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TRANSPLANTE DE FÍGADO APÓS TRAUMA HEPÁTICO GRAVE: INDICAÇÕES ATUAIS E RESULTADOS

Resumos

Introdução:

O fígado é um dos órgãos mais afetados nos traumas abdominais. Atualmente, o tratamento de escolha na maioria dos casos é o não operatório; porém, a intervenção cirúrgica pode ser necessária nos traumas abdominais severos com lesão hepática grave, principalmente naqueles que provocam hemorragias de difícil controle. Apesar das abordagens de controle de danos visando a estabilidade hemodinâmica, muitos pacientes evoluem para choque hipovolêmico, insuficiência hepática aguda, falência múltipla de órgãos e óbito. Nesse contexto, o transplante hepático surge como última opção de tratamento.

Objetivo:

Analisar a utilização do transplante hepático como modalidade terapêutica em traumas hepáticos graves.

Método:

Foram revisados 14 artigos obtidos nas bases de dados Pubmed, Medline e Lilacs entre 2008-2014, sendo selecionados 10 para o presente estudo.

Resultados:

Foram identificados 46 relatos de casos de pacientes submetidos à transplante de fígado após trauma hepático; o principal mecanismo de trauma foi o fechado/contuso com 83%, e traumas graves (>grau IV) em 81%. O transplante pôde ser realizado em uma etapa (paciente com órgão lesado removido e imediatamente recebia o enxerto), utilizado em 72% dos casos. Nos procedimentos em duas etapas realizava-se shunt temporário portocava até que um órgão fosse disponibilizado. Na análise de dois períodos distintos - 1980 a 2000 e 2000 a 2014 -, taxa de sobrevida aumentou significativamente, passando de 48% para 76% e a mortalidade caiu de 52% para 24%.

Conclusão:

O transplante hepático apesar de ter indicações bastante restritas no cenário do trauma hepático, representa modalidade terapêutica nos dias de hoje viável e factível, podendo ser empregada em casos onde o tratamento cirúrgico, assim como outras modalidades terapêuticas, não ofereçam ao paciente chances de sobrevida a curto e longo prazo.

Transplante hepático; Trauma hepático; Cirurgia


Background:

The liver is the most injured organ in abdominal trauma. Currently, the treatment in most cases is non-operative, but surgery may be necessary in severe abdominal trauma with blunt liver damage, especially those that cause uncontrollable bleeding. Despite the damage control approaches in order to achieve hemodynamic stability, many patients develop hypovolemic shock, acute liver failure, multiple organ failure and death. In this context, liver transplantation appears as the lifesaving last resource

Aim:

Analyze the use of liver transplantation as a treatment option for severe liver trauma.

Methods:

Were reviewed 14 articles in the PubMed, Medline and Lilacs databases, selected between 2008-2014 and 10 for this study.

Results:

Were identified 46 cases undergoing liver transplant after liver trauma; the main trauma mechanism was closed/blunt abdominal trauma in 83%, and severe trauma (>grade IV) in 81 %. The transplant can be done, in this context, performing one-stage procedure (damaged organ removed with immediate transplantation), used in 72% of cases. When the two-stage approach is performed, end-to-side temporary portacaval shunt is provided, until new organ becomes available to be transplanted. If two different periods are considered - from 1980 to 2000 and from 2000 to 2014 - the survival rate increased significantly, from 48% to 76%, while the mortality decreased from 52% to 24%.

Conclusion:

Despite with quite restricted indications, liver transplantation in hepatic injury is a therapeutic modality viable and feasible today, and can be used in cases when other therapeutic modalities in short and long term, do not provide the patient survival chances.

Liver transplantation; Hepatic trauma; Surgery


INTRODUÇÃO

A taxa de mortalidade em decorrência de traumas hepáticos vem caindo de forma significativa nos últimos anos. Os casos cirúrgicos decorrentes desses traumas abrangem apenas 10% dos casos, enquanto 90% são tratados de forma conservadora. As principais causas de morte após trauma hepático grave são a hemorragia incontrolável, decorrente de lesão vascular e laceração do fígado, e a falência hepática aguda. Ambas condições podem ser tratadas em casos selecionados por meio do transplante hepático; entretanto, as indicações são ainda hoje bem restritas22. Delis SG, Bakoyiannis A, Selvaggi G, Weppler D, Levi D, Tzakis AG. Liver transplantation for severe hepatic trauma: Experience from a single center. World J Gastroenterol. 2009;15(13):1641-1644.,77. Heuer M, Kaiser GM, Lendemans S, Vernadakis S, Treckmann JW, Paul A. Transplantation after Blunt Trauma to the Liver: a Valuable option or just "Waste of Organs"? Eur J Med Res. 2010;15:169-173..

