Acessibilidade / Reportar erro

Associação entre obesidade central, triglicerídeos e hipertensão arterial em uma área rural do Brasil

Resumos

FUNDAMENTO: A hipertensão, importante problema de saúde pública, representa uma das principais causas de morbidade em todo o mundo. OBJETIVO: Estimar a prevalência da hipertensão arterial e seus fatores de risco em uma comunidade rural do nordeste do estado de Minas Gerais, Brasil. MÉTODOS: Estudo transversal realizado em 2004, em Virgem das Graças, comunidade rural localizada no Vale do Jequitinhonha. A amostra era composta por 287 indivíduos, com idades entre 18 e 88 anos. Hipertensão foi definida segundo os critérios da Joint National Committee (pressão arterial sistólica > 140 mmHg e/ou pressão arterial diastólica > 90 mmHg): indivíduos que já usavam medicamentos anti-hipertensivos também foram considerados hipertensos. Usou-se a análise bivariada para testar a relação entre as variáveis independentes e hipertensão, e a regressão logística para ajustar fatores de confusão e identificar interações. A força de associação foi mensurada usando-se odds ratio (OR) e seus intervalos de confiança de 95% [IC (95%)]. RESULTADOS: A prevalência bruta da hipertensão foi de 47,0% [IC (95%): 41,1 - 53,0], a prevalência ajustada por idade foi de 43,2% [IC (95%): 35,7 - 50,7], enquanto a prevalência ajustada por escolaridade foi de 44,1% [IC (95%): 43,9 - 44,3]. De acordo com a análise multivariada, observou-se que idade, triglicerídeos, circunferência da cintura e sexo eram fatores de risco independentes associados à hipertensão. CONCLUSÃO: Os achados fornecem evidências importantes de que a hipertensão é um problema de saúde pública associado à dislipidemia e à obesidade abdominal, na área rural de Minas Gerais.

Hipertensão; população rural; epidemiologia; dislipidemias; obesidade


BACKGROUND: Hypertension represents a serious public health problem and is one of the most frequent causes of morbidity around the world. OBJECTIVE: To estimate the prevalence of hypertension and its risk factors in a rural community located in the north-eastern state of Minas Gerais, Brazil. METHODS: A cross-sectional study was carried out in 2004 in the Virgem das Graças Village, a rural community located the Jequitinhonha Valley. The sample consisted of 287 males and females aged between 18 to 88 years. Hypertension was defined according to Joint National Committee criteria (systolic blood pressure > 140 mmHg and/or diastolic blood pressure > 90 mmHg): subjects already receiving anti-hypertensive treatment were considered to be hypertensive. Bivariate analysis was performed to test the relationship between the independent variables and hypertension. Logistic regression was used to adjust for confounding and to identify interactions. The strength of association was measured using Odds Ratio (OR) and its 95% confidence intervals [CI (95%)]. RESULTS: The crude prevalence of hypertension was 47.0% [CI (95%): 41.1 - 53.0], the age-standardized prevalence was 43.2% [CI (95%): 35.7 - 50.7], while the schooling-standardized prevalence was 44.1% [CI (95%): 43.9 - 44.3]. Age, triglycerides, waist circumference and sex were found to be independent risk factors for hypertension according to multivariate analysis. CONCLUSION: The findings provide important evidence concerning the hypertension as a public health problem and its association with dyslipidemia and abdominal obesity in the rural area of Minas Gerais.

Hypertension; rural population; epidemiology; dyslipidemias; obesity


ARTIGO ORIGINAL

HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA

Associação entre obesidade central, triglicerídeos e hipertensão arterial em uma área rural do Brasil

Association between central obesity, triglycerides and hypertension in a rural area in Brazil

Adriano Marçal PimentaI; Gilberto KacII; Andrea GazzinelliI; Rodrigo Corrêa-OliveiraIII; Gustavo Velásquez-MeléndezI

IDepartamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública, Escola de Enfermagem, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG - Brasil

IIDepartamento de Nutrição Social e Aplicada, Instituto de Nutrição Josué de Castro, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ - Brasil

IIILaboratório de Imunologia, Centro de Pesquisas René Rachou, Instituto Oswaldo Cruz, Belo Horizonte, MG - Brasil

Correspondência Correspondência: Gustavo Velásquez-Meléndez Avenida Alfredo Balena, 190 30130-100 - Belo Horizonte, MG - Brasil E-mail: guveme@ufmg.br

RESUMO

FUNDAMENTO: A hipertensão, importante problema de saúde pública, representa uma das principais causas de morbidade em todo o mundo.

