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As imagens dos conjuntos científicos de química: dominância masculina nas representações sobre a ciência

Images of chemistry kits: male dominance in representations of science

Resumo

O artigo apresenta o modo como as imagens relativas aos conjuntos de química expressam as representações sobre a predominância do gênero masculino nas brincadeiras que simulam aspectos técnicos, gestuais, de laboratório, criando padrões de conduta que direcionam para a vocação profissional: o ser cientista. Foram privilegiadas as documentações produzidas pelas empresas Gilbert (1920) e Chemcraft (1922), presentes no acervo da Chemical Heritage Foundation (EUA). Discute-se o que Joan Scott chama de organização social da diferença sexual, enquanto são analisadas as ilustrações que privilegiam a dominância do gênero masculino, nas formas de “ser criança”, brincando de cientista.

brinquedos científicos; identidade de gênero; história da ciência; artefatos

Abstract

This article shows how images relating to chemistry sets express the predominance of the male gender in toys that simulate technical, gestural, and laboratory-related aspects of science, creating patterns of conduct towards the professional vocation of being a scientist. Priority is given to documents produced by the companies Gilbert (1920) and Chemcraft (1922) that are kept in the archives of the Chemical Heritage Foundation in the USA. What Joan Scott calls the social organization of sexual difference is discussed and the illustrations are analyzed, demonstrating a predominance of male figures showing how to “be a child,” playing at being a scientist.

science toys; gender identity; history of science; artifacts

Em 2018, a revista Nature anunciava uma edição comemorativa para apresentar um turning point em relação às persistentes disparidades, o lento progresso e o fim das desigualdades da entrada e permanência das mulheres na ciência. 1 1 Trata-se de edição que celebra a posição das mulheres na ciência, mostrando suas conquistas e preocupações sobre as persistentes desigualdades de gênero que mantêm preconceitos implícitos e explícitos, marcados por estereótipos de gênero por todo o século XX. O periódico apresentou um elenco de cientistas, mulheres, de modo que pudessem ser celebradas por meio de suas próprias narrativas e apontados seus maiores desafios. O seu editorial indicava o Relatório Científico da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), mostrando que o grupo de pesquisadores global contava com 30% de mulheres, mas que esse número decaía conforme os níveis acadêmicos e postos de trabalho iam se graduando. Nesse caso, as mulheres representavam 53% dos bacharéis e mestres, 43% dos doutorandos e, por fim, 28% no nível de pesquisador (Nature, 28 ago. 2018).

No caso do Brasil, uma pesquisa mostra que as vagas de bolsistas de Produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) são ocupadas predominantemente por homens (60-76%); e, em áreas como química, odontologia, educação física, medicina veterinária e medicina, os homens são a maioria na categoria 2 (cerca de 56%). Ainda no caso do Brasil, outra pesquisa indica que 54% dos estudantes de doutorado são mulheres e que isso representa um aumento de 10% em um prazo de dez anos. Também é possível ver que as mulheres são a maioria atuante nas ciências da vida e da saúde (60%), enquanto nas ciências da computação e matemática elas contabilizam menos de 25%. Por fim, dentro da Academia Brasileira de Ciências elas são apenas 14% (Valentova et al., 19 dez. 2017).

O Brasil, portanto, acompanha os resultados dos EUA que mostram a diminuição do número de mulheres conforme ascendem aos cargos de maior prestígio. Como mantenedoras de subsídios à pesquisa, as mulheres são 24% das beneficiárias. O total de publicações de cientistas brasileiros conta com 70% de mulheres entre 2008-2012, sendo um dos maiores do mundo (De Negri, 2019DE NEGRI, Fernanda. Women in science: still invisible? In: Prusa, Ana; Picanço, Lara (ed.). A snapshot of the status of women in Brazil: 2019. Washington, DC: Brazil Institute/Wilson Center, 2019. p.18-19. Disponível em: https://www.wilsoncenter.org/publication/snapshot-the-status-women-brazil-2019 . Acesso em: 21 jan. 2021.
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, p.18-19). Um relatório apresentado pela Elsevier (2017) constatou que, entre os artigos publicados no período 1996-2015, 40% eram de mulheres cientistas, sendo que, no caso brasileiro, o número aumentava para 49%.

O estado da arte sobre ciência, tecnologia e gênero apresentado por Freitas e Luz (2017)FREITAS, Lucas Bueno de; LUZ, Nanci Stancki da. Gênero, ciência e tecnologia: estado da arte a partir de periódicos de gênero. Cadernos Pagu, v.49, 2017. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-83332017000100304&lng=en&nrm=iso&tlng=pt . Acesso em: 12 jan. 2021.
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, a partir de periódicos de estudos sobre gênero, mostra que as mulheres se encaminham para a ciência em ambientes familiares e iniciam suas carreiras como auxiliares de homens cientistas. Além disso, elenca uma série de problemas enfrentados pelas mulheres ao longo de suas trajetórias, tais como: falta de incentivo e até mesmo proibição da família; veto, ao frequentar o ensino superior; jornada dupla de trabalho; dificuldades de acesso e falta de oportunidades; e, por fim, ter o protagonismo diminuído em uma área predominantemente masculina.

É comum pensarmos que o mundo da ciência e da tecnologia é local de gente obstinada, entregue aos ambientes ascéticos e limpos de laboratórios, bibliotecas, muito distantes dos espaços ordinários da casa. Essa ideia reforça que o espaço destinado às ciências é dominado por relações de poder, precisamente porque descarta a evidência de que mulheres não estão alheias aos ambientes considerados “não científicos”.

Vemos que há diferentes discussões que marcam a predominância masculina nas ciências, sejam elas de ordem econômica, cognitiva, sociocultural, material. Pensando por diferentes campos de conhecimento, é possível dizer que os espaços de produção científica, desde o século XVIII, como área de atuação pública, estão restritos aos homens, sendo muito clara a demarcação desse território na história. A discussão das posições de gênero na ciência parece, inclusive, acompanhar outra contenda, intrínseca à própria ciência, de que o fazer científico, ao criar as suas objetividades e o discurso da neutralidade, amarga com as concepções de que “se mulheres não fazem ciência” e “ou não podem fazer ciência” são fatos sociais que não dizem respeito ao universo da ciência.

Sobre pensar a dominância dos homens no campo, é possível que isso já tenha sido definido no momento mesmo de estruturação do que é a ciência moderna. Donna Haraway (2018)HARAWAY, Donna. Modest-Witness@Second-Millennium: FemaleMan-Meets-OncoMouse: feminism and technoscience. New York. Routledge, 2018. aponta o androcentrismo nesse processo quando fala do modest witness , ou do histórico de construção da objetividade no século XVIII, que permitiu a desencarnação do sujeito europeu, branco masculino, aristocrata ou alto burguês, como a representação maior da produção de conhecimento. A autora diz que a administração do gênero para o modelo da ciência experimental centraliza o ethos cavalheiresco como um modo de vida de quem dá veracidade e testemunha os feitos dos experimentos. Essa situação que transfere a autoridade social para dar legitimidade aos experimentos é reforçada pelo fato de não haver o nome de mulheres nos relatórios dessas exposições públicas. E, ainda que elas estivessem presentes, não eram vistas com componentes hábeis para proceder com a veridição (Haraway, 2018HARAWAY, Donna. Modest-Witness@Second-Millennium: FemaleMan-Meets-OncoMouse: feminism and technoscience. New York. Routledge, 2018., p.23-24).

