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O comportamento ideológico do PMDB na Câmara dos Deputados em 2013

The PMDB’s ideological behaviour at the Chamber of Deputies in 2013

El comportamiento ideológico del PMDB en la Cámara de Diputados en 2013

Le comportement idéologique du PMDB à la Chambre des Députés en 2013

Resumo

O artigo analisa o comportamento ideológico dos deputados federais do PMDB em 2013. Partimos do princípio de que a fixação do partido em apenas um ponto no continuum ideológico é incapaz de captar a sua heterogeneidade. Para alcançar o objetivo proposto, apresentamos uma metodologia diferenciada. Projetos de lei foram classificados a partir da análise de seu conteúdo com base em um quadro de sentidos construído a partir de pronunciamentos dos próprios parlamentares. De modo geral, os resultados confirmam tendência já esboçada pela literatura, ou seja, que o PMDB ocupa posição de centro. Contudo, neste artigo, demonstramos importantes variações à esquerda e à direita no espectro. Nesse sentido, o principal achado do artigo é que, ainda que a sigla possa ser classificada em um ponto específico no espectro ideológico, esse ponto não pode ser visto de forma essencialista, pois apresenta variações importantes que precisam ser consideradas.

ideologia; esquerda; direita; PMDB; partidos políticos

Abstract

The article aims at analysing the ideological behaviour of PMDB’s federal deputies in 2013. We depart from the idea that to set a political party specifically in a particular ideological point does not allow to grasp its heterogeneity. To achieve this goal, we present a different methodology. Law projects have been classified based on a chart of meanings built from federal deputies’ speeches of all parties. In a general way, results confirm a trend already outlined by the literature, that is, the PMDB occupies a position at the centre. However, in this text, we demonstrate essential variations on the left and right in this spectrum. In this sense, although the party can be classified at a specific point in the ideological spectrum, the main article’s finding is that this point cannot be perceived in an essentialist way. Such a point shows significant variations that need to be considered.

ideology; left; right; PMDB; political parties

Resumen

El artículo tiene como objetivo analizar el comportamiento ideológico de los diputados federales del PMDB en 2013. Partimos de la idea de que localizar un partido político específicamente en un punto ideológico particular, no permite de comprender su heterogeneidad. Para lograr este objetivo, presentamos una metodología diferente. Los proyectos de ley se han clasificado según un cuadro de significados construido a partir de los discursos de los diputados federales de todas las partes. De manera general, los resultados confirman una tendencia ya esbozada por la literatura, es decir, el PMDB ocupa una posición en el centro. Sin embargo, en este texto, demostramos variaciones esenciales a izquierda y derecha en este espectro. En este sentido, el hallazgo del artículo principal es que, aunque el partido puede clasificarse en un punto específico del espectro ideológico, este punto no puede percibirse de una manera esencialista. Tal punto presenta variaciones significativas que deben considerarse.

ideología; izquierda; derecha; PMDB; partidos políticos

Résumé

L’article vise à analyser le comportement idéologique des députés fédéraux de le PMDB en 2013. Nous partons de l’idée que localiser un parti politique spécifiquement sur un point idéologique particulier, est incapable de saisir son hétérogénéité. Pour atteindre cet objectif, nous présentons une méthodologie différente. Les projets de loi ont été classés en fonction d'un tableau de significations construit à partir des discours des députés fédéraux de tous les partis. De manière générale, les résultats confirment une tendance déjà esquissée par la littérature, c’est-à-dire, que le PMDB occupe une position au centre. Cependant, dans ce texte, nous démontrons des variations essentielles à gauche et à droite dans ce spectre. En ce sens, la principale conclusion de l'article est que, bien que le parti puisse être classé à un point spécifique du spectre idéologique, ce point ne peut pas être perçu de manière essentialiste. Un tel point présente des variations importantes qui doivent être prises en considération.

idéologie; la gauche; droite; PMDB; partis politiques

Introdução

É lugar comum dizer que o PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro) 6 6 Cumpre destacar que, em convenção nacional realizada em 19 de dezembro de 2017, o PMDB aprovou mudança de denominação, voltando a chamar-se MDB (O Globo, 2017 ). Uma vez que o artigo aqui apresentado se refere a 2013, assumimos a nomenclatura adotada naquele ano. é um dos partidos mais tradicionais e importantes do Brasil. Desde o início do atual período democrático, em 1985, o PMDB tem conseguido se manter como uma das principais legendas no país em todos os níveis administrativos. O que chama a atenção é o fato de a sigla ter sido continuamente parte de coalizões em diversos governos federais tanto à direita como à esquerda 7 7 Para além do que mostra Martins (2015) , que afirma que o PMDB fez parte de coalizões presidenciais de 1995 a 2015, destacamos que a legenda compõe tais coalizões, de fato, desde 1985. . Essa vocação” do PMDB pelo poder é uma das principais justificativas que nos levam a indagar acerca do posicionamento ideológico desse partido.

Assim, este artigo tem por objetivo apresentar o comportamento ideológico peemedebista na Câmara dos Deputados em um momento específico. Para tanto, serão analisados projetos de lei (PLs) propostos por seus parlamentares em 2013 8 8 A escolha por analisar PLs no ano de 2013 será justificada na seção “Elementos metodológicos para a compreensão do comportamento ideológico do PMDB”, na qual discutiremos os aspectos metodológicos que balizam esta análise. . Com base na avaliação de PLs e utilizando uma nova metodologia de classificação ideológica, a ser descrita neste artigo, será possível compreender a ideologia do partido conforme a sua prática política.

O artigo está subdividido em três partes, além desta “Introdução” e das “Considerações finais”. Inicialmente, em “PMDB: sucesso eleitoral e heterogeneidade ideológica”, são apresentados alguns dos principais marcos da história eleitoral do PMDB, além de elementos concernentes ao seu programa partidário. Na segunda seção, “Elementos metodológicos para a compreensão do comportamento ideológico do PMDB”, expomos os elementos metodológicos que balizam a análise sobre o comportamento ideológico peemedebista na Câmara dos Deputados. Na seção “Resultados: o comportamento ideológico peemedebista em 2013 na Câmara dos Deputados”, passamos à análise dos PLs e à discussão dos resultados obtidos.

PMDB: sucesso eleitoral e heterogeneidade ideológica

O PMDB alia um satisfatório desempenho eleitoral e um programa partidário abrangente e heterogêneo que possibilitam à sigla, ao mesmo tempo, a realização de amplos leques de alianças eleitorais, além dos mais diversos comportamentos ideológicos. Nesse sentido, esta seção tem duplo objetivo: i) percorrer o caminho eleitoral vitorioso da legenda, desde o período da redemocratização até as eleições de 2010; e ii) apontar a heterogeneidade ideológica presente no seu programa partidário. Tais características se mostram, como veremos, congruentes com o não menos heterogêneo comportamento ideológico do partido na Câmara Federal no período analisado neste artigo. Iniciemos pela trajetória eleitoral peemedebista.

Fundado em 1980, a partir da extinção do bipartidarismo no Brasil, o PMDB tem suas raízes no então MDB (Movimento Democrático Brasileiro). O MDB foi o partido de oposição ao regime militar entre 1965 e 1980, criado em consequência do sistema bipartidário, instituído pelo Ato Institucional nº 2, assinado pelo governo autoritário em 17 de outubro de 1965 ( Alves, 2005Alves , M. H. M . Estado e oposição no Brasil (1964-1984) . Bauru : Edusc , 2005 . ). O partido teve imensas dificuldades eleitorais em seus primeiros anos de existência, tendo sido, inclusive, cogitada, por parte de algumas de suas lideranças, a sua autodissolução. Contudo, a partir da vitória nas eleições de 1974 e tendência de crescimento eleitoral confirmada nos pleitos de 1976 e de 1978, o MDB passou a ser, além de um partido com prestigiosos quadros da política nacional, uma alternativa política popular na luta contra o regime autoritário.

Com o retorno do multipartidarismo, o MDB, ressaltando a sua emblemática defesa da democracia, buscou manter-se na lembrança do eleitor brasileiro com a adição do termo “Partido” ao seu nome. Assim, garantiu a sua memória oposicionista ao regime militar e manteve seu eleitorado, agora como PMDB. Desde a transição democrática, o partido permanece tanto entre aqueles com maior representatividade no Congresso Nacional quanto entre os que têm uma expressiva atuação nos diferentes níveis de governos, como mostraremos a seguir.

Os dados constantes na Tabela 1 indicam a presença do PMDB no cenário nacional. Em 1982, houve eleições para governadores, senadores, deputados federais e deputados estaduais nos então 22 estados brasileiros. No pleito, o PMDB mostrou grande capacidade de mobilização eleitoral para os diferentes cargos, apresentando a segunda maior bancada na Câmara dos Deputados, ficando atrás do PDS, partido que dava suporte legislativo ao regime autoritário. Nas Câmaras Estaduais, também se destacou em todos os estados da federação, permanecendo atrás, novamente, apenas do PDS ( TSE, 2018TSE . “ Eleições anteriores ( online )”. Brasil , 2018 . Disponível em: < http://www.tse.jus.br/eleitor-e-eleicoes/eleicoes/eleicoes-anteriores/eleicoes-anteriores . Acesso em: 4 abr. 2018 .
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).

Tabela 1
Cargos conquistados pelo PMDB de 1982 a 2010 (N e %) 9

Em 1985, embora indiretamente, a sigla elegeu Tancredo Neves e José Sarney para o Executivo federal. Em 1986, o PMDB teve o seu melhor desempenho em termos de cargos conquistados no período analisado. O partido ganhou quase todos os governos estaduais 10 10 Apenas em Sergipe o PMDB não elegeu o seu candidato ao governo do estado. Na oportunidade, o governador eleito foi do PFL. Para o pleito, contaram-se 23 estados. , elegeu 77,5% dos senadores 11 11 Maranhão e Rio Grande do Norte não elegeram representantes do PMDB ao Senado. , alcançou sozinho a maioria da Câmara dos Deputados 12 12 O partido elegeu candidatos de quase todos os estados brasileiros. A exceção foi Roraima. e quase metade dos deputados estaduais em todo o país ( TSE, 2018TSE . “ Eleições anteriores ( online )”. Brasil , 2018 . Disponível em: < http://www.tse.jus.br/eleitor-e-eleicoes/eleicoes/eleicoes-anteriores/eleicoes-anteriores . Acesso em: 4 abr. 2018 .
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).

Na primeira eleição direta para a presidência da República após o regime autoritário, em 1989, o PMDB apresentou a candidatura de Ulysses Guimarães. Ainda que a expectativa por um bom desempenho na eleição fosse grande, Ulysses alcançou menos de 5% dos votos.

Em 1990, o PMDB, embora tenha recuado na conquista de espaço, tendo em vista, sobretudo, um conjunto mais amplo de opções partidárias aos eleitores, manteve um bom desempenho eleitoral na comparação com os demais partidos. Nesse ano, foi o segundo partido que mais elegeu governadores 13 13 Ficando atrás apenas do PFL, que elegeu nove governadores. , obteve quase um terço das cadeiras para senadores, conseguiu representação de 21 estados na Câmara de Deputados e quase 20% dos cargos para deputados estaduais ( TSE, 2018TSE . “ Eleições anteriores ( online )”. Brasil , 2018 . Disponível em: < http://www.tse.jus.br/eleitor-e-eleicoes/eleicoes/eleicoes-anteriores/eleicoes-anteriores . Acesso em: 4 abr. 2018 .
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).

Em 1994, na eleição presidencial, o PMDB apresentou a candidatura de Orestes Quércia, que obteve apenas 4,5% dos votos, ficando em quarto lugar na disputa. Sobre os demais cargos, a agremiação não conseguiu melhorar significativamente seu desempenho em relação ao pleito anterior. Embora tenha conseguido número (absoluto) pouco maior de vitórias nos governos estaduais e no Senado, o partido praticamente manteve sua atuação em todos os cargos em termos relativos

Em 1998, o partido perdeu espaço em quase todas as esferas. A exceção foi o Senado, em que, embora tenha diminuído em números absolutos, conseguiu 44,4% das cadeiras disponíveis no pleito (frente a 25,9% alcançados em 1994). O ano de 2002 foi aquele no qual o PMDB apresentou o pior resultado em termos percentuais na Câmara dos Deputados e nas Assembleias Legislativas. Da mesma forma, o partido diminuiu sua conquista no Senado em relação à eleição anterior. Por outro lado, avançou nos Executivos estaduais. Naquele ano, o partido não apresentou candidatura própria ao Executivo nacional; coligou-se com o PSDB e apresentou candidato à vice-presidência.

Em 2006, o PMDB novamente não apresentou candidatura própria à presidência da República, tampouco participou de qualquer coligação. Em 2006 e 2010, o partido perdeu espaço nos governos estaduais. Em 2006, a sigla elegeu o menor número de senadores no período em tela, em contraste com 2010, quando surpreendeu com quase um terço dos senadores eleitos. Nas eleições de 2006 e 2010, podemos considerar as porcentagens acerca dos cargos para deputado federal e deputado estadual próximas às verificadas ao final da década de 1990.

Nesse sentido, nas eleições de 1986 a 2010, referente especificamente à Câmara dos Deputados, o percentual de ocupação de cadeiras por membros do PMDB seguiu a lógica de manutenção do partido como um dos mais presentes na Casa. Com a maior oferta de partidos ao eleitorado na década de 1990, a agremiação logrou cerca de 20% das cadeiras. Já nos anos 2000, esse percentual médio caiu para 16%. Mesmo com essa queda, comparando-se com os demais partidos políticos, pode-se avaliar que o PMDB se consagrou, ao longo da história recente da disputa política brasileira, como uma das três maiores bancadas da Câmara, apontando a eficiência do partido se considerada sua atuação na arena eleitoral.