OBJETIVO: Estimar a prevalência da hipertensão arterial e seus fatores de risco em uma comunidade rural do nordeste do estado de Minas Gerais, Brasil.

MÉTODOS: Estudo transversal realizado em 2004, em Virgem das Graças, comunidade rural localizada no Vale do Jequitinhonha. A amostra era composta por 287 indivíduos, com idades entre 18 e 88 anos. Hipertensão foi definida segundo os critérios da Joint National Committee (pressão arterial sistólica > 140 mmHg e/ou pressão arterial diastólica > 90 mmHg): indivíduos que já usavam medicamentos anti-hipertensivos também foram considerados hipertensos. Usou-se a análise bivariada para testar a relação entre as variáveis independentes e hipertensão, e a regressão logística para ajustar fatores de confusão e identificar interações. A força de associação foi mensurada usando-se odds ratio (OR) e seus intervalos de confiança de 95% [IC (95%)].

RESULTADOS: A prevalência bruta da hipertensão foi de 47,0% [IC (95%): 41,1 - 53,0], a prevalência ajustada por idade foi de 43,2% [IC (95%): 35,7 - 50,7], enquanto a prevalência ajustada por escolaridade foi de 44,1% [IC (95%): 43,9 – 44,3]. De acordo com a análise multivariada, observou-se que idade, triglicerídeos, circunferência da cintura e sexo eram fatores de risco independentes associados à hipertensão.

CONCLUSÃO: Os achados fornecem evidências importantes de que a hipertensão é um problema de saúde pública associado à dislipidemia e à obesidade abdominal, na área rural de Minas Gerais.

Palavras-chave: Hipertensão, população rural, epidemiologia, dislipidemias, obesidade.

SUMMARY

BACKGROUND: Hypertension represents a serious public health problem and is one of the most frequent causes of morbidity around the world.

OBJECTIVE: To estimate the prevalence of hypertension and its risk factors in a rural community located in the north-eastern state of Minas Gerais, Brazil.

METHODS: A cross-sectional study was carried out in 2004 in the Virgem das Graças Village, a rural community located the Jequitinhonha Valley. The sample consisted of 287 males and females aged between 18 to 88 years. Hypertension was defined according to Joint National Committee criteria (systolic blood pressure > 140 mmHg and/or diastolic blood pressure > 90 mmHg): subjects already receiving anti-hypertensive treatment were considered to be hypertensive. Bivariate analysis was performed to test the relationship between the independent variables and hypertension. Logistic regression was used to adjust for confounding and to identify interactions. The strength of association was measured using Odds Ratio (OR) and its 95% confidence intervals [CI (95%)].

RESULTS: The crude prevalence of hypertension was 47.0% [CI (95%): 41.1 – 53.0], the age-standardized prevalence was 43.2% [CI (95%): 35.7 – 50.7], while the schooling-standardized prevalence was 44.1% [CI (95%): 43.9 – 44.3]. Age, triglycerides, waist circumference and sex were found to be independent risk factors for hypertension according to multivariate analysis.

CONCLUSION: The findings provide important evidence concerning the hypertension as a public health problem and its association with dyslipidemia and abdominal obesity in the rural area of Minas Gerais.

Key words: Hypertension, rural population, epidemiology, dyslipidemias, obesity.

Introdução

A hipertensão arterial (HA) é um grave problema de saúde pública e uma das causas mais freqüentes de morbidade, tanto nos países industrializados quanto naqueles em desenvolvimento, principalmente em centros urbanos1. A HA está associada à insuficiência cardíaca, doenças renais e diabete, sendo também um componente da síndrome metabólica2. De maneira ainda mais significante, no entanto, a HA está estreitamente relacionada a outras doenças cardiovasculares, estando associada a 40% dos casos de acidentes cerebrovasculares e 25% das doenças cardíacas isquêmicas. De fato, as doenças cardiovasculares constituem as principais causas de morte no mundo todo, sendo responsáveis por 30% do coeficiente de mortalidade específica3.

