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Aneurismas múltiplos de pontes aorto-coronárias de veia safena com ruptura fatal

Resumos

Aneurismas de pontes aorto-coronárias de veia safena são eventos raros, usualmente assintomáticos e detectados de forma incidental. Rupturas espontâneas de pontes de safena são raras, havendo poucos dados radiológicos disponíveis na literatura. Relatamos o caso de um senhor de 39 anos internado com hematêmese dez anos depois de ter sido submetido a cirurgia de revascularização miocárdica. Imagens tomográficas mostraram três aneurismas nas pontes de safena, mas o exame não detectou ruptura. O paciente veio a falecer e a necropsia revelou que a causa do óbito havia sido ruptura de aneurisma de pontes de safena. Esse caso ilustra a necessidade de tratamento agressivo de aneurismas sintomáticos de pontes coronarianas.

Aneurisma coronariano; revascularização miocárdica; cirurgia cardíaca; ruptura cardíaca; ponte de artéria coronária


Aortocoronary saphenous vein graft (SVG) aneurysms are rare, and are usually asymptomatic and detected incidentally. Spontaneous rupture of SVG is rare and imaging data are few. We report on a 39-year old man who was admitted to the hospital with hematemesis 10 years after aortocoronary bypass surgery. CT images revealed 3 aortocoronary SVG aneurysms, but failed to detect any rupture. His subsequent death due to rupture of SVG aneurysm was documented at autopsy, illustrating the need for aggressive treatment of symptomatic coronary graft aneurysms.

Coronary aneurysm; myocardial revascularization; cardiac surgery; heart rupture; coronary artery bypass


RELATO DE CASO

Aneurismas múltiplos de pontes aorto-coronárias de veia safena com ruptura fatal

Fábio R. Távora; Jean Jeudy; Allen P. Burke

University of Maryland, Department of Pathology and Department of Radiology, Thoracic Imaging – Baltimore, MD - USA

Correspondência Correspondência: Fabio Távora University of Maryland Medical School 22 South Greene Street, Room NBW43 Baltimore, MD, USA 21201 E-mail: ftavora@gmail.com

RESUMO

Aneurismas de pontes aorto-coronárias de veia safena são eventos raros, usualmente assintomáticos e detectados de forma incidental. Rupturas espontâneas de pontes de safena são raras, havendo poucos dados radiológicos disponíveis na literatura. Relatamos o caso de um senhor de 39 anos internado com hematêmese dez anos depois de ter sido submetido a cirurgia de revascularização miocárdica. Imagens tomográficas mostraram três aneurismas nas pontes de safena, mas o exame não detectou ruptura. O paciente veio a falecer e a necropsia revelou que a causa do óbito havia sido ruptura de aneurisma de pontes de safena. Esse caso ilustra a necessidade de tratamento agressivo de aneurismas sintomáticos de pontes coronarianas.

Palavras-chave: Aneurisma coronariano, revascularização miocárdica, cirurgia cardíaca, ruptura cardíaca, ponte de artéria coronária.

Introdução

Aneurismas de pontes aorto-coronárias de veia safena são uma complicação incomum da cirurgia de revascularização miocárdica. A ocorrência de ruptura espontânea de aneurismas de pontes de safena é raríssima1,2. Relatamos o caso de um homem de 39 anos com múltiplos aneurismas de pontes coronarianas detectados dez anos após cirurgia de revascularização, com ruptura do maior aneurisma para a cavidade pleural esquerda.

Relato do Caso

Um homem branco de 39 anos foi internado com dor no peito e hematêmese dez anos depois de ter sido submetido a uma cirurgia de revascularização miocárdica com enxertos provenientes de artéria torácica interna e de veia safena. Foram constatados infarto agudo do miocárdio sem supradesnivelamento do segmento ST e pneumonia bilateral. A ausculta cardíaca revelou bulhas rítmicas normofonéticas em 2 tempos e sopro sistólico de ejeção II/IV na borda esternal superior esquerda, sem sopro carotídeo ou abdominal. Os valores dos exames laboratoriais iniciais foram os seguintes: contagem de leucócitos, 8,4 x 109 cel/l; hemoglobina, 9,6 g/dl; hematócrito, 29,9%; contagem de plaquetas, 55.000/ µl; Na+, 149 mmol/l; K+, 4,4 mmol/l; nitrogênio uréico sérico, 57 mg/dl; creatinina, 1,2 mg/dl; creatinoquinase (CK), 284 U/l (faixa de referência, 26–190); CK-MB, 4,6 IU/l (faixa de referência, 0,0–3,9); troponina cardíaca I (cTnI), 1,4 ng/ml (faixa de referência, 0,0–1,0); e mioglobina, 81 IU/l (faixa de referência, 0–70). Após 12 horas os exames laboratoriais foram repetidos, apresentando os seguintes resultados: Na+, 137 mmol/l; K+, 4,2 mmol/l; nitrogênio uréico sérico, 23 mg/ dl; creatinina, 1,2 mg/dl; glicose, 89 mg/dl; CK, 276 U/l; CK-MB, 4,9 IU/l; cTnI, 1,4 ng/ml; e mioglobina, 79 IU/l. O coagulograma e o ECG mostraram-se absolutamente normais. Uma radiografia do tórax revelou a presença de infiltrados pulmonares bilaterais, área cardíaca aumentada e derrame pleural à esquerda. Um dia após a internação, o paciente apresentou grave angústia respiratória e precisou de ventilação mecânica. Foi instituída terapia com piperacilina, tazobactam e gentamicina. Doripenem foi acrescentado em seguida ao regime antimicrobiano. Em decorrência da hematêmese, não foi administrada heparina.

