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Dilatação da Artéria Coronária em Crianças com Doença Exantemática Febril sem Critérios para a Doença de Kawasaki - Uma Doença Enigmática

Palavras-chave
Cardiovascular Diseases/ diagnóstico; Artéria Coronária; Doença de Kawasaki; Febre; Exantema; Ecocardiografia/ diagnóstico por imagem

Mais de meio século se passou desde que o Prof. Tomisaku Kawasaki fez a primeira descrição de uma doença singular. Ele viu o primeiro paciente de 4 anos com febre e erupção cutânea em 1961. Naquela época, ele descreveu o diagnóstico como “desconhecido”. O título do artigo publicado foi “Síndrome do linfonodo mucocutâneo febril agudo infantil com descamação específica dos dedos das mãos e dos pés. Observação clínica de 50 casos.”11 Kawasaki T, Naoe S. History of Kawasaki disease. Clin ExP Nephrol. 2014;18(2):301-4. A partir desse “diagnóstico desconhecido”, que agora chamamos de doença de Kawasaki (DK) até a era atual, essa vasculite de causa desconhecida tornou-se a principal causa de doença cardíaca adquirida em crianças nos Estados Unidos.22 Newburger JW, Takahashi M, Gerber MA, Gewitz MH, Tani LY, Burns JC, et al. Diagnosis, treatment and long-term management of Kawasaki Disease; a statement for health professionals from Committee on Rheumatic Fever, Endocarditis, and Kawasaki Disease, Council Cardiovascular Disease in the young. American Heart Journal. Pediatrics.2014;114(6):1708-33.

Historicamente, a presença de anormalidades coronárias não era percebida até que os pacientes morressem repentinamente por complicações cardíacas. Um estudo angiográfico de 1.100 pacientes mostrou lesões na artéria coronária em 24%, com aneurismas em 8% e vários pacientes com estenoses e oclusões.33 Suzuki A, Kamiya T, Kuwahara N, Ono Y, Kohata T, Takahashi O, et al. Coronary arterial lesions of Kawasaki disease: Cardiac catheterization findings of 1100 cases. Pediatr Cardiol. 1986;7(1):3-9. Assim que as artérias coronárias se tornaram a estrutura chave para estratificação de risco, tratamento e desfecho, uma extensa pesquisa e um esforço mundial foram realizados visando o diagnóstico correto. Infelizmente, para tornar as coisas mais desafiadoras, existem formas de "DK incompleta", que se sobrepõem a outras formas de doenças exantemáticas febris em crianças.

Neste artigo original, o Dr. Reyna et al.44 Reyna J, Reyes LM, Reyes L, Campos FH, Meza P , Lagunas A, et al. Coronary artery dilatation in childrenwith febrile exanthematous illness without for Kawasaki Disease. Arq Bras Cardiol. 2019; 113(6):1114-1118. enfatizam a dilatação das artérias coronárias no contexto de doenças exantemáticas febris, mas não classificadas como DK.44 Reyna J, Reyes LM, Reyes L, Campos FH, Meza P , Lagunas A, et al. Coronary artery dilatation in childrenwith febrile exanthematous illness without for Kawasaki Disease. Arq Bras Cardiol. 2019; 113(6):1114-1118. Curiosamente, as apresentações e publicação de Kawasaki foram inicialmente recebidas com ceticismo pelo fato de seus casos constituírem uma doença recentemente reconhecida ou uma variante da escarlatina, síndrome de Stevens-Johnson ou eritema multiforme. Assim, o passo mais importante e fundamental é a definição e critérios claros da DK e das lesões da artéria coronária. Em reconhecimento aos desafios enfrentados no diagnóstico de DK “incompleta”, o Comitê de Pesquisa do Ministério da Saúde do Japão e a Japanese Circulation Society (JCS) e a American Heart Association (AHA) e a American Academy of Pediatrics (AAP ), em 2004, estabeleceram seus critérios.22 Newburger JW, Takahashi M, Gerber MA, Gewitz MH, Tani LY, Burns JC, et al. Diagnosis, treatment and long-term management of Kawasaki Disease; a statement for health professionals from Committee on Rheumatic Fever, Endocarditis, and Kawasaki Disease, Council Cardiovascular Disease in the young. American Heart Journal. Pediatrics.2014;114(6):1708-33.,55 Japanese Circulation Society, Joint Research GrouP . Guidelines for diagnosis and management of cardiovascular sequelae in Kawasaki disease. Pediatr Int. 2005;47(6):711-32. 2005;711-32. As definições e critérios para o diagnóstico da doença de Kawasaki diferem ligeiramente entre as diretrizes da AHA/AAP e as diretrizes japonesas. Os critérios de diagnóstico para a doença clássica de Kawasaki de acordo com as diretrizes da AHA /AAP incluem febre persistente por pelo menos 5 dias e pelo menos quatro dos outros cinco critérios. Os critérios das diretrizes japonesas incluem a febre como sexto critério igualmente importante, e os pacientes devem atender a cinco dos seis critérios para o diagnóstico, incluindo a febre, que desaparece dentro de cinco dias em resposta à terapia. É difícil comparar as lesões coronárias entre esses dois países, porque as definições são completamente diferentes nas respectivas diretrizes. As diretrizes japonesas da JCS para lesões nas artérias coronárias utilizam o diâmetro de cada segmento das artérias coronárias. Entretanto, nas diretrizes da AHA/AAP , os aneurismas são classificados utilizando escores z. Neste artigo, o autor utiliza o ecocardiograma para avaliar as dimensões luminais da artéria coronária, convertidas em escores z ajustados para a área de superfície corporal (ASC).