Realizada essa rápida passagem pelos resultados eleitorais peemedebistas entre 1986 e 2010, apresentaremos agora, também de forma panorâmica, aspectos do seu programa partidário mais recente, aprovado em 2012, que indicam a heterogeneidade ideológica que será encontrada no momento da análise dos PLs propostos por parlamentares peemedebistas em 2013. De acordo com Michels (1982Michels , R . Sociologia dos partidos políticos . Brasília : Ed. Universidade de Brasília , 1982 . , p. 232), o programa partidário pode significar a “expressão teórica dos interesses de uma determinada classe” 14 14 Michels (1982 , p. 232) esclarece que um partido não é um organismo de classe. Antes, é “do ponto de vista social, uma mistura de classes, composto que está de elementos que não desempenham a mesma função no processo econômico. Mas o programa, sendo este de uma classe, exige, contudo, uma aparente unidade social”. . Dessa forma, podemos afirmar que o programa do PMDB é a base que une seus filiados. Conforme o documento, o partido segue, por exemplo, os seguintes princípios: i) o compromisso fundamental com a democracia, enquanto regime essencial para garantir a dignidade humana e a justiça; ii) a busca por representar interesses daqueles à margem da sociedade; iii) a defesa dos interesses nacionais e do povo brasileiro acima de tudo; iv) o compromisso, enquanto partido de massas, de constituir-se como “uma organização que vincula os movimentos sociais e reivindicatórios à vida política sem tutelá-los” (PMDB, 2012, s.p.).

O PMDB tem ainda como princípio – assegurado o respeito aos limites de sua linha programática – a liberdade de atuação por parte de seus filiados, além de admitir divergências de opinião entre seus membros, desde que seja respeitada a estrutura do partido, visando à garantia da sua sobrevivência interna. Outro compromisso se refere ao combate às discriminações de quaisquer tipos, tendo como objetivo basilar defender as minorias, ressaltando a defesa dos direitos de índios e negros. O partido coloca-se como “a favor da vida”. Busca ainda o combate sistemático à corrupção, enfatizando ações de resguardo tanto do erário quanto de interesses públicos em geral. Respeitados esses princípios, o PMDB deseja “a construção de uma democracia que compatibilize liberdade, igualdade, desenvolvimento e justiça social, sustentados no trabalho, na credibilidade e na esperança” (PMDB, 2012, s.p.).

O programa partidário do PMDB tem como mote de atuação a noção de “democracia como desenvolvimento” e segue um conjunto de oito lições que, juntas, norteiam o alcance desse ideário político com base em aprendizados do passado. De modo resumido, as oito lições são: i) garantia da primazia do povo em detrimento de quaisquer elites tradicionais que, na concepção do partido, “não foram capazes de construir uma grande civilização democrática” (PMDB, 2012, s.p.); ii) importância de garantir e manter uma sociedade politicamente organizada, em razão principalmente da experiência vivida durante o regime militar, levantando a bandeira principal do partido, que é a defesa da democracia; iii) o Estado democrático de direito como essencial para a manutenção das aspirações populares e da soberania tanto popular quanto nacional; iv) defesa da ligação entre o partido e os movimentos populares, visando garantir e manter uma significativa base social 15 15 Assim, o PMDB é visto como “partido sem ideologia, voltado apenas à disputa eleitoral com a finalidade de extrair recursos do Estado e que, para isso, continua aceitando qualquer perfil de filiado em suas hostes, com grande autonomia entre suas instâncias e organizações regionais” ( Lameira e Peres, 2015 , s.p.). Defendemos, ao contrário, que tal característica demonstra, na verdade, uma faceta de sua ideologia. ; v) defesa da importância dos partidos políticos – e o pluripartidarismo, essencialmente partindo do contexto de bipartidarismo experienciado pelo então MDB – para a democracia, mesmo ciente da desagregação e da hiperfragmentação partidária como situações contraproducentes para quaisquer regimes democráticos; vi) “importância do realismo, da verdade e da honestidade no jogo político democrático” ( PMDB, 2012PMDB . Programa Partidário ( online ), 2012 . Disponível em: < http://mdbsp.org.br/programa-partidario/ . Acesso em: 8 jan. 2018 .
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, s.p.), destacando a importância dos princípios e da racionalidade ante o começo, o meio e o fim do jogo político; vii) a ideia de que “reformar o Estado e a esfera pública é hoje um imperativo, sem o qual não será possível recuperar a legitimidade, a eficácia e a credibilidade das instituições diante do povo brasileiro” de modo que “o que se busca é o Estado legítimo e necessário, desprivatizado e não corporativista” ( PMDB, 2012PMDB . Programa Partidário ( online ), 2012 . Disponível em: < http://mdbsp.org.br/programa-partidario/ . Acesso em: 8 jan. 2018 .
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, s.p.); viii) soberania nacional, ressaltando a luta do PMDB pela defesa de interesses nacionais, dando primazia a quaisquer manobras e pressões externas.

Como podemos verificar, com base em princípios que articulam diversas demandas, o PMDB tem conseguido se manter no poder em diferentes esferas políticas. Os resultados eleitorais expressam quanto as noções de democracia e desenvolvimento, apresentadas pela legenda, conseguem mobilizar a simpatia da população. A base que ampara o programa do PMDB é ampla e indica que a própria classificação ideológica do partido apresenta variações de acordo com a área a ser considerada, como veremos a seguir a partir da consideração dos PLs. Na próxima seção, iniciaremos nosso percurso metodológico em direção à análise que entendemos ser capaz de captar a heterogeneidade ideológica presente no partido.

Elementos metodológicos para a compreensão do comportamento ideológico do PMDB

Desde o início do atual sistema partidário brasileiro, a ciência política tem se debruçado, a partir da construção de uma série de metodologias, sobre processos de classificação ideológica dos partidos políticos que atuam no país. A importância de classificações como essas é evidente: dependendo da ideologia, mais à esquerda ou mais à direita, há a tendência de o partido assumir posições ou adotar políticas mais ou menos condizentes com uma visão de mundo específica que, em geral, seus membros tomam como sua e que tem reflexos diretos na sociedade como um todo.

Tendo em vista a complexidade que envolve a temática, distintas têm sido as metodologias criadas e aplicadas para tal fim. Ainda que haja, inclusive, profundas diferenças metodológicas e, mais ainda, diversas concepções epistemológicas que guiam tais esforços, o fato positivo é que as tentativas de classificação ideológica dos partidos brasileiros – seja no âmbito parlamentar, seja no extraparlamentar – têm o mérito de iluminar áreas que até então estavam às escuras.

Isso quer dizer que, por um lado, não há “a classificação” que, ao fim e ao cabo, descortinará por si só todas as nuances e os matizes existentes na complexidade que envolve um partido político. Por outro lado, distintas formas de classificação não resultam necessariamente de fraquezas metodológicas, incapazes de capturar os elementos ideológicos presentes nos partidos. O que cada classificação até então realizada acessa são os diferentes níveis da atuação partidária, os quais denotam a complexidade que envolve esse tipo de estrutura política.

Assim, as metodologias de análise ideológica dos partidos no Brasil já os classificaram: i) a partir da origem social dos seus deputados federais (Rodrigues, 2002a, 2002b); ii) a partir da análise dos conteúdos programáticos e dos manifestos dos partidos ( Tarouco, 2008Tarouco , G. S . “ Esquerda e direita no sistema partidário brasileiro: notas de pesquisa ”. Anais do I Seminário Nacional de Ciência Política da UFRGS , Porto Alegre , 2008 . ; Tarouco e Madeira, 2013Tarouco , G. S. ; Madeira , R. M . “ Partidos, programas e o debate sobre esquerda e direita no Brasil ”. Revista de Sociologia e Política , Curitiba , vol. 21 , nº 45 , p. 149 - 165 , 2013 . ); iii) a partir dos seus comportamentos/votos no Congresso Nacional ( Limongi e Figueiredo, 1995Limongi , F. ; Figueiredo , A . “ Partidos políticos na Câmara dos Deputados: 1989-1994 ”. Dados – Revista de Ciências Sociais , Rio de Janeiro , vol. 38 , nº 3 , p. 497 - 525 , 1995 . ; Leoni, 2002Leoni , E . “ Ideologia, democracia e comportamento parlamentar: a Câmara dos Deputados (1991-1998) ”. Dados – Revista de Ciências Sociais , Rio de Janeiro , vol. 45 , nº 3 , p. 361 - 386 , 2002 . ); iv) a partir da autopercepção, das percepções recíprocas e/ou da posição dos deputados federais sobre questões de ordem socioeconômica (Power e Zucco Jr., 2009; Zucco Jr., 2009a, 2009b; Kinzo, 2007Kinzo , M. D . Partidos, deputados estaduais e a dimensão ideológica . In: Kinzo , M. D. ; Braga , M. S . ( orgs .) . Eleitores e representação partidária no Brasil . São Paulo : Humanitas , p. 139 - 158 , 2007 . ; Mainwaring, Meneguello e Power, 2000) 16 16 Não se trata, é claro, de uma lista exaustiva de trabalhos sobre a relação entre ideologia e partidos políticos no Brasil. Nosso intuito é tão somente indicar algumas linhas gerais da classificação ideológico-partidária realizada no país. . Mesmo considerando as evidentes diferenças entre essas metodologias de classificação, todas têm em comum o que chamaremos aqui de uma forma “totalizante” de considerar a ideologia dos partidos políticos.

Percebemos que, nessas formas de classificação ideológica, os partidos são tomados como unidades indivisíveis, a despeito de suas sensíveis heterogeneidades. Há partidos notoriamente constituídos por grandes divisões internas que dão nitidamente a impressão de que estamos diante de “subpartidos” dentro de um mesmo partido, conforme já preconizavam Sartori (1982)Sartori , G . Partidos e sistemas partidários . Brasília : Ed. Universidade de Brasília , 1982 . , Michels (1982)Michels , R . Sociologia dos partidos políticos . Brasília : Ed. Universidade de Brasília , 1982 . e Duverger (1987)Duverger , M . Os partidos políticos . Rio de Janeiro : Ed. Guanabara , 1987 .17 17 Para Sartori (1982) , os subgrupos partidários são chamados frações e são compostos por grupos rivais. Para Michels (1982) , as divisões internas são baseadas na luta de classes. Já Duverger (1987) apresenta as facções internas organizadas em grupos de posicionamento extremo e de posicionamento moderado. . O PMDB, objeto de análise neste artigo, é talvez o exemplo mais bem acabado dessa heterogeneidade partidária, mas, é claro, está longe de ser o único caso. Ainda assim, os estudos relativos à temática têm classificado globalmente cada partido em um viés ideológico único.

Nesse sentido, a presente proposta de classificação ideológica parte de um pressuposto diferente. Tendo em vista a heterogeneidade partidária aludida, a metodologia aqui empregada prevê uma análise detalhada de uma agremiação partidária em um contexto específico de atuação. O objetivo, bem entendido, não é chegar à conclusão de que o PMDB é um partido essencialmente de centro, de esquerda ou de direita em um sentido totalizante ou fechado. Nossa ideia, pelo contrário, é demonstrar que nesse partido, assim como nos demais, há posições ideológicas distintas, as quais denotam uma riqueza de concepções de mundo que não deveria ser desprezada.

Dessa forma, a análise classificará cada PL de autoria de parlamentares do PMDB em um ponto específico no espectro ideológico construído pela metodologia que desenvolvemos. Analisaremos unidades mínimas (cada PL) e chegaremos a resultados que indicarão quais desses projetos podem ser classificados à esquerda e à direita. Isso porque entendemos que não podemos falar, a rigor, em partidos essencialmente de esquerda ou de direita; temos antes de buscar compreender o comportamento ideológico partidário proporcional, desde a análise de cada uma de suas práticas políticas específicas, como procuraremos demonstrar.

Escolhemos os PLs propostos pelos deputados em 2013 para realizar a classificação ideológica. O primeiro elemento importante que justifica a nossa escolha temporal reside na clareza com que os resultados obtidos refletem o comportamento ideológico stricto sensu do partido naquele ano. Ainda que, com base em nossa análise, possamos indicar uma tendência ideológica para a sigla, ao menos para a legislatura de 2011-2014 18 18 Nossa aposta em uma possível projeção dos resultados obtidos neste artigo para o período da legislatura 2011-2014 deve-se ao fato de que estamos lidando com uma estrutura parlamentar que, a despeito de ingressos e de defecções de deputados, mantém-se como tal ao longo do período. , preferimos indicar certeza quanto ao perfil ideológico no ano analisado e apenas projetar uma tendência em relação aos demais anos da referida legislatura. Essa parcimônia normativa, como poderá ser notada no decorrer desta seção, tem a ver com a metodologia de análise ideológica que estamos apresentando. Trata-se de uma forma de classificação quali-quantitativa, que requer uma análise exaustiva do conteúdo de cada PL proposto, o que demanda tempo e cuidado. Portanto, ampliar as nossas certezas quanto ao comportamento ideológico do PMDB requer replicarmos essa metodologia em outros anos. Outra justificativa para a escolha de 2013 diz respeito ao fato de que esse não foi um ano eleitoral, o que, acreditamos, pode ser relevante para captarmos melhor as ideologias presentes nos PLs, uma vez que os parlamentares estão momentaneamente livres de pressões eleitorais, e isso pode resultar em proposições legislativas igualmente mais livres. Por fim, o ano escolhido justifica-se também, pois, em comparação com os demais partidos com representação na Câmara dos Deputados, o PMDB foi o que mais protocolou PLs em 2013 19 19 Considerando o período de 2011 a 2014, o PMDB apresentou 432 PLs em 2011, 262 em 2012, 302 em 2013 e 158 em 2014. Apesar de não ser o ano em que o partido mais submeteu PLs, 2013 foi o escolhido pois esse é o ano em que o PMDB se destaca perante os demais partidos, sendo a agremiação que apresenta mais PLs em relação às demais. O PMDB se distingue em número de submissões em toda a legislatura. Em 2011 e 2012, ele foi o segundo partido que apresentou mais PLs, ficando atrás do PT nos dois anos (este último apresentou 569 PLs em 2011 e 305 em 2012). Em 2014, o PMDB ficou em terceiro lugar na proposição de leis, sendo o PT a sigla que mais apresentou PLs (202) e o PSD a segunda agremiação (169). .

