistema tampão da artéria hepática8.

Os efeitos prejudiciais da endotoxina no fígado parecem ocorrer principalmente nos sinusóides, devido à ativação das células de Kupffer e liberação de citocinas pró-inflamatórias, como TNF-a e Il-19. Edema perisinusoidal, hematócrito microvascular local elevado e edema de células endoteliais levam a uma dificuldade crescente do fluxo nos sinusóides, favorecendo a estagnação de polimorfonucleares neutrófilos ativados e plaquetas, que por sua vez pode ser reforçada ainda mais pelo bloqueio do óxido nítrico6,10,11. Juntamente com estes fatores físicos, existem evidências indicando a liberação de grandes quantidades de substâncias vasoconstritoras durante endotoxinemia12. Desta forma, é bastante provável que o bloqueio não-seletivo do NO possa produzir um agravamento adicional do dano microvascular, devido a um desequilíbrio entre agentes vasodilatadores e vasoconstritores, tendendo à vasoconstrição da microcirculação13. Nosso estudo corrobora estas evidências, revelando um grande aumento do número de sinusóides não-perfundidos depois da administração de L-NAME. Mais ainda, nossos resultados indicam que a progressão da disfunção microvascular está claramente relacionada com o comprometimento no equilíbrio ácido-básico hepático e tendência de redução do fluxo biliar.

Os altos níveis de NO circulantes encontrados durante endotoxinemia têm sido considerados como a origem de importantes distúrbios fisiopatológicos, como hipotensão arterial e citotoxicidade, devido à expressão aumentada da iNOS11. Entretanto, a produção aumentada do óxido nítrico deveria ser vista preferencialmente como uma tentativa exagerada de manter um aporte microvascular adequado, e a manipulação da produção do óxido nítrico deve ser realizada com grande cautela, provavelmente levando-se em conta um bloqueio seletivo da iNOS.

CONCLUSÃO

O bloqueio não-seletivo do óxido nítrico produzido pela L-NAME compromete a microcirculação hepática, acentua o desequilíbrio ácido-básico do fígado e tem tendência a diminuir a função excretora.

Corso CO, Gundersen Y, Dörger M, Lilleaasen P, Aasen A, Messmer K. Blockade of NO with L-NAME jeopardize hepatic microcirculation during endotoxemia. Acta Cir Bras [serial online] 1999 Apr Jun; 14(2). Available from: URL: http://www.scielo.br/acb.

SUMMARY: The blockade of NO production during endotoxemia remains controversial. To evaluate the effect of NO blockade on the liver microcirculation, Sprague-Dawley male rats received LPS and 2h after they were treated by injections of L-NAME (10 mg/kg BW, n=6) or normal saline (NS, n=7). Intravital microscopy (IVM) assessed sinusoidal perfusion, blood samples were taken from the hepatic vein to determine base excess, and bile was collected. After 1h treatment L-NAME increased the LPS-induced sinusoidal perfusion failure (p < 0.05 vs NS), accentuated the acidosis in the hepatic blood effluent (p < 0.05 vs NS), while bile flow was further reduced (L-NAME 2.0 ± 0.5 vs NS 2.4 ± 0.1 ml/g/min). Non-selective NO blockade in endotoxemia enhances the sinusoidal perfusion failure, impairs acid-basic status of the liver and shows a tendency of impairment of the excretory function.

SUBJECT HEADINGS: Nitric oxide. Hepatic microcirculation. Sinusoidal perfusion.

Endereço para correspondência:

Carlos Otavio Corso

Av. Lavras, 587/302

90460-040 Porto Alegre – RS

Data do recebimento: 14/12/1998

Data da revisão: 12/02/1999

Data da aprovação: 15/04/1999

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  • 1
    Trabalho realizado no Instituto para Pesquisa Cirúrgica, Universidade Ludwig-Maximilians, Munique, Alemanha.
    2
    Professor Adjunto do Departamento de Ciências Morfológicas da UFRGS.
    3
    Médico do Instituto para Pesquisa Cirúrgica, Universidade de Oslo, Noruega.
    4
    Pesquisadora do Instituto para Pesquisa Cirúrgica, Universidade Ludwig-Maximilians, Munique, Alemanha.
    5
    Professor Pesquisador do Instituto para Pesquisa Cirúrgica, Universidade de Oslo, Noruega.
    6
    Professor e Diretor do Instituto para Pesquisa Cirúrgica, Universidade de Oslo, Noruega.
    7
    Professor Catedrático de Cirurgia Experimental e Diretor do Instituto para Pesquisa Cirúrgica, Universidade Ludwig-Maximilians, Munique, Alemanha.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Jul 1999
    • Data do Fascículo
      Abr 1999

    Histórico

    • Aceito
      15 Abr 1999
    • Revisado
      12 Fev 1999
    • Recebido
      14 Dez 1998
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