Nos casos de lesão hepática grave (AAST grade>IV) as taxas de mortalidade se elevam para cerca de 46-80%, sendo que o transplante hepático deve ser considerado nos casos em que todos as outras terapêuticas não obtiveram sucesso em atingir a estabilidade hemodinâmica, tornando-se imperativa a adoção de medidas de controle de dano a fim de promover hemostasia temporária até que um órgão esteja disponível para transplante (Tabela 1)33. Edelmuth RCL, Buscariolli YS, Ribeiro Jr MAF. Cirurgia para controle de danos: estado atual. RevColBras Cir. 2013;40(2):142-151.,77. Heuer M, Kaiser GM, Lendemans S, Vernadakis S, Treckmann JW, Paul A. Transplantation after Blunt Trauma to the Liver: a Valuable option or just "Waste of Organs"? Eur J Med Res. 2010;15:169-173.,1111. Plackett TP, Barmparas G, Inaba K, Demetriades D. Transplantation for Severe Hepatic Trauma. The Journal of Trauma. 2011;71(6):1880-1884.,1313. Stracieri LDS, Scarpelini S. Trauma hepático. Acta Cirúrgica Brasileira. 2006;21(1):85-88..

TABELA 1
- Classificação do trauma hepático conforme proposto pela AAST

As indicações de transplante hepático em decorrência de trauma mais descritas na literatura são: sangramento contínuo incontrolável após operação de controle de dano; extensas lacerações hepáticas complexas não passíveis de correção cirúrgica; lesões extensas da veia porta, veias hepáticas ou dos ductos biliares que não possam ser reparadas por procedimetno cirúrgico; insuficiência hepática progressiva decorrente ao trauma, e necrose hepática. Nesses pacientes, muitas vezes o transplante hepático representa a última alternativa terapêutica; porém, nem todos os pacientes são candidatos a serem transplantados e essa escolha deve ser realizada de forma cuidadosa e individualizada. Situações como sepse grave, falência múltipla de órgãos, outras lesões graves associadas, podem contraindicar o transplante22. Delis SG, Bakoyiannis A, Selvaggi G, Weppler D, Levi D, Tzakis AG. Liver transplantation for severe hepatic trauma: Experience from a single center. World J Gastroenterol. 2009;15(13):1641-1644.,66. Hatipoglu S, Bulbuloglu E, Ales M, Kayaalp C, Yilmaz S. Liver Transplantation following Blunt Liver Trauma. Transplantation Proceedings. 2012;44:1720-1721.,77. Heuer M, Kaiser GM, Lendemans S, Vernadakis S, Treckmann JW, Paul A. Transplantation after Blunt Trauma to the Liver: a Valuable option or just "Waste of Organs"? Eur J Med Res. 2010;15:169-173.,99. Kaltenborn A, Reichert B, Bourg CM, Becker T, Lehner F, Klempnauer J et al. Long-term outcome analysis of liver transplantation for severe hepatic trauma. J Trauma AcuteCareSurg. 2013;75(5):864-869.,1010. Patrono D, Brunati A, Romagnoli R, Salizzoni M. Liver transplantation after severe hepatic trauma: a sustainable practice. A single-center experience and review of the literature. Clin Transplant. 2013;27:E528-E537.,1414. Tucker ON, Marriott P, Mohamed R, Heaton N. Emergency Liver Transplantation Following Severe Liver Trauma. Liver Transplantation. 2008;14:1204-1210..