Não se conhece completamente a prevalência de HA no Brasil, uma vez que os estudos sobre a patologia têm enfocado praticamente as regiões sul e sudeste do país4. Alguns autores afirmam que 20% dos adultos brasileiros sofrem de HA, enquanto a prevalência da doença entre indivíduos que vivem em áreas urbanas parece variar de 22,3% a 43,9%, com base nos critérios da Joint National Committee (JNC)2. Considerando-se que até o presente existem poucos estudos sobre a prevalência de HA em áreas rurais do Brasil4, investigamos a prevalência dessa doença entre os habitantes de uma comunidade rural localizada no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais (MG), Brasil.

Métodos

O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais, de acordo com a Declaração de Helsinki e a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Todos os indivíduos que fizeram parte do estudo foram informados sobre os objetivos da pesquisa e sobre seus direitos enquanto participantes e, voluntariamente, assinaram o termo de consentimento.

Um estudo transversal e de base populacional foi realizado na comunidade de Virgem das Graças, localizada no município de Ponto dos Volantes, no nordeste do estado de Minas Gerais. Em 2001, uma pesquisa havia revelado que a comunidade tinha 685 habitantes, dos quais 408 tinham > 18 anos de idade. Excluímos 121 participantes pelos seguintes motivos: 7 mulheres grávidas, 3 pacientes com empecilhos médicos ou cirúrgicos, 55 indivíduos estavam fora da comunidade no momento da pesquisa e 56 não aderiram aos procedimentos do estudo. Com isso, a amostra final era composta de 287 indivíduos.

Pesquisadores adequadamente treinados realizaram as entrevistas, usando um questionário estruturado com perguntas sobre os aspectos sociais, demográficos e de estilo de vida dos participantes da pesquisa. Ao final da entrevista, procedeu-se a uma avaliação clínica que incluiu medidas antropométricas (peso corporal, estatura, circunferência da cintura [CC] e circunferência do quadril [CQ]), de acordo com recomendações padrão5. As medidas foram repetidas 3 vezes e, em seguida, registrados os valores médios.

A composição corporal de cada participante foi avaliada usando-se o aparelho de bioimpedância RJL (BIA – 101 Q; RJL Systems, Detroit) e calculada com o software Cyprus versão 1.2 que acompanhava o instrumento. Níveis de gordura corporal acima de 25% em homens ou de 30% em mulheres foram usados como pontos de corte para definir obesidade6.

O índice de massa corporal (IMC) foi calculado usando-se a fórmula: IMC = peso (kg) / altura2 (m) e classificado de acordo com os pontos de corte estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS)7. A obesidade abdominal foi diagnostica usando-se os critérios propostos pela OMS7. A relação entre circunferência da cintura e circunferência do quadril (RCQ) foi calculada usando-se a seguinte fórmula: RCQ = CC / CQ e classificada de acordo com as recomendações da OMS7.

Foram colhidas amostras de sangue (5 mL) de cada sujeito por meio de punção venosa, depois de um período de jejum de 12 horas. Alíquotas de soro e plasma obtidas pela centrifugação de cada amostra foram adequadamente preparadas e armazenadas em frascos mantidos a uma temperatura de 4ºC até o momento da análise bioquímica. Para determinar as concentrações de colesterol total (CT), triglicerídeos (TG) e glicose, usaram-se métodos enzimáticos-colorimétricos e o analisador Roche Cobas Mira Plus. A concentração de lipoproteína de alta densidade (HDL-C) também foi determinada por ensaio enzimático-colorimétrico, após precipitação da lipoproteína de baixa densidade (LDL-C) e da lipoproteína de muito baixa densidade (VLDL-C) com ácido fosfotúngstico e cloreto de magnésio. Os níveis de LDL-C foram calculados segundo a equação de Friedewald: LDL-C = CT – (HDL-C + TG/5).

Dislipidemia e hiperglicemia foram classificadas de acordo com consenso brasileiro aplicável.

