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Os custos da doença cardiovascular no Brasil: um breve comentário econômico

EDITORIAL

Os custos da doença cardiovascular no Brasil: um breve comentário econômico

Giácomo Balbinotto Neto; Everton Nunes da Silva

Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS - Brasil

Correspondência Correspondência: Giácomo Balbinotto Neto e Everton Nunes da Silva Av. João Pessoa 52, PPGE, 90.040-000 Porto Alegre, RS - Brasil E-mail: giacomo.balbinotto@ufrgs.br e everton@ppge.ufrgs.br

Palavras-chave: Doenças cardiovasculares/epidemiologia, custos de cuidados de saúde, economia da saúde.

Caros leitores, acreditamos que o primeiro passo para entendermos um problema é sabermos a sua dimensão e custos. Assim, o objetivo deste editorial é mostrar a importância e as limitações dos estudos econômicos de custo da doença (CdD), em especial as doenças cardiovasculares severas e as recentes contribuições que podem emergir da avaliação econômica em saúde.

Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD 2003, a proporção de brasileiros que declarou ter doença do coração foi de 3,61%, totalizando cerca de sete milhões de indivíduos. A prevalência de doença do coração não é homogênea ao longo da distribuição etária da população, como é de se esperar. Por exemplo, na faixa etária entre zero e 34 anos, a prevalência é de 0,87%, enquanto que para a população acima de 64 anos é de 19,20%. As mulheres representam aproximadamente 60% de todos os casos declarados de doença do coração (ver Tabela 1).

Nota: A estimativa populacional, estratificada por gênero, foi baseada na proporção de pessoas que declararam "ter doença do coração", conforme questionário da PNAD 2003, assumindo que existem 187 milhões de indivíduos no Brasil, em 20081.

A preocupação com os custos das doenças cardiovasculares tem sido crescente em vários países e regiões do mundo. Por exemplo, Leal e cols.2 conduziram um estudo para estimar a carga de doenças cardiovasculares para 24 países da União Européia. Levando em consideração o agregado dos países sob investigação, a carga das doenças cardiovasculares foi de € 169 bilhões, tendo os custos diretos com cuidado em saúde o principal componente, na ordem de € 104,5 bilhões (62%), seguidos pelos custos relacionados pelo cuidado informal € 29 bilhões (17%), custos indiretos associados à perda de produção por morte precoce € 24,4 bilhões (15%) e à perda de produtividade devido às morbidades € 10,8 bilhões (6%). No caso dos custos relacionados aos cuidados em saúde, estes representaram 2,6% do gasto total em saúde, para os 24 países analisados no estudo.

É importante termos claro que a economia não busca fundamentalmente poupar dinheiro, ela busca, isto sim, usar os recursos do modo mais eficiente possível3. Assim, a economia da saúde busca a aplicação dos métodos de análise econômica aos cuidados médicos e é usada para ajudar os tomadores de decisão nas escolhas que fazem. Assim, quando duas ou mais estratégias são comparadas, considerando-se suas conseqüências e custos, temos uma análise econômica. Ou seja, a economia envolve a avaliação de alternativas e não apenas o levantamento de seus custos.

As análises do tipo custo da doença, tal como o artigo apresentado nesta edição, representam uma forma parcial de avaliação econômica no setor saúde. O principal objetivo deste tipo de análise é avaliar os custos ou a carga econômica que uma doença impõe sobre a sociedade, com relação ao consumo de recursos para cuidados de saúde e perda de produção. Ela utiliza os dados referentes ao uso dos recursos em saúde para traduzi-los em termos monetários4. As análises do tipo CdD são importantes tanto para criar um conjunto de informações necessárias à tomada de decisão sobre prioridades de investimento em saúde, quanto para verificar o impacto da implantação de ações e programas no setor da saúde.

Contudo, a abordagem dos estudos de custo da doença tem sido criticada devido ao fato de que leva em conta apenas os custos dos recursos e não os ganhos de utilidade da redução da doença. Os estudos que utilizam a abordagem CdD não comparam os usos alternativos dos recursos, e, portanto, não podem ser adequados para medir os custos de oportunidade. Visto que tais estudos não consideram os resultados dos tratamentos, eles têm um valor limitado para aqueles que decidem quanto à melhor alocação dos recursos financeiros na assistência à saúde5. Entretanto, eles são citados junto com os estudos de avaliação econômica, dado que podem servir como apoio para análises econômicas. Os estudos de custo da doença devem ser encarados como um primeiro estágio para a avaliação econômica.

