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A rede organizacional dedicada às migrações forçadas no Brasil: uma análise a partir da governança multinível.

The organizational network dedicated to forced migrations in Brazil: an analysis based on multilevel governance.

Resumo

Este artigo se propõe a refletir, através das lentes da governança multinível, como se configura a rede organizacional do refúgio no Brasil. Para tal, inicialmente se debruça sobre o conceito de governança multinível, suas duas tipologias e como são compreendidos os níveis territoriais dentro desta teoria. Em sequência, analisa como esta configuração se aplica ao cenário brasileiro, qual o percurso do país para a regulamentação do refúgio e o envolvimento de organizações públicas e privadas. Ao observar os atores e os laços que compõem a rede organizacional do refúgio no Brasil, pretende-se localizar as entidades em níveis territoriais, compreender seu papel e sua centralidade. Ao final, são feitas reflexões sobre a governança do refúgio no contexto brasileiro desde 2017, os limites e os desafios enfrentados, a importância da interdependência e independência das organizações e a relevância da localidade para o acolhimento.

Palavras-chave:
governança; governança multinível; migração; refúgio; rede

Abstract

This article proposes to reflect, through the lens of multilevel governance, how the organizational network of refuge in Brazil is configured. To this purpose, it initially focuses on the concept of multilevel governance, on its two typologies and how the territorial levels are understood within this theory. Next, it analyzes how this configuration applies to the Brazilian scenario, the country's path towards the regulation of refuge and the involvement of public and private organizations. By observing the actors and the ties that make up the organizational network of the refuge in Brazil, it is intended to locate the entities at territorial levels, to understand their role and centrality. At the end, reflections are made on the governance of the refuge in the Brazilian context since 2017, the limits and challenges faced, the importance of the interdependence and independence of organizations and the relevance of the location for the reception.

Keywords:
governance; multilevel governance; migration; refuge; network

Introdução

O século XX foi marcado por migrações em massa, ocasionadas pela queda de impérios e guerras (Gatrell, 2013GATRELL, Peter. The Making of the Modern Refugee. Oxford: Oxford University Press, 2013.). No século XXI, esse fenômeno é ainda mais volumoso, acrescido dos impactos ocasionados pela mudança climática e os efeitos da pandemia de COVID-19 em todo o mundo (UNHCR, 2020UNHCR. Global Trends: Forced displacement in 2019. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.unhcr.org/dach/wp-content/uploads/sites/27/2019/06/2019-06-07-Global-Trends-2019.pdf . Acesso em: 12.01.2022.
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). Na última década, o número de requerentes de asilo e refugiados quase dobrou e, em 2021, aproximadamente 89,3 milhões de pessoas foram forçadas a se deslocar (UNHCR, 2022UNHCR. Global Trends: Forced displacement in 2021. 2022. Disponível em: Disponível em: https://www.unhcr.org/62a9d1494/global-trends-report-2021 . Acesso em: 03.08.2022.
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).

A migração forçada impacta as pautas políticas de Estados e envolve agências internacionais, organizações não-governamentais e sociedade civil, pois é tida como uma questão complexa que carece de solução articulada (Gatrell, 2013GATRELL, Peter. The Making of the Modern Refugee. Oxford: Oxford University Press, 2013.). A compreensão de que um fenômeno vivenciado por toda a sociedade necessita de ações políticas coordenadas faz parte da teoria da governança multinível (Panizzon, Riemsdijk, 2019PANIZZON, Marion; RIEMSDIJK, Micheline van. Introduction to Special issue: ‘migration governance in an era of large movements: a multi-level approach’. Journal of Ethnic and Migration Studies , v. 45, n. 8, p. 1225-1241, 2019.). Segundo Caponio, Ponzo (2022CAPONIO, Tiziana; PONZO, Irene. Multilevel governance between centralisation and local agency. In: CAPONIO, Tiziana; PONZO, Irene (orgs.). Coping with Migrants and Refugees: Multilevel Governance across the EU. London: Routledge, 2022, p. 219-230., p. 220), em um contexto marcado pelo cruzamento de “complexas relações intergovernamentais verticais e redes horizontais de parceria, surgem estruturas de governança multinível para conectar diferentes atores públicos e privados na busca de soluções para uma questão política específica”1 1 As citações em língua estrangeira foram traduzidas pela autora. . Por envolver diferentes atores na sua gestão, a questão do refúgio tem sido observada pelas lentes da governança multinível.

No Brasil, este fenômeno complexo foi delineado ao longo da história, variando em intensidade e direção, ou seja, por vezes recebendo solicitantes de asilo, por vezes forçando seus cidadãos a emigrarem (Barreto, 2010BARRETO, Luiz Paulo. A Lei Brasileira de Refúgio: Sua história. In: BARRETO, Luiz Paulo (org.). Refúgio no Brasil: a proteção brasileira aos refugiados e seu impacto nas Américas. Brasília: ACNUR, Ministério da Justiça, 2010, p. 10-22.). Isso trouxe implicações para a gestão do refúgio no país e para a constituição brasileira (Moreira, 2014MOREIRA, Julia. Refugiados no Brasil: Reflexões acerca do processo de integração local. REMHU, Revista Interdisciplinar Mobilidade Humana, v. 22, n. 43, p. 85-98, 2014.). Duas leis devem ser mencionadas: primeiro, a Lei 9.474/1997, no qual foram estabelecidos critérios de elegibilidade para o reconhecimento do status de refugiado, assim como a criação do Comitê Nacional para Refugiados (Conare) (Gama, 2018GAMA, Stephanie. Direito ao refúgio no Brasil e a nova Lei de Migração. Lei de migração nº 13.445, de 24 de maio de 2017. Unisanta Law and Social Science, v. 7, n. 1, p. 1-18, 2018. ). Em sequência, a Lei de Migração 13.445/2017, com avanços para a proteção de migrantes - estrangeiros que vivem no país e brasileiros que residem no exterior -, a correlação dos direitos humanos, o acesso igualitário aos serviços nacionais e o repúdio à xenofobia (Oliveira, 2017OLIVEIRA, Antônio de. Nova lei brasileira de migração: avanços, desafios e ameaças. Revista brasileira de Estudos de População, v. 34, n. 1, p. 171-179, 2017.). No que tange ao refúgio, há ainda a desburocratização da concessão de visto e acolhimento humanitário (Oliveira, 2017OLIVEIRA, Antônio de. Nova lei brasileira de migração: avanços, desafios e ameaças. Revista brasileira de Estudos de População, v. 34, n. 1, p. 171-179, 2017.; Gama, 2018GAMA, Stephanie. Direito ao refúgio no Brasil e a nova Lei de Migração. Lei de migração nº 13.445, de 24 de maio de 2017. Unisanta Law and Social Science, v. 7, n. 1, p. 1-18, 2018. ).