São descritos dois tipos de procedimentos na literatura: o transplante em uma etapa e o em duas etapas. O em uma, consiste da remoção imediata do fígado nativo com subsequente implante de um novo órgão. Durante o procedimento realizado em duas etapas realiza-se um shunt vascular do tipo portocava temporário a fim de permitir que o paciente possa aguardar por um novo órgão e evitar a congestão do sistema esplâncnico do eixo mesentérico22. Delis SG, Bakoyiannis A, Selvaggi G, Weppler D, Levi D, Tzakis AG. Liver transplantation for severe hepatic trauma: Experience from a single center. World J Gastroenterol. 2009;15(13):1641-1644.,99. Kaltenborn A, Reichert B, Bourg CM, Becker T, Lehner F, Klempnauer J et al. Long-term outcome analysis of liver transplantation for severe hepatic trauma. J Trauma AcuteCareSurg. 2013;75(5):864-869.,1111. Plackett TP, Barmparas G, Inaba K, Demetriades D. Transplantation for Severe Hepatic Trauma. The Journal of Trauma. 2011;71(6):1880-1884..

O objetivo deste trabalho foi analisar a utilização do transplante hepático como modalidade terapêutica em traumas hepáticos graves.

MÉTODO

Foi realizada pesquisa na nas bases de dados Pubmed, Medline e Lilacs, entre 2008-2014 correlacionando os descritores trauma hepático e transplante hepático. Foram encontrados 14 artigos relacionados, dos quais 10 foram selecionados para análise do tema.

RESULTADOS

Após realizada revisão bibliográfica sistemática da literatura foi identificado total de 46 relatos de casos de pacientes submetidos à transplante de fígado após trauma hepático; os traumas fechados/contusos tiveram maior prevalência com total de 83%, assim como os traumas graves (>grau IV, Tabela 1) com 81% das indicações. A principal indicação em 52% das vezes foi a insuficiência hepática aguda (OR: 0,5, IC:95%, p=0,1941). A técnica em uma etapa foi a mais utilizada em 72% dos casos. As características da amostra se encontram demonstradas na Tabela 2.

TABELA 2
- Transplante de fígado após trauma hepático: característica da amostra

A taxa geral de sobrevida foi de 63%, sendo que 24% dos pacientes necessitaram de retransplante; 65% foram transplantados precocemente em até 72 h, e a principal causa de morte pós-operatória foi a sepse com 17% dos casos (Tabela 3).

TABELA 3
- Evolução dos pacientes com transplante de fígado após trauma hepático (n=46)

O tratamento por meio do transplante sofreu melhoria significativa nos últimos anos (Tabela 4). Em 88% dos casos o principal mecanismo de trauma foi o do tipo fechado/contuso, assim como os traumas graves (>graus IV). A principal indicação de transplante continua sendo a insuficiência hepática aguda. A indicação de transplante por sangramento teve diminuição estatisticamente significante de 33% para 8% (OR: 5,75 IC 95%, p=0,0365). A técnica em uma etapa foi a mais utilizada na última década com aumento importante para 92% dos casos, com relevância estatística (OR: 0,07 IC 95% p=0,0011). O transplante precoce continua como grande maioria tendo aumentado para 68%, sendo que tal fato se deve ao domínio da técnica aliado aos bons resultados obtidos com o transplante como modalidade de tratamento para doenças crônicas e mesmo frente a pacientes com falência hepática aguda. A taxa de sobrevida aumentou significativamente, passando de 48% para 76%, a mortalidade caiu de 52% para 24%, e a sepse se manteve como principal causa de morte pós-operatória, abrangendo metade dos pacientes que evoluíram à óbito, quando comparados os dois períodos analisados.

TABELA 4
- Resultados comparativos entre dois períodos analisados

Observa-se que a principal indicação para modalidade técnica em uma etapa foi a hemorragia após controle de dano com 52%, com destaque para os casos de necrose hepática em segundo lugar com 24%, com relevância estatística (OR: indefinida IC: 95% p=0,0162). Enquanto a principal indicação, estatisticamente significativa, para a técnica em duas etapas foi a insuficiência hepática aguda com 77% (OR: 0,13 IC 95% p=0,00001, Tabela 5).

TABELA 5
- Indicações de acordo com a modalidade técnica adotada

De acordo com o tempo de espera para o transplante a grande maioria em ambos os grupos foi transplantada precocemente em até 72 h (Tabela 6). A taxa de sobrevida foi maior nos submetidos ao procedimento em um etapa, 70%, enquanto a taxa de mortalidade foi de 46% nos pacientes submetidos à terapia em duas etapas.