É importante ressaltarmos que a classificação aqui realizada não é a tradução de uma ideologia global do PMDB, mas tão somente a que diz respeito ao comportamento dos seus parlamentares no contexto legislativo em um período determinado 20 20 Não que os resultados que apresentamos neste artigo não possam ser indicativos para uma classificação mais abrangente do PMDB: temos a impressão de que as nossas conclusões indicam tendências importantes para uma análise mais ampla. No entanto, não consideramos prudente simplesmente universalizarmos resultados específicos para outras áreas da atuação partidária. . É igualmente importante destacarmos que escolhemos PLs para análise porque entendemos que o conjunto de todos os projetos de lei protocolados por todos os parlamentares do PMDB no ano escolhido – independentemente de seus resultados ao final do processo iniciado pela propositura – é capaz de nos fornecer uma radiografia precisa do comportamento ideológico da bancada para a legislatura em foco 21 21 Outros documentos (propostas de emenda à Constituição, medidas provisórias, resultados de votações, propostas de políticas públicas) podem ser analisados com essa metodologia, que permite investigar várias proposições no âmbito dos poderes Legislativo e Executivo. Entendemos esses poderes como partes do campo discursivo da representação política, composto por todos os partidos e sujeitos políticos que formam as relações Executivo-Legislativo. . Compreendemos ainda que a análise de todos os PLs de um determinado período reduz drasticamente vieses analíticos que poderiam aparecer se fizéssemos algum tipo de amostra. Portanto, a análise do todo nos fornece dados finais mais precisos.

A metodologia dessa classificação está dividida em dois momentos principais. O primeiro diz respeito às caracterizações de esquerda e de direita, e o segundo, à classificação das políticas (PLs). Para isso, entendemos que devemos partir da compreensão de esquerda e de direita presente entre os próprios sujeitos políticos que compõem o campo discursivo da representação política 22 22 As próprias nomenclaturas ideológicas clássicas, “direita” e “esquerda”, são aqui utilizadas pois são correntemente mobilizadas pelos sujeitos do campo discursivo da representação política como forma de autoidentificação e também para a identificação de seus adversários. . Para compreender e apreender tais sentidos, tomamos, inicialmente, os pronunciamentos dos parlamentares de todos os partidos com representação na Câmara dos Deputados.

De acordo com o glossário do site da Câmara dos Deputados, pronunciamento é a “manifestação de opinião do parlamentar, seja em discurso ou em intervenção nos trabalhos legislativos”. Assumimos os pronunciamentos como as falas proferidas pelos deputados federais nas sessões ordinárias. As sessões ordinárias são realizadas no Plenário da Câmara dos Deputados uma vez ao dia, em dias úteis, estando divididas em quatro fases: i) Pequeno Expediente (destinado a comunicações de temáticas livres, tendo cada parlamentar até cinco minutos para fazer uso da palavra); ii) Grande Expediente (pronunciamentos de até 25 minutos); iii) Ordem do Dia (fase designada para discussão e votação de proposições e assuntos a serem tratados pelo plenário); iv) Comunicações Parlamentares (fase restrita aos parlamentares indicados pelos líderes partidários para pequenos pronunciamentos) (Câmara dos Deputados, 2018b) 23 23 As Breves Comunicações não representam propriamente uma fase, mas complementam o Pequeno Expediente se este for concluído antes do tempo previsto. Assim, havendo disponibilidade de tempo, seguindo inscrições realizadas na Mesa Diretora da Câmara, os parlamentares podem fazer uso da palavra por até cinco minutos. Como ressalta Moreira (2016 , p. 45), “é no Pequeno Expediente, no Grande Expediente, nas Comunicações Parlamentares e nas Breves Comunicações que os parlamentares têm a previsão regimental para tratar de assuntos diversos à pauta e podem discursar de forma livre na tribuna desde que dentro do tempo e das regras permitidos”. .

Os pronunciamentos coletados nos fornecem o enquadramento ideológico de cada política específica com base na lógica do próprio campo discursivo da representação. Em nossa metodologia, esses distintos enquadramentos ideológicos estão dispostos em um Quadro de Sentidos Ideológicos 24 24 O Quadro de Sentidos Ideológicos está disponível no site do Cesop (cesop.unicamp.br), na seção Revista Opinião Pública, ao final da página referente a este artigo, em Arquivos Complementares. , sobre o qual falaremos mais adiante. Contudo, o mero enquadramento no referido Quadro não nos fornece elementos suficientes para a classificação de comportamentos ideológicos específicos: estes só podem ser encontrados na prática política 25 25 Estamos chamando aqui de “prática política” a proposição dos projetos de lei. . É por essa razão que o segundo momento da análise reside na confrontação dos sentidos ideológicos atribuídos pelos parlamentares com suas ações específicas, nesse caso, os projetos de lei. Vejamos mais amiúde esses dois momentos de classificação, a partir do nosso percurso metodológico, dividido em três etapas principais (as duas primeiras referem-se à elaboração do Quadro de Sentidos Ideológicos e a última à análise dos projetos de lei), a saber: i) escolha das palavras detonadoras ideológicas 26 26 Por “palavras detonadoras” entendemos um conjunto de termos ideológicos consagrados que têm servido para diferenciar “direita” e “esquerda”, os principais sentidos ideológicos presentes no campo discursivo da representação política. O objetivo das palavras detonadoras, como se verá a seguir, é “detonar” o início da busca por sentidos aplicados e discerníveis para cada comportamento ideológico. ; ii) busca dos “sentidos aplicados” para cada uma das palavras detonadoras no Banco de Discursos da Câmara dos Deputados e elaboração do Quadro de Sentidos Ideológicos a partir dos resultados; iii) análise stricto sensu dos PLs.Essas três etapas serão descritas a seguir.

i) Escolha das palavras detonadoras ideológicas. Uma das ideias mais importantes presentes nessa metodologia é que ela busca “captar” os sentidos ideológicos diretamente produzidos pelo campo discursivo da representação política. Nesse sentido, visamos não presumir posições de esquerda e de direita: chegaremos a elas a partir dos pronunciamentos dos próprios deputados federais no exercício de suas funções legislativas. O meio mais simples, imediato e eficaz que encontramos para alcançar esse objetivo é partir do que chamamos de “palavras detonadoras ideológicas”.

Amplamente aceitas e utilizadas pelo campo político, usamos essas palavras para extrairmos os “sentidos aplicados” para cada uma delas diretamente dos pronunciamentos dos parlamentares em Plenário. Por “sentidos aplicados”, entendemos a relação possível de ser estabelecida entre as palavras detonadoras ideológicas e os contextos determinados em que elas são utilizadas. Por exemplo: é possível extrairmos das falas dos deputados sentidos específicos acerca de medidas econômicas consideradas como de esquerda e de direita. Assim, as palavras detonadoras ideológicas cumprem a função de iniciar a nossa busca pelos sentidos ideológicos aplicados, os quais são fundamentais para, num momento seguinte, podermos classificar ideologicamente proposições específicas, como projetos de lei, no caso deste artigo. As palavras detonadoras escolhidas foram: capitalismo, capitalista, comunismo, comunista, conservador, direita, esquerda, fascismo, fascista, ideologia, liberal, neoliberal, progressista, socialismo e socialista. Tais palavras foram escolhidas porque, ao serem amplamente utilizadas pelo campo político, são pilares para compreendermos o discurso político. Conforme Pinto:

Todo discurso é um discurso de poder, na medida em que todos os discursos pretendem impor verdades a respeito de um tema específico ou de uma área da ciência, da moral, da ética, do comportamento etc. Entretanto, o discurso político se destaca de todos nesse particular, porque, enquanto os outros tendem a deslocar seus desejos de poder, tornando-os opacos, o discurso político explicita sua luta pelo poder. Não poderia ser diferente, pois a explicitação de seu desejo de poder é o próprio discurso ( Pinto, 2006Pinto , C. R. J . “Elementos para uma análise de discurso político” . Barbarói , Santa Cruz do Sul , nº 24 , p. 78 - 109 , 2006 . , p. 92).

Assim, compreendemos que os significados de cada palavra detonadora estão em disputa no campo analisado com vistas ao poder. Os significados que conseguem se sobrepor aos demais, os vitoriosos, vão indicar a maneira como será exercido o poder. Entendemos que esse conjunto de palavras, que são utilizadas de diferentes maneiras, consegue trazer à tona essa competição no campo político com todo o peso de seus diferentes significados. Cada palavra detonadora carrega em si uma verdade para um determinado ponto no campo político. Como trabalhamos com palavras que detonam, ao menos em um momento inicial (e depois comprovado), a compreensão de ideias/verdades opostas, a análise discursiva do material selecionado mostrará essa luta pelos significados e pelas verdades ali dispostas, afinal, “A característica fundamental do discurso político é que este necessita para sua sobrevivência impor a sua verdade a muitos e, ao mesmo tempo, é o que está mais ameaçado de não conseguir. É o discurso cuja verdade está sempre ameaçada em um jogo de significações” ( Pinto, 2006Pinto , C. R. J . “Elementos para uma análise de discurso político” . Barbarói , Santa Cruz do Sul , nº 24 , p. 78 - 109 , 2006 . , p. 89).

Toda escolha metodológica implica vieses, uma vez que a busca pela “neutralidade científica” é uma ingenuidade epistemológica. É preciso frisarmos, contudo, que o nosso objetivo é conhecer o comportamento ideológico parlamentar, tentando contaminar o menos possível os resultados por conta de adesões ideológicas dos pesquisadores. Assim, o fato de termos escolhido as palavras detonadoras acima mencionadas pode produzir algum viés; porém, acreditamos que este é metodologicamente controlado, principalmente porque nossa escolha não produz qualquer reação direta no grupo pesquisado de parlamentares, uma vez que eles ignoram a pesquisa que realizamos. Dessa maneira, o viés que pode ocorrer em nossa análise é provavelmente menor do que se buscássemos, por exemplo, conhecer o comportamento ideológico a partir de entrevistas de parlamentares, as quais estariam sujeitas a respostas não sinceras por parte dos entrevistados.

Outro fator que merece destaque em nossa escolha pelo uso de palavras detonadoras reside no fato de que não estamos buscando sentidos ideológicos meramente considerando o conteúdo stricto sensu das falas dos parlamentares. O pronunciamento de um deputado não é simples produto de uma consciência livre de constrangimentos estruturais. A sua fala é condizente com verdades ideológicas que não são propriedades de sua consciência; antes, o parlamentar é sujeito de um discurso ( Foucault, 1997Foucault , M . A arqueologia do saber . Rio de Janeiro : Forense Universitária , 1997 . , 1999Foucault , M . A ordem do discurso . São Paulo : Edições Loyola , 1999 . ) e de uma ideologia ( Althusser, 2001Althusser , L . Aparelhos ideológicos do Estado . Rio de Janeiro : Graal , 2001 . ). Diversos discursos e ideologias circulam no campo discursivo da representação política que é a Câmara dos Deputados. Nossa proposta metodológica, é importante afirmar, não está fundada na ação e na estratégia individuais. Ela é notadamente estrutural, uma vez que a ideologia não é propriedade dos indivíduos, mas efeito de uma estrutura de sentidos mais ampla, sendo os indivíduos mais reprodutores do que produtores de ideologias ( Althusser, 2001Althusser , L . Aparelhos ideológicos do Estado . Rio de Janeiro : Graal , 2001 . ; Laclau e Mouffe, 1985Laclau , E. ; Mouffe , C . Hegemony and socialist strategy: towards a radical democratic politics . London : Verso , 1985 . , 2000Laclau , E. ; Mouffe , C . Post-marxism without apologies . In: Laclau , E . New reflections on the revolution of our time . London : Verso , p. 97 - 132 , 2000 . ).

Essa ideia pode parecer abstrata, mas, na verdade, é possível compreendê-la de forma muito prática. Suponhamos, por exemplo, um deputado filiado há anos a um partido comunista. Ele, em diversos pronunciamentos na Câmara Federal, fala sobre as experiências do comunismo, sobre os avanços sociais promovidos pelo comunismo, sobre o antagonismo entre capitalismo e socialismo etc. Podemos claramente perceber que esse deputado é comunista, não porque o comunismo é uma construção simbólica de sua consciência, mas pelo fato de que o comunismo é um discurso cuja ideologia tornou esse parlamentar um de seus sujeitos.