Em 2021, foram registrados 29.400 novos pedidos de asilo no Brasil (Sousa, 2022SOUSA, Viviane. Brasil registra 29,4 mil solicitações de refúgio em 2021. Globo News, Brasil, 05.02.2022. Disponível em: Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2022/02/05/brasil-registra-294-mil-solicitacoes-de-refugio-em-2021.ghtml . Acesso em: 03.08.2022.
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). Ao todo, são 363.683 (UNHCR, 2020UNHCR. Global Trends: Forced displacement in 2019. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.unhcr.org/dach/wp-content/uploads/sites/27/2019/06/2019-06-07-Global-Trends-2019.pdf . Acesso em: 12.01.2022.
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) solicitantes de asilo e refugiados no território nacional, no qual muitos precisam do suporte de organizações governamentais e não-governamentais, associações e igrejas (Brígido, Uebel, 2020BRÍGIDO, Eveline; UEBEL, Roberto. Efeitos da Pandemia da Covid-19 nas Migrações Internacionais para o Mercosul e a União Europeia: aspectos normativos e cenários políticos. Boletim de Economia e Política Internacional, n. 27, p. 37-53, 2020.). A pandemia COVID-19 repercutiu sobre as migrações, trazendo uma retração no número de requerentes de asilo devido ao fechamento de fronteiras ocasionado pelo risco sanitário (UNHCR, 2020). Em paralelo, dificultou a integração daqueles que já haviam solicitado proteção internacional, com atraso em serviços essenciais, restrição de circulação e organizações sobrecarregadas. Conforme descrito por Martuscelli (2020MARTUSCELLI, Patrícia. Como refugiados são afetados pelas respostas brasileiras a COVID-19? Revista de Administração Pública, v. 5, n. 54, p. 1446-1457, 2020.), a má gestão da pandemia pelo atual governo brasileiro e os descompassos operacionais entre os diferentes níveis territoriais de poder, levou agências internacionais a apontar a importância da adoção de novas medidas para proteger os migrantes forçados, tendo em vista a diminuição de direitos diante da conjuntura sanitária.

O objetivo deste artigo é examinar o modelo de governança do refúgio no Brasil à luz da teoria da governança multinível, com o propósito de mapear e compreender a interdependência entre as organizações dedicadas a essa questão. Inicialmente, é feito um enquadramento teórico para apresentar brevemente a governança multinível e como está perspectiva pode ser útil para compreender a questão do refúgio. Em seguida, o artigo se detém ao cenário brasileiro, a fim de compreender a divisão de poder entre as diferentes instâncias territoriais através das lentes da governança multinível. Este esforço abre espaço para a descrição do percurso histórico da regulamentação do refúgio no Brasil e a participação das organizações na concepção de integração e acolhimento.

Após o enquadramento teórico e a exposição do contexto brasileiro, é feita uma análise da rede organizacional brasileira do refúgio, localizando as organizações nos níveis territoriais correspondentes e traçando os laços que são efetivados entre os membros que dela participam. O intuito é compreender como esta rede organizacional se estrutura e promove o acolhimento a refugiados, observando centralidade das organizações, sua capilaridade e interdependência. Ao fim, são apresentadas reflexões sobre os limites e desafios enfrentados pela rede organizacional dedicada às migrações forçadas através das lentes da governança multinível. Há uma reflexão sobre a centralização de poder e a importância das organizações locais para práticas de acolhimento de pessoas em situação de refúgio.

A governança multinível como modelo de formulação de políticas

Segundo Peters (2012PETERS, Guy. Governance as political theory. In: LEVI-FAUR, David (org.). The Oxford Handbook of Governance. Oxford: Oxford Handbooks Online, 2012, p. 20-32., p. 23) “todas as sociedades precisam encontrar meios de se governar e fornecer alguma direção coletiva, e a governança pergunta sobre como isso é feito”. Existem muitos tipos e adjetivos para o termo governança. A escolha da perspectiva multinível para a análise das migrações forçadas neste artigo consiste na enfâse que é dada por esta teoria na descentralização do poder entre diferentes níveis territoriais e na importância de múltiplos atores para tomada de decisão (Marks, 1993MARKS, Gary. Structural Policy and Multilevel Governance. In: CAFRUNY, Alan; ROSENTHAL, Glenda (orgs.). In the State of the European Community. Colorado: Lynne Rienner Pub, 1993, p. 391-409.; Hooghe, Marks, 2003HOOGHE, Liesbet; MARKS, Gary. Unraveling the Central State, but How? Types of Multi-level Governance. American Political Science Review, v. 97, n. 2, p. 233-243, 2003.; Piattoni, 2009PIATTONI, Simona. Multi‐level Governance: A Historical and Conceptual Analysis. European Integration, v. 31, n. 2, p. 163-180, 2009.).

O conceito de governança multinível surge em contraposição a duas teorias desenvolvidas para descrever a formação da União Europeia e sua dinâmica (Marks, 1993MARKS, Gary. Structural Policy and Multilevel Governance. In: CAFRUNY, Alan; ROSENTHAL, Glenda (orgs.). In the State of the European Community. Colorado: Lynne Rienner Pub, 1993, p. 391-409.). A primeira corrente, denominada intergovernamental, compreendia um modelo centrado no Estado, no qual a integração fortaleceria os governos nacionais frente às decisões políticas. As instituições supranacionais teriam uma autoridade limitada, com o papel apenas de facilitar as transações (Hooghe, Marks, 2003HOOGHE, Liesbet; MARKS, Gary. Unraveling the Central State, but How? Types of Multi-level Governance. American Political Science Review, v. 97, n. 2, p. 233-243, 2003.). A segunda teoria, nomeada como neofuncionalismo, entendia que as instituições supranacionais poderiam comprometer a autonomia e a soberania do Estado, ao moldar as competências institucionais, os recursos e as regras de cooperação (ibidem, 2003). O autor Gary Marks (1993MARKS, Gary. Structural Policy and Multilevel Governance. In: CAFRUNY, Alan; ROSENTHAL, Glenda (orgs.). In the State of the European Community. Colorado: Lynne Rienner Pub, 1993, p. 391-409., p. 392) se contrapõe a estas teorias argumentando que ambas perdem um elemento crítico, ou seja, a “crescente importância dos níveis subnacionais de tomada de decisão e as suas inúmeras ligações com outros níveis”.

Em acréscimo à teoria de Marks (1993MARKS, Gary. Structural Policy and Multilevel Governance. In: CAFRUNY, Alan; ROSENTHAL, Glenda (orgs.). In the State of the European Community. Colorado: Lynne Rienner Pub, 1993, p. 391-409.), a autora Simona Piattoni (2009PIATTONI, Simona. Multi‐level Governance: A Historical and Conceptual Analysis. European Integration, v. 31, n. 2, p. 163-180, 2009.) percebeu que através da governança multinível é possível analisar não apenas a formulação de políticas (policy), mas também os processos de mobilização social (politics). É posto em evidência a capacidade de mobilização centro-periferia, interno-externo, permitindo que atores subnacionais participem de diversas redes atreladas a interesses específicos. Ainda em seu argumento (Piattoni, 2009PIATTONI, Simona. Multi‐level Governance: A Historical and Conceptual Analysis. European Integration, v. 31, n. 2, p. 163-180, 2009.), é descrita uma terceira vertente centrada nos processos de construção do modelo de governança multinível (polity), no qual foram englobadas duas tipologias definidas por Marks e Hooghe (2003HOOGHE, Liesbet; MARKS, Gary. Unraveling the Central State, but How? Types of Multi-level Governance. American Political Science Review, v. 97, n. 2, p. 233-243, 2003.) com o intuito de definir um espaço teórico em que as relações organizacionais estivessem inscritas.