A pressão arterial foi determinada por um método indireto, usando-se um esfigmomanômetro de mercúrio e de acordo com as recomendações da JNC2. As medidas foram feitas três vezes em cada sujeito, com um intervalo de 2 minutos entre cada uma delas. Com base nos valores médios, os participantes foram classificados como hipertensos quando sua pressão arterial sistólica era > 140 mmHg e/ou quando a pressão arterial diastólica era > 90 mmHg e/ou se o indivíduo usasse medicamentos anti-hipertensivos regularmente. Neste estudo, HA foi definida como variável dependente.

Inicialmente, a população participante do estudo (n = 287) foi comparada quanto às suas características demográficas, sociais e econômicas com a população que não estava participando do estudo (n = 121), e as diferenças entre os dois grupos foram identificadas pelo teste de qui-quadrado de Pearson. Uma vez que a amostra final tendia a ser mais velha e a ter mais anos de escolaridade formal, foram calculadas prevalências de HA padronizadas por idade e escolaridade usando-se para isso uma técnica de padronização direta com o software Epidat (OPAS/OMS) versão 3.0. A população padrão era composta por habitantes adultos de uma área rural de Minas Gerais, cujos dados foram obtidos do Censo de 2000 realizado pelo Instituto de Geografia e Estatística (IBGE).

As possíveis relações entre a prevalência de HA e as covariáveis de interesse foram examinadas por meio de análises bivariadas; todas as covariáveis com significância inferior a 0,20 (p < 0,20) foram incluídas no modelo final. As variáveis foram ajustadas por meio de regressão logística multivariada passo a passo. A Odds Ratio (OR) e o seu respectivo intervalo de confiança [IC (95%)] foram calculados para determinar a força de associação entre uma covariável e a HA. O nível de significância estatística foi estabelecido em 5% (p < 0,05). Os dados foram compilados e analisados com o auxílio do programa SPSS (Statistical Package for Social Sciences), versão 10.0.

Resultados

As características demográficas e sócio-econômicas de ambos os grupos (participantes e não participantes) da população adulta de Virgem das Graças estão indicadas na Tabela 1. Como se pode ver, o grupo não participante do estudo era mais jovem e tinha um nível mais elevado de escolaridade.

HA foi diagnosticada em 47,0% [IC (95%) = 41,1 – 53,0] dos indivíduos participantes do estudo, sem diferenças significantes quanto ao sexo (Tabela 2).

As prevalências de HA padronizadas por idade e escolaridade foram inferiores à prevalência bruta, respectivamente 43,2% [IC (95%) = 35,7 – 50,7] e 44,1% [IC (95%) = 43,9 – 44,3]. A prevalência de HA permaneceu, no entanto, semelhante entre homens e mulheres.

A Tabela 3 mostra que havia diferenças significantes entre homens e mulheres quanto a tabagismo e consumo de álcool, sendo os níveis mais elevados observados entre os homens. Entre as mulheres, a HA estava associada com idade, cor da pele e nível de escolaridade, sendo também positivamente relacionada à menopausa. A prevalência de HA tendeu a aumentar com a idade e com o número menor de anos de escolaridade. Na população masculina, porém, a HA foi significantemente associada somente à idade, especialmente entre os indivíduos de 50 a 59 anos [OR = 4,18; IC (95%) = 1,37 – 12,71], embora a freqüência de HA em geral tendesse a aumentar depois dos 40 anos de idade.

Conforme indicado na Tabela 4, a obesidade foi mais prevalente entre as mulheres e todas as covariáveis, exceto o percentual de gordura corporal, estavam associadas com HA: a prevalência de HA tendia a aumentar com a CC. Na população masculina, não houve associações entre HA e as diversas covariáveis.

Todas as variáveis bioquímicas dosadas, exceto glicemia, foram associadas com a prevalência de HA entre as mulheres, ao passo que, entre os homens, HDL-C foi a única variável associada com a prevalência de HA. Além disso, a prevalência de hipertrigliceridemia foi mais elevada entre as mulheres (Tabela 4). A Tabela 5 mostra os resultados da análise multivariada. Idade [OR = 1,05; IC (95%) = 1,03 – 1,07], níveis elevados de triglicerídeos [OR = 6,04; IC (95%) = 1,22 – 29,89], CC [nível de risco 2; OR = 3,84; IC (95%) = 1,50 – 9,85] e sexo [masculino; OR = 2,03; IC (95%) = 1,01 – 4,05] continuaram associados de maneira independente à HA ajustada para possíveis variáveis de confusão.