Portanto, a escolha por eleger palavras detonadoras para a nossa pesquisa visa – a partir delas e também pelo fato de serem termos correntes no vocabulário político em geral e no campo da representação política em particular – reduzir ao máximo vieses ideológicos, além do fato de que consideramos essas palavras como parte de uma estrutura ideológica que está sempre além da “consciência absoluta” dos indivíduos.

ii) Busca dos sentidos aplicados no Banco de Discursos da Câmara dos Deputados e elaboração do Quadro de Sentidos Ideológicos. Escolhidas as palavras detonadoras ideológicas, o seguinte passo consistiu na busca da referida aplicação delas. Realizamos essa pesquisa no Banco de Discursos sob responsabilidade do Departamento de Taquigrafia, Revisão e Redação da Câmara dos Deputados 27 27 O Banco de Discursos está no site da Câmara dos Deputados (2017) . Nesse site, há a informação de que o “Banco de Discursos contém pronunciamentos dos Srs. Deputados e de convidados em sessões plenárias da Câmara dos Deputados e do Congresso Nacional a partir de 1946”. . Com isso – e também porque queremos compreender o comportamento ideológico partidário desde o início da experiência do Partido dos Trabalhadores na presidência da República –, acessamos pronunciamentos dos parlamentares de todos os partidos no período de 1º de janeiro de 2003 a 31 de dezembro de 2014 28 28 Os pronunciamentos que formaram o Quadro de Sentidos Ideológicos foram extraídos, a partir das palavras detonadoras, dos parlamentares de todos os partidos com representação na Câmara dos Deputados que se pronunciaram entre 2003 e 2014, uma vez que o campo discursivo da representação política compreende todos esses sujeitos, apresentando o total de 1622 pronunciamentos analisados. Assim, cada uma dessas 1.622 falas apresenta alguma(s) das palavras detonadoras cujos sentidos aplicados buscamos compreender ao analisarmos esses pronunciamentos. . Dessa forma, inserimos cada palavra detonadora ideológica no campo de busca “Assunto”. Foram consideradas as falas de todos os deputados para cada palavra detonadora no campo de busca “Sumário”.

A busca dos “sentidos aplicados” para cada uma das palavras detonadoras foi realizada a partir de análise discursiva. Anteriormente comentamos sobre o discurso político, ideia relevante para compreender a análise de discurso empreendida sobre o conjunto de pronunciamentos dos deputados federais. Para entender como as palavras detonadoras foram tratadas em cada pronunciamento verificado, torna-se pertinente compreender a análise de discurso em sua perspectiva metodológica. Para Caregnato e Mutti:

A análise de discurso preocupa-se em compreender os sentidos que o sujeito manifesta através de seu discurso (…). [Nesse sentido,] na análise de discurso a linguagem é opaca, por isso o analista de discurso se põe diante da opacidade da linguagem. O analista, ao utilizar a análise de discurso, fará uma leitura do texto enfocando a posição discursiva do sujeito, legitimada socialmente pela união do social, da história e da ideologia, produzindo sentidos ( Caregnato e Mutti, 2006Caregnato , R. C. A. ; Mutti , R . “Pesquisa qualitativa: análise de discurso versus análise de conteúdo” . Texto & Contexto Enfermagem , Florianópolis , vol. 15 , nº 4 , p. 679 - 684 , 2006 . , p. 684).

As palavras detonadoras foram compreendidas a partir de cada contexto apresentado. As diversas palavras foram encontradas em pronunciamentos de deputados filiados a partidos que, de acordo com pesquisas tradicionais, seriam caracterizados como de direita E de esquerda. Isso já esperávamos, pois o discurso político é aquele que se organiza pela defesa de um posicionamento ao mesmo tempo que desqualifica o posicionamento do outro: “É um discurso que tem como princípio básico a polêmica, ou seja, ele vive através da desconstrução do outro. Essa é uma questão fundamental para entendê-lo, porque o que ele faz é desconstruir o outro, para se construir. Porque, se não desconstruir o outro, ele não tem condições de construir a si próprio” ( Pinto, 2006Pinto , C. R. J . “Elementos para uma análise de discurso político” . Barbarói , Santa Cruz do Sul , nº 24 , p. 78 - 109 , 2006 . , p. 92). Essas questões foram fundamentais para a análise de discurso empreendida. Ao analisarmos as falas dos deputados, não foi considerado simplesmente o fato de uma palavra detonadora estar presente. Essa palavra detonadora foi compreendida a partir da lógica apresentada pelo emissor. A citação de uma palavra detonadora estava ligada a uma ideia que o próprio emissor do pronunciamento citava como positiva (quando ele a defendia) ou negativa (quando a repelia). Essas defesas e ataques nos permitiram entender como o campo político compreende cada uma das palavras detonadoras, suas significações, temáticas e campo ideológico. Os diferentes sentidos foram captados e utilizados na organização do Quadro de Sentidos Ideológicos.

Dessa feita, os assuntos discutidos pelos deputados conduziram-nos à divisão temática em três grandes áreas: Economia, Estado e Social. A primeira área diz respeito aos assuntos macro e microeconômicos, subdivididos nas seguintes subáreas: Desenvolvimento Econômico, Desenvolvimento Regional, Geração de Emprego e Renda e Relações de Consumo. A área Estado refere-se basicamente aos temas que estão subdivididos nas subáreas: Administração Pública, Importação/Exportação, Política Externa, Previdência, Privatizações/Concessões, Reforma Política, Segurança e Tributação. A área Social, por fim, envolve os seguintes assuntos: Cidadania, Educação, Inclusão Social, Indígenas, Infância e Juventude, LGBTs, Meio Ambiente, Mulheres, Negras e Negros, Relações Agrárias e Relações de Emprego.

Para cada uma das subáreas, criamos, com base nos pronunciamentos analisados, um gradiente que indica quatro tonalidades ideológicas: esquerda conservadora — esquerda liberal — direita liberal — direita conservadora. Esse gradiente, resultante da análise dos pronunciamentos dos parlamentares, é uma escala ideológica por definição e, como tal, não apresenta um ponto específico de “centro”. De acordo com Duverger (1987)Duverger , M . Os partidos políticos . Rio de Janeiro : Ed. Guanabara , 1987 . , com quem concordamos, não existe tendência ou doutrina de centro (embora possa haver partidos de centro 29 29 Para Sartori (1982) , distintamente, existem tendências de centro, mas não partidos de centro. ). Com isso, não faz parte desse gradiente o ponto “centro”, o que faz coro às falas analisadas. Abordaremos essa questão com mais vagar logo adiante. Considerando nossa intenção de conhecer os sentidos ideológicos compartilhados entre os próprios sujeitos do campo discursivo da representação política, percebemos, nas falas dos parlamentares, que a principal distinção entre esquerda e direita ocorre tendo em vista as distintas concepções econômicas enunciadas por ambos os polos. A partir dessa diferenciação, é possível verificar reflexos em outras áreas, nesse caso, Estado e Social.

A distinção econômica central não está relacionada à aceitação (pela direita) ou à rejeição (pela esquerda) da economia de mercado capitalista: tanto a direita liberal quanto a esquerda liberal partem desse pressuposto, ainda que desde pontos de vista diversos. Para a direita, como seria presumível, o mercado deve ser livre de qualquer intervenção estatal no sentido do laissez-faire (neo)liberal. Para a esquerda, o mercado deve ser regulado pelo Estado, além de este ter o compromisso com o desenvolvimento social e com a distribuição de renda.

Essa distinção não é, evidentemente, nova. Sob um ponto de vista teórico, ela reproduz um dos critérios apresentados por Sartori (1982)Sartori , G . Partidos e sistemas partidários . Brasília : Ed. Universidade de Brasília , 1982 . como componente da ordenação múltipla da dimensão esquerda-direita 30 30 Para o autor, a dimensão esquerda-direita pode ser entendida como constituída por “ordenações múltiplas”, entre as quais o critério econômico é um deles ( Sartori, 1982 ). e a clássica diferenciação realizada por Bobbio (2001)Bobbio , N . Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política . 2 ª ed. São Paulo : Editora Unesp , 2001 . , quando o filósofo italiano diferenciou esquerda e direita a partir do critério da igualdade, sendo a esquerda igualitária e a direita inigualitária 31 31 Ressaltamos, no entanto, que o critério da igualdade de Bobbio, que distingue esquerda e direita, como o próprio autor admite, não é axiológico. . É importante destacar, contudo, que a postura ideológica mais intervencionista por parte da esquerda, que tende para a igualdade, e a menos intervencionista por parte da direita, que tende para a desigualdade, antes de serem elaborações intelectuais, são maneiras como o campo discursivo da representação política percebe os termos esquerda e direita. Tal percepção é corrente entre os parlamentares a partir tão somente da prática discursiva estruturada nesses termos.

Os polos extremos, ou seja, esquerda conservadora e direita conservadora, refletem posições dissonantes do mainstream liberal democrático representativo. O polo conservador de esquerda fundamentalmente se direciona a uma posição ideológica marcada pelo anticapitalismo, pela estatização dos meios de produção, ou seja, remonta às experiências do socialismo real antes da queda do Muro de Berlim. Já o polo conservador de direita remete a posições ideológicas racistas, sexistas, antidemocráticas, entre outras 32 32 É claro que identificações ideológicas extremas à direita ou à esquerda são exceções num campo discursivo que tende para posições centristas e hegemonicamente liberais como as que percebemos tanto entre os sujeitos defensores de posturas da esquerda liberal quanto entre aqueles que advogam a perspectiva liberal de direita. .

É importante ressaltar, como apontado anteriormente, que, em nossa classificação, não há a posição ideológica especificamente de “centro”, pois tratamos com pontos ideológicos no continuum . Nessa abordagem, o centro pode ser entendido como o espaço passível de transição contemplado entre as posições esquerda liberal e direita liberal. Inicialmente, esse posicionamento pode causar estranheza, principalmente quando se consideram as contribuições dos estudos clássicos sobre partidos políticos. Nesse sentido, apresentamos algumas ponderações em um breve diálogo com Michels (1982)Michels , R . Sociologia dos partidos políticos . Brasília : Ed. Universidade de Brasília , 1982 . , Sartori (1982)Sartori , G . Partidos e sistemas partidários . Brasília : Ed. Universidade de Brasília , 1982 . e Duverger (1987)Duverger , M . Os partidos políticos . Rio de Janeiro : Ed. Guanabara , 1987 . .

Michels (1982)Michels , R . Sociologia dos partidos políticos . Brasília : Ed. Universidade de Brasília , 1982 . , com sua a lei de ferro das oligarquias, nos traz uma noção fundamental para a compreensão de partidos de tipo catch all . As oligarquias desses partidos, com o fim de permanecerem no poder, tendem a moderar a ideologia inicialmente defendida pela agremiação. O que alguns autores denominam “desideologização” pode ser compreendido como “perda das características ideológicas originais por parte da agremiação” (Oliveira, 2019, p. 3-38). O partido, ao se tornar maior e mais experiente, tende a abrir mão de posições ideológicas que fundamentavam sua origem (talvez mais extremistas) em favor de uma posição mais moderada ou centrista. Nós assumimos essa possibilidade. Contudo, não consideramos que o partido deixa de assumir uma ideologia. A moderação é também um posicionamento ideológico. Apenas não é uma posição extrema. Em nossa pesquisa, essa classificação se coloca entre os pontos de esquerda liberal e direita liberal.

Para Sartori (1982)Sartori , G . Partidos e sistemas partidários . Brasília : Ed. Universidade de Brasília , 1982 . , não há preocupação com uma compreensão específica de uma ideologia de centro. Segundo o autor, o centro depende da ocupação dos espaços extremos (direita e esquerda), sendo resultado da relação entre eles. Sua noção está ligada à “configuração espacial”, distinta do que ele denomina opiniões (ideologia) de centro. Para ele, ideologicamente, “o centro é, em si mesmo, um amplo espectro contendo o que é razoável, o equilíbrio de prós e contras, a moderação, mas também a abstenção mental pura e simples, uma atitude de quem não sabe nada ou não faz nada (indecisão) ” ( Sartori, 1982Sartori , G . Partidos e sistemas partidários . Brasília : Ed. Universidade de Brasília , 1982 . , p. 379, grifos no original). Em nossa base epistemológica, não há “não posicionamentos”, “abstenção” ou “neutralidade”, no sentido de que essas posições teriam um sentido não ideológico. Portanto, não faz sentido adotarmos, na nossa escala ideológica, o “centro” como uma categoria que indicasse um vazio de conteúdo ideológico. Sartori indica esquerda-direita como um espaço ordinal que, a princípio, apenas alocaria as agremiações lado a lado. Para o autor, se há a assimilação de novas propriedades, esse espaço ordinal pode se tornar um espaço ideológico e isso permitiria verificar as legendas não só ao longo do espectro, mas alocando-as a intervalos desiguais 33 33 Esse aspecto será retomado adiante, quando apresentada a composição de um índice ideológico. . Nesse sentido, nosso gradiente, construído a partir de compreensões ideológicas do campo discursivo da representação política, permite essa alocação.

Já para Duverger (1987)Duverger , M . Os partidos políticos . Rio de Janeiro : Ed. Guanabara , 1987 . , podem existir partidos de centro, contudo, não há tendências ou doutrinas de centro, como indicado anteriormente. Em seu entendimento, aqui indo ao encontro de Sartori (1982)Sartori , G . Partidos e sistemas partidários . Brasília : Ed. Universidade de Brasília , 1982 . , o centro é um “lugar geométrico”. Esse espaço é ocupado por um “agrupamento artificial da parte direita da esquerda e da parte esquerda da direita” ( Duverger, 1987Duverger , M . Os partidos políticos . Rio de Janeiro : Ed. Guanabara , 1987 . , p. 251). São, portanto, os moderados da direita e da esquerda que configuram o chamado “centro”. Nesse propósito, “centro” pode ser entendido como uma nomenclatura para classificações não extremistas. O que nos parece interessante na obra de Duverger (1987)Duverger , M . Os partidos políticos . Rio de Janeiro : Ed. Guanabara , 1987 . , sobretudo, é a sua compreensão de que o centro só existe devido ao pressuposto de dualismos. Ou seja, o espaço “centro” só pode ser visualizado a partir da existência de polos antagônicos, sob o qual os partidos de centro estarão quando acessada uma temática e/ou outra. Para Duverger (1987Duverger , M . Os partidos políticos . Rio de Janeiro : Ed. Guanabara , 1987 . , p. 266), “não há opinião do centro, tendência do centro, doutrina do centro, distintas, por índole, das ideologias de direita ou de esquerda, mas, apenas, enfraquecimento destas, atenuação, moderação”. Sendo assim, um partido considerado de centro se posicionará entre um polo e outro, a depender da matéria tratada. Com esse raciocínio, nossa escala de classificação (que é ideológica), apoiada no nosso índice – apresentado a seguir –, nos auxilia.

