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Mineração para um mundo melhor

Mining for a better world

MACHADO, Iran F; FIGUEIRÔA, Silvia. . História da mineração brasileiraCuritiba: CRV, 2020732p.

A História da mineração brasileira é percorrida por Iran Machado e Silvia Figueirôa em densas 732 páginas, repletas de informações e análises sobre essa história até hoje bem pouco conhecida e valorizada, mesmo no país. O livro traz detalhes de episódios cruciais dessa trajetória – “as pedras no meio do caminho” de Drummond –, mencionados e não esquecidos pelos autores.

Resultado de suas práticas e pesquisas sobre a geologia brasileira que levaram Iran e Silvia para o Instituto de Geociências da Unicamp, de onde surgiu essa parceria, entre outras, o livro traz mais de 80 páginas de referências bibliográficas, apontando aspectos dos caminhos trilhados, para aqueles que quiserem saber por onde conduzir novos trabalhos. É impossível dar conta de comentar aqui a riqueza das 154 figuras, das 49 tabelas, dos 35 quadros ou dos diversos boxes, que longe de meras ilustrações facilitam a compreensão das situações políticas, econômicas, sociais, técnicas, que abrangem desde os famosos bandeirantes caçadores de escravos indígenas (Machado, Figueirôa, 2020, figura 19) até os maiores desastres ambientais causados pela mineração (quadro 32) ou a imagem da busca de sobreviventes em Brumadinho (figura 133). Tampouco é possível chamar a atenção para todos os detalhes e análises dessa história “lúcida e atraente” como Rogério Cerqueira Leite adianta no prefácio que abre os cinco capítulos em que se organiza a publicação.

A longa trajetória da mineração no Brasil desde os tempos coloniais, traçada em suas linhas gerais nos dois primeiros capítulos do livro, foi marcada, nos séculos XVII e XVIII, pela exploração de ouro e diamante que correspondeu em cerca de 50% de toda a produção mundial e foi responsável pela promoção da riqueza da coroa portuguesa. Ao longo de todo o século XIX, inúmeras iniciativas institucionais, incentivos à instalação de companhias de mineração, mudanças nas legislações para o setor buscaram superar as grandes dificuldades dessas atividades de alto risco que exigiam, e exigem, técnicos especializados e enormes investimentos. De fato, como Silvia Figueirôa já apontou em suas diversas obras desde 1997, na prática, a mineração permaneceu como atividade subsidiária, frente à agricultura, especialmente do café, até as primeiras décadas do século XX, apesar da formação dos engenheiros de minas, da crescente importância da mineração de ferro e das pesquisas sobre carvão e outros recursos minerais, fundamentais para a industrialização emergente do país.

Como se descortina no capítulo três, o mais longo do livro, esse panorama começou a se diversificar e ampliar com a organização e as pesquisas sistemáticas realizadas pelo Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil a partir de 1907. Na primeira metade do século, os destaques são para os incentivos à mineração na década de 1930, marcados pelas políticas nacionalistas, com a criação do Departamento Nacional da Produção Mineral, em 1934, do primeiro Código de Minas, de 1937; e posteriormente para o governo JK, com a criação dos cursos de geologia.

Para um único exemplo das análises de detalhes que marcam a obra, ressalto o significado dos minerais estratégicos durante a Segunda Guerra Mundial. Além do ferro, mais conhecido, o quartzo (com suas propriedades piezoelétricas) – de que o Brasil era a única fonte do mundo – foi a matéria-prima estratégica para a comunicação (rádio, telefonia, sonar). Estão ainda presentes no capítulo o sentido do golpe de 1964 para o incentivo à mineração, a presença crescente do capital estrangeiro, a organização das empresas estaduais, o projeto Brasil-Potência, a crise do petróleo de 1973, a “morte da mineração” (Machado, Figueirôa, 2020MACHADO, Iran F.; FIGUEIRÔA, Silvia. História da mineração brasileira. Curitiba: CRV, 2020., figura 28) nos anos 1980, a força da questão ambiental nos anos 1990, e a importância, bastante esquecida, do uso da água no mundo, destinada em 73% para irrigação agrícola versus 6% para consumo humano (figura 32).