Discussão

Os resultados do presente estudo indicam que a HA é um grave problema de saúde na comunidade de Virgem das Graças (MG, Brasil), uma vez que a prevalência da doença entre a população adulta do estudo foi de 47,0% [IC (95%) = 41,1 – 53,0]. Embora essa freqüência seja semelhante à da população de Alfenas, MG, (47,43%)8, ela é muito mais elevada do que a observada na cidade de Cavunge, localizada na área rural da Bahia, estado do nordeste brasileiro (36,5%)9 e mais alta do que os valores observados em outros países latino-americanos, como a Argentina (39,8%)10, Chile (38,5%)11, Equador (36,0%)12 e México (21,9%)13.

A prevalência de HA pode estar superestimada. Detectamos diferenças quanto à idade e escolaridade entre a população que participou do estudo e os indivíduos que não participaram. Normalmente, esse tipo de possível falha na seleção dos participantes representaria uma limitação do estudo, uma vez que indivíduos jovens de comunidades rurais em geral tendem a migrar para os centros urbanos em busca de melhores oportunidades e condições de vida. No entanto, no presente estudo, essa tendenciosidade foi minimizada corrigindo-se a freqüência observada de HA com respeito às distribuições por idade e escolaridade do total da população, usando-se para isso um método de padronização direta. Depois da correção, a prevalência de HA ainda continuava relativamente alta: 43,2% [IC (95%) = 35,7 – 50,7] na padronização por idade e 44,1% [IC (95%) = 43,9 – 44,3] na padronização por escolaridade, embora esses índices fossem semelhantes aos encontrados nos centros urbanos brasileiros, como Araraquara (43,1%)14 e Cotia (44,0%)15, ambos localizados no estado de São Paulo, no sudeste brasileiro.

A prevalência de HA em Virgem das Graças foi diretamente associada com idade tanto nos homens quanto nas mulheres, como indicado pela análise bivariada e multivariada. O aumento da pressão arterial em indivíduos com mais idade é normalmente associado ao desenvolvimento de arteriosclerose e o conseqüente mau funcionamento das artérias, o que resulta em HA sistólica isolada2.

A análise multivariada revelou que a prevalência de HA era maior nos homens do que nas mulheres, o que corrobora os dados da literatura4, embora a prevalência de HA tenha sido mais alta entre mulheres a partir dos 60 anos de idade. Hildretch e Saunders16 já haviam demonstrado que a HA é mais freqüente entre homens de 45 a 50 anos, mas que a prevalência entre mulheres aumenta acima dessa faixa etária. A alta prevalência de HA em mulheres de mais idade (> 60 anos) possivelmente coincide com o início da menopausa uma vez que, antes dessa fase, do ponto de vista hemodinâmico as mulheres são mais jovens que homens da mesma idade. Assim, embora mulheres mais jovens sejam menos vulneráveis à HA e a doenças cardiovasculares do que homens da mesma idade, após a menopausa essa situação se inverte2. Neste estudo, a prevalência de HA em mulheres que já estavam na fase da menopausa foi de 69,2%, enquanto a prevalência entre as mulheres que ainda não tinham atingido essa fase foi de 32,5%, uma diferença estatisticamente significante (r < 0,001).

Este estudo revelou que a obesidade (em geral e a abdominal) era mais prevalente entre mulheres que homens: Matos e Ladeia9 relataram resultados semelhantes na cidade de Cavunge, localizada na área rural da Bahia, Brasil. Alguns estudos sugerem que o acúmulo de tecido adiposo na região abdominal é um fator de risco mais significante para doenças cardiovasculares do que a massa total de gordura17, podendo ser usado como indicador de pacientes de maior risco18. Neste estudo, a CC foi positivamente associada a HA. De acordo com as análises bivariada e multivariada, a prevalência de HA aumentava quanto maior a CC, porém, depois da análise multivariada, a associação positiva entre CC e HA continuou somente para nível de risco 2 [OR = 3,84; IC (95%) = 1,50 – 9,85].