Assim, o “centro” inexiste na nossa escala ideológica, mas pode emergir como um espaço no gradiente quando uma agremiação tem posicionamentos claramente em trânsito entre esquerda liberal e direita liberal em cada uma das áreas aqui tratadas. O Quadro de Sentidos Ideológicos – construído a partir dos mais diversos pronunciamentos parlamentares entre 2003 e 2014 e que subsidia a análise dos PLs neste artigo – mostra nitidamente que as posições conservadoras à esquerda e à direita são residuais no contexto do parlamento brasileiro. Isso é assim pois a hegemonia discursivo-ideológica nesse ambiente, no período analisado, direciona-se para posições centristas à esquerda ou à direita, com variações mais ou menos intervencionistas. Assim, “esquerda liberal” e “direita liberal” são variações ideológicas entre as quais percebemos a hegemonia de centro. É por essa razão que “o centro”, como uma posição ideológica específica, inexiste na escala dessa metodologia, mas pode ser compreendido como o espaço de transição entre a esquerda liberal e a direita liberal – o que não nos impede de ter um olhar mais aguçado e entender o quanto o partido em tela atua para um lado e para o outro da escala ideológica.

iii) Análise stricto sensu dos projetos de lei. Apresentada a forma como elaboramos o Quadro de Sentidos Ideológicos e como e por que foi concebido o gradiente ideológico em quatro pontos, cabe-nos agora discorrer sobre como foi realizada a análise dos PLs protocolados pelos deputados federais do PMDB no período destacado. Os PLs foram coletados no site da Câmara dos Deputados, onde estão disponíveis todos os projetos de lei apresentados, independentemente da situação (em tramitação na Câmara ou no Senado, arquivados ou aprovados). Para a busca, foi utilizada a ferramenta “Pesquisa Avançada”, constante na aba “Atividades Legislativas – Projetos de Lei e Outras Proposições”. No item “Tipo da Proposição”, foi escolhida a opção “PL - Projeto de Lei”. Em “Ano”, foram inseridos os anos de 2011 a 2014, em pesquisas separadas. Em “Situação”, incluímos “Todas”. Em “Autor”, duas informações foram inseridas: em “Tipo”, colocamos “Deputado”; em “Partido do Autor”, digitamos PMDB. Nos itens “Assunto”, “Relator” e “Tramitação”, não inserimos ou escolhemos qualquer informação, pois é de nosso interesse analisar todos os PLs do PMDB, independentemente do assunto, de quem é o relator e de onde está tramitando, ou de a tramitação ter sido concluída.

Ao total, encontramos 1.154 submissões de PLs realizadas pelo PMDB nos anos pesquisados (Câmara dos Deputados, 2018c). Entretanto, nossa pesquisa se ateve a um número menor de PLs. Isso porque o site da Câmara não oferece acesso a todos os PLs submetidos pelos deputados. Dessa maneira, nos ativemos à coleta do total de PLs disponíveis no ano de 2013, período em que o PMDB foi o partido, entre os demais com representação na Casa, que mais submeteu PLs, totalizando 302 propostas. Desse total, o site da Câmara dos Deputados permite acesso ao conteúdo de 283 PLs, os quais foram coletados. Com os PLs colhidos, iniciamos a análise. Decidimos, de partida, retirar da pesquisa os PLs em que a propositura não estivesse a cargo estritamente de parlamentares do PMDB na Câmara dos Deputados. Os PLs que cumprem a exigência de terem sido propostos unicamente por deputados do PMDB somam 252 proposições.

Acerca especificamente da análise, o conteúdo de cada PL foi confrontado com o Quadro de Sentidos Ideológicos. Cabe salientar, portanto, que o referido quadro serve fundamentalmente como guia para a análise dos PLs, os quais foram classificados, primeiramente, em uma das três grandes áreas: Economia, Estado e Social 34 34 É importante mencionar que nem todos os PLs são passíveis de classificação. Nesse caso, eles são alocados em dois tipos de categorias: “não classificáveis” e “sentido hegemônico”. “Não classificáveis” abarcam PLs que não conseguimos identificar inclinação ideológica. “Sentido hegemônico” é o lugar dos PLs cujos sentidos podem ser compartilhados pela esquerda e pela direita liberais. . O segundo passo, com o apoio do software NVivo, consistiu na leitura minuciosa de cada PL, já com o objetivo de identificar o seu lugar em alguma subárea pertencente à grande área em que o PL foi classificado. Ao mesmo tempo que categorizamos o PL na subárea, o conteúdo analisado nos permitiu verificar a sua adequação em uma das quatro posições no gradiente ideológico construído. Esse procedimento de leitura e alocação em área, subárea e ponto do espectro ideológico foi realizado com todos os PLs, exceto quando o PL foi definido como Não Classificável ou Sentido Hegemônico. Dessa forma, pudemos identificar, sempre considerando a análise do conjunto dos PLs em cada área e subárea, os seguintes dados: i) a quantidade de PLs destinados a cada área (Economia, Estado e Social), indicando, pelo menos no que diz respeito ao período de análise, a “vocação legislativa” geral do partido; ii) a distribuição dos PLs em cada subárea, demonstrando os assuntos prioritários do partido no mesmo período; e iii) a possibilidade de classificar ideologicamente o partido em cada área e subárea, sendo possível uma sigla ter um comportamento mais à esquerda no que diz respeito a uma área e subárea e mais à direita em outro conjunto de área/subárea.

Resultados: o comportamento ideológico peemedebista em 2013 na Câmara dos Deputados

É comum o PMDB ser classificado como um partido de tipo catch all ou ainda como um partido de tipo cartel ( Lameira e Peres, 2015Lameira , R. F. ; Peres , P . “ O lugar do PMDB na política brasileira: o limite das tipologias partidárias ”. Anais do I Seminário Internacional de Ciência Política , Porto Alegre , 2015 . ; Melo, 2013Melo , P . “ O PMDB e a sua manutenção no centro do jogo político: de catch all a cartel ”. Belo Horizonte . Dissertação de Mestrado em Ciência Política . Universidade Federal de Minas Gerais , Belo Horizonte , 2013 . ). Com tais características, entende-se que a sigla reúne um misto de possibilidades no campo da literatura política. Considerando ainda seu programa partidário de 2012, a legenda apresenta grande expectativa de retorno em termos eleitorais, pois tem conseguido abranger um espectro amplo de possibilidades políticas a ser defendidas e, quem sabe, implementadas.

A bancada peemedebista na Câmara dos Deputados, atuante em 2013, foi eleita em 2010. Na ocasião, como observamos, o PMDB elegeu 78 deputados federais, obtendo a representação de 15,2% na Câmara dos Deputados. Esse resultado eleitoral garantiu ao PMDB a segunda maior bancada naquela Casa legislativa, atrás apenas do PT, que elegeu 86 deputados (16,7%), e na frente do PSDB, a terceira maior bancada, com 54 parlamentares eleitos (10,5%), segundo dados da Câmara dos Deputados (2018a). É possível que isso explique, pelo menos em parte, a quantidade elevada de PLs apresentados tanto pelo PMDB como pelo PT no quadriênio estudado, como fizemos menção anteriormente.

São os PLs protocolados pela bancada peemedebista, em 2013, o objeto de nossa investigação 35 35 Tendo em vista, sobretudo, o fenômeno das migrações partidárias, os PLs aqui analisados podem ser de autoria de parlamentares que não foram eleitos pelo PMDB, mas que ingressaram na sigla na legislatura em análise. Sobre migração partidária na Câmara dos Deputados nesse período, ver Damin Jr. (2015). . O objetivo, conforme indicado, é alcançar a classificação ideológica do partido naquele momento, a partir dessas proposituras, compreendendo-as como ações ou práticas discursivas.

Conforme também apontado, durante o período analisado, os deputados do PMDB protocolaram 302 PLs, sendo 283 acessíveis e 252 analisados. Partindo de uma análise preliminar do conteúdo desses 252 projetos, 165 PLs foram classificados em algum ponto do continuum ideológico proposto em nossa classificação. Assim, do total de PLs analisados (252), 66% foram classificados ideologicamente. Foram identificados ainda 7% com “sentido hegemônico”, isto é, PLs que seriam suportados tanto pela direita quanto pela esquerda, e 27% de PLs não classificáveis, os quais dizem respeito a projetos cujos conteúdos significativos são insuficientes para uma classificação ideológica.

A partir dos PLs classificáveis, foi possível verificar o quanto o PMDB se localiza nos diferentes pontos do espectro ideológico. Iniciamos a apresentação dos resultados da pesquisa com o Gráfico 1 , que traz a porcentagem de PLs, abarcando todas as temáticas, sendo classificados no continuum ideológico:

Gráfico 1
Disposição de PLs do PMDB no continuum ideológico – 2013 (%)

O Gráfico 1 mostra que, dentre os PLs classificados em algum ponto do espectro ideológico, identificamos 67% deles na esquerda liberal, 31% na direita liberal e apenas 2% alocados no campo da direita conservadora. Se considerarmos uma dicotomia, o partido apresentou dois terços de PLs à esquerda e um terço à direita do espectro ideológico. Ou seja, embora a maior parte dos PLs esteja alocada à esquerda, os dados mostram que a agremiação atua, no período analisado, tanto à esquerda como à direita. Em termos gerais, podemos afirmar que o PMDB não pode ser classificado como um partido essencialmente de um lado ou de outro do espectro, pois há tendências relevantes para os diferentes pontos, embora com pesos diferentes. O Gráfico 1 , que trata dos PLs em geral, não diferenciando áreas específicas, levaria à classificação prematura do PMDB à esquerda. Contudo, é fundamental observar o comportamento ideológico dos parlamentares quanto a áreas específicas. Assim, o ponto a ser destacado é o quanto o partido se comporta para um lado e para o outro do continuum ideológico. Feita essa observação inicial, passamos agora à análise pormenorizada dos dados segundo as grandes áreas temáticas que nos levaram a essa conclusão.

Considerando os PLs classificáveis, podemos afirmar que, nas três grandes áreas, a distribuição foi a seguinte: 26% na área Economia, 33% na área Estado e 41% na área Social. Com isso, afirmamos que o PMDB, no período, focou majoritariamente seus esforços na apresentação de projetos de lei voltados à área Social, seguidos pelos PLs relacionados à área Estado. Economia foi a área menos almejada pelos deputados naquele momento. Esses dados vão ao encontro dos pontos anteriormente destacados do programa partidário da sigla. Tendo em vista os princípios basilares lá expressos, fica apontada uma vocação, um ponto a ser focado por seus partidários: a área Social. Resta evidente a principal preocupação enunciada no programa: as garantias básicas das pessoas, os direitos das chamadas minorias e dos que estão à margem da sociedade, o combate à discriminação, a defesa da vida, da liberdade e da justiça social, a defesa dos interesses do povo. Em menor escala, são apontadas preocupações ligadas à área Estado: questões de administração pública e de política externa que tenham como primazia os interesses nacionais livres de pressões externas, temas que indicam a necessidade de reforma política, a necessidade de uma sociedade politicamente organizada para a manutenção do Estado democrático de direito. Ainda verificamos, no conteúdo programático do PMDB, alguns pontos ligados à área Economia que, a despeito de o documento citar a democracia como desenvolvimento, é a menos acessada. Sobre as temáticas que podemos enumerar nessa área, está o desenvolvimento sustentado no trabalho e a justiça social, que engloba desenvolvimento econômico, desenvolvimento regional e geração de emprego e renda.

A partir das três grandes áreas de atuação, verificaremos agora a tendência ideológica em cada uma delas. Para tanto, apresentamos os Gráficos 2 , 3 e 4 , seguindo a ordem de importância por área no período, com base no número de PLs apresentados. Começamos com a área Social, no Gráfico 2:

Gráfico 2
Ideologia na área Social - PMDB em 2013 (%)

Gráfico 3
Ideologia na área Estado - PMDB em 2013 (%)

Gráfico 4
Ideologia na área Economia - PMDB em 2013 (%)

O Gráfico 2 mostra que a maioria dos PLs apresentados pelo PMDB na área Social concentra-se no ponto do espectro denominado esquerda liberal (81%). Não há PLs classificados na esquerda conservadora. A direita liberal é representativa, com 15% dos PLs. Apenas uma pequena parcela (4% dos PLs) refere-se à direita conservadora. Os dados indicam que a atuação do PMDB na área Social não pode ser definida apenas em um ponto do espectro ideológico. Os PLs demonstram comportamentos tanto à direita (liberal e conservadora) como à esquerda (liberal). Ainda que haja uma maioria de PLs classificados à esquerda nessa área, esse dado não é suficiente para definir o PMDB essencialmente à esquerda; precisamos ainda verificar as demais áreas para chegarmos a uma compreensão ideológica mais abrangente nessa legislatura. Adiante, abordaremos as subáreas que tais PLs abrangem. Passemos agora à verificação dos dados dos PLs na área de Estado, no Gráfico 3:

Na área Estado, 55% dos PLs foram classificados na direita liberal. PLs na esquerda liberal representam 45%. É interessante frisar que a área Estado é a única em que a direita liberal predomina. Essa proeminência indica a comprovação de nossa hipótese, ou seja, aquela que afirma que os partidos políticos não podem ser classificados essencialmente à esquerda ou à direita, uma vez que ambos os comportamentos podem ser verificados ao mesmo tempo dependendo da área de atuação. A seguir, exemplificaremos também PLs nas subáreas de Estado. Antes, porém, abordaremos o comportamento ideológico geral na área Economia a partir do Gráfico 4:

Economia é a área menos recorrente entre os PLs dos peemedebistas em 2013. Mesmo assim, houve 43 projetos de lei protocolados pela legenda. Desse total, 72% referem-se a PLs alocados na esquerda liberal, enquanto 28% na direita liberal. Embora a maioria dos PLs esteja classificada à esquerda, os PLs à direita não podem ser desconsiderados, pois perfazem quase um terço daqueles protocolados nessa área, não sendo, portanto, residuais. A atuação dos parlamentares do PMDB mostra que o partido, também na área Economia, tem atuação em ambos os eixos ideológicos, o que, mais uma vez, reforça o nosso entendimento de não classificar o partido fundamentalmente em um ponto ideológico apenas. Para compreendermos a variação ideológica dos PLs, será preciso indicarmos as subáreas em que estes se enquadram.