Trata-se da ideia de objetividade pautada por neutralidade, dominância e controle da natureza que só pode ser sintetizada pela relação das práticas que desembocam nos processos experimentais, território modelado por homens. Essa dominância é percebida por meio da materialidade tecnológica, instituída pelas apresentações dos inventos, o saber corporal para lidar com tais objetos; e a estruturação de uma literatura científica cujos registros passam a incorporar um ideal cavalheiresco de nobreza, por distanciamento, desapego, como virtude de modéstia. Os veículos de circulação e divulgação de tais acontecimentos, as apresentações públicas, são tecnologias sociais que permitem aos homens o testemunho, a competência certificada para dar credibilidade ao feito, colocando as damas como surdas e mudas diante dos fatos científicos. Não se trata de simples apagamento das mulheres da gênese da ciência moderna. O que havia era a impossibilidade de participação da própria ambiência cognitiva, que não suportava respostas espontâneas, ações sentimentais, tratos por empatia, pois não incorporou traços femininos desde o seu radical (Vargas-Monroy, 2010VARGAS-MONROY, Liliana. De testigos modestos y puntos cero de observación: las incómodas intersecciones entre ciencia y colonialidad. Tabula Rasa, n.12, p.73-94, 2010., p.78). 2 2 Um exemplo comovente sobre essa ausência de empatia na construção da neutralidade científica mostra que Robert Boyle, filósofo experimental do século XVII, usava pássaros para apresentar o experimento com a bomba de ar. Ao retirar o ar da redoma, os animais eram sufocados. Em uma ocasião, um grupo de mulheres interrompeu o experimento pedindo para que os pássaros fossem poupados. E o experimento foi interrompido. Boyle relata em New experiments physico-mechanical touching the spring of the air que, para evitar esse tipo de dificuldade, os homens deviam se encontrar tarde da noite para realizar o procedimento e testemunhar os resultados (Haraway, 2018, p.31-32).

Essas pesquisas mostram os aspectos de estruturação de um território do saber científico que passam pelos centros de pesquisas, laboratórios, pelo universo privado e que marcam a ausência histórica das mulheres. Essa demarcação estrutural de propriedade espacial, simbólica, de costumes e, por conseguinte, argumentativa, de linguagens, de códigos, de valores, faz-nos visualizar o quadro histórico dos espaços de produção e divulgação científica, problematizando os caminhos que apontam para essa governança das diferenças de gênero.

Mas a pergunta sobre como essa dominância pode ser explicada na história não pode ser descolada do social, e, nesse sentido, a ideia de tradição masculina na ciência pode ser questionada, pensando além das fronteiras dos laboratórios e problematizando as ações que politizam as representações criando as percepções acríticas da construção social dos gêneros em diferentes espaços de divulgação científica.

Este artigo apresenta uma discussão sobre os brinquedos científicos, mais precisamente os conjuntos de química que parecem registrar esse histórico do domínio dos meninos, apontando os limites do papel social do gênero em suas ilustrações de capa. Pensando nos artefatos como manifestações e resultado das relações sociais, este texto apresenta um conjunto de consensos e tensões que organiza uma estética ligada aos processos de formação, identificação, práticas válidas e socialmente aceitas para os meninos, instituindo os contornos de espaços de socialização e dominação pelo gênero masculino. Por um lado, as imagens da ciência apelam à recreação e ao lúdico como forma de integrá-la ao universo infantil, seja para o conhecimento dos fenômenos, seja como forma de ensino. Por outro lado, estabeleceram-na como uma prática que masculinizou o ambiente; neste caso, o doméstico, demarcando a atitude científica como uma ação particular ao homem.

O trabalho analisa o que Scott (1995)SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, v.20, n.2, p.71-99, 1995. chamou de organização social da diferença sexual, a partir da análise de um conjunto de documentos que formaliza a imagem do laboratório como espaço onde as meninas não se enquadram. Procura fazer uma discussão a respeito do sistema de significados constituídos na sociedade sobre as representações de gênero, mostrando as regras, os códigos, a construção das trajetórias que, pela experiência, conduz às escolhas e às identidades. Para a autora, “o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos” e “o gênero é uma forma primária de dar significado às relações de poder” (p.88). Em outras palavras, as ilustrações de capa são aqui apresentadas como elementos estetizantes, que criam o universo consciente sobre o gênero, articulando as suas ações na relação com o mundo social, estabelecendo essas fronteiras pela brincadeira.

Os brinquedos científicos são anunciados por representações gráficas e publicitárias que norteiam os sentidos, criando padrões de conduta que estipulam o que é socialmente atribuído e aceito como atitude e possível vocação profissional: o ser cientista. Por esse motivo, o artigo destaca as ilustrações de capas de notórios conjuntos de química, privilegiando aqueles produzidos por Gilbert (1920) e Chemcraft (1922), presentes no acervo virtual do Chemical Heritage Foundation (EUA).

A representatividade da amostra está em primeiro plano vinculada aos EUA, porque vemos nesse país o empreendimento de vinculação dos tempos de vida da criança aos brinquedos que elas possam vir a receber como presentes, projetando ideias de futuro de pais para filhos em uma sociedade de consumo (Cross, 1998CROSS, Gary. Toys and time: playthings and parents atitudes toward change in Early 20th-Century America. Time & Society, v.7, n.1, p.5-24, 1998., p.5). O período está vinculado à apresentação dos brinquedos científicos como mercadoria útil à demonstração de fenômenos naturais, a partir da segunda metade do século XIX até a década de 1950, quando as meninas são reconhecidas por esse tipo de iconografia.

O estudo das ilustrações baseia-se nas ideias de “iconografia”, como observação do tema e do sujeito, e “iconologia”, como estudo aprofundado do significado do objeto, propostas por Panofsky (2007)PANOFSKY, Erwin. Significado nas artes visuais. São Paulo: Perspectiva, 2007., distinguinda-os entre tema, visual e formato. Isso significa que as ilustrações serão analisadas por camadas; primeiro, as ditas “formas puras”, as linhas, cores e os gestos que marcam a análise pré-iconográfica, indicando a naturalização dos desenhos que apresentam somente os meninos; depois, o estudo das composições, também pensadas como “alegorias”, isto é, ponderar sobre as balizas ilustrativas que projetam os meninos ao futuro, como cientistas, a partir de uma série de referentes tecnológicos; por fim, discutir a ideia de “significação intrínseca do conteúdo”, ou seja, analisar como essas ilustrações são uma discussão própria da sociedade que as produziu, como marca de condução e representação da cultura, criando o imaginário de que existe uma relação direta entre os meninos e a carreira científica (Panofsky, 2007PANOFSKY, Erwin. Significado nas artes visuais. São Paulo: Perspectiva, 2007.).

O tema é mais relevante se considerarmos o testemunho de Robert Floyd Curl, vencedor do Nobel de Química (1996), quando disse que um desses brinquedos foi decisivo para o seu encaminhamento na ciência, afirmando que, aos 9 anos, foi presenteado por seu pai e que nunca teve dúvidas sobre a decisão tomada. Esse testemunho é importante, principalmente quando sabemos que, na história dos kits de química, os pais são os alvos do marketing ao pensar no futuro profissional do filho, como se verá adiante (Nobel Prize, 1996NOBEL PRIZE. Robert F. Curl Jr. Biographical. Stockholm: Nobel Prize in Chemistry, 1996. Disponível em: https://www.nobelprize.org/prizes/chemistry/1996/curl/biographical . Acesso em: 10 jan. 2021.
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).

Os brinquedos científicos e os conjuntos de química

Os brinquedos científicos têm relação com a constituição dos públicos da ciência, acompanhando uma tradição de exposição de experimentos em diferentes espaços, sejam eles teatralizados, de exposições, salas de espetáculos etc. Brinquedos científicos se apresentam como objeto de entretenimento para plateias domésticas em primeiro lugar, para depois se tornar, na segunda parte do século XIX, um estimulante instrumento para despertar a atenção de estudantes (Al-Gailani, 2009AL-GAILANI, Salim. Magic, science and masculinity: marketing toys chemistry sets. Studies and History and Philosofy of Science, v.40 n.4, p.372-381, 2009.; Turner, 1987TURNER, Gerard L’E. Scientific toys. The British Journal for the History of Science, v.20, n.4, p.377-398, 1987.; Brenni, 2012BRENNI, Paolo. The evolution of teaching instruments and their use between 1800 and 1930. Science & Education, v.21, p.191-226, 2012.).

Turner (1987TURNER, Gerard L’E. Scientific toys. The British Journal for the History of Science, v.20, n.4, p.377-398, 1987., p.377) nos mostra a pertinência de considerar o Homo ludens um ator importante na história da recepção do conhecimento científico. Indica que, como recreação e hobbies , brinquedos científicos fizeram parte da educação de crianças desde o início do século XVIII. Relata que estavam presentes em demonstrações teatralizadas, tornaram-se entretenimento no mundo vitoriano e, por fim, no século XX, brinquedos (p.377-378). 3 3 Alguns brinquedos se esmeram por passar condicionantes científicos às crianças. Por exemplo, o giroscópio, que é a brincadeira do pião, fornecedor da explicação sobre a dinâmica do movimento. Outro exemplo é o Newton’s cradle (berço de Newton), conhecido dispositivo de colisão de bolas suspensas em pêndulos que demonstra a conservação da energia e da quantidade de movimento a partir dos estudos de Isaac Newton e cujo desenho foi desenvolvido por Edme Mariotte (Turner, 1987, p.384).

