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Como Escolher a Prótese Valvar mais Adequada para meu Paciente?

Palavras-chave
Próteses Valvulares Cardíacas; Doença das Valvas Cardíacas; Bioprótese; Próteses Articulares Metal-Metal; Implante de Valva Cardíaca/tendências

O manuscrito: " Comparação de Próteses Biológicas e Mecânicas para Cirurgia de Válvula Cardíaca: Revisão Sistemática de Estudos Controlados Randomizados"11 Kiyose AT, Suzumura EA, Laranjeira L, Buehler AM, Espirito Santo JA, Berwanger O, et al. Comparação de próteses biológicas e mecânicas para cirurgia de valvula cardíaca: revisão sistemática de estudos controlados randomizados. Arq Bras Cardiol. 2019; 112(3):292-301. aborda uma questão controversa. Os autores fizeram uma meta-análise de estudos randomizados envolvendo seguimento a longo prazo de pacientes que necessitaram de substituição valvar cardíaca revelando mortalidade semelhante entre pacientes que foram submetidos ao implante de próteses biológicas e aqueles que foram submetidos ao implante de próteses mecânicas. Não houve diferenças significantes em relação ao risco de tromboembolismo e endocardite. Entretanto, o risco de sangramento foi aproximadamente um terço menor entre os pacientes tratados com próteses biológicas, em relação aos tratados com próteses mecânicas. Em contrapartida, a necessidade de reoperação entre os pacientes tratados com biopróteses foi ao menos três vezes maior que a dos pacientes tratados com próteses mecânicas.

Os autores selecionaram estudos "randomizados" para evitar viés de avaliação. O estudo é interessante, pois procura ser fiel a avaliações randomizadas, que são muito incomuns na literatura das doenças valvares, sobretudo à época em que foram realizados os estudos.

A escolha da prótese valvar mais adequada aos nossos pacientes, deve levar em consideração fatores clássicos como idade (jovens: tendência para mecânicas/idosos: biológicas), sexo (mulheres em idade fértil: tendência para biológicas), número de cirurgias cardíacas prévias (duas ou mais cirurgias: preferência por mecânicas), necessidade de anticoagulação permanente (mecânicas), fatores socio-educacionais (dificuldade em aceitação ou controle da anticoagulação e/ou contraindicação à anticoagulação: próteses biológicas) e finalmente, e mais importante, respeitar a preferência do paciente.22 Tarasoutchi F, Montera MW, Ramos AIO, Sampaio RO, Rosa Vee, Accorsi TAD, et al. Atualização das Diretrizes Brasileiras de Valvopatias: abordagem das lesões anatomicamente importantes. Arq Bras Cardiol 2017: 109(6 supl 2):1-34.

Considerando-se somente o fator idade, as diretrizes em doenças valvares têm recomendado, a escolha de próteses mecânicas para pacientes mais jovens, ou seja, com idade inferior a 50 anos (AHA/ACC/ESC) e biológicas para pacientes acima de 65-70 anos.33 Nishimura RA, Otto CM, Bonow RO, Carabello BA, Erwin JP 3rd, Fleister LA, et al. 2017 AHA/ACC Focused Update of the 2014 AHA/ACC Guideline for the Management of Patients With Valvular Heart Disease A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Clinical Practice Guidelines. Circulation. 2017;135(25):e1159-e1195.,44 Baumgartner H, Falk V, Bax JJ, De Bonis M, Hamm C, Holm PJ, et al. 2017 ESC/EACTS Guidelines for the management of valvular heart disease The Task Force for the Management of Valvular Heart Disease of the European Society of Cardiology (ESC) and the European Association for Cardio- Thoracic Surgery (EACTS). Eur Heart J. 2017;38(36):2739-91. Entretanto, a melhor prótese a ser indicada no intervalo entre 50 e 70 anos, persiste controversa.33 Nishimura RA, Otto CM, Bonow RO, Carabello BA, Erwin JP 3rd, Fleister LA, et al. 2017 AHA/ACC Focused Update of the 2014 AHA/ACC Guideline for the Management of Patients With Valvular Heart Disease A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Clinical Practice Guidelines. Circulation. 2017;135(25):e1159-e1195.

4 Baumgartner H, Falk V, Bax JJ, De Bonis M, Hamm C, Holm PJ, et al. 2017 ESC/EACTS Guidelines for the management of valvular heart disease The Task Force for the Management of Valvular Heart Disease of the European Society of Cardiology (ESC) and the European Association for Cardio- Thoracic Surgery (EACTS). Eur Heart J. 2017;38(36):2739-91.
-55 Head SJ, Çelik M, Kappetein AP. Mechanical versus bioprosthetic aortic valve replacement. Eur Heart J. 2017; 38(28):2183-91 Recentes avaliações demostraram uma possível maior durabilidade das próteses biológicas mais modernas e uma tendência mundial em escolher biopróteses para pacientes cada vez mais jovens. Desde a década de 1990 a 2013, notou-se aumento de três a quatro vezes mais do implante de próteses biológicas tanto em posição aórtica quanto mitral.66 Goldstone AB, Chiu P, Baiocchi M, Lingala B, Patrick WL, FischbeinMP, Woo YJ. Mechanical or biologic prostheses for aortic-valve and mitral-valve replacement. N Engl J Med. 2017; 377(19):1847-57. Novas técnicas médicas, como a possibilidade de implante de uma prótese dentro de outra prótese (“valve-in-valve”),77 Sampaio RO, Paixão MR, Miranda TT, Veronese ET, Palma JHA, Tarasoutchi F. Combined mitral and aortic valvar bioprosthesis transcatheter transapical implant: first description in Brazil. Arq Bras Cardiol. 2017;109(5):491-4. também tem sido promissoras, para evitar o uso de próteses mecânicas e a obrigatória anticoagulação e seus já conhecidos riscos, ou seja, sangramento e/ou eventos tromboembólicos.