No geral, podemos afirmar que os Gráficos 2 , 3 e 4 demonstram que, das três áreas estudadas, em duas prevalecem PLs no âmbito da esquerda liberal e, em uma, PLs no âmbito da direita liberal. Note-se que direita liberal e esquerda liberal são verificadas nas três áreas, sendo que a direita conservadora aparece apenas na área Social e a esquerda conservadora não figura em nenhuma das áreas.

Para compreender melhor os dados acima, apresentamos, a seguir, para cada uma das áreas, as subáreas em que os PLs estão alocados. Mostraremos igualmente a classificação qualitativa das subáreas no espectro ideológico. Iniciaremos a análise pela área Social.

Área Social

Como apontado anteriormente, a área Social abrange questões relacionadas à cidadania, aos indígenas, a infância e juventude, às mulheres, a LGBTs, a negras e negros, à educação, às relações de emprego, à inclusão social, ao meio ambiente e às relações agrárias. Decorrem dessas questões as possibilidades de classificação ante a disputa discursiva entre um ponto e outro do continuum ideológico. De acordo com princípios básicos de atuação, definidos no programa partidário peemedebista, há uma pedra basilar, que é a defesa da democracia e a constituição de um partido de massas, visando ser a expressão da maioria da população e, principalmente, daqueles que se encontram à margem da sociedade. Com a análise realizada, confirma-se a preocupação do partido, no ano de 2013, com temas sociais, dada a maior recorrência de PLs nessa área. Passemos agora à análise do seu conteúdo.

Lembramos que o PMDB apresentou um total de 67 PLs na área Social (área mais recorrente na classificação dos PLs), convergindo ideologicamente para a esquerda liberal do espectro político. Esses PLs protocolados pelos parlamentares do PMDB, em 2013, podem ser classificados em subáreas, como é apresentado no Gráfico 5:

Gráfico 5
Subáreas da área Social - PMDB em 2013 (%)

Na análise dos PLs referentes à área Social, verificamos projetos em sete subáreas. A subárea Relações de Emprego foi a que recebeu o maior número, representando 43% da área Social. Em seguida, vêm as subáreas Inclusão Social (15% dos PLs), Cidadania (13%) e Meio Ambiente (12%). Foram acionadas, em menor quantidade, as subáreas Mulheres (8%), Educação (6%) e Infância e Juventude (3%). As demais subáreas da área Social não foram objetos de PLs pelos parlamentares peemedebistas em 2013. Considerando as três subáreas mais recorrentes, notamos que elas se referem à população em geral, não sendo centradas em um público ou em uma temática específica. Nota-se aqui a busca pela manutenção do qualificativo “partido de massas”, vigente no programa partidário apontado anteriormente. Relações de Emprego, Inclusão Social e Cidadania são subáreas que se relacionam diretamente, uma vez que assuntos acerca da cidadania implicam inclusão social, podendo esta ser alcançada a partir da manutenção das relações de emprego. Outra subárea destacada no Gráfico 5 , Meio Ambiente, aduz tratamento também à população como um todo, como poderá ser visto nas recorrências sobre a subárea na Imagem 1 .

Imagem 1
Social: subáreas e recorrência de PLs do PMDB em 2013

Lembramos que há concentração de proposituras na grande área Social classificadas à esquerda liberal do espectro ideológico (81%). PLs de direita liberal somam 15% do total, e aqueles classificados na direita conservadora são 4% do total da área (como consta no Gráfico 2 ). Para mostrar a classificação ideológica dos PLs nas subáreas, apresentamos a Imagem 1:

Cabe uma explicação acerca da Imagem 1 . Ela foi elaborada com a finalidade de explicitar, além das subáreas, as temáticas abordadas nos PLs estudados, assim como suas recorrências e localização ideológica, de forma comparativa. A imagem foi constituída a partir de dois eixos perpendiculares: o eixo horizontal traz o continuum esquerda-direita e o vertical, a ideia de quantidade. O quadrante é formado, ainda, pelas subáreas (em negrito) nas quais os PLs se enquadram. Ao redor das subáreas estão as temáticas (ou assuntos mais específicos) que as constituem 36 36 Os PLs da área Social aqui apresentados não abrangem todas as subáreas constantes no Quadro de Sentidos Ideológicos. . Tomando a ideia de quadrante cartesiano, quanto mais longe do ponto em que os eixos se tocam, o eixo vertical indica maior recorrência tanto das subáreas quanto das temáticas tratadas nos PLs. Para adotarmos um grau comparativo, nos utilizamos dos tamanhos de fontes para mostrar maior ou menor recorrência. Assim, quanto maior a fonte em negrito, maior a recorrência daquela subárea; quanto maior a fonte em itálico, mais citadas são as temáticas em PLs. O eixo horizontal traz o espectro ideológico e, quanto mais à direita está uma subárea e/ou temática, mais conservadora é a sua classificação (ressaltamos que nenhum PL foi classificado como esquerda conservadora em nenhuma das três áreas). Com isso, se uma subárea se encontra mais à esquerda do quadrante, ela teve mais temáticas classificadas à esquerda. Contudo, os assuntos dos PLs classificados à direita estão presentes no quadrante, à direita da subárea. Essa mesma lógica se aplica às Imagens 2 e 3, que serão apresentadas adiante.

Iniciemos abordando as subáreas menos recorrentes: Infância e Juventude, Educação e Mulheres ( Imagem 1 ). Elas contabilizam, juntas, nove PLs. Majoritariamente, encontram-se à esquerda do continuum . No tocante à subárea Infância e Juventude, todos os PLs foram classificados na esquerda liberal, defendendo políticas públicas aos jovens. Nas subáreas Educação e Mulheres, além de assuntos tocantes à esquerda, encontram-se temáticas ligadas à direita liberal (Educação) e direita conservadora (Mulheres). A Educação, classificada na direita liberal, defende a instrução com vistas ao que o mercado necessita. Sobre a subárea Mulheres, é importante ressaltar que, a despeito de o conteúdo discursivo dos projetos peemedebistas tratar de questões que promovem a igualdade de gênero, destacamos que o programa partidário peemedebista dá margem ao trânsito no espectro ideológico referente à subárea. Assim, mesmo que o programa do PMDB não trate explicitamente de questões como o aborto, o documento menciona que o partido é “a favor da vida”. O reflexo dessa normativa pode ser observado na classificação dos PLs que são encontrados nessa subárea e no ponto do espectro indicado, ao defender o combate à legalização do aborto.

As subáreas Meio Ambiente, Cidadania e Inclusão Social contam com 27 PLs. A subárea Meio Ambiente traz PLs que abordam assuntos ligados apenas à esquerda liberal. A preocupação mais frequente é a de colocar o Estado como o principal responsável pela preservação do meio ambiente. Com isso, podemos afirmar que, ao tratar dessa subárea, o PMDB, em 2013, trouxe à tona assuntos sempre ligados à esquerda. A subárea Cidadania é a única que traz PLs alocados em três pontos do continuum ideológico. Majoritariamente a subárea se encontra no ponto à esquerda, sendo encontrados mais PLs que buscam a promoção de igualdade social mediante a ampliação de recursos de programas sociais. Alguns PLs tratam de assuntos ligados à direita liberal, conforme pode ser visto na Imagem 1 , e há um PL vinculado à direita conservadora, com conteúdo contrário às escolhas individuais. A subárea Inclusão Social apresenta PLs vinculados, majoritariamente, à esquerda – destaca-se a recorrência da defesa de criação de universidades públicas no interior –, sem esquecer que a direita liberal se faz presente.

A subárea mais presente na análise da área Social é Relações de Emprego. Nela são preponderantes PLs à esquerda do espectro ideológico, com mais recorrência de projetos em defesa dos direitos trabalhistas. Alguns PLs referem-se à direita liberal, mas sua quantidade não faz frente ao ponto oposto no continuum . É relevante dizer que essa é a subárea com maior quantidade de assuntos citados, em diferentes graus (como se pode ver na Imagem 1 ).

Podemos, assim, afirmar que, na área Social, o PMDB apresenta comportamento fortemente engajado à esquerda liberal em todas as subáreas. Mesmo havendo aí predomínio desse ponto do espectro, apenas as subáreas Infância e Juventude e Meio Ambiente são 100% de esquerda liberal. As demais subáreas mostram defesas de projetos ligados à direita liberal e à direita conservadora; nesse último ponto de classificação ideológica estão as subáreas Mulheres e Cidadania. Passemos agora à análise da segunda área mais frequente do nosso estudo: Estado.

Área Estado

Estado foi a única área a apresentar maior incidência de PLs com base ideológica à direita do espectro político. É a segunda maior área de atuação do PMDB, com 55 PLs. Adentrando na distribuição dos documentos analisados em suas subáreas, apresentamos o Gráfico 6:

Gráfico 6
Subáreas da área Estado – PMDB em 2013 (%)

Na área Estado, nosso estudo encontrou PLs em cinco subáreas. A mais acessada é Tributação (45% dos PLs da área), seguida por Segurança (27%), Reforma Política (15%), Importação e Exportação (7%) e Administração Pública (6%). Outras subáreas que compõem a área Estado, como Política Externa, Previdência e Privatizações/Concessões, não foram listadas nas propostas de lei apresentadas pelos deputados federais do PMDB no período analisado.

Ao considerar o espectro ideológico, como dissemos, Estado é a única área em que predomina a direita nos PLs do PMDB em 2013. De acordo com o Gráfico 3 , a maioria dos projetos encontra-se na direita liberal (55%). A seguir, na Imagem 2 , trataremos da classificação dos PLs nas subáreas segundo o continuum ideológico:

Imagem 2
Estado: subáreas e recorrência de PLs do PMDB em 2013

Segundo os dados apresentados na Imagem 2 , as subáreas menos pautadas são Administração Pública e Importação e Exportação, somando sete recorrências. Ambas as subáreas apresentam PLs à direita liberal e à esquerda liberal, sendo que a primeira se encontra mais inclinada à esquerda, enquanto a segunda apresenta equilíbrio quanto aos PLs, que foram classificados igualmente em ambos os pontos no continuum .

A subárea Reforma Política conta com oito recorrências referentes aos PLs estudados. Todas as classificações ocorreram no ponto esquerda liberal. Como pode ser verificado na Imagem 2 , a subárea mobiliza uma série de temáticas dos PLs. O conteúdo discursivo mais frequente trata da defesa de uma reforma política que iniba a ação do poder econômico e a corrupção no processo eleitoral, assim como na administração pública.

Segurança é a segunda subárea mais citada. É interessante notar que essa subárea traz todos os seus PLs classificados como direita liberal. Sobressai a quantidade de PLs referentes à defesa de maior penalização aos criminosos.

A subárea Tributação, com maior frequência na área, apresenta 25 proposituras dos peemedebistas. A subárea mobiliza uma quantidade de temáticas expressiva, que orbita ao seu redor tanto à direita quanto à esquerda. Praticamente dividida entre esquerda e direita liberais, embora predomine a primeira (52% dos PLs classificados na subárea), a segunda não pode ser desprezada. No ponto ideológico esquerda liberal, são mais recorrentes os PLs que defendem a necessidade de tributos para a distribuição de renda e a justiça social. Outros tantos assuntos são mobilizados pelos PLs que são classificados à esquerda, conforme aparecem na Imagem 2 . Os PLs relacionados à direita liberal também são bastante mobilizados, sendo o mais frequente aquele que defende a redução da carga tributária para estimular o empreendedorismo. Nesse sentido, é importante ainda indicar que há mais temáticas listadas na direita liberal do que na esquerda liberal.