Brenni (2012BRENNI, Paolo. The evolution of teaching instruments and their use between 1800 and 1930. Science & Education, v.21, p.191-226, 2012., p.193) considera que as brincadeiras científicas tinham mais caráter de curiosidade, com efeitos divertidos, do que a intenção de ser aparelhos didáticos úteis. Sua advertência destaca que os brinquedos desse tipo carregavam toda uma série de valores e de intenções que não os propriamente científicos. Nesse sentido, indica os aparelhos voltados para a “física amusante”, objetos que visam causar “efeitos divertidos, surpreendentes ou aparentemente paradoxais”, sendo atraentes e com finalidade de causar espanto, emoção. Além disso, o pesquisador nos diz que há uma diferença entre brinquedos científicos e instrumentos científicos que são tidos como brinquedos.

No final do século XIX, já é possível constatar a presença de máquinas incorporadas ao ensino das ciências como forma de acompanhamento do progresso da técnica e do advento da sociedade industrial. Modelos de maquinários, por exemplo, são transposições de um mundo que propaga a evolução da técnica, sendo uma grande novidade em lojas especializadas. Concomitantemente à sua apresentação como um produto de mercado, passam a ter relação com o aspecto vocacional.

Boyer (2006)BOYER, Myriam. Le goût des sciences. Rouen: Musée National de l’Éducation/INRP, 2006. indica que a introdução das crianças no mundo da tecnologia também faz avançar para as concepções de possíveis futuros de trabalhos ligados direta ou indiretamente às ciências e às técnicas. No caso, aponta para dois elementos muito presentes no histórico dos conjuntos de química: ser destinado aos meninos e indicar possíveis destinos profissionais (p.109).

Os brinquedos de química aparecem no final do século XIX, quando as crianças já são indicadas como consumidoras de conhecimento científico, seja por entretenimento, seja por simulação de espaços científicos em casa. Na passagem do século XIX para o XX, os brinquedos de química carregam consigo diferentes políticas e significados que não dizem respeito somente ao brincar nem mesmo à química (Al-Gailani, 2009AL-GAILANI, Salim. Magic, science and masculinity: marketing toys chemistry sets. Studies and History and Philosofy of Science, v.40 n.4, p.372-381, 2009., p.372). Os brinquedos sempre dizem alguma coisa a mais, quando socializados, reproduzindo interesses e projeções do mundo adulto para as crianças. São representações que caminham com o caráter lúdico, mas que indicam a idealização de outros, bem como tipologias de infâncias, formas de ser criança e a identificação por gênero.

Os manuais de “como fazer truques de química”

No século XVIII, a química foi vista como a ciência das coisas práticas e era apresentada a públicos interessados no visual, em interagir e ficar maravilhados em diferentes tipos de auditórios, à maneira de conferências, demonstrações, apresentações itinerantes, e também ligados à difusão de trabalhos, como os de Lavoisier, que foram traduzidos e rapidamente circulados pela Europa (Baldinato, Porto, 2009, p.2).

No final do século XVIII, essa característica de espetáculo visual vai se perdendo, diante do poder da argumentação: “Era cada vez menos endereçado para os olhos dos espectadores e mais e mais para suas mentes e seus julgamentos” (Lehman, Bensaude-Vincent, 2007, p.9). Mas permanece esse fornecimento de emoções sensoriais, “algo para ser visto, ouvido e cheirado”. Ainda que fosse uma ocasião para apresentação de feitos atraentes, um passatempo para muitos amadores, possuía um caráter sério e ambicioso e não era associado ao entretenimento (p.4).

No século XIX, a química estava na categoria útil de “conhecimento divertido”. Por exemplo, em Londres, as apresentações químicas podiam causar um mercado negro por ingressos, e havia organização no trânsito para aliviar os congestionamentos. As palestras eram feitas em teatros e salas de concerto, apresentadas como ciência experimental, uma forma de arte que apelava ao corpo, à mente, ao espírito, expondo uma performance pela manipulação (Knight, 2006KNIGHT, David. Popularizing chemistry: hand-on and hands-off. HYLE-International Journal for Philosophy of Chemistry, v.12, n.1, p.131-140, 2006. Disponível em: http://www.hyle.org/journal/issues/12-1/essay_knight.htm . Acesso em: 10 jan. 2021.
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). 4 4 No final do século XIX, demonstrações passam a ser a condição máxima do ensino de “Physica-Chimica” pelo veio da educação dos sentidos, pelo caminho de uma história da educação em ciências (Braghini, 2017).

Bensaude-Vincent e Libbrecht (1995)BENSAUDE-VINCENT, Bernadette; LIBBRECHT, Liz. A public for science: the rapid growth of popularization in nineteenth century. Réseaux: The French journal of communication, v.3, n.1, p.75-92, 1995. mostram a inclusão da ciência no cotidiano como atividade pertinente à melhoria da vida. Está presente em feiras de todos os tipos (universais, mundiais, nacionais, comerciais etc.), museus de ciências; distribuída pelo mundo impresso (livros, jornais, revistas, magazines, folhetins, panfletos etc.); uma grande estrutura de interessados, direta ou indiretamente, pelo tema passam a monitorizá-lo (cientistas, técnicos, produtores de instrumentos científicos, jornalistas, diferentes tipos de indústrias etc.).

Sobre a divulgação da química pelo mundo impresso há um precursor da categoria. Trata-se de Conversations on chemistry , de Jane Marcet (1853)MARCET, Jane. Conversations on chemistry in which the elements of that science are familiarly explained and illustrated by experiments, v.1. 13.ed. London: Longman, Brown, Green & Longmans, 1853., que, publicado de maneira anônima, tornou-se um livro popular em matéria de divulgação científica. 5 5 O livro é fruto do encantamento da autora, casada com Alexander Marcet, químico e médico, pelas demonstrações de química de Humphry Davy na Royal Institution. Por diferentes edições britânicas, Conversations on chemistry vendeu 20 mil cópias em 1865. O mesmo livro foi reimpresso nos EUA, e, no caso, os editores fizeram revisões e emendas no conteúdo, à medida que novas descobertas aconteciam. Supostamente atingiu 160 mil cópias em 1874 (Fyfe, 2004, p.3). O livro foi publicado entre 1806 e 1853. A edição citada neste artigo é de 1853. Tinha por interesse apresentar a química às moças de mesma posição social que a autora, que era filha de banqueiro (Knight, 2006KNIGHT, David. Popularizing chemistry: hand-on and hands-off. HYLE-International Journal for Philosophy of Chemistry, v.12, n.1, p.131-140, 2006. Disponível em: http://www.hyle.org/journal/issues/12-1/essay_knight.htm . Acesso em: 10 jan. 2021.
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; Baldinato, Porto, 2009). A edição foi publicada em dois volumes de bolso por Longman and Co., de Londres, com mil exemplares postos à venda. Tratava-se de um livro representativo diante de um grupo de mulheres escritoras que, por volta de 1800, passaram a ser divulgadoras da ciência que, neste caso, mostrava de maneira dialogada a descrição dos experimentos na forma de demonstrações (Peres, Rodrigues, 2018, p.472-473, 475).

No segundo quartel do século XIX, existiam muitas categorias de livros de química na Grã-Bretanha. Al-Gailani (2009AL-GAILANI, Salim. Magic, science and masculinity: marketing toys chemistry sets. Studies and History and Philosofy of Science, v.40 n.4, p.372-381, 2009., p.374) diz que havia ainda um significativo número de manuais e panfletos vendidos a baixo custo para a instrução de crianças, mostrando como deveriam ser realizadas as experimentações. Os manuais vitorianos de recreação química pretendiam uma concepção de aprendizagem que envolvesse a mente, o corpo e o espírito das crianças, indicando qualidades como inteligência, dignidade e superioridade, para quem soubesse raciocinar, ter destrezas e asseio. Valorizavam uma disciplina física e moral, enquanto apresentavam uma ciência de entretenimento, pensada para a cultura burguesa de classes médias (p.374).