Entre os indivíduos com níveis elevados de CT, LDL-C e TG, 56,7, 58,7 e 90,5%, eram hipertensos, respectivamente. A doença também estava presente em 69,2% dos indivíduos que tinham níveis baixos de HDL-C. No Canadá, o Quebec Cardiovascular Study19 demonstrou que níveis aumentados de LDL-C e TG, e níveis reduzidos de HDL-C, estavam associados a um maior risco de doenças cardiovasculares num período de 5 anos.

No presente estudo, só os níveis elevados de TG permaneceram diretamente associados a HA depois da análise multivariada. Alguns estudos sugerem que níveis elevados de TG representam o fator de risco mais significante associado a doenças cardiovasculares20.

Um dos aspectos mais importantes deste estudo foi o de detectar uma associação positiva entre HA, CC e níveis altos de TG sérico. Níveis elevados de TG sérico foram detectados em sujeitos com obesidade abdominal21, e alguns autores se referem à ocorrência desses dois fatores como cintura hipertrigliceridêmica. Existe um número considerável de evidências indicando uma nítida associação entre cintura hipertrigliceridêmica e risco de doenças cardiovasculares21,22-24.

Um outro aspecto interessante deste estudo foi a alta prevalência de componentes da síndrome metabólica, principalmente em mulheres. Um estudo recente realizado com essa mesma população mostrou que 21,6% dos indivíduos apresentavam síndrome metabólica, com uma diferença relevante entre homens (7,7%) e mulheres (33,6%)25.

É importante enfatizar que, em virtude do delineamento transversal deste estudo, as associações observadas podem não ter causalidade entre si, uma vez que os determinantes e o desfecho foram medidos em um único momento. No entanto, o modelo multivariado indicou que os possíveis fatores independentemente associados a HA na população de Virgem das Graças eram idade, sexo, hipertrigliceridemia e obesidade abdominal. Vale notar que a alta prevalência de HA, dislipidemia e obesidade revelada por este estudo são patologias que aumentam o risco de aterosclerose, o que, por sua vez, é um fator relevante para a ocorrência de infarto do miocárdio e acidentes cerebrovasculares22. É, portanto, necessário que as autoridades do setor da saúde adotem urgentemente medidas para o tratamento, controle e prevenção da HA, dislipidemia e obesidade, visando a reduzir a incidência de doenças cardiovasculares incapacitantes e letais entre as populações rurais.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses relacionados com este artigo.

Fontes de Financiamento

O presente estudo foi financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG); National Institute of Health (NIH); Fogarty International Center.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte da dissertação de mestrado de Adriano Marçal Pimenta pela Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais.

Artigo recebido em 22/05/07; revisado recebido em 14/09/07; aceito em 17/10/07.