O estudo de Kiyose et al.,11 Kiyose AT, Suzumura EA, Laranjeira L, Buehler AM, Espirito Santo JA, Berwanger O, et al. Comparação de próteses biológicas e mecânicas para cirurgia de valvula cardíaca: revisão sistemática de estudos controlados randomizados. Arq Bras Cardiol. 2019; 112(3):292-301. demonstrou que "ambas as próteses apresentam mortalidade tardia semelhantes". Entretanto, sabemos que esses achados podem ter ocorrido por viés de avaliação devido ao tempo de acompanhamento inadequado na maioria dos estudos randomizados ou observacionais.88 Chikwe J, Chiang YP, Egorova NN, Itagaki S, Adams DH. Survival and outcomes following bioprosthetic vs mechanical mitral valve replacement in patients aged 50 to 69 years. JAMA. 2015; 313(14):1435-42.,99 Hirji AS, Kolkailah AA, Ramirez-Del Val F, Lee J,McGurk S, Pelletier M, et al. Mechanical versus bioprosthetic aortic valve replacement in patients aged 50 years and younger. Ann Thorac Surg. 2018;106(4):1113-20. Além disso, as prótese valvares avaliadas nesses estudos estão, na maioria das vezes, desatualizadas ou até mesmo fora do mercado. A informação torna-se “histórica”, mas, mantem-se a necessidade de contínua avaliação para identificar a real durabilidade das próteses, que variam bastante. A deterioriação estrutural das próteses biológicas correlacionam-se com a idade de implante, assim em 15 anos, 50% das próteses implantadas aos 20 anos terão deterioriação estrutural, reduzindo para 30% se implantadas aos 40 anos e 10%, se após os 70 anos.33 Nishimura RA, Otto CM, Bonow RO, Carabello BA, Erwin JP 3rd, Fleister LA, et al. 2017 AHA/ACC Focused Update of the 2014 AHA/ACC Guideline for the Management of Patients With Valvular Heart Disease A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Clinical Practice Guidelines. Circulation. 2017;135(25):e1159-e1195.

A relevância desse estudo é advertir para um tema inacabado. É possível que próteses biológicas com tecnologia mais refinada, durem mais, comprometendo o principal fator para uso de próteses mecânicas, que é evitar novas cirurgias cardíacas. Entretanto, o mesmo pode ocorrer, com próteses mecânicas com melhor perfil tecnológico, reduzindo a necessidade de anticoagulação com valores elevados de INR. Sabe-se, igualmente, que pacientes complacentes, com excelente monitorização da anticoagulação, tem reduzido de eventos de sangramento ou tromboembolismo.

Endopróteses implantadas por cateter tem contribuído para a mudança deste cenário, e acreditamos que a tendência de implante de próteses biológica em pacientes cada vez mais jovens, deva se tornar rotineira em futuro próximo.

Concluindo, parece razoável admitir a escolha de próteses biológicas em pacientes que não necessitam de anticoagulação permanente, com idade maior que 60-65 anos, para mulheres que desejam engravidar e pacientes com dificuldade em monitorar ou com contraindicação à anticoagulação. Por outro lado, reservar as próteses mecânicas para os mais jovens, usuários crônicos de anticoagulante e pacientes com múltiplas cirurgias. Lembrando que a decisão final deve ser do paciente, após detalhada explicação dos benefícios e inconvenientes de cada prótese, pelo seu cardiologista clínico e cirurgião.

  • Minieditorial referente ao artigo: Comparação de Próteses Biológicas e Mecânicas para Cirurgia de Válvula Cardíaca: Revisão Sistemática de Estudos Controlados Randomizados

References

  • 1
    Kiyose AT, Suzumura EA, Laranjeira L, Buehler AM, Espirito Santo JA, Berwanger O, et al. Comparação de próteses biológicas e mecânicas para cirurgia de valvula cardíaca: revisão sistemática de estudos controlados randomizados. Arq Bras Cardiol. 2019; 112(3):292-301.
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    Tarasoutchi F, Montera MW, Ramos AIO, Sampaio RO, Rosa Vee, Accorsi TAD, et al. Atualização das Diretrizes Brasileiras de Valvopatias: abordagem das lesões anatomicamente importantes. Arq Bras Cardiol 2017: 109(6 supl 2):1-34.
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    Head SJ, Çelik M, Kappetein AP. Mechanical versus bioprosthetic aortic valve replacement. Eur Heart J. 2017; 38(28):2183-91
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    Goldstone AB, Chiu P, Baiocchi M, Lingala B, Patrick WL, FischbeinMP, Woo YJ. Mechanical or biologic prostheses for aortic-valve and mitral-valve replacement. N Engl J Med. 2017; 377(19):1847-57.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar 2019
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