Ambas representam tipos ideais sobre o “desenrolar do Estado” (Hooghe, Marks, (2003HOOGHE, Liesbet; MARKS, Gary. Unraveling the Central State, but How? Types of Multi-level Governance. American Political Science Review, v. 97, n. 2, p. 233-243, 2003.) e os padrões de relações entre os diferentes níveis de governo. A primeira tipologia tem como base intelectual o federalismo, em que há uma divisão de trabalho entre um número limitado de níveis de governo com jurisdição geral sobre um território específico (Piattoni, 2009PIATTONI, Simona. Multi‐level Governance: A Historical and Conceptual Analysis. European Integration, v. 31, n. 2, p. 163-180, 2009.). É possível dizer que a construção de um Estado federal requer um sistema hierarquicamente ordenado com governos subnacionais - o Brasil é um bom exemplo. O segundo tipo ocorre quando as organizações governamentais não são suficientes para responder aos fenômenos complexos. Neste modelo, as jurisdições não estão aninhadas nas diversas camadas territoriais, com tarefas específicas e sem a pretensão de serem duráveis (Hooghe, Marks, 2003HOOGHE, Liesbet; MARKS, Gary. Unraveling the Central State, but How? Types of Multi-level Governance. American Political Science Review, v. 97, n. 2, p. 233-243, 2003.). Esse tipo de governança é mais observado em nível local, onde muitos centros de tomada de decisão possuem a capacidade de agir de forma autónoma.

A questão do refúgio como um desafio para a governança multinível

O acolhimento e integração de migrantes forçados pode ser compreendido como um processo de via de mão-dupla (Strang, 2019STRANG, Alexis. How mainstreaming and multilevel governance structures empower place-based approaches to refugee integration: The case of Altena, Germany. Dissertação de mestrado. Universidade da Carolina do Norte, Estados Unidos, 2019.). De um lado, é preciso que os migrantes se esforcem para se adaptar a nova sociedade, aprendendo a língua local e entendo valores compartilhados. Por outro lado, a sociedade de acolhimento, via governo e sociedade civil, pode facilitar a inclusão social - com a concessão de direitos, responsabilidades e oportunidades (Auslender, 2021AUSLENDER, Eli. Multi‑level Governance in Refugee Housing and Integration Policy: A Model of Best Practice in Leverkusen. Journal of International Migration and Integration, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1007/s12134-021-00876-4 .
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). É importante observar a conduta do requerente de asilo em direção à sua própria integração. Entretanto, este artigo procura observar como a conexão entre organizações pode promover mecanismos que facilitem o acolhimento.

O refúgio como um fenômeno complexo expõe uma crise de governança e uma crise global de responsabilidade (Thouez, 2019THOUEZ, Colleen. Strengthening migration governance: the UN as ‘wingman’. Journal of Ethnic and Migration Studies , v. 45, n. 8, p. 1242-1257, 2019.). O acolhimento de pessoas em situação de refúgio se caracteriza como um desafio para a governança multinível, pois envolve “relações colaborativas entre diferentes autoridades governamentais (dimensão vertical) e entre atores públicos e não públicos (dimensão horizontal)” (Caponio, Ponzo, 2022CAPONIO, Tiziana; PONZO, Irene. Multilevel governance between centralisation and local agency. In: CAPONIO, Tiziana; PONZO, Irene (orgs.). Coping with Migrants and Refugees: Multilevel Governance across the EU. London: Routledge, 2022, p. 219-230.).

Ao observar experiências de integração de pessoas solicitantes de proteção em alguns países europeus (como Alemanha, Itália, Espanha e Finlândia), Caponio, Ponzo (2022CAPONIO, Tiziana; PONZO, Irene. Multilevel governance between centralisation and local agency. In: CAPONIO, Tiziana; PONZO, Irene (orgs.). Coping with Migrants and Refugees: Multilevel Governance across the EU. London: Routledge, 2022, p. 219-230.) observaram que as relações hierárquicas têm prevalecido, com os governos nacionais centralizando poder. Porém, no que consiste à implementação de práticas de acolhimento, a formação de redes organizacionais tem se tornado proeminente a nível local, com autoridades locais e organizações não-governamentais dedicadas em coordenar respostas e interlocução com instâncias pertencentes a outros níveis territoriais (Panizzon, Reimsdijk, 2020PANIZZON, Marion; RIEMSDIJK, Micheline van. Introduction to Special issue: ‘migration governance in an era of large movements: a multi-level approach’. Journal of Ethnic and Migration Studies , v. 45, n. 8, p. 1225-1241, 2019.). Isso significa que se envolveram não apenas horizontalmente com organizações não-governamentais locais, mas também interagem verticalmente com instituições globais.

Segundo Thouez (2019THOUEZ, Colleen. Strengthening migration governance: the UN as ‘wingman’. Journal of Ethnic and Migration Studies , v. 45, n. 8, p. 1242-1257, 2019.), cada vez mais autoridades locais têm buscado informar e obter informações sobre deliberações de políticas internacionais. O reconhecimento dos Estados e de agências supranacionais, como a ONU, no papel que organizações locais possuem para a integração é relevante, pois torna as políticas de migração mais eficientes. Como destaca o autor (Thouez, 2019THOUEZ, Colleen. Strengthening migration governance: the UN as ‘wingman’. Journal of Ethnic and Migration Studies , v. 45, n. 8, p. 1242-1257, 2019.), a tendência de interação com organizações governamentais e não-governamentais, contornando certos níveis territoriais, possibilita maior democratização e fortalecimento das políticas voltadas para o refúgio.

Metodologia

A elaboração deste artigo consiste no cruzamento de ferramentas metodológicas. No campo teórico, foram usados autores relevantes no debate sobre o conceito de governança multinível, compreendendo sua origem e seus desdobramentos. Somando a isso, foi detalhado como a governança multinível pode ser um modelo de formulação de políticas para a questão do refúgio, englobando diferentes níveis territoriais na análise.

Para realizar esforços reflexivos sobre a rede organizacional voltada para o refúgio no Brasil, em primeiro lugar, foram utilizadas as descrições da observação participante feita pela autora em 2016/2017 no contexto de trabalho anterior (Muniz, 2017MUNIZ, Joanna Rocha. De onde vem a "ajuda": Um estudo sobre a construção da rede Cáritas Rio e suas ações para o atendimento a pessoas em situação de refúgio. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Rio de Janeiro, 2017.), voltado para a Cáritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro, ao longo de um ano. Durante este período, foi possível participar na organização interna da entidade, atuando no setor de parcerias e ministrando aula de português para refugiados. Esta imersão resultou em uma volumosa produção de dados, com notas de campo e entrevistas semiestruturadas.

Em segundo lugar, foram analisados relatórios, documentos e dados de entidades nacionais e internacionais. De forma complementar, foram observadas informações nas plataformas oficiais das organizações e notas públicas em jornais e revistas. Com isso, foi possível compor um quadro de laços de interdependência entre as organizações, observando as conexões estabelecidas dentro da rede. É importante acrescentar que esta prática ocorreu, como é de se esperar, antes da pesquisa de campo, durante e até o momento presente.

