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Necessidade & mérito

EDITORIAL

NECESSIDADE & MÉRITO

Orlando de Castro e Silva Jr.1 1 Professor Associado do Departamento de Cirurgia e Anatomia e Coordenador da Área dePós-Graduação em Clínica Cirúrgica

Grande parte da produção científica, em nosso meio, origina-se de trabalhos realizados por pós-graduandos e graduandos sob orientação docente. O financiamento desses projetos é feito com verbas das agências de fomento à pesquisa como a CAPES, CNPq e, na grande maioria, a FAPESP. O número de bolsas da CAPES, para alunos de pós-graduação, e a verba destinada diretamente ao programa de pós-graduação depende fundamentalmente do conceito que o programa tem junto à CAPES. As bolsas para pós-graduandos, verbas para auxílio à pesquisa, projetos temáticos, etc. oferecidos pela FAPESP dependem também, tanto da estrutura laboratorial da instituição, como da produção científica dos docentes do programa. A Unidade ou a Universidade não têm verbas específicas para financiamento da pesquisa. Depende-se fundamentalmente das agências de fomento (figura 1).


Ora, se a necessidade de financiamentos existe para a manutenção do nível de excelência da pesquisa, para aquisição de apoio financeiro é necessária a existência do mérito da Instituição, do programa e sobretudo do docente. Este é um papel importante, relevante e essencial do docente na vertente da pesquisa do tripé universitário. A pesquisa, a divulgação de resultados em bons periódicos gera recursos que, em última instância, também influem na competência assistencial e de ensino da Instituição (figura 2). Necessidade e mérito andam juntos, daí a necessidade de "se dançar conforme a música" para não se perecer e não haver descompasso entre as exigências de uma parte e os deveres da outra.


Como a finalidade da pós-graduação é formar o docente pesquisador, através do exemplo e do desenvolvimento da pesquisa, é desnecessário enfatizar que o conceito de produtividade está relacionado com o produto final da pesquisa e com a participação efetiva do docente na formação do pós-graduando.

Para se otimizar o nível de produção deve haver coerência na conduta universitária; manter atrelados os projetos às linhas de pesquisa dos docentes, e engajamento adequado do docente no programa da pós-graduação. Isto permite agilidade maior nos rumos da pesquisa.

É importante enfatizar que idealmente, o projeto de pesquisa desenvolvido como tese do aluno deve ser oriunda de linha de pesquisa sólida do docente-orientador (figura 3).


Não se desconhece nem se ignora a importância de nossa participação na assistência e no ensino e que isso implica também em produtividade, e de alta relevância. Entretanto, a CAPES sobretudo, em sua avaliação atribui pesos maiores para a produção científica resultante do envolvimento docente na pós-graduação sensu stricto. A avaliação do ensino de graduação e da assistência não é de competência da CAPES.

O objetivo da pós-graduação strictu sensu é a formação do mestre e doutor pesquisadores e que recebem ao final do curso os respectivos graus acadêmicos. Por outro lado, a pós-graduação sensu lato se constitue na residência, estágios, cursos de especialização e aperfeiçoamento e oferece ao alunado certificados de competência. Assim, a primeira que forma o professor e o pesquisador é uma necessidade social de desenvolvimento intelectual. A segunda, formadora de profissional competente e de técnicos de alto padrão, por sua vez, é uma necessidade social de massa (figura 4). É necessário que não se confunda os fundamentos da pós -graduação sensu lato, formadora da massa profissional e strictu senso formadora da elite pensante, produtora do saber e do saber fazer. É fundamental que se note a diferença e mais que isto, que se perceba que ambos são importantes para o desenvolvimento da universidade.


Trabalhando em um projeto bem consolidado, com perguntas claras, com o binômio orientador/orientado funcionando em harmonia, e com laboratórios bem estruturados, o tempo de titulação será adequado, mostrando o nível de produtividade daquele orientador, em particular, e no geral, dos demais docentes envolvidos . Como corolário, notar-se-á o nível de produtividade da área de concentração. Assim, quanto maior for o engajamento do pós-graduando no programa de pós-graduação num projeto coerente com a linha de pesquisa, as publicações decorrentes da tese, certamente serão de melhor qualidade. Adicionalmente, o número efetivo de orientados por orientador poderá ser grande, sem prejudicar a qualidade da orientação, da formação do pós-graduando e dos trabalhos publicados. O resultado dessas teses poderão eventualmente ser publicados em revistas internacionais de alto impacto, ou nacionais de boa qualidade.

O ideal é que cada docente tenha apenas uma linha de pesquisa bem constituída e definida que poderá gerar n projetos, n teses e consequentemente n publicações (figura 5). Obviamente, a excelência de uma área de concentração poderá ser quantificada pelo fluxo existente entre o docente e a publicação, como mostra a figura 5.


Dessa forma, o cirurgião docente orientador poderá manter alto nível/número de publicações sem deixar de ir rotineiramente ao centro cirúrgico e exercer sua nobre função de operar. Como comenta Martins, em seu ponto de vista, neste suplemento, um cirurgião com mais de 35 anos de idade não consegue tempo para frequentar o laboratório experimental. Isto é realmente verdade, mas também não é necessário que um docente cirurgião com esta idade ou acima dela o faça de forma rotineira. Este docente, já deverá ter sua linha de pesquisa (clínica ou experimental) bem definida e os projetos seriam realizados pelos seus pós-graduandos ou pelos "fellows"- como cita Martins – sem necessidade de sua permanência constante no laboratório de experimentação. Acredito que tudo se resume numa questäo de organização.

Assim, esta primeira Jornada de Investigação Científica do Departamento, agora denominado de Cirurgia e Anatomia (RCA) da FMRP-USP é um momento para se refletir sobre: o fundamento precípuo da pós-graduação strictu sensu e seus objetivos; definição precisa de linhas e projetos de pesquisa; o nível de engajamento adequado do docente no programa de pós graduação; a definição ideal de docente produtivo e a importância de fazer "virar trabalho publicado", as teses defendidas e em quais revistas podemos ou devemos publicar esses trabalhos. Um momento também para meditação sobre nossa excelência. Nesse suplemento está publicada grande parte de nossa produção científica recente e que certamente poderia concorrer a publicação em nível internacional. A experiência clínica e experimental mostrada aqui, pelas várias disciplinas de nosso departamento, é fruto tanto do trabalho dos docentes como dos 84 pós-graduandos de um dos dois maiores departamentos desta Faculdade.

Podemos afirmar que não há desafino e que nossas pernas estão treinadas para acompanhar o rítmo da dança, e se temos necessidades, que as Agências de Fomento que analisem, de forma adequada, o nosso mérito.

Agradecimentos

Agradecemos ao Prof. Dr. Saul Goldenberg, editor da Acta Cirúrgica Brasileira pela edição deste Suplemento.

Referência

1. Martins ACP. Ponto de vista – Ensino, Pesquisa e Extensão em Medicina. Acta Cir Bras 2000; 15 (suppl 2):8- 11.

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    Professor Associado do Departamento de Cirurgia e Anatomia e Coordenador da Área dePós-Graduação em Clínica Cirúrgica
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Mar 2001
    • Data do Fascículo
      2000
    Sociedade Brasileira para o Desenvolvimento da Pesquisa em Cirurgia https://actacirbras.com.br/ - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: actacirbras@gmail.com