Na Grã-Bretanha, eram publicados livros para passatempos científicos para que as famílias acompanhassem os experimentos. Os livros eram voltados para meninos e meninas. Também nos EUA, foram abertos espaços para demonstrações de química, no ambiente doméstico de classe média, e livros científicos para crianças sobre astronomia, botânica ou química foram lançados (Onion, 2016ONION, Rebecca. Science in the basement: selling the home lab in the interwar years. In: Onion, Rebecca. Innocent experiments: childhood and the culture of popular science in the United States. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 2016. p.40-72., p.42).

Dois desses manuais baratos foram How to do chemical tricks , com autoria de A. Anderson (1898)ANDERSON, A. How to do chemical tricks. New York: Franklin Tousey Publisher, 1898. Disponível em: https://www.gutenberg.org/files/50100/50100-h/50100-h.htm Acesso em: 20 jan. 2021.
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, publicado na Grã-Bretanha e nos EUA, afirmando que a química poderia ser instrutiva e divertida; e Chemical tricks, for home amusement and instruction , publicado nos EUA por Aldine Publisher, provavelmente em 1894. O livro de Anderson, publicado em Nova York (1898), indica claramente em sua introdução que a atividade química é voltada para os “meninos”, de modo que são eles “fortemente atraídos por seu mistério e aparente magia” (Anderson, 1898ANDERSON, A. How to do chemical tricks. New York: Franklin Tousey Publisher, 1898. Disponível em: https://www.gutenberg.org/files/50100/50100-h/50100-h.htm Acesso em: 20 jan. 2021.
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, p.4). Esses impressos unem a ideia do mistério, da magia, à antiguidade remota como um atrativo para os meninos. Clamam ao domínio do fogo, lembram os conhecimentos dos alquimistas, conjuras, feitiços. O menino é capturado por esses marcadores de mistério, de forma que se sobrepõem ao cientista, por exemplo, em relação aos enigmas do fogo: “O menino sente o que o cientista não consegue explicar” (p.4).

A capa desse livro é elucidativa ao anunciar o que pretende como divulgadora da química pela mágica para estimular meninos curiosos. A ilustração é apresentada em preto e branco, com linhas simples, aparentando ser uma publicação barata. Há uma figura central, um homem abrindo uma cortina como no teatro, desvelando um menino segurando um objeto, talvez uma lamparina. O nome do livro é anunciado como um manual de truques químicos, destacadamente. Ao redor da ilustração central, vemos diferentes dispositivos científicos, vidrarias e um pé acionando um pedal. Esse pedal indica que há mecanismos ocultos usados para o acionamento do truque. Logo abaixo, vemos uma plateia atenta. Toda a cena é composta apenas por membros do sexo masculino.

Já no final do século XIX, havia uma variedade daquilo que era chamado de brinquedo de química, mostrando uma cultura mais ampla do que poderia entrar nessa categoria. Até os anos 1900, é possível afirmar a existência de um mercado de recreações químicas, com um montante de diferentes produtores, oferecendo atividades para um grupo bem diferenciado de pessoas. Mas, após esse período, o que se vê é o seu processo de profissionalização (Knight, 2006KNIGHT, David. Popularizing chemistry: hand-on and hands-off. HYLE-International Journal for Philosophy of Chemistry, v.12, n.1, p.131-140, 2006. Disponível em: http://www.hyle.org/journal/issues/12-1/essay_knight.htm . Acesso em: 10 jan. 2021.
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).

Também é inaugurado um longo relacionamento entre a química recreativa e a mágica. Os mágicos Linnett e Thurston, por exemplo, publicaram tratados de química para o público infantil fazendo a ponte entre a razão e o progresso científico, contra o espiritualismo. 6 6 Howard Thurston (1869-1936), ilusionista estadunidense, ficou conhecido por seus truques e foi aclamado como um dos maiores mágicos de todos os tempos. Apresentou-se em teatros no mundo todo. William Linnett Jr. (1909) foi autor de Chemistry in magic , publicado pela The Society of American Magicians. Nos anos 1900, nos EUA, esse entrelaçamento de recreação e magia natural, incluindo os truques de química, passou a ser a série de atividades perseguidas por um público masculino (Al-Gailani, 2009AL-GAILANI, Salim. Magic, science and masculinity: marketing toys chemistry sets. Studies and History and Philosofy of Science, v.40 n.4, p.372-381, 2009., p.374). Há um movimentado negócio de popularização da ciência, e “a literatura diferenciava cada vez mais seu público jovem em termos de gênero” (p.375-376).

Nieto-Galan (2011NIETO-GALAN, Augustí. Los públicos de la ciencia: experts y profanos a traves de la historia. Madrid: Marcial Pons Ediciones de Historia, 2011., p.80) reforça essa condição da mágica na história de tais feitos, um século antes, quando diz que os filósofos naturais eram, às vezes, percebidos como magos e como parte de um negócio enquanto se apresentavam em teatros e galerias populares de ciência prática, com suas lanternas mágicas, ilusões ópticas, dioramas e panoramas etc. (p.82).

Conjuntos de química para meninos: o domínio dos “mistérios da química moderna”

Os primeiros conjuntos de química foram apresentados ao público para o uso de adultos no século XVIII. O conjunto de química de brinquedo tem suas raízes em kits de química portáteis do final do século XVIII, tendo a Grã-Bretanha como a mais antiga produtora de laboratórios portáteis para filósofos naturais e de laboratórios para jovens no início do período vitoriano (Al-Gailani, 2009AL-GAILANI, Salim. Magic, science and masculinity: marketing toys chemistry sets. Studies and History and Philosofy of Science, v.40 n.4, p.372-381, 2009., p.374). Os conjuntos eram vendidos em caixas para cientistas e estudantes pensando no uso prático. Os kits continham vidrarias, produtos químicos e equipamentos necessários “para a realização de testes químicos em medicina, geologia, e outros campos científicos ou para instrução em sala de aula” (Zielinski, 10 out. 2012).

Nos EUA, na abertura do século XX, são duas as empresas que passam a produzir conjuntos pré-moldados de química, apresentando-os em caixas, para o entretenimento e a educação dos jovens: The Porter Chemical Company e a A.C. Gilbert Company. O primeiro a se estabelecer como fabricante de kits de química foi Alfred Carlton Gilbert. Ele era estudante de medicina em Yale e fazia truques de mágica para ganhar algum dinheiro. Fundou, com John Petrie, a Mysto Manufacturing Company, mais tarde conhecida como A.C. Gilbert Company (1909). Inicialmente, vendeu conjuntos para montagem de estruturas que, posteriormente, se tornaram famosos, chamados The Erector Set (1913), amplamente divulgados como sendo brinquedos para meninos (Gilbert, 1913GILBERT, Alfred C. MYSTO Manufacturing Co. US Patent 1066809A, 1913.). Somente depois passa a projetar conjuntos de química (Al-Gailani, 2009AL-GAILANI, Salim. Magic, science and masculinity: marketing toys chemistry sets. Studies and History and Philosofy of Science, v.40 n.4, p.372-381, 2009., p.376).

John J. e Harold Mitchell Porter, proprietários da The Porter Chemical Company, em Maryland, são os fabricantes dos conjuntos Chemcraft (1914), inspirados por uma tendência na Inglaterra onde os conjuntos de química já eram comercializados na forma de brinquedos. The Porter Chemical Company foi a empresa que solidificou o mercado de brinquedos de química nos EUA. A marca Chemcraft lança os conjuntos de “magia química” vendidos pelo valor de US$0,75. Esses kits Chemcraft saíram de um ambiente restrito (Washington, D.C.) e passaram a ser vendidos nas Woolworth’s e em outras lojas no país. Os preços dos conjuntos, dependendo de seu conteúdo, variavam entre US$1,50 e US$10 (Zielinski, 10 out. 2012). Já na década de 1930, as duas empresas vendiam diferentes conjuntos, com preços variando entre US$1,00, para o mais simples, e US$25,00 para um completo laboratório doméstico (Al-Gailani, 2009AL-GAILANI, Salim. Magic, science and masculinity: marketing toys chemistry sets. Studies and History and Philosofy of Science, v.40 n.4, p.372-381, 2009., p.378).

