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Ativação plaquetária nas formas distintas da doença arterial coronariana

EDITORIAL

Ativação plaquetária nas formas distintas da doença arterial coronariana

Dikran Armaganijan

Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia - São Paulo, SP

Correspondência Correspondência: Dikran Armaganijan Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia Av. Dr. Dante Pazzanese, 500 04012-180 - São Paulo, SP E-mail: dikran@cardiol.br

O endotélio responde aos estímulos, modula a indução e/ou regressão de vários genes e sua atividade autócrina/parácrina responde pela atividade antiinflamatória, antimitogênica, vasodilatadora, antitrombogênica e homeostasia com os componentes intravasculares. A intensidade e a persistência da injúria vascular aumentam a expressão das moléculas de adesão derivadas da super família de seletinas (E e P). O fator nuclear de transcrição (NF) – kappa B expressa essas e outras moléculas de adesão, facilitando a entrada parietal dos monócitos aderidos no endotélio e contribuindo para a patogênese da aterosclerose.

A ruptura de placas vulneráveis modifica sua geometria e propicia a trombose mural. O substrato trombogênico placa-dependente, a reologia vascular e a atividade sistêmica pró-coagulante influenciam a magnitude, a estabilidade do trombo e a gravidade da doença arterial coronariana.

Nos locais de turbulência (bifurcações, estenose ou lesão endotelial) a hemólise das hemácias libera quantidade suficiente de ADP para mobilizar a saída dos íons cálcio microtubulares e ativar a plaqueta. A agregação primária é reversível e a desativação das plaquetas advêm do retorno dos íons cálcio citoplasmáticos para os microtúbulos plaquetários, mecanismo dependente da prostaciclina produzida pelo endotélio íntegro e normofuncionante.

No despreendimento endotelial e nas placas ateroscleróticas rotas, as plaquetas entram em contato com estruturas subendoteliais, aderem às microfibrilas por meio de uma proteína do complexo fator VIII (fator de von Willebrand), sintetizado pelas células endoteliais e responsável pela interação das microfibrilas com as glicoproteínas específicas da membrana plaquetária. As plaquetas aderem a diferentes tipos de colágeno: nos vasos de pequeno calibre e com elevada força de deformabilidade aderem ao colágeno tipo I e nos grandes vasos com baixa força de deformabilidade aderem ao colágeno tipo III.

A trombose mural reparada pelo colágeno tipo III aumenta o volume da placa, contribuindo para a progressão da aterotrombose. Nas plaquetas não ativadas, o ácido araquidônico encontra-se esterificado nos fosfolípides da membrana celular. Estímulos plaquetários intensos e duradouros liberam grande quantidade de cálcio citoplasmático, ativam a fosfolipase e estimulam a metabolização do ácido araquidônico por duas vias: na via lipoxigenase há formação de leucotrienos leucocitários, responsáveis pela quimiotaxia, aumento de permeabilidade endotelial e inflamação e, na via cicloxigenase, há produção de endoperóxidos cíclicos, responsáveis pela formação de prostaglandinas (D2, E1 e F2).

Os endoperóxidos cíclicos encontram-se numa posição central do metabolismo do ácido araquidônico. Dependendo do tecido, diferentes metabolitos podem ser formados: o tromboxane A2, de ação agregante, ou a prostaciclina, antiagregante. O tromboxano A2 possui meia-vida biológica de 30 segundos e, espontaneamente, transforma-se em tromboxano B2. As células endoteliais sintetizam a prostaciclina a partir de seu próprio ácido araquidônico ou subutilizam os endoperóxidos cíclicos formados pelas plaquetas. A importância fisiológica dessa reação justifica a formação do agregado plaquetário dentro dos limites do segmento vascular danificado. Na propagação do agregado para além dos limites lesados, as células endoteliais transformam os endoperóxidos cíclicos em prostaciclina, mobilizam os íons cálcio para o interior dos microtúbulos e desfazem o agregado plaquetário.

O tromboxane A2 não é responsável pela ativação inicial das plaquetas, mas pelo resultado dessa ativação; com o ADP presente no interior da plaqueta, o tromboxane A2 é co-responsável pelo crescimento posterior do tampão hemostático. Estímulos plaquetários intensos tornam a agregação irreversível e agentes como o tromboxano A2 ou trombina induzem a extrusão celular de substâncias acumuladas nos grânulos plaquetários – "reação de liberação".

Os produtos de secreção ficam disponíveis ao redor das plaquetas: o ADP é um mensageiro químico que favorece a adesão e a agregação, a serotonina tem efeito vasoconstritor e induz a leve agregação, o fator plaquetário 4, a tromboglobulina beta, o fator de von Willebrand, o fibrinogênio plaquetário, o fator mitogênico e as enzimas lisossomais, entre outras, são produtos de secreção com atividades diversas na agregação plaquetária.