  • 1
    World Health Organization/International Society of Hypertension. Guidelines for the management of hypertension. J Hypertens. 1999; 17: 151-83.
  • 2
    Sociedade Brasileira de Hipertensão. IV Diretrizes brasileiras de hipertensão arterial. Rev Bras Hipertens. 2002; 9: 359-408.
  • 3
    Hamet P. The burden of blood pressure: where are we and where should we go? Can Cardiol. 2000; 16: 1483-7.
  • 4
    Lessa I, Mendonça GA, Teixeira MT. Non-communicable chronic diseases in Brazil: from risk factors to social impact. Bol Oficina Sanit Panam. 1996; 120: 389-413.
  • 5
    Lohman TG, Roche AF, Martorell R. Anthropometric standardization reference manual. Champaign: Human Kinetics Books; 1988.
  • 6
    Pichard C, Kyle UG, Bracco D, Slosman DO, Morabia A, Schutz Y. Reference values of fat-free and fat masses by bioelectrical impedance analysis in 3393 healthy subjects. Nutrition. 2000; 16: 245-54.
  • 7
    Physical status: the use and interpretation of anthropometry. Report of a WHO Expert Committee. World Health Organ Tech Rep Ser. 1995; 854: 1-452.
  • 8
    Singi G, Gazola R, Bento AC. Arterial hypertension in country. Rev Bras Med. 2000; 57: 836-40.
  • 9
    Matos AC, Ladeia AM. Assessment of cardiovascular risk factors in rural community in the Brazilian state of Bahia. Arq Bras Cardiol. 2003; 81: 297-302.
  • 10
    Lena SM, Cingolani HE, Almiron MA, Echeverria R. Prevalence of arterial hypertension in a rural population of the Province of Buenos Aires. Medicina (Buenos Aires). 1995; 55: 225-30.
  • 11
    Fasce E, Perez H, Boggiano G, Ibanez P, Nieto C. Hypertension in rural communities: study in the VIII region, Chile. Rev Med Chile. 1993; 121: 1058-67.
  • 12
    Anselmi M, Avanzini F, Moreira JM, Montalvo G, Arman D, Pradi R, et al. Treatment and control of arterial hypertension in a rural community in Ecuador. Lancet. 2003; 361: 1186-7.
  • 13
    Guerrero-Romero JF, Rodriguez-Moran M. Prevalence of arterial hypertension and related factors in a marginated rural population. Salud Public Mex. 1998; 40: 339-46.
  • 14
    Lolio CA. Prevalence of arterial hypertension in Araraquara. Arq Bras Cardiol. 1990; 55: 167-73.
  • 15
    Martins IS, Marucci MFN, Velásquez-Meléndez G, Coelho LP, Cervato AM. Atherosclerotic cardiovascular disease, lipemic disorders, hypertension, obesity and diabetes mellitus in the population of a metropolitan area of south-eastern Brazil. III – Hypertension. Rev Saude Publica. 1997; 31: 466-71.
  • 16
    Hildreth CJ, Saunders E. Hypertension in blacks. Md Med J. 1991; 40: 213-7.
  • 17
    Gillum RF, Mussolino ME, Madans JH. Body fat distribution and hypertension incidence in women and men. The NHANES I epidemiological follow-up study. Int J Obes Relat Metab Disord. 1998; 22: 127-34.
  • 18
    Han TS, Van Leer EM, Seidell JC, Lean MEJ. Waist circumference action levels in the identification of cardiovascular risk factors: prevalence study in a random sample. BMJ. 1995; 331: 1401-5.
  • 19
    Lamarche B, Tchernof A, Mauriege P, Cantin B, Dagenais GR, Lupien PJ, et al. Fasting insulin and apolipoprotein B levels and low-density lipoprotein particle size as risk factors for ischemic heart disease. JAMA. 1998; 279: 1955-61.
  • 20
    Coughlan BJ, Sorrentino MJ. Does hypertriglyceridemia increase risk for CAD? Growing evidence suggests it plays a role. Postgrad Med. 2000; 108: 77-84.
  • 21
    Bard JM, Charles MA, Juhan-Vague I, Safar AP, Fruchart JC, Eschewege E. Accumulation of triglyceride-rich lipoprotein in subjects with abdominal obesity: the biguanides and the prevention of the risk of obesity (BIGPRO Study Group). Arterioscler Thromb Vasc Biol. 2001; 21: 407-14.
  • 22
    Lemieux I, Pascot A, Couillard C, Lamarche B, Tchernof A, Almeras N, et al. Hypertriglyceridemic waist: a marker of the metabolic triad (hyperinsulinemia; hyperapolipoprotein B; small, dense LDL) in men? Circulation. 2000; 102: 179-84.
  • 23
    Solati M, Ghanbarian A, Rahmani M, Sarbazi N, Allahverdian S, Azizi F. Cardiovascular risk factors in males with hypertriglycemic waist (Tehran Lipid and Glucose Study). Int J Obes Relat Metab Disord. 2004; 28: 706-9.
  • 24
    Scarsella C, Despress JP. Treatment of obesity: the need to target attention on high-risk patients characterized by abdominal obesity. Cad Saude Publica. 2003; 19: 7-19.
  • 25
    Velásquez-Meléndez G, Gazzinelli A, Côrrea-Oliveira R, Pimenta AM, Kac G. Prevalence of metabolic syndrome in a rural area of Brazil. Sao Paulo Med J. 2007, 125: 155-62.
  • Correspondência:

    Gustavo Velásquez-Meléndez
    Avenida Alfredo Balena, 190
    30130-100 - Belo Horizonte, MG - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Jun 2008
    • Data do Fascículo
      Jun 2008

    Histórico

    • Revisado
      14 Set 2007
    • Recebido
      22 Maio 2007
    • Aceito
      17 Out 2007
    Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@cardiol.br