O paciente foi submetido a uma toracocentese para drenagem do derrame pleural à esquerda, sendo drenados 900 mililitros de líquido pleural sanguinolento. Durante os dois dias subseqüentes continuou a drenar grandes quantidades de sangue (cerca de um litro por dia) através da sonda pleural, vindo a falecer após tentativa frustrada de ressuscitação.

Imagens de tomografia computadorizada (TC) do tórax realizada um dia após a internação revelaram a presença de aneurismas em duas pontes aorto-coronárias de veia safena. Foram detectados dois aneurismas da ponte de safena para a região da artéria coronária descendente anterior esquerda e um aneurisma de ponte de safena dilatado e trombosado, para a região da artéria coronária descendente posterior direita. Não foi detectada ruptura de nenhum dos aneurismas. Observou-se também uma ponte de artéria torácica interna, aparentemente normal (Fig. 1).


Na autópsia, o coração pesou 460 gramas. Havia três pontes aorto-coronárias. Uma ponte para o primeiro ramo diagonal tinha aspecto filiforme, com oclusão proximal na anastomose aórtica. A ponte para a artéria descendente anterior esquerda (DAE) mostrou um aneurisma de 8 cm, próximo à anastomose distal (Fig. 2A) preenchido com resíduos ateroscleróticos e com calcificação focal da parede. A ponte para a artéria coronária direita mostrou um aneurisma de 5 cm aderido ao átrio direito e à artéria pulmonar, que havia se rompido e causado hemorragia para o interior da cavidade torácica (fig. 2B). Havia dois infartos cicatrizados na parede posterior do ventrículo esquerdo, um subendotelial e outro transmural. Não foram encontrados trombos murais. Foi identificada uma ponte de artéria torácica interna para a artéria DAE distalmente ao enxerto, aparentemente pérvia. O ventrículo esquerdo estava moderadamente dilatado. A parede posterior do ventrículo direito tinha 5 mm de espessura, e a parede anterior do ventrículo esquerdo tinha 14 mm de espessura, com adelgaçamento da parede lateral na área infartada. Não havia calcificação significativa, nem vegetações nas valvas. Os pulmões direito e esquerdo pesaram, respectivamente, 560 e 410 gramas. O parênquima dos dois pulmões estava congesto, apresentando atelectasia focal.


Secções microscópicas do aneurisma da ponte de safena para a artéria coronária direita demonstraram a formação de pseudo-aneurisma com fibrina, hemorragia (fig. 3A) para o tecido gorduroso adjacente e o timo, calcificação da parede do enxerto e aderência à parede do átrio direito. Secções do miocárdio revelaram a presença de fibrose intersticial difusa e hipertrofia miocítica. A parede lateral (transmural; fig. 3B) e a parede posterior (subendocárdica) do ventrículo esquerdo apresentavam áreas de infarto cicatrizadas. Uma secção da ponte de veia safena para o primeiro ramo diagonal demonstrou um vaso com aspecto filiforme quase totalmente ocluído. Secções da ponte de veia safena para a artéria DAE mostraram a formação de placa ateromatosa com oclusão quase total por fibroateroma calcificado (fig. 3C). Distalmente à oclusão, o lúmen estava estreitado difusamente por placa aterosclerótica calcificada. Secções da ponte para a artéria DAE mostraram dilatação aneurismática, placa aterosclerótica rica em lipídios e hemorragia no interior da placa.


Discussão

Aneurismas de pontes de veia safena são raros, e a sua detecção costuma ser acidental. A falha em diagnosticar pode levar à ocorrência de diversas complicações, como hemorragia3, infarto do miocárdio4 e morte2. Esses aneurismas podem apresentar-se também como massas mediastinais que comprimem estruturas adjacentes ou ser detectados por ocasião dos exames para investigação de infarto do miocárdio4. As imagens de TC e ressonância magnética (RM) permitem determinar o tamanho, a permeabilidade e o efeito do aneurisma sobre as estruturas vizinhas5.