A ruptura resulta de forças físicas exercidas em placas menos espessas e com conteúdo rico em células gordurosas e de um mecanismo ativo - degradação da matrix extracelular por enzimas proteolíticas secretadas por macrófagos e mastócitos intra-placa1. A entrada contínua, sua sobrevida e a replicação dos monócitos/macrófagos é regulada por vários fatores: ICAM-1, MCP-1 e M-CSF, entre outros. Os macrófagos modificados expressam receptores para interferon-gama, FNT-alfa e IL-1, responsáveis pela apoptose celular e essa "missão defensiva" tem por finalidade evitar o acúmulo de lipoproteínas. Nos estudos de Hutter e cols.2,3, houve correlação entre densidade de macrófagos, apoptose, marcadores inflamatórios e fator tissular.

Especificamente, o substrato trombogênico da placa, a reologia e a atividade pró-coagulante podem influenciar a magnitude e a estabilidade do trombo e, conseqüentemente, a gravidade da síndrome coronariana, cuja expressão clínica varia entre assintomática, angina instável e infarto do miocárdio.

No estudo de Venturinelli e cols. (Arq Bras Cardiol 2006; 87: 446-50), "Ativação Plaquetária em Formas Clínicas Distintas da Doença Arterial Coronariana (Papel da P-Seletina e de outros Marcadores nas Anginas Estável e Instável)", a P-seletina, o tromboxane B2 e os níveis de serotonina foram significativamente mais elevados nos pacientes com angina instável quando comparados com os pacientes com angina estável.

As placas ricas em lípides podem cursar com expressões clínicas múltiplas, porém, são mais vulneráveis a rupturas, trombose e síndrome coronariana aguda4. A exposição do substrato trombogênico é o principal fator determinante da trombose, contudo, os dados sobre a trombogenicidade da placa aterosclerótica rota são limitados.

Ademais, a trombogenicidade é modulada pelo fator tissular localizado nas áreas ricas em macrófagos5,6. Possivelmente a trombose mural residual tenha efeito trombogênico como resultado da ativação do monócito/fator tissular e da geração de trombina7,8.

A análise de tecidos retirados por aterectomia em pacientes com angina instável mostrou grande quantidade de macrófagos (trombogenicidade célulo-mediada)9 e fator tissular no interior de macrófagos em apoptose10. Tais observações documentam a importância do fator tissular na trombose e abrem novas estratégias na prevenção e tratamento da doença arterial coronariana.

Referências

1. Verstaete M, Vermylem J. Trombose. Rio de Janeiro: Editora Servier, 1999.

2. Hutter R, Badimon JJ, Sauter BV, et al. Caspase-3 and tissue factor expression in lipid-rich plaque macrophages : evidence for apoptosis as a link between inflammation and atherothrombosis. Circulation. 2004; 109:2001-8.

3. Hutter R, Badimon JJ, Sauter BV, Fallon JT, Fuster V. Arterial injury in ApoII wild type mice. Evidence for macrophage apoptosis as a mechanism regulating tissue-factor expression and plaque growth (abst). J Am Coll Cardiol. 2002;39(Suppl A):257A.

4. Fuster V, Moreno PR, Badimon JJ, Fayad ZA, Corti R. Atherothrombosis and High-Risk Plaque. J Am Coll Cardiol. 2005;46:937-54.

5. Toschi V, Gallo R, Lettino M, et al. Tissue factor modulates the thrombogenicity of human atherosclerosis plaques. Circulation. 1997;95:594-9.

6. Fernandez-Ortiz A, Badimon JJ, Falk E, et al. Characterization of the relative thrombogenicity of atherosclerotic plaque components: implications for consequences of plaque rupture. J Am Coll Cardiol. 1994;23:1562-9.

7. Meyer BJ, Badimon JJ, Mailhac A, et al. Inhibition of growth of thrombus on fresh mural thrombus. Targeting optimal therapy. Circulation. 1994;90:2432-8.

8. Meyer BJ, Badimon JJ, Chesebro JH, Fallon JT, Fuster V, Badimon L. Dissolution of mural thrombus by specific thrombin inhibition with r-hirudin: comparison with heparin and aspirin. Circulation. 1998;97:681-5.

9. Rosenfel ME. Leucocyte recruitment into developing atherosclerotic lesions: the complex interaction between multiple molecules keeps getting more complex. Arterioscler Thromb Vasc Biol. 2002;22:361-3.

10. Mallar Z, Tedgui A. Current perspective on the role of apoptosis in atherothrombotic disease. Circ Res. 2001;88:998-1003.

Recebido em 16/09/06

Aceito em 16/09/06

  • Correspondência:

    Dikran Armaganijan
    Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia
    Av. Dr. Dante Pazzanese, 500
    04012-180 - São Paulo, SP
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Nov 2006
    • Data do Fascículo
      Out 2006
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