A hipótese de retornar a campo foi impedida devido à pandemia COVID-19. A fim de atualizar as informações coletadas, reverberando na pesquisa as mudanças ocorridas na gestão do refúgio - um novo governo, a queda e junção de ministérios e o aumento do fluxo de deslocados forçados - foram realizadas, em terceiro lugar, duas entrevistas com membros de organizações dedicadas ao refúgio, a primeira em âmbito local e a segunda internacional. Assim, buscou-se ajustar as informações que poderiam estar defasadas, possibilitando o cruzamento dos dados produzidos com as fontes.

O mapeamento realizado vai ao encontro dos estudos de social network analysis proposto por Wasserman e Faust (1994WASSERMAN, Stanley; FAUST, Katherine. Social Network Analysis: Methods and Applications. Cambridge: Cambridge University Press, 1994.), no qual observa-se as posições e os contextos que resultaram na elaboração de laços para a gestão do refúgio. Segundo Mizruchi (2006MIZRUCHI, Mark. Análise de redes sociais: Avanços recentes e controvérsias atuais. Revista de Administração de Empresas, v. 3, n. 46, p. 72-86, 2006., p. 80), a forma como a rede organizacional é estruturada define o conteúdo das relações estabelecidas, pois “as organizações buscam legitimidade a partir de seus ambientes externos”. Foi utilizado o software Gephi.0.9.2, a fim de ilustrar as conexões traçadas e permitir melhor análise da rede organizacional brasileira dedicada ao refúgio.

A governança multinível em um país federativo: o caso brasileiro

A primeira tipologia do modelo de governança multinível tem como base o federalismo, o que permite reflexões a respeito do contexto brasileiro. Para Hooghe e Marks (2003HOOGHE, Liesbet; MARKS, Gary. Unraveling the Central State, but How? Types of Multi-level Governance. American Political Science Review, v. 97, n. 2, p. 233-243, 2003., p. 236), o federalismo se preocupa com a relação entre o governo central e as camadas subnacionais, em que “a estrutura abrange todo o sistema, as funções são agrupadas e os níveis de governo são múltiplos, mas limitados em número”. Há uma quantia restrita de jurisdições, que ao reunir competências delimita o número de entidades que precisam ser coordenadas.

O caso brasileiro é desafiador, visto que é um “país com dimensões continentais, estruturas de governança em vários níveis e diversas culturas administrativas que atendem a necessidades e objetivos ambiciosos de grande escala” (Kull et al., 2017KULL, Michael; PYYSIÄINEN, Jarkko; CHRISTO, Giovanna; CHRISTOPOULOS, Stamatios. Making sense of multilevel governance and governance coordination in Brazil: The case of the Bolsa Verde Programme. Regional & Federal Studies, v. 28, n. 1, p. 47-78, 2018., p. 48). Possui três níveis de gestão: o governo central, composto pelo Governo Federal e os ministérios; o nível intermediário, composto por 26 estados e o Distrito Federal; e o local, formado pelos municípios. Cada um desses níveis possui diferentes formas de poder, autonomia e gestão territorial, com conexões verticais e hierárquicas. Seria uma tarefa grandiosa e extremamente interessante mapear todo o modelo de governança do refúgio no país, entretanto, neste artigo as observações tendem a se afunilar para o contexto do Rio de Janeiro, devido a pesquisa de campo ter sido realizado neste município.

O processo de descentralização do poder no Brasil acompanha sua trajetória histórica, notadamente a saída da ditadura militar para um processo de redemocratização (Arretche, 1999ARRETCHE, Marta. Políticas Sociais no Brasil: descentralização em um Estado federativo. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 14, n. 40, p. 111-141, 1999.). A reconquista dos princípios federativos e a elaboração da Constituição de 1988 foram relevantes para estabelecer a autoridade política e independência de cada nível territorial. Como é exposto por Arretche (1999ARRETCHE, Marta. Políticas Sociais no Brasil: descentralização em um Estado federativo. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 14, n. 40, p. 111-141, 1999., p. 114), “o modo pelo qual os governos locais assumem funções de gestão de políticas públicas é inteiramente distinto daquele sob o qual elas foram assumidas no regime militar”.

Por meio da Constituição de 1988, centros de poder passaram a coexistir. No que consiste a primeira tipologia, foi definida uma estrutura hierárquica entre os diferentes níveis de governo - federal, estadual e municipal (Kull et al., 2017KULL, Michael; PYYSIÄINEN, Jarkko; CHRISTO, Giovanna; CHRISTOPOULOS, Stamatios. Making sense of multilevel governance and governance coordination in Brazil: The case of the Bolsa Verde Programme. Regional & Federal Studies, v. 28, n. 1, p. 47-78, 2018.). Da mesma forma, “outros atores sociais, como ONGs e empresas privadas, começaram a participar das políticas públicas” (Kull et al., 2017KULL, Michael; PYYSIÄINEN, Jarkko; CHRISTO, Giovanna; CHRISTOPOULOS, Stamatios. Making sense of multilevel governance and governance coordination in Brazil: The case of the Bolsa Verde Programme. Regional & Federal Studies, v. 28, n. 1, p. 47-78, 2018., p. 50). Esta é a concepção de governança multinível do Tipo II, composta por múltiplas jurisdições independentes, com funções específicas e que podem se configurar à medida que surgem questões sociais.

O desafio deste modelo de governança se dá na manutenção da integridade política do país e na autonomia de gestão dos níveis territoriais. Com o surgimento de novos atores em níveis subnacionais e múltiplas conexões, há assimetrias em diferentes regiões brasileiras. Este cenário evidencia o que é descrito por Hooghe e Marks (2003HOOGHE, Liesbet; MARKS, Gary. Unraveling the Central State, but How? Types of Multi-level Governance. American Political Science Review, v. 97, n. 2, p. 233-243, 2003., p. 238), “a governança do Tipo II geralmente está embutida na governança do Tipo I, mas a maneira como isso funciona varia. Não existe um projeto geral”.

O percurso histórico da regulamentação do refúgio e a participação das organizações

O marco histórico da regulamentação do refúgio no Brasil se inicia em 1960, quando o país se tornou signatário da Convenção de 1951. Neste período, parte da América do Sul vivenciava regimes autoritários, que obrigava seus cidadãos a deixarem o país e buscarem refúgio, ao mesmo tempo que pessoas de países vizinhos atravessavam a fronteira em busca de proteção (Barreto, 2010BARRETO, Luiz Paulo. A Lei Brasileira de Refúgio: Sua história. In: BARRETO, Luiz Paulo (org.). Refúgio no Brasil: a proteção brasileira aos refugiados e seu impacto nas Américas. Brasília: ACNUR, Ministério da Justiça, 2010, p. 10-22.). O ACNUR chega ao Brasil nos anos 1980, o que poderia resultar em um hiato organizacional de vinte anos na proteção de refugiados, caso esse espaço não fosse ocupado pela Igreja Católica (Moreira, 2014MOREIRA, Julia. Refugiados no Brasil: Reflexões acerca do processo de integração local. REMHU, Revista Interdisciplinar Mobilidade Humana, v. 22, n. 43, p. 85-98, 2014.). De acordo com Barreto (2010)BARRETO, Luiz Paulo. A Lei Brasileira de Refúgio: Sua história. In: BARRETO, Luiz Paulo (org.). Refúgio no Brasil: a proteção brasileira aos refugiados e seu impacto nas Américas. Brasília: ACNUR, Ministério da Justiça, 2010, p. 10-22., por ter o respeito de líderes das forças militares, a Cáritas do Rio de Janeiro (braço social da Igreja Católica) acolheu mais de 350 pessoas perseguidas. Assim, “a Cáritas ensinou o governo brasileiro a trabalhar com esse tema e é uma das grandes responsáveis pela boa política que o Brasil tem hoje de recepção e assistência a refugiados” (Barreto, 2010BARRETO, Luiz Paulo. A Lei Brasileira de Refúgio: Sua história. In: BARRETO, Luiz Paulo (org.). Refúgio no Brasil: a proteção brasileira aos refugiados e seu impacto nas Américas. Brasília: ACNUR, Ministério da Justiça, 2010, p. 10-22., p. 18).