Foram publicados quatro casos de ruptura de aneurisma de ponte de safena1-3,6. Davey e cols. detectaram um aneurisma por meio de tomografia computadorizada. Um novo exame demonstrou vazamento do contraste para os tecidos vizinhos, porém sem identificar o local exato da ruptura2. Dimitri e cols. também identificaram um aneurisma por meio de imagens tomográficas, que foi confirmado posteriormente por angiografia de enxerto coronariano3. Nos outros dois casos relatados não foram apresentas imagens tomográficas, e uma das rupturas foi causada pela angioplastia com balão1,6.

Foram realizadas tentativas de intervenções não-cirúrgicas para tratamento de aneurismas de pontes de safena. Dimitri e cols. descreveram um caso bem-sucedido de embolização com coil de um aneurisma de ponte de safena com vazamento para a artéria coronária direita seguido por rápida cicatrização da ferida3. O uso de stents recobertos com politetrafluoroetileno pode ser problemático em aneurismas relativamente grandes e localizações anatômicas incomuns podem tornar o procedimento arriscado. Foram descritos bons resultados a longo prazo, bem como a formação de um novo aneurisma seis meses após o procedimento7. Em casos como o descrito por Guerios e cols.8, em que o aneurisma está situado em artéria natural sem grande risco de ruptura, pode-se tentar uma abordagem mais conservadora, evitando-se a abordagem direta ou o fechamento do aneurisma.

A causa básica da morte foi aterosclerose coronariana grave, que no caso desse jovem paciente foi acelerada ou prematura, indicando um componente genético em seu risco cardiovascular. A causa imediata da morte foi ruptura espontânea de uma ponte de safena, que é uma ocorrência raríssima2. Aneurismas de pontes de veia safena são, por si só, raros, e às vezes podem comprimir as estruturas vizinhas5.

O presente relato demonstra a utilidade da TC na detecção de aneurismas de pontes de safena e registra a primeira morte causada por ruptura documentada na autópsia. Como o local da hemorragia não foi identificado, ainda não foi comprovada a utilidade das imagens tomográficas na detecção de complicações potencialmente fatais de ruptura e hemotórax. Portanto, a possibilidade de ruptura do aneurisma deve estimular a instituição imediata de tratamentos não-invasivos, como implantação de stents, para evitar a ocorrência de vazamento e hemorragia.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Artigo recebido 24/07/06; revisado recebido em 18/12/06; aceito em 17/01/07.

  • 1. Drummer E, Furey K, Hollman J. Rupture of a saphenous vein bypass graft during coronary angioplasty. Br Heart J. 1987; 58: 78-81.
  • 2. Davey P, Gwilt D, Forfar C. Spontaneous rupture of a saphenous vein graft. Postgrad Med J. 1999; 75: 363-4.
  • 3. Dimitri WR, Reid AW, Dunn FG. Leaking false aneurysm of right coronary saphenous vein graft; successful treatment by percutaneous coil embolisation. Br Heart J. 1992; 68: 619-20.
  • 4. Taliercio CP, Smith HC, Pluth JR, Gibbons RJ. Coronary artery venous bypass graft aneurysm with symptomatic coronary artery emboli. J Am Coll Cardiol. 1986; 7:435-7.
  • 5. Kalimi R, Palazzo RS, Graver LM. Giant aneurysm of saphenous vein graft to coronary artery compressing the right atrium. Ann Thorac Surg. 1999; 68:1433-7.
  • 6. Murphy JP, Jr., Shabb B, Nishikawa A, Adams PR, Walker WE. Rupture of an aortocoronary saphenous vein graft aneurysm. Am J Cardiol. 1986; 58: 555-7.
  • 7. Bosmans JM, Claeys MJ, Dilling D, Vrints CJ. Unsuccessful long-term outcome after treatment of a vein graft false aneurysm with a polytetrafluoethylene-coated Jostent. Catheter Cardiovasc Interv. 2000; 50: 105-8.
  • 8. Guerios EE, Bueno RR, Andrade PM, Nercolini DC, Pacheco AL, Tarastchuk JC, et al. Aneurysm of the left main coronary artery. Arq Bras Cardiol. 2000; 75 (6):531-6.
  • Correspondência:

    Fabio Távora
    University of Maryland Medical School
    22 South Greene Street, Room NBW43
    Baltimore, MD, USA 21201
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Jun 2007
    • Data do Fascículo
      Maio 2007

    Histórico

    • Aceito
      17 Jan 2007
    • Revisado
      18 Dez 2006
    • Recebido
      24 Jul 2006
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