Área Economia

Considerando a área Economia, a maioria dos 43 PLs foi classificada como esquerda liberal ( Gráfico 4 ). Essa grande área trata de questões ligadas ao Desenvolvimento Econômico, ao Desenvolvimento Regional, à Geração de Emprego e Renda e às Relações de Consumo, decorrendo daí também as disputas pela atribuição de sentido e pela significação de cada um dos extremos e suas ramificações do continuum ideológico. O Gráfico 7 indica as proporções que tais subáreas ocupam nessa área, considerando os PLs apresentados pelo partido em 2013:

Gráfico 7
Subáreas da área Economia – PMDB em 2013 (%)

O Gráfico 7 mostra que a subárea com maior incidência de PLs é Relações de Consumo (53% da área Economia). A subárea Geração de Emprego e Renda é bastante representativa, com 21% das recorrências. As subáreas menos expressivassão as relativas ao desenvolvimento: Desenvolvimento Regional e Desenvolvimento Econômico, respectivamente com 14% e 12% das recorrências. Não se pode negar a relação direta entre as duas principais subáreas de Economia, Geração de Emprego e Renda e Relações de Consumo; a primeira implica a segunda. Essas subáreas também dialogam com aquelas que se destacam na área Social. Relações de Consumo (área Economia) dependem de Relações de Emprego, Inclusão Social e Cidadania (área Social). Da mesma forma, Geração de Emprego e Renda (área Economia) implica e é implicada pelas subáreas destacadas na área Social. A apresentação de PLs nessas subáreas demonstra, de certa forma, congruência temática dos parlamentares do PMDB no período analisado. Entretanto, essa correspondência se limita às temáticas, pois elas são díspares quando alocadas no espectro esquerda-direita. As diferenças em termos de alocação das subáreas de Economia no espectro ideológico podem ser verificadas na Imagem 3:

Imagem 3
Economia: subáreas e recorrência de PLs do PMDB em 2013

De acordo com a Imagem 3 , as subáreas Desenvolvimento Econômico e Desenvolvimento Regional encontram-se, majoritariamente, à esquerda. Porém, enquanto a primeira apresenta temáticas relacionadas aos dois pontos do espectro ideológico (direita liberal e esquerda liberal), a segunda subárea concentra apenas assuntos relacionados à esquerda liberal. A subárea Desenvolvimento Econômico apresenta mais defesas de investimentos públicos em infraestrutura (à esquerda). Já na subárea Desenvolvimento Regional, é mais recorrente a ideia de desenvolvimento de políticas públicas de geração de emprego, distribuição de renda, inclusão produtiva e social.

Na subárea Geração de Emprego e Renda, os PLs se distribuem equitativamente entre esquerda e direita liberal. Sobre a defesa de assuntos alocados na esquerda liberal, destaca-se a posição de que a geração de empregos é responsabilidade social. Sobre assuntos relacionados com a direita liberal, o argumento mais recorrente é o que diz respeito à qualificação do trabalhador para um mercado de trabalho cada vez mais especializado.

A subárea Relações de Consumo apresentou a maior recorrência de PLs na grande área Economia (53%). A predominância de PLs, como se pode ver na Imagem 3 , está à esquerda do espectro ideológico. A maioria dos PLs aí alocados tem como sentido a garantia dos direitos dos consumidores por meio de regras claras nas relações de consumo. Sobre a classificação como direita liberal dessa subárea, tem-se, majoritariamente, a proteção dos empresários nas relações comerciais.

Os dados apresentados até o momento nos oferecem uma compreensão do comportamento do campo discursivo da representação política na escala ideológica, considerando as áreas e as subáreas de interesse dos legisladores. Para uma compreensão mais pormenorizada dos dados apresentados, construímos um índice. Essa análise quantitativa possibilita que as informações constantes em cada variável estudada possam ser sintetizadas em um valor. Consideramos, para esse índice, a seguinte fórmula 37 37 Fórmula composta com base em Kubrusly (2001) . :

I = Σ n Σ x i a i / n

em que: Σx i é o somatório da enésima variável observada; a i é o peso da enésima variável; Σ n é o somatório das multiplicações anteriores; e n é o total do número de casos.

Para este artigo, consideramos como variáveis cada um dos pontos do espectro ideológico, transformando-os em variáveis dummies. Ao levar em conta as especificidades presentes aqui, calculamos um índice para cada área: Social, Estado e Economia 38 38 É possível a aplicação da fórmula do índice para o PMDB como um todo. Nesse caso, o I PMDB= 2,35. Ou seja, o partido, para o ano de 2013, seria classificado mais perto do ponto esquerda liberal do espectro, mas em direção à direita liberal. Contudo, optamos por apresentar esse dado em nota de rodapé uma vez que, considerando nossas premissas teóricas, essa informação só passará a ter sentido no momento em que realizarmos uma comparação com outras agremiações. Tal posicionamento também condiz com o seguinte apontamento de Sartori (1982 , p. 186): “(…) a noção de centro é puramente relativa e contingente à existência de outros partidos (mais à esquerda e mais à direita) (…)”. Nossa busca, neste artigo, é pela classificação ideológica da agremiação e não pela comparação desta com outras. Ainda considerando as premissas do autor, caso realizada a comparação entre partidos, nossos índices permitiriam a alocação dos partidos no espectro não a intervalos iguais, mas conforme seus valores (que ocorre quando o espaço esquerda-direita tem características de um espaço ideológico, como citado anteriormente). O que não cobrimos com nosso índice é a elasticidade espacial ( Sartori, 1982 ), pela necessidade de delimitar a escala. Os índices ainda permitem a verificação da existência das facções de moderados de direita e de esquerda ( Duverger, 1987 ) em cada área. . Temos, para cada uma, quatro variáveis dummies: esquerda conservadora, esquerda liberal, direita liberal, direita conservadora. Nosso índice ( I ) varia de 1 a 4 (conforme os pesos das variáveis), havendo a possibilidade de quatro classificações “puras”: quando I = 1, a classificação é “pura” em esquerda conservadora (EC); quando I = 2, a classificação é “pura” em esquerda liberal (EL); quando I = 3, a classificação é “pura” em direita liberal (DL); e quando I = 4, a classificação é “pura” em direita conservadora (DC). Sempre que o valor de I for um número decimal (algo comum em índices), os decimais mostram que o índice não é “puro” e “caminha” de um ponto “puro” a outro. Essas casas decimais vão indicar o quanto esse caminho é percorrido de um ponto a outro, dentro desse espaço gerado.

A aplicação da fórmula para cada área, considerando as variáveis, é a seguinte:

I = Σ E C 1 + Σ E L 2 + Σ D L 3 + Σ D C 4 / n

Os índices calculados para Social ( ISOC ), Estado ( IEST ) e Economia ( IECO ) são os seguintes:

I S O C = 2 , 24 I E C O = 2 , 28 I E S T = 2 , 54

Embora Sartori (1982)Sartori , G . Partidos e sistemas partidários . Brasília : Ed. Universidade de Brasília , 1982 . indique que o espectro esquerda-direita sirva para alocar agremiações, estamos utilizando essa linha para alocar os índices de cada área de um partido, o que nos dará uma compreensão mais precisa do todo. Os índices demonstram que, independentemente da área, o PMDB pode ser alocado no espectro ideológico entre os pontos “puros” de esquerda liberal e direita liberal. As casas decimais mostram que o índice da área Social é o mais próximo da esquerda liberal. A área Economia também está mais próxima desse ponto, caminhando um pouco mais para a direita liberal. Já o índice da área Estado é o único que ultrapassa a metade do caminho entre esquerda liberal e direita liberal, estando mais próxima deste último ponto puro.

Aqui é relevante fazermos uma observação: da variação desses índices, advindos da nossa escala ideológica, temos um novo elemento a ser considerado, o espaço geométrico. Já não estamos mais tratando com variáveis dummies , mas com “áreas”, em que o comportamento do PMDB, de acordo com a área, pode ser alocado. Se, para Duverger (1987)Duverger , M . Os partidos políticos . Rio de Janeiro : Ed. Guanabara , 1987 . , o centro é o lugar geométrico ocupado por moderados, podemos assumir que a reta onde constam nossos índices apresenta espaços de moderados. Para este artigo, os pontos puros do índice mostram uma classificação específica, extrema. Já os espaços entre tais pontos indicam uma moderação em direção a outro ponto.

Os dados apresentados nos Gráficos 2 , 3 e 4 deram pistas e, de certa maneira, adiantaram os achados encontrados nos cálculos desses índices. Uma reta que representa a variação dos índices (de 1, esquerda conservadora, a 4, direita conservadora) possibilita a visualização de maneira comparativa de ISOC, IECO e IEST na Imagem 4:

Imagem 4
Distribuição de ISOC, IECO e IEST

Percebemos que o espaço de alocação entre esquerda liberal e direita liberal é ocupado pelos índices das três áreas, duas delas mais próximas da esquerda e uma mais à direita. Essa área entre os pontos nos leva a compreender que, embora o PMDB tenha claramente posições ideológicas em relação a cada área (e subáreas), o partido tem atuado na zona de centro. Inspirados em Duverger (1987)Duverger , M . Os partidos políticos . Rio de Janeiro : Ed. Guanabara , 1987 . e em Sartori (1982)Sartori , G . Partidos e sistemas partidários . Brasília : Ed. Universidade de Brasília , 1982 . , entendemos aqui o centro como uma nomenclatura de um espaço para classificações ideológicas não extremistas e que ocupa uma área média. Os índices das três áreas, alocados no centro, nos mostram que o PMDB, seguindo o que Michels (1982)Michels , R . Sociologia dos partidos políticos . Brasília : Ed. Universidade de Brasília , 1982 . comenta sobre partidos de massas, apresenta uma perda de seu caráter ideológico. Não por não apresentar posicionamentos claramente ideológicos (o que podemos verificar nos gráficos e imagens acima), mas porque não se situa em (ou ao redor de) um ponto ideológico específico. Dessa feita, os índices nos auxiliam a entender o PMDB como um partido de centro, com inclinações ideológicas à esquerda para as áreas Social e Economia e à direita para a área Estado.

Considerações finais

Neste artigo, propusemos uma análise do comportamento ideológico dos deputados federais do PMDB em 2013. Com base na avaliação de PLs apresentados por parlamentares da legenda e utilizando uma nova proposta metodológica de classificação de partidos no espectro esquerda-direita, defendemos que é possível compreender a ideologia do partido a partir de sua própria prática política.

Nesse âmbito, compreendemos essa prática como a proposição de leis pelos parlamentares. A análise final dos PLs foi realizada em dois estágios, sendo o primeiro a classificação em uma das três áreas temáticas – Economia, Estado e Social – e o segundo a classificação concomitante em subárea e no espectro esquerda-direita. Nesse sentido, tivemos diferentes comportamentos na escala ideológica, conforme a área e a subárea de estudo.

A área Social foi a mais recorrente nos PLs da agremiação. Em sua maioria, há propostas que são alocadas na esquerda liberal do continuum ideológico (81%), mas também há PLs ligados à direita liberal (15%) e à direita conservadora (4%). Considerando todas as subáreas aí constantes, as temáticas estão, em geral, na esquerda liberal. A subárea mais acessada é Relações de Emprego, concentrando assuntos à esquerda. Meio Ambiente é a única subárea do Social que não apresenta PLs localizados à direita, enquanto Cidadania e Mulheres mostram PLs na direita conservadora.

Na área Estado, predominam PLs na direita liberal (55%). A despeito disso, é a área na qual existe uma distribuição mais equânime dos projetos em direita e esquerda liberais nas diferentes subáreas. A subárea Reforma Política é a única totalmente classificada como esquerda liberal. Por outro lado, a subárea Segurança está completamente voltada à direita liberal. A principal subárea é Tributação (45% de PLs da subárea), com distribuição quase igual entre assuntos alocados à direita e à esquerda.

Economia é a área com menos PLs propostos pelo partido no período estudado. Nela há predominância de projetos classificados como de esquerda liberal (72%). As quatro subáreas que formam a área foram citadas, sendo que apenas uma mostrou direcionamento exclusivo para a esquerda liberal (Desenvolvimento Regional). A principal subárea é Relações de Consumo, em que predominam PLs à esquerda liberal.

Podemos dizer que o PMDB apresenta nuances comportamentais tanto de esquerda como de direita. Há a prevalência de PLs de direita liberal em uma das áreas (Estado), enquanto há maioria de PLs de esquerda liberal nas demais (Social e Economia). O índice que classifica as áreas de atuação do PMDB no continuum esquerda-direita corrobora essa ideia. Isso porque, embora o índice aloque o partido segundo as áreas Social, Estado e Economia em um ponto do espectro, há a indicação de que a agremiação não se encontra, em qualquer uma das áreas, em um ponto puro – nem mesmo o partido como um todo. Nesse sentido, defendemos que o partido não pode ser definido a partir de um ponto específico do espectro ideológico, mas que ele deve ser compreendido segundo suas áreas de atuação, entre os pontos puros ideológicos de esquerda liberal e de direita liberal. Conforme apontado anteriormente, esse espaço é compreendido como centro. O centro não é um ponto ideológico, mas um espaço por onde transita a sigla. Dessa forma, os dados apresentados tendem a corroborar os achados da literatura concernente à ideologia do PMDB. É preciso salientar, no entanto, que a metodologia adotada permitiu verificar nuances sobre essa classificação ideológica. Essas nuances mostram também a existência de grupos internos, defensores de um e de outro ponto do espectro ideológico ( Sartori, 1982Sartori , G . Partidos e sistemas partidários . Brasília : Ed. Universidade de Brasília , 1982 . ; Duverger, 1987Duverger , M . Os partidos políticos . Rio de Janeiro : Ed. Guanabara , 1987 . ).

Assim, as três áreas de classificação e suas respectivas subáreas nos permitem compreender o quão maleável e não fixos são os comportamentos dos parlamentares em tela. Portanto, definir o PMDB como um partido de esquerda ou de direita nos levaria a uma imprecisão fundada na compreensão do que é ideologia. O trânsito comportamental da sigla entre os pontos ideológicos nos mostra um partido de centro. Ao mesmo tempo, a atuação nas diferentes áreas nos indica sua ideologia majoritária para a esquerda ou para a direita. Ao tratarmos ideologia como comportamento, vimos aqui que a classificação de uma legenda no continuum esquerda-direita depende de alguns fatores. Ao dividir a análise nas áreas Economia, Estado e Social, é possível ter uma visão mais exata desse comportamento não essencialista e, portanto, da ideologia presente no grupo estudado. Esperamos, com essa proposta metodológica, auxiliar no avanço dos estudos sobre as ideologias dos partidos políticos brasileiros.