As expectativas, os desafios e os riscos para a mineração no século XXI ocupam o quarto capítulo do livro, em que, como em todos os demais, a situação brasileira é analisada no contexto da mineração internacional. Nele não faltam as crises e retomadas mundiais e os investimentos no setor; a entrada em cena das empresas juniores ou da China no mercado mineral; o novo marco regulatório do país; o plano Nacional de Mineração 2030, lançado em 2011, quando a produção mineral brasileira alcançou novo auge (Machado, Figueirôa, 2020MACHADO, Iran F.; FIGUEIRÔA, Silvia. História da mineração brasileira. Curitiba: CRV, 2020., figura 68); a tragédia humana e os desastres ambientais de Mariana e Brumadinho (Lopes, Figueirôa, 2020LOPES, Maria Margaret; FIGUEIRÔA, Silvia Fernanda de M. The History of geology meets disasters: a Brazilian perspective. Isis , v.111, n.1, p.104-111, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1086/707820 . Acesso em: 21 jan. 2022.
https://doi.org/10.1086/707820...
). Todos esses temas são acompanhados de estudos técnicos, análises críticas e propostas de enfrentamentos das situações consideradas. Destacam-se nesse capítulo a relevância da exploração e o uso crescente dos metais terras raras nos smartphones , carros elétricos, mísseis… Temática indissociável, para o Brasil, dos “recursos minerais da Amazônia Azul”, como são chamados os recursos não vivos dos 4,5 milhões de quilômetros quadrados do Atlântico, que em planos ambiciosos, o país já pesquisa e espera prospectar na província ígnea, possivelmente remanescente do continente africano da Elevação Rio Grande (https://www.isa.org.jm/minerals/exploration-areas).

No capítulo cinco, outras perspectivas surgem de textos compilados de diversos geólogos atuantes no setor mineral brasileiro, entre elas: a atuação do Serviço Geológico do Brasil – CPRM; Carajás; as tecnologias do Quartzo; aspectos históricos da legislação brasileira; o Ministério de Minas e Energia; agendas imperativas para gestão, modernização e sustentabilidade ambiental e social da mineração; e, como não poderia faltar, a forte presença do Quadrilátero Ferrífero na mineração brasileira.

Em suas considerações finais, trazendo pequenos textos de autores como Capistrano, Caio Prado, Sérgio Buarque, Roberto Simonsen, os autores sintetizam, com uma ponta de otimismo e talvez muito espírito humanista, a necessidade de avanços na legislação ambiental brasileira, na proteção das reservas e terras indígenas e fundamentalmente a importância da consciência crescente das populações sobre os riscos das minerações, sem ignorar a dependência cada vez maior para o mundo futuro dos recursos não vivos do planeta.

Reproduzindo aqui a dedicatória que abre o livro, que claramente explicita sua proposta de contribuição, convido, em conjunto com os autores, à leitura “as pessoas de bem que lutaram e lutam por um mundo melhor, mais justo e solidário”.

AGRADECIMENTOS

Ao CNPq pela Bolsa de Produtividade 1C; projeto “Pesquisas paleontológicas: base para a busca de petróleo no Brasil (1907-1940)”; processo 303505/2018-4, 2019-2023.

REFERÊNCIAS

  • LOPES, Maria Margaret; FIGUEIRÔA, Silvia Fernanda de M. The History of geology meets disasters: a Brazilian perspective. Isis , v.111, n.1, p.104-111, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1086/707820 . Acesso em: 21 jan. 2022.
    » https://doi.org/10.1086/707820
  • MACHADO, Iran F.; FIGUEIRÔA, Silvia. História da mineração brasileira. Curitiba: CRV, 2020.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Set 2022
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2022
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