Nos anos 1920, o conjunto de química foi apresentado como um brinquedo indispensável para o fomento do “cientista iniciante”. À época, havia algumas condições sociais que evidenciam a importância recebida por esses brinquedos no cotidiano das famílias, tendo por motivadores os constantes chamados do marketing . Primeiro, associando-os aos processos educacionais; depois, como vocativos para presentes de Natal; mais tarde, como orientador vocacional; na sequência, fazendo a relação entre esses produtos e o desenvolvimento da indústria química no país. Ao final, esses objetos estavam coligados à ideia de progressismo da ciência e tecnologia, fosse por impressos em geral, fosse por livros didáticos voltados para o ensino (cf. Onion, 2016ONION, Rebecca. Science in the basement: selling the home lab in the interwar years. In: Onion, Rebecca. Innocent experiments: childhood and the culture of popular science in the United States. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 2016. p.40-72.; Al-Gailani, 2009AL-GAILANI, Salim. Magic, science and masculinity: marketing toys chemistry sets. Studies and History and Philosofy of Science, v.40 n.4, p.372-381, 2009.). Essa análise enfatiza a relação entre os interesses comerciais e a apresentação visual inscrita em tais objetos como forma de composição de representações sobre quem deveriam ser os seus consumidores.

Esses objetos modelavam novos “contos de fadas” que davam tranquilidade ao mundo adulto sobre as capacidades de as crianças entenderem os complexos processos do mundo moderno. Também havia um mundo social exclusivamente masculino girando em torno dos conjuntos de química, com a missão de passar “confiança e domínio” aos jovens consumidores (Onion, 2016ONION, Rebecca. Science in the basement: selling the home lab in the interwar years. In: Onion, Rebecca. Innocent experiments: childhood and the culture of popular science in the United States. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 2016. p.40-72., p.47). O exemplo dado é o de A.C. Gilbert, médico, ex-atleta olímpico, devoto, patriota, amante da caça, forjado na cultura progressista de Theodore Roosevelt, um protótipo de homem bem-sucedido, que passa a fabricar brinquedos para meninos (Onion, 2016ONION, Rebecca. Science in the basement: selling the home lab in the interwar years. In: Onion, Rebecca. Innocent experiments: childhood and the culture of popular science in the United States. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 2016. p.40-72., p.47-48).

A promoção da química no imaginário público acontece por três caminhos que são complementares e um tanto contraditórios. O primeiro diz respeito à associação entre patriotismo e o desenvolvimento da própria indústria química na entrada do século XX, representada pelas empresas Dow (1897), DuPont (1902), American Cyanamid (1907) e Union Carbide (1917), lideranças na demanda por produtos químicos durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1917), mas que, ao mesmo tempo, mobilizaram ativistas pela contrariedade às armas químicas. Por outro lado, havia o fomento de uma química com potenciais para o bem social, para a produção e o lucro, que não deixava de valorizar cientistas famosos como Marie Curie, aclamada em sua passagem pelos EUA em 1921 (Onion, 2016ONION, Rebecca. Science in the basement: selling the home lab in the interwar years. In: Onion, Rebecca. Innocent experiments: childhood and the culture of popular science in the United States. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 2016. p.40-72., p.48). Por fim, há o poder de criação de uma cultura de consumo que fomenta mensagens estereotipadas na sociedade estadunidense, projetando sonhos e esperanças sobre o porte do cientista, fazendo uma idealização de ciência (Schienbinger, 2001SCHIENBINGER, Londa. O feminismo mudou a ciência? Bauru: Edusc, 2001., p.145).

Adiante vemos um exemplar de uma série de brinquedos químicos Chemcraft, que procura expressar esse novo mundo modelado pelos conhecimentos tecnocientíficos. O exemplar ( Figura 1 ) foi apresentado ao público em 1917 e tem a cena de um menino fazendo um experimento químico como o centro da atividade e o foco principal da embalagem. O exemplar registra textualmente o seu lado “instrutivo”, com 26 experiências que expressam os fundamentos da química em nossa vida diária e suas aplicações na indústria. Diz-se “divertido”, um aparato acompanhado por instruções para 36 experimentos, que podem ser repetidos, ilustrando as maravilhas da química moderna. É “místico” porque há experiências de aparição e desaparição de coisas; ocorrem mudanças de cores e outras transformações.

Figura 1
Chemcraft chemical outfit n.1, 1917 (Science History Institute, Philadelphia)

O exemplar centraliza a figura de um menino apresentando um experimento a outro jovem, interessado. Evoca uma relação de proximidade, talvez um irmão mais velho. O menino aparenta delicadeza e cautela ao fazer a demonstração. A figura central é ladeada por ilustrações de vidrarias de laboratório: balões variados, funil de separação, pipetas etc. Acima, do lado esquerdo, há um cientista, de jaleco branco, um senhor, em seu laboratório, fazendo a observação visual de um tubo de ensaio. Do lado direito, temos uma indústria química, claramente poluente, com uma garagem para trens, onde está estacionada uma locomotiva. 7 7 Nos anos 1920, esse mesmo modelo Chemcraft Outft n.1 ganha uma remodelação da capa. As cores tornam-se mais vistosas, e permanece somente a figura central de um garoto fazendo o experimento no centro da ilustração, onde também estão em primeiro plano diferentes insumos de laboratório. Isso é, se antes o que era focalizado era o ato de demonstrar, agora a ilustração joga luz ao experimento feito individualmente.

A questão da química mágica, ou mística, teve continuidade na história dos brinquedos nos EUA. Por quatro décadas, o marketing destacou a condição mágica da química, muito embora enfatizasse cada vez mais a autenticidade da ciência. Surgiram estratégias divergentes de vendas que jogavam com as ideias de “magia química” e “menino químico” (Al-Gailani, 2009AL-GAILANI, Salim. Magic, science and masculinity: marketing toys chemistry sets. Studies and History and Philosofy of Science, v.40 n.4, p.372-381, 2009., p.376). A marca Chemcraft, com seus conjuntos de “magia química”, fomentou a noção de que o entretenimento mágico compartilhava uma herança alquímica. A marca insiste no papel do “jovem alquimista”, para que ele possa exibir os seus poderes sobrenaturais aos amigos, algumas vezes usando motivos do orientalismo como atrativo de venda (p.376).

Os meninos recebiam um programa estruturado para a sua performance . Destacavam-se os efeitos sensoriais excitantes, dando prioridade ao ato cênico e, por isso, o ocultamento das substâncias químicas era estimulado. Os dois fabricantes buscaram legitimar os seus produtos como “edificantes e esclarecedores”, fazendo valer o discurso antiespiritualista, mostrando que os truques são feitos de maneira natural. A diversão era mistificar os amigos (Al-Gailani, 2009AL-GAILANI, Salim. Magic, science and masculinity: marketing toys chemistry sets. Studies and History and Philosofy of Science, v.40 n.4, p.372-381, 2009., p.376). Já nos anos 1950, a ideia de “mágica química” era apresentada nos anúncios como algo atraente às crianças pequenas, enquanto os conjuntos de química mais avançados excluíram os manuais de “magia química” de seus conteúdos (p.376).

Não raro, as propagandas apelavam à figura paterna no intento de estimular os filhos ao chamado da ciência, abrindo assim o caminho vocacional dos possíveis consumidores. Nos anos 1930, esses conjuntos eram vendidos em grandes varejistas e havia anúncios que indicavam “Como ser um menino químico!” e “Domine os mistérios da Química Moderna!”. Os pais, recém-saídos da Crise de 1929, são estimulados a comprar esses brinquedos pensando no futuro dos filhos, vendo nos conjuntos de química um estímulo à carreira científica. 8 8 Gilbert vinculou a ciência e a sua marca em domínios da cultura popular infantil. Patrocinou um programa de rádio, Thrills of tomorrow for boys , abriu o Gilbert Hall of Fame em Nova York (1941), mistura de museu e loja e convidou 1.500 meninos para a abertura. Ampliou domínios na televisão ainda visando aos meninos com o programa Boys’ Railroad Club (Onion, 2016, p.54).

Fabricantes de brinquedos de química não eram os únicos que buscavam a criação de uma geração educada por meio do brinquedo científico nos EUA. Essa constatação se deve aos brinquedos voltados para a medicina. Brinquedos de médicos para meninos e de enfermeiras para meninas. Esses brinquedos eram produzidos para simulações, e o marketing também se aproveitava da cultura de celebridade sobre os médicos, amplificando o jogo das posições de gênero em relação às possibilidades de projeção dos pais sobre os filhos em matéria de administração de seus futuros (Lederer, 2017LEDERER, Susan E. Playing doctor, playing nurse: perspectives on the origins of the toy doctor and nurse kits. Nursing History Rewiew, v.25, n.1, p.117-130, 2017.).