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  • 6
    Cumpre destacar que, em convenção nacional realizada em 19 de dezembro de 2017, o PMDB aprovou mudança de denominação, voltando a chamar-se MDB (O Globo, 2017O Globo . “ PMDB aprova mudança de nome e passa a ser chamado MDB ” ( online ), 2017 . Disponível em: < https://g1.globo.com/politica/noticia/pmdb-aprova-mudanca-de-nome-e-passa-a-ser-chamado-mdb.ghtml . Acesso em: 27 nov. 2018 .
    https://g1.globo.com/politica/noticia/pm...
    ). Uma vez que o artigo aqui apresentado se refere a 2013, assumimos a nomenclatura adotada naquele ano.
  • 7
    Para além do que mostra Martins (2015)Martins , S. A . “ A migração partidária na Câmara dos Deputados entre 1995 e 2015 ”. Revista Política, Estratégia e Gestão , Brasília , vol. 1 , nº 1 , p. 1 - 9 , 2015 . , que afirma que o PMDB fez parte de coalizões presidenciais de 1995 a 2015, destacamos que a legenda compõe tais coalizões, de fato, desde 1985.
  • 8
    A escolha por analisar PLs no ano de 2013 será justificada na seção “Elementos metodológicos para a compreensão do comportamento ideológico do PMDB”, na qual discutiremos os aspectos metodológicos que balizam esta análise.
  • 9
    As porcentagens têm bases diferentes de acordo com o cargo e o ano. Indicamos a seguir o número de cadeiras em disputa para cada ano, segundo o cargo do Legislativo. Para o Senado: 25 cadeiras em 1982; 49 em 1986; 31 em 1990; 54 em 1994, 2002 e 2010; 27 em 1998 e 2006. Para a Câmara dos Deputados: 479 assentos em 1982; 487 em 1986; 503 em 1990; 513 a partir de 1994. Para as Assembleias Legislativas: 947 cadeiras em 1982; 953 em 1986; 1.049 em 1990; 1.059 a partir de 1994 ( TSE, 2018TSE . “ Eleições anteriores ( online )”. Brasil , 2018 . Disponível em: < http://www.tse.jus.br/eleitor-e-eleicoes/eleicoes/eleicoes-anteriores/eleicoes-anteriores . Acesso em: 4 abr. 2018 .
    http://www.tse.jus.br/eleitor-e-eleicoes...
    ).
  • 10
    Apenas em Sergipe o PMDB não elegeu o seu candidato ao governo do estado. Na oportunidade, o governador eleito foi do PFL. Para o pleito, contaram-se 23 estados.
  • 11
    Maranhão e Rio Grande do Norte não elegeram representantes do PMDB ao Senado.
  • 12
    O partido elegeu candidatos de quase todos os estados brasileiros. A exceção foi Roraima.
  • 13
    Ficando atrás apenas do PFL, que elegeu nove governadores.
  • 14
    Michels (1982Michels , R . Sociologia dos partidos políticos . Brasília : Ed. Universidade de Brasília , 1982 . , p. 232) esclarece que um partido não é um organismo de classe. Antes, é “do ponto de vista social, uma mistura de classes, composto que está de elementos que não desempenham a mesma função no processo econômico. Mas o programa, sendo este de uma classe, exige, contudo, uma aparente unidade social”.
  • 15
    Assim, o PMDB é visto como “partido sem ideologia, voltado apenas à disputa eleitoral com a finalidade de extrair recursos do Estado e que, para isso, continua aceitando qualquer perfil de filiado em suas hostes, com grande autonomia entre suas instâncias e organizações regionais” ( Lameira e Peres, 2015Lameira , R. F. ; Peres , P . “ O lugar do PMDB na política brasileira: o limite das tipologias partidárias ”. Anais do I Seminário Internacional de Ciência Política , Porto Alegre , 2015 . , s.p.). Defendemos, ao contrário, que tal característica demonstra, na verdade, uma faceta de sua ideologia.
  • 16
    Não se trata, é claro, de uma lista exaustiva de trabalhos sobre a relação entre ideologia e partidos políticos no Brasil. Nosso intuito é tão somente indicar algumas linhas gerais da classificação ideológico-partidária realizada no país.
  • 17
    Para Sartori (1982)Sartori , G . Partidos e sistemas partidários . Brasília : Ed. Universidade de Brasília , 1982 . , os subgrupos partidários são chamados frações e são compostos por grupos rivais. Para Michels (1982)Michels , R . Sociologia dos partidos políticos . Brasília : Ed. Universidade de Brasília , 1982 . , as divisões internas são baseadas na luta de classes. Já Duverger (1987)Duverger , M . Os partidos políticos . Rio de Janeiro : Ed. Guanabara , 1987 . apresenta as facções internas organizadas em grupos de posicionamento extremo e de posicionamento moderado.
  • 18
    Nossa aposta em uma possível projeção dos resultados obtidos neste artigo para o período da legislatura 2011-2014 deve-se ao fato de que estamos lidando com uma estrutura parlamentar que, a despeito de ingressos e de defecções de deputados, mantém-se como tal ao longo do período.
  • 19
    Considerando o período de 2011 a 2014, o PMDB apresentou 432 PLs em 2011, 262 em 2012, 302 em 2013 e 158 em 2014. Apesar de não ser o ano em que o partido mais submeteu PLs, 2013 foi o escolhido pois esse é o ano em que o PMDB se destaca perante os demais partidos, sendo a agremiação que apresenta mais PLs em relação às demais. O PMDB se distingue em número de submissões em toda a legislatura. Em 2011 e 2012, ele foi o segundo partido que apresentou mais PLs, ficando atrás do PT nos dois anos (este último apresentou 569 PLs em 2011 e 305 em 2012). Em 2014, o PMDB ficou em terceiro lugar na proposição de leis, sendo o PT a sigla que mais apresentou PLs (202) e o PSD a segunda agremiação (169).
  • 20
    Não que os resultados que apresentamos neste artigo não possam ser indicativos para uma classificação mais abrangente do PMDB: temos a impressão de que as nossas conclusões indicam tendências importantes para uma análise mais ampla. No entanto, não consideramos prudente simplesmente universalizarmos resultados específicos para outras áreas da atuação partidária.
  • 21
    Outros documentos (propostas de emenda à Constituição, medidas provisórias, resultados de votações, propostas de políticas públicas) podem ser analisados com essa metodologia, que permite investigar várias proposições no âmbito dos poderes Legislativo e Executivo. Entendemos esses poderes como partes do campo discursivo da representação política, composto por todos os partidos e sujeitos políticos que formam as relações Executivo-Legislativo.
  • 22
    As próprias nomenclaturas ideológicas clássicas, “direita” e “esquerda”, são aqui utilizadas pois são correntemente mobilizadas pelos sujeitos do campo discursivo da representação política como forma de autoidentificação e também para a identificação de seus adversários.
  • 23
    As Breves Comunicações não representam propriamente uma fase, mas complementam o Pequeno Expediente se este for concluído antes do tempo previsto. Assim, havendo disponibilidade de tempo, seguindo inscrições realizadas na Mesa Diretora da Câmara, os parlamentares podem fazer uso da palavra por até cinco minutos. Como ressalta Moreira (2016Moreira , D. C . “ Com a palavra os nobres deputados: frequência e ênfase temática dos discursos dos parlamentares brasileiros ”. São Paulo . Tese de Doutorado em Ciência Política . Universidade de São Paulo , São Paulo , 2016 . , p. 45), “é no Pequeno Expediente, no Grande Expediente, nas Comunicações Parlamentares e nas Breves Comunicações que os parlamentares têm a previsão regimental para tratar de assuntos diversos à pauta e podem discursar de forma livre na tribuna desde que dentro do tempo e das regras permitidos”.
  • 24
    O Quadro de Sentidos Ideológicos está disponível no site do Cesop (cesop.unicamp.br), na seção Revista Opinião Pública, ao final da página referente a este artigo, em Arquivos Complementares.
  • 25
    Estamos chamando aqui de “prática política” a proposição dos projetos de lei.
  • 26
    Por “palavras detonadoras” entendemos um conjunto de termos ideológicos consagrados que têm servido para diferenciar “direita” e “esquerda”, os principais sentidos ideológicos presentes no campo discursivo da representação política. O objetivo das palavras detonadoras, como se verá a seguir, é “detonar” o início da busca por sentidos aplicados e discerníveis para cada comportamento ideológico.
  • 27
    O Banco de Discursos está no site da Câmara dos Deputados (2017)Câmara dos Deputados . “ Discursos e Debates - Banco de Discursos (online) ”. Brasil , 2017 . Disponível em: < https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/discursos-e-notas-taquigraficas . Acesso em: 4 abr. 2018 .
    https://www2.camara.leg.br/atividade-leg...
    . Nesse site, há a informação de que o “Banco de Discursos contém pronunciamentos dos Srs. Deputados e de convidados em sessões plenárias da Câmara dos Deputados e do Congresso Nacional a partir de 1946”.
  • 28
    Os pronunciamentos que formaram o Quadro de Sentidos Ideológicos foram extraídos, a partir das palavras detonadoras, dos parlamentares de todos os partidos com representação na Câmara dos Deputados que se pronunciaram entre 2003 e 2014, uma vez que o campo discursivo da representação política compreende todos esses sujeitos, apresentando o total de 1622 pronunciamentos analisados. Assim, cada uma dessas 1.622 falas apresenta alguma(s) das palavras detonadoras cujos sentidos aplicados buscamos compreender ao analisarmos esses pronunciamentos.
  • 29
    Para Sartori (1982)Sartori , G . Partidos e sistemas partidários . Brasília : Ed. Universidade de Brasília , 1982 . , distintamente, existem tendências de centro, mas não partidos de centro.
  • 30
    Para o autor, a dimensão esquerda-direita pode ser entendida como constituída por “ordenações múltiplas”, entre as quais o critério econômico é um deles ( Sartori, 1982Sartori , G . Partidos e sistemas partidários . Brasília : Ed. Universidade de Brasília , 1982 . ).
  • 31
    Ressaltamos, no entanto, que o critério da igualdade de Bobbio, que distingue esquerda e direita, como o próprio autor admite, não é axiológico.
  • 32
    É claro que identificações ideológicas extremas à direita ou à esquerda são exceções num campo discursivo que tende para posições centristas e hegemonicamente liberais como as que percebemos tanto entre os sujeitos defensores de posturas da esquerda liberal quanto entre aqueles que advogam a perspectiva liberal de direita.
  • 33
    Esse aspecto será retomado adiante, quando apresentada a composição de um índice ideológico.
  • 34
    É importante mencionar que nem todos os PLs são passíveis de classificação. Nesse caso, eles são alocados em dois tipos de categorias: “não classificáveis” e “sentido hegemônico”. “Não classificáveis” abarcam PLs que não conseguimos identificar inclinação ideológica. “Sentido hegemônico” é o lugar dos PLs cujos sentidos podem ser compartilhados pela esquerda e pela direita liberais.
  • 35
    Tendo em vista, sobretudo, o fenômeno das migrações partidárias, os PLs aqui analisados podem ser de autoria de parlamentares que não foram eleitos pelo PMDB, mas que ingressaram na sigla na legislatura em análise. Sobre migração partidária na Câmara dos Deputados nesse período, ver Damin Jr. (2015).
  • 36
    Os PLs da área Social aqui apresentados não abrangem todas as subáreas constantes no Quadro de Sentidos Ideológicos.
  • 37
    Fórmula composta com base em Kubrusly (2001)Kubrusly , L. S . “Um procedimento para calcular índices a partir de uma base de dados multivariados” . Pesquisa Operacional , Rio de Janeiro , vol. 21 , nº 1 , p. 107 - 117 , 2001 . .
  • 38
    É possível a aplicação da fórmula do índice para o PMDB como um todo. Nesse caso, o I PMDB= 2,35. Ou seja, o partido, para o ano de 2013, seria classificado mais perto do ponto esquerda liberal do espectro, mas em direção à direita liberal. Contudo, optamos por apresentar esse dado em nota de rodapé uma vez que, considerando nossas premissas teóricas, essa informação só passará a ter sentido no momento em que realizarmos uma comparação com outras agremiações. Tal posicionamento também condiz com o seguinte apontamento de Sartori (1982Sartori , G . Partidos e sistemas partidários . Brasília : Ed. Universidade de Brasília , 1982 . , p. 186): “(…) a noção de centro é puramente relativa e contingente à existência de outros partidos (mais à esquerda e mais à direita) (…)”. Nossa busca, neste artigo, é pela classificação ideológica da agremiação e não pela comparação desta com outras. Ainda considerando as premissas do autor, caso realizada a comparação entre partidos, nossos índices permitiriam a alocação dos partidos no espectro não a intervalos iguais, mas conforme seus valores (que ocorre quando o espaço esquerda-direita tem características de um espaço ideológico, como citado anteriormente). O que não cobrimos com nosso índice é a elasticidade espacial ( Sartori, 1982Sartori , G . Partidos e sistemas partidários . Brasília : Ed. Universidade de Brasília , 1982 . ), pela necessidade de delimitar a escala. Os índices ainda permitem a verificação da existência das facções de moderados de direita e de esquerda ( Duverger, 1987Duverger , M . Os partidos políticos . Rio de Janeiro : Ed. Guanabara , 1987 . ) em cada área.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Set 2020
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2020

Histórico

  • Recebido
    15 Jul 2018
  • Aceito
    26 Jun 2020
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