Com o período de redemocratização nos anos 1980 e a chegada do ACNUR no Brasil, se inicia um diálogo para que o país pudesse acolher refugiados para além da cobertura geográfica da Convenção de 1951 (Barreto, 2010BARRETO, Luiz Paulo. A Lei Brasileira de Refúgio: Sua história. In: BARRETO, Luiz Paulo (org.). Refúgio no Brasil: a proteção brasileira aos refugiados e seu impacto nas Américas. Brasília: ACNUR, Ministério da Justiça, 2010, p. 10-22.). Este processo favorece conexões entre organizações de diferentes perfis na formulação de políticas para o refúgio no Brasil, resultando em relações colaborativas entre autoridades governamentais (verticalmente) e entre atores privados e não-governamentais (de forma horizontal e diagonal) (Caponio, Ponzo, 2022CAPONIO, Tiziana; PONZO, Irene. Multilevel governance between centralisation and local agency. In: CAPONIO, Tiziana; PONZO, Irene (orgs.). Coping with Migrants and Refugees: Multilevel Governance across the EU. London: Routledge, 2022, p. 219-230.). Para promover a integração, o governo federal convidou as Cáritas Arquidiocesanas do Rio de Janeiro e São Paulo para participar das discussões, reconhecendo seu trabalho com pessoas vítimas de perseguição. Setores ministeriais foram convocados a prestar apoio, facilitando o acesso à saúde, à integração laboral e ao reconhecimento de diplomas (Moreira, 2014MOREIRA, Julia. Refugiados no Brasil: Reflexões acerca do processo de integração local. REMHU, Revista Interdisciplinar Mobilidade Humana, v. 22, n. 43, p. 85-98, 2014.).

Através das conexões que foram se estabelecendo em torno do refúgio ao longo dos anos no cenário brasileiro, envolvendo maior participação de organizações não governamentais, agências internacionais e sociedade civil, foi redigida a Lei nº 9.474/97 de 22 de julho de 1997, atribuindo igualdade de direitos aos refugiados (Carvalho, Pompeu, 2020CARVALHO, Arielle; POMPEU, Gina. A invisibilidade do refugiado no Brasil e o difícil acesso ao benefício assistencial em tempos de pandemia. Revista Jurídica Luso Brasileira, v. 6, n. 5, p. 397-430, 2020.). Por meio deste dispositivo jurídico, foi criado o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), com o propósito de tratar de todos os aspectos desta temática.

O Conare é um órgão colegiado, com a participação de diferentes setores organizacionais. Tem por finalidade analisar as solicitações de refúgio e orientar ações de proteção, assistência e apoio jurídico a refugiados (Moreira, 2014MOREIRA, Julia. Refugiados no Brasil: Reflexões acerca do processo de integração local. REMHU, Revista Interdisciplinar Mobilidade Humana, v. 22, n. 43, p. 85-98, 2014.). Como detalhado em seu regimento interno2 2 Diário Oficial República Federativa do Brasil, Brasil, 6 de novembro de 1998, Seção 1, p. 1. Regimento Interno do Conare. , é presidido pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública e composto por membros dos ministérios das Relações Exteriores, Economia, Saúde e Educação, por representantes da Polícia Federal, ACNUR e Sociedade Civil. Além da coordenação-geral, responsável por garantir suporte as decisões tomadas pelo comitê, possui três núcleos regionais, nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Campinas.

Com a pandemia, foi criada a Lei de Quarentena, nº 13.979/20, resultando no fechamento temporário de fronteiras brasileiras e restrição a busca por refúgio no país (Moreira, Piffer, 2021MOREIRA, Débora; PIFFER, Carla. O controle de fronteiras no Brasil e o princípio da não-devolução durante a pandemia de COVID-19. Revista Direito, Economia e Globalização, v. 1, n. 1, 2021.). Esse cenário trouxe dificuldades acrescidas aos solicitantes de proteção que já estavam no Brasil, com impacto na gestão de processos migratórios realizado pela rede organizacional. A Lei 13.445/17, tem como garantia aos migrantes a proteção e a plena igualdade com os cidadãos nacionais, o que inclui o acesso ao Sistema Único de Saúde (Vaz, Aguiar Filho, 2022VAZ, Luísa; AGUIAR FILHO, João. Refugiados venezuelanos nas fronteiras do Brasil durante a pandemia da covid-19: uma análise a partir dos estudos de segurança. Coleção Meira Mattos, v. 16, n. 55, p. 25-42, 2022.) e abarca também a vacinação contra o COVID-193 3 Iniciada a vacinação contra a COVID-19 para refugiados e migrantes venezuelanos abrigados. 2021. Gov.br. Brasília, 03.08.2021. Disponível em: https://www.gov.br/casacivil/pt-br/assuntos/noticias/2021/agosto/operacao-acolhida-inicia-vacinacao-contra-a-covid-19-para-refugiados-e-migrantes-venezuelanos-abrigados. Acesso em: 01.02.2022. .

A rede organizacional do refúgio no Brasil na perspectiva da governança multinível

Níveis territoriais e a localização das organizações dedicadas ao refúgio

No Brasil, há uma constelação de organizações para gerir às migrações forçadas. Como é descrito na primeira tipologia da governança multinível e característico de sistemas federativos, o país possui uma escala vertical, hierárquica e governamental (Piattoni, 2009PIATTONI, Simona. Multi‐level Governance: A Historical and Conceptual Analysis. European Integration, v. 31, n. 2, p. 163-180, 2009.) responsável pelo reconhecimento da condição de refugiado e a garantia de acesso aos serviços universais básicos (Oliveira, 2017OLIVEIRA, Antônio de. Nova lei brasileira de migração: avanços, desafios e ameaças. Revista brasileira de Estudos de População, v. 34, n. 1, p. 171-179, 2017.). Em paralelo, entidades não-governamentais se estabelecem em diferentes níveis territoriais, se aninhando à estrutura estabelecida com o propósito de se envolver nas decisões sobre acolhimento e integração. Esta participação pode ser compreendida à luz do segundo tipo de governança multinível, em que observar o conteúdo e propósito das entidades, possibilita compreender as conexões estabelecidas para a formação da rede organizacional (Mizruchi, 2006MIZRUCHI, Mark. Análise de redes sociais: Avanços recentes e controvérsias atuais. Revista de Administração de Empresas, v. 3, n. 46, p. 72-86, 2006.).