The Porter Chemical Company e A.C. Gilbert competiram por décadas, em diferentes mídias, a divulgação seguindo esse sentido vocacional. Tanto a Gilbert quanto a Chemcraft apuram o design de suas embalagens. O “menino experimentador”, enfatizado pelo marketing , e sua futura encarnação como cientista, com todos os seus aparatos, são as máximas visuais na ilustração abaixo.

A capa de embalagem de Gilbert ( Figura 2 ) mostra um menino fazendo misturas com dois tubos de ensaio. Sobre a mesa, próximo a ele, há outros materiais e algo que se parece com um condensador. Do lado direito, vemos, de maneira difusa, a figura de um homem adulto, um cientista em seu laboratório. Ao seu lado, repete-se a cena com a proximidade das vidrarias, uma retorta, talvez um frasco reagente, mais tubos de ensaio. Da mesma forma, o cientista repete o gesto do menino. O que vemos é uma ilustração com cores aquareladas para reforçar o sentimento de evocação de um futuro profissional, como um sonho. Os dizeres da caixa chamam atenção para o divertimento da química com as coisas do dia a dia voltado aos “jovens avançados”. 9 9 Essa mesma evocação do menino que sonha em ser cientista no futuro enquanto olha um tubo de ensaio também está presente na capa de caixas de outros conjuntos de química, tais como: Porter Chemcraft Chemistry Outfit n.0 (1930-1939); Porter Chemcraft Chemistry Lab (1950); Skil Craft Chemistry Set n.CA-5 (1950).

Figura 2
A.C. Gilbert n.1 “Chemistry outfit for boys”, 1943 (Science History Institute, Philadelphia)

Os livros de experiências que acompanham outro modelo Chemcraft, contido no Chemcraft: introduction to the wonders of modern chemistry (1950), jogam com as duas possibilidades entre apresentações de mágica ( Chemcraft chemical magic ) e demonstrações ( Mystifying magical demonstrations ). 10 10 Sobre o exemplar Chemcraft an Introduction to the Wonders of Modern Chemistry, a própria catalogação do Science History Institute diz o seguinte: “Brincar com um conjunto de química de brinquedo inspirou muitos meninos a se tornarem químicos, e somente no final dos anos 1950 as meninas foram consideradas um mercado apropriado” (Disponível em: https://digital.sciencehistory.org/works/bz60cw625 . Acesso em: 7 mar. 2021). Isso mostra que as linhagens entre química mágica e química científica coexistiram, muito embora, como se verá, a ciência dominará os caminhos de tais brinquedos, e, com o tempo, o chamado da química para fazer mágica vai perdendo o sentido. Os manuais eram apresentados como “livros em miniatura”, estando presentes nos conjuntos de química desde os anos 1920, referenciando “os meninos” e, “frequentemente produzidos, ou pelo menos editados, por cientistas, que emprestaram sua credibilidade à embalagem” (Onion, 2016ONION, Rebecca. Science in the basement: selling the home lab in the interwar years. In: Onion, Rebecca. Innocent experiments: childhood and the culture of popular science in the United States. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 2016. p.40-72., p.43).

Nos anos 1940-1950, os conjuntos de química foram se tornando cada vez mais populares. Os textos de marketing evoluem para a ideia de progresso americano, associado à ideologia de liderança global e de comando militar. Primeiro, acompanham o desencadear do Projeto Manhattan, que, entre 1940 e 1946, desenvolveu armas nucleares e criou uma indústria de enriquecimento de urânio. Depois, ganham estímulo diante do lançamento do Sputnik, o satélite artificial soviético que, em janeiro de 1957, causou espanto generalizado, fato que reverberou sobre a educação em ciências, desencadeando reformas de ensino nos EUA (Jones, 7 jul. 2009).

Com a corrida espacial, os cientistas foram ganhando mais fama, e os conjuntos de química acompanham esse processo; cada vez mais sofisticados, pensando o acesso da criança a uma ciência dita real. Os brinquedos de química, popularizados, são identificados como atividades de garagem e de porões que, ocasionalmente, explodiam (Nicholls, 28 nov. 2007). Na época, os fabricantes se gabavam de que havia um exemplar em “cada casa em cada rua da América” (Nicholls, 28 nov. 2007).

Chemcraft e Gilbert, entre as décadas de 1930 e 1950, deram cada vez mais ênfase à indústria química, produzindo representações visuais futurísticas, reforçando as alegorias científicas da época (Al-Gailani, 2009AL-GAILANI, Salim. Magic, science and masculinity: marketing toys chemistry sets. Studies and History and Philosofy of Science, v.40 n.4, p.372-381, 2009., p.377). As tampas das caixas criaram um “conjunto de clichês visuais, uma linguagem icônica que conectava o trabalho da criança no laboratório doméstico com o grande projeto da química industrial (Onion, 2016ONION, Rebecca. Science in the basement: selling the home lab in the interwar years. In: Onion, Rebecca. Innocent experiments: childhood and the culture of popular science in the United States. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 2016. p.40-72., p.49). O desenvolvimento material do próprio brinquedo buscava cada vez mais trazer a experiência dos laboratórios em miniatura. Os conjuntos nos anos 1920 e 1930 eram empacotados de forma plana e, depois, passaram a incluir racks que permitiam ao menino colocar as suas vidrarias em pé, podendo exibir os experimentos de maneira mais visual. As empresas passam a chamar essa ação de “estilo de laboratório”, pensando que as crianças imitariam os cientistas (Onion, 2016ONION, Rebecca. Science in the basement: selling the home lab in the interwar years. In: Onion, Rebecca. Innocent experiments: childhood and the culture of popular science in the United States. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 2016. p.40-72., p.49).

A abertura frontal do laboratório de Gilbert ( Figura 3 ) extrapola todo esse imaginário científico que adentra as casas estadunidenses. Com o chamado “as aventuras de hoje na ciência criam a América do amanhã”, e novamente a promessa de construção de carreiras na ciência, a ilustração faz o apelo aos compradores. O desenho liga o futuro ao momento, tanto enaltecendo a ciência quanto dialogando com aspectos políticos e militares dos EUA nos anos 1950. Vemos, à esquerda, dois jovens empenhando-se na performance laboratorial, estando o adolescente na clássica pose de observação do tubo de ensaio na altura dos olhos. Tubos de ensaios em racks , bico de Bunsen, um destilador, uma balança, completam o mostruário do espaço de simulação científica. À direita, temos referência do que seria reservado aos jovens: engenharia química, engenharia eletrônica, aviação, física nuclear, medicina, exploração espacial. Parece claro que os chamados das ilustrações prometem um mundo repleto de aventura aos meninos. Foram conscientemente pensados para reforçar o imaginário de progresso estadunidense como liderança militar e tecnológica. 11 11 Jones (2009) registra em sua análise sobre o brinquedo Gilbert Chemistry Experiment Lab, a relação desse objeto com algumas conquistas científicas que circulavam frequentemente na época: a plataforma de navegação militar de Wernher Von Braun (1952); lançamento do primeiro satélite Explorer 1 (1958); a projeção cartográfica de Rand McNally Mercator, em que os EUA estão no centro do mundo e a URSS aparece cortada; lançamento do Nautilus, primeiro submarino movido à energia nuclear (1959). Soma-se a isso a proposição da estrutura do DNA, por James D. Watson e Francis Crick (1942); o Programa de Borracha Sintética (1942); a descoberta do polipropileno e polietileno de alta densidade (1951).

Figura 3
Gilbert Chemistry Experiment Lab, 1958 (Foto: Gregory Tobias, 2010. Disponível em: https://br.pinterest.com/SciHistoryOrg/historic-chemistry-sets. Acesso: em 23 mar. 2021)

O curioso é que Margaret Mead e Rhoda Métraux fizeram uma pesquisa com jovens secundaristas nos EUA, em 1957, a pedido da The American Association for the Advancement of Science, para saber o que eles achavam da ciência e dos cientistas. Acabaram descobrindo a marca de um estereótipo generalizado, já que os estudantes viam o cientista como “um homem vestido num avental branco e que trabalha num laboratório”, e as meninas, como projeções de futuro, poderiam ser cientistas ou “esposas de cientistas” (Mead, Métraux, 1957, p.384, 386).