Como mencionado anteriormente, outro tópico importante relacionado a esta publicação é o conceito de DK atípica, que constitui um diagnóstico e tratamento muito desafiadores. As diretrizes japonesas afirmam que um diagnóstico de DK é possível mesmo quando cinco ou mais dos principais sintomas estão ausentes, se outras condições puderem ser excluídas e se houver suspeita de DK, uma condição conhecida como DK incompleta. De fato, aproximadamente 15 a 20% dos pacientes com DK apresentam DK incompleta no Japão.66 Makino N, Nakamura Y, Yashiro M, Ae R, Tsuboi S, Aoyama Y, et al. Descriptive epidemiology of Kawasaki disease in Japan, 2011-2012: From the results of the 22nd nationwide survey. J Epidemiol. 2015;25(3):239-45. No entanto, mesmo que um paciente tenha quatro ou menos sintomas principais, a doença não deve ser considerada menos grave, porque anormalidades cardiovasculares não são raras em pacientes com DK incompleta.77 Sonobe T, Kiyosawa N, Tsuchiya K, Aso S, Imada Y, Imai Y, et al. Prevalence of coronary artery abnormality in incomplete Kawasaki disease. Pediatr Int. 2007;49(4):421-6. As diretrizes da AHA/AAP incluem um algoritmo para avaliação e tratamento de pacientes com suspeita de DK incompleta ou atípica. O algoritmo indica que a DK incompleta deve ser diagnosticada em um paciente com febre persistindo por pelo menos 5 dias, dois ou três critérios adicionais de diagnóstico clínico e valores laboratoriais anormais típicos da DK. A taxa de incidência de DK incompleta nos Estados Unidos é relatada como sendo aproximadamente 20 a 27%. A AHA/AAP especifica que o termo “atípico” deve ser utilizado para descrever pacientes que têm um sinal ou sintoma que normalmente não é observado na DK, como insuficiência renal.

Anteriormente, em um estudo piloto, Muniz et al.88 Muniz JCG, Dummer K, Gauvreau K, Colan SD, Fulton DR, Newburger JW. Coronary artery dimensions in febrile children without Kawasaki disease. Circ Cardiovasc Imaging. 2013;6(2):239-44. descreveram que as dimensões das artérias coronárias com doença febril não-DK são maiores do que aquelas em indivíduos afebris normativos, mas menores que as dimensões nos pacientes com DK.88 Muniz JCG, Dummer K, Gauvreau K, Colan SD, Fulton DR, Newburger JW. Coronary artery dimensions in febrile children without Kawasaki disease. Circ Cardiovasc Imaging. 2013;6(2):239-44. Algumas lacunas ainda precisam ser preenchidas, principalmente relacionadas à patologia da doença febril: a vasculopatia por DK envolve principalmente artérias musculares e é caracterizada por três processos interligados: 1 - arterite necrosante; 2 -vasculite subaguda/crônica e 3 -proliferação miofibroblástica luminal. Talvez uma melhor compreensão desse processo possa esclarecer por que as artérias coronárias se dilataram e não progrediram para aneurismas.

Portanto, a vasculopatia na DK e outras doenças exantemáticas febris permanece uma doença enigmática. Cinco décadas de novas descobertas e todas as pesquisas não foram suficientes. Ainda precisamos de mais pesquisas para nos dar mais respostas ...

  • Minieditorial referente ao artigo: Dilatação das Artérias Coronárias em Crianças com Doença Exantemática Febril sem Critérios para a Doença de Kawasaki

References

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    Muniz JCG, Dummer K, Gauvreau K, Colan SD, Fulton DR, Newburger JW. Coronary artery dimensions in febrile children without Kawasaki disease. Circ Cardiovasc Imaging. 2013;6(2):239-44.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    Dez 2019
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