TABELA 6
- Resultados comparativos de acordo com a modalidade técnica empregada

DISCUSSÃO

As taxas de mortalidade relacionadas ao trauma têm forte associação com a tríade letal do trauma e a resposta inflamatória intensa generalizada. Em se considerando a complexidade de pacientes vítimas de trauma que venham a necessitar do transplante hepático, onde habitualmente se empregam protocolos de transfusão maciça e ventilação mecânica enquanto se aguarda pelo transplante, justificam-se os piores índices de sobrevida em três meses quando comparados a pacientes transplantados por outras indicações. Entretanto com o advento do maior domínio técnico, suporte anestésico e cuidados em terapia intensiva, pode-se observar redução na mortalidade quando comparada aos resultados obtidos nas décadas de 80 e 90 quando se iniciaram os transplantes após trauma99. Kaltenborn A, Reichert B, Bourg CM, Becker T, Lehner F, Klempnauer J et al. Long-term outcome analysis of liver transplantation for severe hepatic trauma. J Trauma AcuteCareSurg. 2013;75(5):864-869..

Em 1987, foi reportado o primeiro caso de transplante de fígado após trauma hepático em um paciente com lesões vascular e biliar complexas após acidente automobilístico, utilizando o transplante em uma etapa, que consiste na retirada do fígado nativo e implantação imediata do fígado do doador. Em 1988, foi descrito o transplante em duas etapas, que consiste na hepatectomia total, seguida de anastomose terminolateral portocava, e um segundo procedimento para implantação do fígado do doador, com o escopo de ganhar tempo enquanto doador é encontrado. Na maioria dos estudos, pacientes toleraram até 36 h sem fígado após o trauma, com relato de um caso que permaneceu por 66 h em fase anepática. Apesar da baixa taxa de sobrevida do procedimento em duas etapas, foi possível salvar até cerca de 25% a mais dos pacientes, sendo esse procedimento mais aceitável para casos agudos, principalmente de insuficiência hepática progressiva e hemorragia incontrolável22. Delis SG, Bakoyiannis A, Selvaggi G, Weppler D, Levi D, Tzakis AG. Liver transplantation for severe hepatic trauma: Experience from a single center. World J Gastroenterol. 2009;15(13):1641-1644.,44. Esquivel CO, Bernardos A, Makowka L, Iwatsuki S, Gordon RD, Starzl TE. Liver replacement after massive hepatic trauma. J Trauma. 1987;27:800-802.,55. Gebhard F, Huber-Lang M. Polytrauma - pathophysiology and management principles. Langenbecks Arch Surg. 2008;393(6):825-831.,99. Kaltenborn A, Reichert B, Bourg CM, Becker T, Lehner F, Klempnauer J et al. Long-term outcome analysis of liver transplantation for severe hepatic trauma. J Trauma AcuteCareSurg. 2013;75(5):864-869.,1010. Patrono D, Brunati A, Romagnoli R, Salizzoni M. Liver transplantation after severe hepatic trauma: a sustainable practice. A single-center experience and review of the literature. Clin Transplant. 2013;27:E528-E537.,1212. Ringe B, Pichlmayr R, Lubbe N, Bornscheueer A, Kuse E. Total hepatectomy as temporary approach to acute hepatic or primary graft failure. Transplant Proc. 1988;20:552..

São descritos três cenários diferentes na indicação do transplante: hemorragia maciça decorrente de lesão hepática controlável apenas com hepatectomia total; insuficiência hepática com deterioração clínica progressiva nos dias subsequentes ao trauma; e lesão vascular ou biliar irreparável ou que evolua para cirrose secundária, sendo esta geralmente mais tardia. Diferentes abordagens são adotadas de acordo com a indicação do procedimento. No primeiro grupo, nos grandes e incontroláveis sangramentos, é indicado transplante em duas etapas com retirada imediata do fígado lesado que geralmente leva à instabilidade hemodinâmica decorrente da hemorragia maciça, enquanto um doador compatível é procurado, mantendo-se então o paciente com shunt do tipo portocava temporário. No segundo grupo, na falência progressiva do órgão, pode ser optado por realizar o transplante pela técnica padrão, ou no caso de instabilidade hemodinâmica grave, a técnica em duas etapas, com a intenção de melhora mais rápida do quadro clínico após remoção do fígado insuficiente. No terceiro cenário a indicação é o transplante de forma eletiva pelo procedimento em uma etapa, uma vez que são pacientes com sequelas pós-traumáticas tardias conforme demostrado na Tabela 5 1010. Patrono D, Brunati A, Romagnoli R, Salizzoni M. Liver transplantation after severe hepatic trauma: a sustainable practice. A single-center experience and review of the literature. Clin Transplant. 2013;27:E528-E537..