A fim de mapear as entidades nos níveis territoriais correspondentes e melhor compreender a gestão do refúgio no Brasil, foi elaborado o quadro exposto na Figura 1. Essa configuração possibilita a reflexão de elementos para a teoria de governança multinível, a saber, o envolvimento de diferentes níveis de governo, a participação de atores não-governamentais em diferentes escalas territoriais e a elaboração de uma rede complexa e heterogênea entre atores interdependentes (Caponio, Jones-Correa, 2018CAPONIO, Tiziana; JONES-CORREA, Michael. Theorising migration policy in multilevel states: the multilevel governance perspective. Journal of Ethnic and Migration Studies, v. 12, n. 44, p. 1995-2010, 2018.)

Na Figura 1, as organizações governamentais estão distribuídas nos diferentes níveis territoriais de forma limitada, com divisão estável do trabalho e uma jurisdição geral. Na coluna correspondente às organizações não-governamentais e privadas, há a tendência de serem especializadas, focadas em fatores essenciais para integração - como moradia, trabalho e aprendizagem da língua (Strang, Ager, 2010STRANG, Alison; AGER, Alastair. Refugee Integration: Emerging Trends and Remaining Agendas. Journal of Refugees Studies, v. 23, n. 4, p. 589-607, 2010.).

Figura 1 -
Governança Multinível do refúgio no Brasil

As agências internacionais, ACNUR e IOM, estão localizadas no nível supranacional. Embora com funções distintas, a IOM foi levada para dentro do sistema das Nações Unidas como uma agência relacionada às migrações (Thouez, 2019THOUEZ, Colleen. Strengthening migration governance: the UN as ‘wingman’. Journal of Ethnic and Migration Studies , v. 45, n. 8, p. 1242-1257, 2019.). O foco destas agências consiste em “apoiar os Estados e outras partes interessadas em seus objetivos deliberativos e operacionais, habilmente posicionados para orquestrar os assuntos e avançar nas áreas onde eles são limitados” (Thouez, 2019THOUEZ, Colleen. Strengthening migration governance: the UN as ‘wingman’. Journal of Ethnic and Migration Studies , v. 45, n. 8, p. 1242-1257, 2019., p. 1250).

No Brasil, o ACNUR participa do Conare como membro consultivo, com direito a voz, mas sem direito a voto. Como descrito no relatório “Protegendo refugiados no Brasil e no mundo” (UNHCR, 2017UNHCR. ACNUR: Protegendo refugiados no Brasil e no mundo. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.acnur.org/fileadmin/Documentos/portugues/Publicacoes/2016/Cartilha_Protegendo__Refugiados__No__Brasil__e__no__Mundo.pdf . Acesso em: 13.10.2021.
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), a agência internacional coopera com os diferentes níveis de governo, contribuindo para a formulação de políticas públicas sobre o refúgio. O ACNUR “implementa projetos com organizações da sociedade civil em diferentes cidades do país, contando ainda com parcerias no setor privado e no mundo acadêmico para ampliar o apoio às populações sob seu mandato” (UNHCR, 2017UNHCR. ACNUR: Protegendo refugiados no Brasil e no mundo. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.acnur.org/fileadmin/Documentos/portugues/Publicacoes/2016/Cartilha_Protegendo__Refugiados__No__Brasil__e__no__Mundo.pdf . Acesso em: 13.10.2021.
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, p. 19). É importante observar sua grande capilaridade, atuando como membro do Conare, influenciando estados e municípios sobre práticas de acolhimento de refugiados e implementando projetos localmente em parceria com organizações da sociedade civil.

No nível nacional, como ator de destaque há o Conare, composto por entidades que buscam ecoar um discurso coerente sobre o refúgio, alinhado com os pressupostos internacionais (Moreira, 2014MOREIRA, Julia. Refugiados no Brasil: Reflexões acerca do processo de integração local. REMHU, Revista Interdisciplinar Mobilidade Humana, v. 22, n. 43, p. 85-98, 2014.). As organizações que fazem parte do Comitê também atuam externamente, realizando atividades específicas em prol do refúgio. Algumas dessas organizações estão em nível nacional, mas concomitantemente possuem atuação localmente, promovendo ações que facilitam a integração de solicitantes de refúgio (Silva et al., 2020SILVA, Gustavo; CAVALCANTI, Leonardo; OLIVEIRA, Tadeu; MACEDO, Marília. Refúgio em Números. Brasília: OBMigra, 2020.).

No âmbito das organizações não-governamentais que compõem o Conare, há Cáritas Rio e São Paulo (Barreto, 2010BARRETO, Luiz Paulo. A Lei Brasileira de Refúgio: Sua história. In: BARRETO, Luiz Paulo (org.). Refúgio no Brasil: a proteção brasileira aos refugiados e seu impacto nas Américas. Brasília: ACNUR, Ministério da Justiça, 2010, p. 10-22.). Ambas foram convidadas a participar do Comitê, estas organizações têm característica pendular, ocupando tanto o nível nacional quanto o nível local. Sua atuação nacional se dá dentro do Conare, como representante da sociedade civil e com direito a voz e voto (Moreira, 2014MOREIRA, Julia. Refugiados no Brasil: Reflexões acerca do processo de integração local. REMHU, Revista Interdisciplinar Mobilidade Humana, v. 22, n. 43, p. 85-98, 2014.). De forma local, ela se conecta a diferentes organizações a fim de garantir atendimento adequado aqueles que acolhe, acionando postos de saúde municipais, universidades e escolas, organizações locais para conquista de trabalho, entre outros (Muniz, 2017MUNIZ, Joanna Rocha. De onde vem a "ajuda": Um estudo sobre a construção da rede Cáritas Rio e suas ações para o atendimento a pessoas em situação de refúgio. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Rio de Janeiro, 2017.).

As organizações inseridas no nível local têm como principal função o exercício da integração (Moreira, 2014MOREIRA, Julia. Refugiados no Brasil: Reflexões acerca do processo de integração local. REMHU, Revista Interdisciplinar Mobilidade Humana, v. 22, n. 43, p. 85-98, 2014.), o que requer a articulação de múltiplos fatores, como o aprendizado da língua, habitação, alimento, educação, saúde, entre outros (Strang, Ager, 2010STRANG, Alison; AGER, Alastair. Refugee Integration: Emerging Trends and Remaining Agendas. Journal of Refugees Studies, v. 23, n. 4, p. 589-607, 2010.). Tais entidades espelham uma concepção para o tratamento do refúgio que transcorre diferentes níveis e, por se l ocalizarem na ponta da rede, desenvolvem suas ações consoante ao previsto. Estas ações estão condicionadas ao território e podem sofrer alterações conforme o contexto em que estão inseridas e com as especificidades do público que atendem (Muniz, 2017MUNIZ, Joanna Rocha. De onde vem a "ajuda": Um estudo sobre a construção da rede Cáritas Rio e suas ações para o atendimento a pessoas em situação de refúgio. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Rio de Janeiro, 2017.). Embora este trânsito pareça incidir apenas de cima para abaixo, ainda que sem poder de decisão reconhecido, as organizações locais não-governamentais podem influenciar os níveis acima por serem a parte operacional desta gestão.