Feitas estas considerações iniciais, o artigo "Impacto Econômico dos Casos de Doença Cardiovascular Grave no Brasil: Uma Estimativa Baseada em Dados Secundários"6 se justifica e ganha importância devido às limitações de estudos deste tipo no Brasil e como uma primeira tentativa de medir os custos deste problema com uma metodologia plausível, tendo em conta as especificidades do mercado de trabalho no Brasil e suas características institucionais.

A importância do artigo em questão se faz sentir principalmente à medida que a população envelhece e cresce a necessidade por serviços de saúde. Pois, considerando os avanços em novos diagnósticos e terapias, haverá uma crescente demanda por estudos econômicos na área de saúde e na área de cardiologia em especial; levando em conta, também, que muitos destes avanços demandam consideráveis recursos da sociedade. Seu objetivo foi de obter estimativas, ainda que conservadoras, como os autores reconhecem, de doenças cardiovasculares severas. Assim, tal artigo não deve ser encarado como uma análise econômica, pois não envolve a análise de alternativas. Deve-se, sim, ser interpretado como um primeiro passo para a mensuração da dimensão do problema e talvez das perspectivas futuras de custos, dada a evolução do perfil populacional.

Um problema bastante conhecido dos pesquisadores brasileiros é a escassez de bancos de dados abrangentes na área de avaliação econômica em saúde. Informações insuficientes conduzem os pesquisadores a assumirem fortes pressupostos, aumentando a incerteza dos modelos. Para tentar contornar esse problema, é necessário conduzir uma análise de sensibilidade, ou seja, permitir que os principais parâmetros do modelo variem, com o intuito de verificar os potenciais impactos destas variações no resultado do estudo7 (Drummond e McGuire, 2001). Nesse tocante, salientamos pelo menos dois parâmetros que deveriam entrar em uma análise de sensibilidade: i) a estimativa do custo relacionado ao benefício previdenciário concedido aos pacientes com doenças cardiovasculares; e ii) o fator de correção de 1,8 para estimar os custos hospitalares. Ambos os parâmetros foram baseados em estudos conduzidos na cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, os quais provavelmente não sejam representativos à realidade brasileira como um todo, dadas as disparidades regionais.

Outro ponto importante que deve ser enfatizado neste tipo de artigo, para comparações com outros países, é colocar o valor dos custos numa moeda comparável em termos internacionais. Ou seja, utilizar uma taxa de câmbio a fim de medir os valores em termos de dólares ou euros. Isto pode nos ajudar a comparar os custos da doença em outros países e regiões e avaliar a importância relativa da doença entre países.

Por fim, resta-nos saber que os custos das doenças cardiovasculares não são desprezíveis para um país como o Brasil, devendo corresponder a 1,74% do PIB (Produto Interno Bruto) do país, o que, convenhamos, não é nada desprezível.

Finalizamos o Editoral recomendando não apenas a leitura atenta do artigo, mas também a publicação de outros trabalhos na área de cardiologia e especialmente os referentes à avaliação de tecnologias em saúde e economia da saúde.

  • 1
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa nacional por amostra de domicílios (on line). [Acesso em 2008 jan. 20]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento
  • 2. Leal J, Luengo-Fernández R, Gray A; Petersen S; Rayner M. Economic burden of cardiovascular diseases in the enlarged European Union. Eur Heart J. 2006; 27 (13): 1610-9.
  • 3. Folland S, Allen C, Goodman E, Stano M. A economia da saúde. 5Ş ed. Porto Alegre: Artmed/Bookman; 2008.
  • 4. Rascati K. Essentials of pharmacoeconomics. New York: Lippincott Williams & Wilkins; 2008.
  • 5. Kolbet G. Health economics: an introduction to economic evaluation. 2nd ed. London: Office of Health Economics; 2008.
  • 6. Azambuja MIR, Foppa M, Maranhão MC, Achutti AC. Impacto econômico dos casos de doença cardiovascular grave no Brasil: uma estimativa baseada em dados secundários. Arq Bras Cardiol. 2008; 91 (3): 163-71.
  • 7. Drummond M, McGuire A (eds). Economic evaluation in health care: merging theory with practice. New York: Oxford University Press; 2001.
  • Correspondência:

    Giácomo Balbinotto Neto e Everton Nunes da Silva
    Av. João Pessoa 52, PPGE, 90.040-000
    Porto Alegre, RS - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Nov 2008
    • Data do Fascículo
      Out 2008
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