A técnica em duas etapas é procedimento de grande valor nos casos agudos graves. A despeito da duração da fase anepática, tal modalidade representa muitas vezes a única e última alternativa terapêutica na esperança de que um doador compatível seja encontrado e o paciente tenha chance de sobreviver, sendo possível a restabilização durante fase anepática após a hepatectomia, sendo observadas surpreendentes taxas de sucesso a longo prazo com sobrevidas de até duas décadas99. Kaltenborn A, Reichert B, Bourg CM, Becker T, Lehner F, Klempnauer J et al. Long-term outcome analysis of liver transplantation for severe hepatic trauma. J Trauma AcuteCareSurg. 2013;75(5):864-869..

Não é surpreendente que os pacientes submetidos ao procedimento em duas etapas tenham sido, na grande maioria (69%), transplantados de forma precoce em até 72 h, uma vez que esta terapêutica é preconizada nos casos agudos, conforme discutido anteriormente. Já os pacientes submetidos ao transplante em uma etapa, além de abrangerem a maioria dos transplantados (n=33), tiveram maior número de transplantes tardios (n=12), uma vez que esta é a técnica de escolha para procedimentos eletivos e complicações crônicas, quando um doador compatível já foi previamente selecionado1010. Patrono D, Brunati A, Romagnoli R, Salizzoni M. Liver transplantation after severe hepatic trauma: a sustainable practice. A single-center experience and review of the literature. Clin Transplant. 2013;27:E528-E537..

Em relação aos retransplantes foram identificados um total de 11 casos, em que as principais causas identificadas foram quadros de colestase e colangites repetidas devido a lesões isquêmicas das vias biliares, trombose da artéria hepática, falência primária do enxerto, e falência tardia do órgão transplantado por diabete melito22. Delis SG, Bakoyiannis A, Selvaggi G, Weppler D, Levi D, Tzakis AG. Liver transplantation for severe hepatic trauma: Experience from a single center. World J Gastroenterol. 2009;15(13):1641-1644.,77. Heuer M, Kaiser GM, Lendemans S, Vernadakis S, Treckmann JW, Paul A. Transplantation after Blunt Trauma to the Liver: a Valuable option or just "Waste of Organs"? Eur J Med Res. 2010;15:169-173.,1010. Patrono D, Brunati A, Romagnoli R, Salizzoni M. Liver transplantation after severe hepatic trauma: a sustainable practice. A single-center experience and review of the literature. Clin Transplant. 2013;27:E528-E537.,1414. Tucker ON, Marriott P, Mohamed R, Heaton N. Emergency Liver Transplantation Following Severe Liver Trauma. Liver Transplantation. 2008;14:1204-1210..

A sobrevida atual após transplante por trauma de fígado é de cerca de 76%, enquanto há duas décadas era em torno de 48%. A sepse ainda representa a principal causa de mortalidade pós-transplante (50%), apesar de apresentar queda significativa no total de casos nos últimos 10 anos. Esse aumento nos índices de sobrevida pode estar atribuído ao fato de que há 20 anos as indicações eram menores e menos frequentes1010. Patrono D, Brunati A, Romagnoli R, Salizzoni M. Liver transplantation after severe hepatic trauma: a sustainable practice. A single-center experience and review of the literature. Clin Transplant. 2013;27:E528-E537..

Quanto aos pacientes submetidos ao procedimento padrão em uma etapa a taxa de sobrevida está em torno de 70%, enquanto a dos com procedimento em duas etapas é de 54%. Tais dados se justificam pela seleção dos casos onde cada modalidade tem sido indicada. Os casos submetidos ao tratamento em duas etapas acabam sendo geralmente casos mais graves que acabam apresentando falência orgânica progressiva, tendo portanto um pior prognóstico, aumentando com isto a mortalidade1010. Patrono D, Brunati A, Romagnoli R, Salizzoni M. Liver transplantation after severe hepatic trauma: a sustainable practice. A single-center experience and review of the literature. Clin Transplant. 2013;27:E528-E537..