Análise da rede organizacional do refúgio no Brasil

A teoria de social network analysis, definida por Wasserman e Faust (1994WASSERMAN, Stanley; FAUST, Katherine. Social Network Analysis: Methods and Applications. Cambridge: Cambridge University Press, 1994.), tem como base o relacionamento entre pontos de interação. Os atores, ou ‘nós’, são entendidos como unidades autónomas interdependentes e os laços relacionais são canais de transferência de recursos. Segundo os autores (1994WASSERMAN, Stanley; FAUST, Katherine. Social Network Analysis: Methods and Applications. Cambridge: Cambridge University Press, 1994., p. 9), o “conceito de rede enfatiza o fato de que cada indivíduo tem vínculos com outros, cada um deles vinculados a poucos, alguns ou muitos outros. A frase “rede social” refere-se ao conjunto de atores e laços entre eles”. Para ilustrar a rede organizacional voltada para o refúgio no Brasil foi feito o gráfico da Figura 2.

Por meio da triagem feita a partir do software Gephi 0.9.2, foi possível realizar uma análise de interdependência entre as organizações identificadas no campo brasileiro, permitindo observar as conexões de cada entidade, sua centralidade na rede e interação. Através deste esforço, há como observar a rede organizacional de forma estratificada, compreendendo como os “status e conjuntos de papéis se manifestam como relações entre os atores” (Burt, 1980BURT, Ronald S. Models of network structure. Annual Review of Sociology, v. 6, p. 79-141, 1980., p. 116). Na Figura 2, quanto maior o grau de ligação de uma organização, mais escuro será seu símbolo e mais centralizado na rede. As organizações com menor interação terão cores mais claras e estarão em pontos periféricos.

Figura 2 -
Rede organizacional do refúgio no Brasil

Ao observar o grafo, é possível notar que os atores com maior centralidade são o ACNUR e o Conare. Segundo Burt (1980BURT, Ronald S. Models of network structure. Annual Review of Sociology, v. 6, p. 79-141, 1980., p. 92), “a posição de um ator é central na medida em que todas as relações na rede o envolvem”. O ACNUR possui forte influência nos diferentes níveis de governança do refúgio no Brasil, se relacionando ativamente com organizações públicas e privadas. A capilaridade desta agência se dá pelo seu reconhecimento mundial, lhe garantindo legitimidade, e pela sua capacidade de transferir recursos financeiros e metodologias (Podolny, Page, 1998PODOLNY, Joel; KAREN, Page. Network forms of organization. Annual Review of Sociology , n. 24, p. 57-76, 1998.), de forma que organizações nacionais e locais sejam levadas a trabalhar de acordo com o seu quadro normativo.

O ACNUR possui aquilo que Wasserman e Faust (1994WASSERMAN, Stanley; FAUST, Katherine. Social Network Analysis: Methods and Applications. Cambridge: Cambridge University Press, 1994.) reconhecem como grupo. Na análise de redes, isso significa a coleção de todos os atores que pertencem juntos a um conjunto mais ou menos delimitado. Ao estabelecer conexões com atores de diferentes níveis e formar relações específicas, esta agência garante uma forma de contínua e regular de trabalho, de forma que organizações de diferentes níveis estão associadas à sua própria ideia de acolhimento e integração. Além disso, a formação de um grupo permite que os atores que o compõem estabeleçam laços paralelos, para além do ator central.

Ainda focado na centralidade da rede, há o Conare. Composto por múltiplos atores, este é um órgão federativo responsável pelas principais decisões frente ao refúgio no Brasil (Moreira, 2014MOREIRA, Julia. Refugiados no Brasil: Reflexões acerca do processo de integração local. REMHU, Revista Interdisciplinar Mobilidade Humana, v. 22, n. 43, p. 85-98, 2014.). Suas conexões possuem um caráter hierárquico, caracterizando-o como “autoridade organizacional legítima para arbitrar e resolver disputas que possam surgir durante a troca” (Podolny, Page, 1998PODOLNY, Joel; KAREN, Page. Network forms of organization. Annual Review of Sociology , n. 24, p. 57-76, 1998., p. 59). Dentre as conexões efetivadas pelo Comitê com organizações externas, existem aquelas que são realizadas pelos atores que o compõem. Este é um fator importante, pois favorece conexões interligadas e facilita processos correlacionados que envolvam a participação de mais de uma organização (Mizruchi, 2006MIZRUCHI, Mark. Análise de redes sociais: Avanços recentes e controvérsias atuais. Revista de Administração de Empresas, v. 3, n. 46, p. 72-86, 2006.). Este é o caso dos ministérios e da Polícia Federal, por exemplo, que participam do Comitê, mas possuem atividades próprias em torno do refúgio.

Com uma centralidade intermediária na rede organizacional de refúgio no Brasil, as Cáritas Rio e São Paulo mantém uma configuração pendular com interdependência com outras organizações. Com legitimidade adquirida a partir de seu histórico de atuação (Barreto, 2010BARRETO, Luiz Paulo. A Lei Brasileira de Refúgio: Sua história. In: BARRETO, Luiz Paulo (org.). Refúgio no Brasil: a proteção brasileira aos refugiados e seu impacto nas Américas. Brasília: ACNUR, Ministério da Justiça, 2010, p. 10-22.), tornaram-se referência para a prática de outras organizações, possibilitando um isomorfismo normativo, no qual “experiências de socialização semelhantes levam a visões de mundo que geram tipos semelhantes de soluções prescritas a problemas organizacionais” (Mizruchi, 2006MIZRUCHI, Mark. Análise de redes sociais: Avanços recentes e controvérsias atuais. Revista de Administração de Empresas, v. 3, n. 46, p. 72-86, 2006., p. 82). Localmente, as Cáritas Rio e São Paulo seguem as normas definidas por escalas acima, como aquelas estabelecidas pelo Conare, as diretrizes do ACNUR e os valores da Igreja Católica (Barreto, 2010BARRETO, Luiz Paulo. A Lei Brasileira de Refúgio: Sua história. In: BARRETO, Luiz Paulo (org.). Refúgio no Brasil: a proteção brasileira aos refugiados e seu impacto nas Américas. Brasília: ACNUR, Ministério da Justiça, 2010, p. 10-22.). Ambas se conectam com outras organizações em nível local, o que fica exposto na Figura 2 e é refletido na centralidade e intensidade de sua cor.

As organizações locais, aqui genericamente representadas, tem um papel relevante nesta rede. Embora neste artigo este nível não tenha sido aprofundado devido à peculiaridade de cada local, é importante frisar que este é o “nó” que mais realiza conexões na prática (Thouez, 2019THOUEZ, Colleen. Strengthening migration governance: the UN as ‘wingman’. Journal of Ethnic and Migration Studies , v. 45, n. 8, p. 1242-1257, 2019.). Na figura 2, é possível observar uma conexão de retorno, ou seja, um laço que sai do nó das organizações não-governamentais e retorna para si mesmo, com o intuito de expor as conexões que são estabelecidas entre as diferentes entidades deste tipo. É uma categoria que não possui centralidade tão expressiva, mas é fundamental para a aplicabilidade das decisões tomadas sobre o tema.