Essa condição de menino laborioso e atento, de avental branco, cuidadosamente controlador de suas vidrarias, concentrado mentalmente e com um olhar sonhador, também está presente no único exemplar brasileiro encontrado, remanescente dos anos 1950. A ilustração abaixo ( Figura 4 ) não tem por interesse fazer análises comparativas com os casos apresentados nos EUA na tentativa de estabelecer um consenso histórico entre os dois ambientes. Mas não deixa de ser plausível a hipótese de que haja uma circulação amplificada dessa ideologia de masculinização da ciência química, tendo em vista o fato de a iconografia brasileira acompanhar o padrão em foco.

Figura 4
Laboratório Químico Juvenil – Kiehl, Brasil, 1950 (Acervo Brinquedos Raros. Ilustração: Kraus. Foto: Sidney Paulo Diana, 1993. Disponível em: https://brinquedosraros.com.br/biblioteca_detalhe/3744/ Acesso em: 12 dez. 2020)

O brinquedo acima foi concebido pelo engenheiro agrônomo Edmar José Kiehl, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP), inventor e mágico amador. Formou-se em 1941, na Escola “Luiz de Queiroz”, foi especialista em agrotecnia e fundou uma firma de nome Padronal para a fabricação de ampolas de laboratório. Trabalhando nessas duas frentes, em 1943 passou a fabricar brinquedos educativos, chamados “Brinquedos Kiehl” (Chagas, 1987CHAGAS, Aécio Pereira. Ampolas nacionais de soluções padronizadas “padronal”: um depoimento e uma nota histórica. Química, v.10, n.7, p.298-300, 1987., p.298).

O histórico do inventor, da empresa e a ilustração parecem ecos transnacionais das ideias de estímulo à química para meninos, dadas as similaridades. A empresa produziu: o Laboratório Químico Juvenil, caixa com 15 reativos que permitia produzir 50 experimentos; Laboratório Químico Infantil, caixa que permitia fazer 15 experimentos; Laboratório Fotográfico Infantil, que ensinava a preparar papéis sensíveis ao Sol e a tirar cópias; Caixa das Mágicas, que continha uma quantidade de aparelhos que permitia a apresentação de um pequeno show de mágica (Chagas, 1987CHAGAS, Aécio Pereira. Ampolas nacionais de soluções padronizadas “padronal”: um depoimento e uma nota histórica. Química, v.10, n.7, p.298-300, 1987., p.298).

Certa vez, em uma entrevista, o professor disse ser “um industrial frustrado”. Mas o entrevistador o rebateu, dizendo que ele não poderia ser “frustrado”, pois havia despertado vocações para a química em sucessivas gerações de químicos ou de profissões que dela necessitassem (Chagas, 1987CHAGAS, Aécio Pereira. Ampolas nacionais de soluções padronizadas “padronal”: um depoimento e uma nota histórica. Química, v.10, n.7, p.298-300, 1987., p.300).

Considerações finais

Löwy (2015LÖWY, Ilana. Universalidade da ciência e conhecimentos “situados”. Cadernos Pagu, n.15, p.15-38, 2015. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8635360l . Acesso em: 23 maio 2021.
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/in...
, p.24) explica que a experiência da produção científica possui um histórico e que há “um empreendimento de caráter cumulativo que insiste em excluir as mulheres”. O estudo das ilustrações dos brinquedos, como uma materialidade substantiva nos processos de construção de subjetividades, tornou pertinente a observação do processo histórico que estampa os meninos como um público privilegiado em relação aos conjuntos de química.

Como se viu, as crianças são um público do conhecimento científico desde o final do século XVIII, e já em meados do século XIX, plenamente identificadas como seus consumidores. O artigo procurou captar como esses artefatos, por meio de suas ilustrações de embalagem, expressão do marketing , qualificam as representações sobre a predominância do gênero masculino e exclusivamente branco, nas formas de ser criança, brincando de cientista, simulando o domínio de aspectos técnicos, ou recebendo chamados do futuro em direção a uma carreira na química.

O conjunto de química é um ícone no mundo dos brinquedos. Seja pensando o entretenimento, a venda, a formação etc., esses conjuntos são carregados de projetos para a infância em seus desenhos e indicam que há machismo contido na retórica histórica da química, repleta de imagens de controle, iniciando pela dominação da natureza e, depois, com suas imagens de guerra (Knight, 2006KNIGHT, David. Popularizing chemistry: hand-on and hands-off. HYLE-International Journal for Philosophy of Chemistry, v.12, n.1, p.131-140, 2006. Disponível em: http://www.hyle.org/journal/issues/12-1/essay_knight.htm . Acesso em: 10 jan. 2021.
http://www.hyle.org/journal/issues/12-1/...
). O histórico dos conjuntos de química repete na forma de marketing essas discussões que relacionam a ciência ao hobby , variando suas características, ora ligando-a à magia, ora afastando-se dela, mas progressivamente consolidando a representação de que o universo da química, seja ele simulado no espaço doméstico, seja projetado como carreira profissional, no campo da produção de conhecimento científico, não serve para as meninas.

Por isso, não é estranho que sejam encontrados testemunhos de cientistas químicos referendados que dizem se lembrar dos estímulos dados por esses kits , principalmente entre 1940 e 1950, quando os pais são acionados para o projeto de carreira dos filhos. Os brinquedos são elementos estetizantes que demarcam a autoridade masculina, inclusive na competência de lidar com materiais de laboratório, como sujeito capacitado, em gestos e por ações cognitivas, à prática científica. Esse ideário posicionou os meninos não apenas como os sujeitos competentes, mas destinados ao futurismo e às aventuras.

No entanto, o estudo também aponta a necessidade de relativizar a presença ou ausência de meninas neste histórico. Primeiro, pensando o livro de Jane Marcet, que foi sucesso de vendas ao fazer a aproximação do público feminino com as ciências químicas. Essa percepção da presença das mulheres com a química parece acompanhar o estudo de Tolley (1996TOLLEY, Kim. Society science for ladies, classics for gentlemen: a comparative analysis of scientific subjects in the curricula of boys and girls secondary schools in the United States. History of Education Quarterly, v.36, n.2, p.129-151, 1996., p.153) que mostra a relação imediata do currículo científico da escola secundária nos EUA, até meados do século XIX, com a atuação das moças, o que não aconteceu na mesma medida com o público masculino nessa mesma época. Não se trata aqui de, mecanicamente, unir as duas histórias, mas problematizar os motivos dessa possível atuação feminina, empiricamente constatada até meados do século XIX, e um progressivo desvanecer dessa presença ao longo do tempo.

Keene (2007KEENE, Melanie. Every boy & girl a scientist: instruments for children in interwar Britain. Isis, v.98, n.2, p.266-289, 2007., p.285), inclusive, mostra que não necessariamente a presença masculina em relação aos brinquedos científicos era um padrão que se repetia indistintamente em diferentes espaços geográficos. A história do brinquedo de engenharia Construments, na Inglaterra, conta-nos que a empresa enfatizou o seu marketing para “todo menino e menina”, e que ambos poderiam se tornar cientistas. O que não é o caso dos EUA, em que há uma marcação sobre os brinquedos de cozinhar, limpar e eletrodomésticos, para meninas, e conjuntos de montagem como uma experiência social masculina (Pursell citado em Keene, 2007KEENE, Melanie. Every boy & girl a scientist: instruments for children in interwar Britain. Isis, v.98, n.2, p.266-289, 2007., p.285).

Na história das representações iconográficas sobre a ciência já houve um grande destaque para as figuras femininas, apresentadas em alegorias personificando Íris, Minerva, Hygieia, que mais tarde foram transportadas aos homens, identificados a um padrão de ciência prática, profissional, a partir do século XIX. As imagens femininas icônicas desvanecem diante da ciência empírica, já que as ideias claras e distintas passam a ser mais importantes que personificações emblemáticas sobre a natureza, a sabedoria e a cura (Schienbinger, 1990SCHIENBINGER, Londa. Cuando la ciencia era mujer. In: Ordóñez, Javier; Elena, Alberto (comp.). A ciencia y sus públicos: perspectivas históricas. Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 1990. p.73-111., p.105-106).