Outro fator importante é o transplante nos pacientes que evoluem com necrose hepática nos dias subsequentes ao trauma; o fígado necrótico tem sido visto como agente tóxico levando ao aumento da instabilidade hemodinâmica. Portanto, a hepatectomia total seguida do transplante em duas etapas também está indicada nesses pacientes. No entanto, as implicações éticas dessa abordagem são fundamentais, deixando o transplante hepático pós-trauma como a única solução, que é, entretanto, totalmente dependente da disponibilidade de um doador adequado99. Kaltenborn A, Reichert B, Bourg CM, Becker T, Lehner F, Klempnauer J et al. Long-term outcome analysis of liver transplantation for severe hepatic trauma. J Trauma AcuteCareSurg. 2013;75(5):864-869..

A questão ética abrange ainda o contexto dos pacientes de receberam enxerto de doadores vivos. Devido às diversas implicações e repercussões que esse tema venha a trazer, não sendo o foco de nosso estudo, foi identificado apenas um relato de doador vivo em um paciente que recebeu o lobo hepático direito de seu irmão. Não foram identificados na revisão outros relatos77. Heuer M, Kaiser GM, Lendemans S, Vernadakis S, Treckmann JW, Paul A. Transplantation after Blunt Trauma to the Liver: a Valuable option or just "Waste of Organs"? Eur J Med Res. 2010;15:169-173..

Com o aumento no número de doadores de órgãos, assim como de transplantes realizados na última década, hoje se considera mesmo nos casos de trauma este tipo de abordagem de forma mais precoce, com a realização do procedimento em uma etapa com aumento expressivo de sobrevida1010. Patrono D, Brunati A, Romagnoli R, Salizzoni M. Liver transplantation after severe hepatic trauma: a sustainable practice. A single-center experience and review of the literature. Clin Transplant. 2013;27:E528-E537..

Nesse contexto, a falência hepática surge como um desafio que necessita com urgência do transplante hepático, uma vez que leva à piora da condição clínica e da estabilidade hemodinâmica, que levam às complicações como com edema cerebral e hipertensão intracraniana, que podem gerar danos cerebrais irreversíveis ao paciente. Dessa forma, foi desenvolvido um sistema de suporte hepático extracorpóreo, que controlasse essas complicações, ajudando a manter os pacientes estáveis até que um doador compatível fosse encontrado com o órgão viável e disponível para transplante. Os métodos utilizados para o suporte extracorpóreo podem ser classificados entre biológicos e não-biológicos. O sistema bioartificial utiliza hepatócitos porcinos primários ou hepatócitos humanos transformados que ficam alojados dentro de um bioreator através do qual o sangue é bombeado em circuito extracorporal. A dificuldade de encontrar um doador compatível rapidamente, somada à impossibilidade de manter paciente estável em fase anhepática por longos períodos de tempo, tornam-se um grande problema no manejo desses pacientes. Assim, essa terapia de suporte aparece como alternativa, aumentando o tempo de sobrvida nos casos em que o tranplante não pode ser realizado precocemente11. Bain VG, Montero JL, La Mata M. Bioartificial liver support.Canadian journal of gastroenterology= Journal canadien de gastroenterology. 2001;15(5):313-318.,88. Hui T, Rozga J, Demetriou AA. Bioartificial liver support. J Hepatobiliary Pancreat Surg. 2001;8:1-15..

Apesar de não ter sido encontrado na presente revisão nenhum estudo que utiliza este tipo de dispositivo como método ponte para pacientes que tenham seus órgãos removidos em decorrência da extensão do trauma e por consequência fossem submetidos ao uso de tal tipo de dispositivo, o mesmo pode ter papel de relevância no aumento da sobrevida durante a fase anepática, assim como do tempo de espera em lista, podendo permitir que pacientes que anteriomente não tinham condições de esperar por tempos maiores em lista, possam vir a serem transplantados.

CONCLUSÃO

O transplante hepático apesar de ter indicações bastante restritas no cenário do trauma hepático, representa modalidade terapêutica viável e factível nos dias de hoje, podendo ser empregada em casos onde o tratamento cirúrgico, assim como outras modalidades terapêuticas, não ofereçam ao paciente chances de sobrevida a curto e longo prazo.

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  • Fonte de financiamento: não há

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    08 Jan 2015
  • Aceito
    13 Abr 2015
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