Ainda em nível local, além das organizações dedicadas exclusivamente a temática do refúgio, se associam a esta rede organizações com conhecimento específico, mas que podem ser relevantes na vida de um requerente de asilo (Strang, Ager, 2008STRANG, Alison; AGER, Alastair. Refugee Integration: Emerging Trends and Remaining Agendas. Journal of Refugees Studies, v. 23, n. 4, p. 589-607, 2010.). Isso ocorre, principalmente, porque o acolhimento de refugiados lida com pessoas atravessadas por singularidades que exigem o envolvimento de outros atores, porém de forma pontual, fluída e com objetivo direto, como é caracterizado no Tipo II da governança multinível (Hooghe, Marks, 2003HOOGHE, Liesbet; MARKS, Gary. Unraveling the Central State, but How? Types of Multi-level Governance. American Political Science Review, v. 97, n. 2, p. 233-243, 2003.). Na figura 2, estes atores estão localizados na parte periférica, com cores mais clara, devido a pouca densidade de conexões (Burt, 1980BURT, Ronald S. Models of network structure. Annual Review of Sociology, v. 6, p. 79-141, 1980.). Na prática, são as secretarias e postos de saúde, universidades, escolas e empresas privadas, atuando na inserção de refugiados no mercado de trabalho.

Considerações finais

Ao analisar o contexto brasileiro sob as lentes da governança multinível, é possível reconhecer os atores e os laços que compõem a rede organizacional do refúgio. De partida, o Brasil se encaixa nas descrições feitas por Hooghe e Marks (2003HOOGHE, Liesbet; MARKS, Gary. Unraveling the Central State, but How? Types of Multi-level Governance. American Political Science Review, v. 97, n. 2, p. 233-243, 2003.) sobre o Tipo I. Sua estrutura federalista torna visível a divisão de poder por territórios, com as camadas supranacional, nacional, subnacional. Há um número limitado de jurisdições, conectadas verticalmente com funções claramente definidas.

Da mesma forma, ao investigar o percurso histórico do refúgio no cenário brasileiro e a formação mista do Conare, se torna claro o que Hooghe e Marks (2003HOOGHE, Liesbet; MARKS, Gary. Unraveling the Central State, but How? Types of Multi-level Governance. American Political Science Review, v. 97, n. 2, p. 233-243, 2003.) entendem como o segundo tipo de governança multinível. A criação do Comitê é voltada para um tema específico e possui características singulares para sua execução. Isso se dá, principalmente, quando o fenômeno complexo ultrapassa os limites de apenas uma jurisdição e necessita de uma confluência de disciplinas para seu tratamento. Neste tipo, existe um emaranhado de laços, com conexões verticais, horizontais e diagonais.

Embora alcançar as duas prerrogativas acima possam indicar maior integração entre os diferentes níveis territoriais, isto não é suficiente para encontrar a resolução de um fenômeno complexo como o refúgio. Como é apontado por Caponio, Ponzo (2022CAPONIO, Tiziana; PONZO, Irene. Multilevel governance between centralisation and local agency. In: CAPONIO, Tiziana; PONZO, Irene (orgs.). Coping with Migrants and Refugees: Multilevel Governance across the EU. London: Routledge, 2022, p. 219-230.), a governança multinível busca promover a convergência de políticas entre os diferentes níveis territoriais. No Brasil, a questão do refúgio segue altamente centralizada nos níveis supranacional e nacional, onde a formulação de políticas se dá através do Conare, conferindo pouco espaço para as organizações locais. Mesmo este ator sendo um órgão colegiado, a maior parte dos seus membros são organizações governamentais, que decidem o tratamento dispensado aos solicitantes de asilo.

Neste sentido, a tomada de decisão se mantém verticalizada, centralizada em âmbito nacional e fortemente influenciada por agências supranacionais. Entretanto, é resguardada certa autonomia as organizações não-governamentais locais, principalmente quando referido às questões práticas de acolhimento e integração (Thouez, 2019THOUEZ, Colleen. Strengthening migration governance: the UN as ‘wingman’. Journal of Ethnic and Migration Studies , v. 45, n. 8, p. 1242-1257, 2019.). As demandas cotidianas daqueles que chegam e as particularidades do indivíduo são afetas as entidades de acolhimento, o que traz maior responsabilidade em âmbito prático e mais conexões entre organizações localmente.

No cenário brasileiro, há um desafio acrescido a governança multinível devido ao tamanho do país e as particularidades de cada local, o que favorece a heterogeneidade interna das formas de acolhimento (Caponio, Ponzo, 2022CAPONIO, Tiziana; PONZO, Irene. Multilevel governance between centralisation and local agency. In: CAPONIO, Tiziana; PONZO, Irene (orgs.). Coping with Migrants and Refugees: Multilevel Governance across the EU. London: Routledge, 2022, p. 219-230.). Ao mesmo tempo que garantir que cada localidade possa promover formas de integração adequadas, mobilizando os atores locais diante de suas necessidades, essa diferenciação pode resultar esforços assimétricos, com distribuição desproporcional de recursos. O resultado final é que as medidas de acolhimento e integração que os refugiados podem usufruir vão variar de acordo com a localidade, dificultando a formulação de uma agenda nacional.

No que tange as relações desenvolvidas, tão importante quanto a interdependência entre as organizações, a independência das mesmas é fundamental para garantir decisões qualificadas sobre os processos migratórios. Isso implica que, mesmo com a mudança de atores que compõem esta rede, haverá uma linha de ação coerente ao longo dos anos dedicada ao acolhimento de pessoas em situação de refúgio. O modelo de governança multinível exercido no Brasil, mitiga que as políticas e decisões voltadas para o refúgio sejam personificadas, ou seja, ligadas a um único ator. Manter a autonomia das esferas de decisão é fundamental para retrair discursos racistas, homofóbicos, misóginos e negacionistas4 4 Veja falas preconceituosas de Bolsonaro e o que diz a lei sobre injúria e racismo. 2020. Folha de São Paulo. São Paulo, 20.01.2020. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/01/veja-falas-preconceituosas-de-bolsonaro-e-o-que-diz-a-lei-sobre-injuria-e-racismo.shtml. Acesso em: 01.02.2022. proferidos por qualquer membro da rede (inclusive o chefe do executivo).

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  • 1
    As citações em língua estrangeira foram traduzidas pela autora.
  • 2
    Diário Oficial República Federativa do Brasil, Brasil, 6 de novembro de 1998, Seção 1, p. 1. Regimento Interno do Conare.
  • 3
    Iniciada a vacinação contra a COVID-19 para refugiados e migrantes venezuelanos abrigados. 2021. Gov.br. Brasília, 03.08.2021. Disponível em: https://www.gov.br/casacivil/pt-br/assuntos/noticias/2021/agosto/operacao-acolhida-inicia-vacinacao-contra-a-covid-19-para-refugiados-e-migrantes-venezuelanos-abrigados. Acesso em: 01.02.2022.
  • 4
    Veja falas preconceituosas de Bolsonaro e o que diz a lei sobre injúria e racismo. 2020. Folha de São Paulo. São Paulo, 20.01.2020. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/01/veja-falas-preconceituosas-de-bolsonaro-e-o-que-diz-a-lei-sobre-injuria-e-racismo.shtml. Acesso em: 01.02.2022.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Set 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    04 Abr 2022
  • Aceito
    02 Ago 2022
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