Ainda assim, há clareza da invisibilidade das mulheres no histórico das representações científicas dos brinquedos de química nos EUA e, possivelmente, no Brasil até o início dos anos 1950, talvez como parte desse processo de publicização da ciência profissional que foi culturalmente passada aos homens. Esses objetos estão carregados de imagens visuais e literárias que nos dizem muito sobre como os fabricantes administraram os valores e a moral, direcionando uma ideia para o favorecimento da vocação profissional aos meninos. Num primeiro momento, mostra os meninos como grandes controladores mágicos de técnicas ocultas, para, depois, apresentá-los como cientistas “em construção”, guiados por um pai, professor, cientista, todos do sexo masculino.

O primeiro conjunto de laboratório encontrado por esta pesquisa, em que as meninas são ativas participantes dos experimentos, foi Gilbert Lab Technician Set for Girls (1958). Na capa, duas meninas trabalham. Uma adolescente está observando uma lâmina por um microscópio, acompanhada por outra jovem mais velha. Toda a ilustração é composta por diferentes matizes de cor-de-rosa em tons pastéis.

Historicamente, essa ilustração marca a presença das jovens como técnicas de laboratórios, o que significa a tentativa de antropologicamente definir qual era a posição das mulheres no jogo das hierarquias de laboratórios (Hartley, Tansey, 2015, p.27). Em um primeiro momento, o que está focalizado é uma condição subalterna das jovens na atividade laboratorial, relegadas a uma atividade de segundo plano. Mas cabe a reflexão de que as técnicas nos permitem a consciência de que a vida intelectual e social do laboratório seria impossível sem elas, muito embora, nos anos 1950, essa deturpação histórica que as invisibilizava fosse a tônica do momento. Esse marco das meninas nas capas dos brinquedos nos remete à história das mulheres na dinâmica da tecnologia e na cultura do laboratório, o que significa o reconhecimento do gênero feminino como um elemento intrínseco à produção do conhecimento e à história da ciência.

Ao final, o artigo era sobre a dominância dos homens e, pelos vestígios que traz, convida a um empenho de pesquisa em nome das mulheres.

AGRADECIMENTOS

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) pelo financiamento para investigações no Consejo Superior de Investigaciones Científicas (CSIC-Madrid) e ao Programa de Incentivo à Internacionalização da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (solicitação 21766).

REFERÊNCIAS

  • AL-GAILANI, Salim. Magic, science and masculinity: marketing toys chemistry sets. Studies and History and Philosofy of Science, v.40 n.4, p.372-381, 2009.
  • ANDERSON, A. How to do chemical tricks. New York: Franklin Tousey Publisher, 1898. Disponível em: https://www.gutenberg.org/files/50100/50100-h/50100-h.htm Acesso em: 20 jan. 2021.
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    » https://www.smithsonianmag.com/science-nature/the-rise-and-fall-and-rise-of-the-chemistry-set-70359831

NOTAS

  • 1
    Trata-se de edição que celebra a posição das mulheres na ciência, mostrando suas conquistas e preocupações sobre as persistentes desigualdades de gênero que mantêm preconceitos implícitos e explícitos, marcados por estereótipos de gênero por todo o século XX.
  • 2
    Um exemplo comovente sobre essa ausência de empatia na construção da neutralidade científica mostra que Robert Boyle, filósofo experimental do século XVII, usava pássaros para apresentar o experimento com a bomba de ar. Ao retirar o ar da redoma, os animais eram sufocados. Em uma ocasião, um grupo de mulheres interrompeu o experimento pedindo para que os pássaros fossem poupados. E o experimento foi interrompido. Boyle relata em New experiments physico-mechanical touching the spring of the air que, para evitar esse tipo de dificuldade, os homens deviam se encontrar tarde da noite para realizar o procedimento e testemunhar os resultados (Haraway, 2018HARAWAY, Donna. Modest-Witness@Second-Millennium: FemaleMan-Meets-OncoMouse: feminism and technoscience. New York. Routledge, 2018., p.31-32).
  • 3
    Alguns brinquedos se esmeram por passar condicionantes científicos às crianças. Por exemplo, o giroscópio, que é a brincadeira do pião, fornecedor da explicação sobre a dinâmica do movimento. Outro exemplo é o Newton’s cradle (berço de Newton), conhecido dispositivo de colisão de bolas suspensas em pêndulos que demonstra a conservação da energia e da quantidade de movimento a partir dos estudos de Isaac Newton e cujo desenho foi desenvolvido por Edme Mariotte (Turner, 1987TURNER, Gerard L’E. Scientific toys. The British Journal for the History of Science, v.20, n.4, p.377-398, 1987., p.384).
  • 4
    No final do século XIX, demonstrações passam a ser a condição máxima do ensino de “Physica-Chimica” pelo veio da educação dos sentidos, pelo caminho de uma história da educação em ciências (Braghini, 2017BRAGHINI, Katya M.Z. Scientific demonstration classes and the teaching of observation. Revista Brasileira de História da Educação, v.17, n.2 (45), p.208-234, 2017.).
  • 5
    O livro é fruto do encantamento da autora, casada com Alexander Marcet, químico e médico, pelas demonstrações de química de Humphry Davy na Royal Institution. Por diferentes edições britânicas, Conversations on chemistry vendeu 20 mil cópias em 1865. O mesmo livro foi reimpresso nos EUA, e, no caso, os editores fizeram revisões e emendas no conteúdo, à medida que novas descobertas aconteciam. Supostamente atingiu 160 mil cópias em 1874 (Fyfe, 2004FYFE, Aileen. Introduction to Jane Marcet’s conversations on chemistry (1806). In: Marcet, Jane. Conversations on chemistry. Bristol: Thoemmes Press, 2004. p.1-6., p.3). O livro foi publicado entre 1806 e 1853. A edição citada neste artigo é de 1853.
  • 6
    Howard Thurston (1869-1936), ilusionista estadunidense, ficou conhecido por seus truques e foi aclamado como um dos maiores mágicos de todos os tempos. Apresentou-se em teatros no mundo todo. William Linnett Jr. (1909) foi autor de Chemistry in magic , publicado pela The Society of American Magicians.
  • 7
    Nos anos 1920, esse mesmo modelo Chemcraft Outft n.1 ganha uma remodelação da capa. As cores tornam-se mais vistosas, e permanece somente a figura central de um garoto fazendo o experimento no centro da ilustração, onde também estão em primeiro plano diferentes insumos de laboratório. Isso é, se antes o que era focalizado era o ato de demonstrar, agora a ilustração joga luz ao experimento feito individualmente.
  • 8
    Gilbert vinculou a ciência e a sua marca em domínios da cultura popular infantil. Patrocinou um programa de rádio, Thrills of tomorrow for boys , abriu o Gilbert Hall of Fame em Nova York (1941), mistura de museu e loja e convidou 1.500 meninos para a abertura. Ampliou domínios na televisão ainda visando aos meninos com o programa Boys’ Railroad Club (Onion, 2016ONION, Rebecca. Science in the basement: selling the home lab in the interwar years. In: Onion, Rebecca. Innocent experiments: childhood and the culture of popular science in the United States. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 2016. p.40-72., p.54).
  • 9
    Essa mesma evocação do menino que sonha em ser cientista no futuro enquanto olha um tubo de ensaio também está presente na capa de caixas de outros conjuntos de química, tais como: Porter Chemcraft Chemistry Outfit n.0 (1930-1939); Porter Chemcraft Chemistry Lab (1950); Skil Craft Chemistry Set n.CA-5 (1950).
  • 10
    Sobre o exemplar Chemcraft an Introduction to the Wonders of Modern Chemistry, a própria catalogação do Science History Institute diz o seguinte: “Brincar com um conjunto de química de brinquedo inspirou muitos meninos a se tornarem químicos, e somente no final dos anos 1950 as meninas foram consideradas um mercado apropriado” (Disponível em: https://digital.sciencehistory.org/works/bz60cw625 . Acesso em: 7 mar. 2021).
  • 11
    Jones (2009)JONES, Tim. Home chemistry in the golden age of American science. Zoonomian Blog. Communicate Science, 7 jul. 2009. Disponível em: https://communicatescience.com/zoonomian/tag/chemistry-set/ . Acesso em: 7 mar. 2021.
    https://communicatescience.com/zoonomian...
    registra em sua análise sobre o brinquedo Gilbert Chemistry Experiment Lab, a relação desse objeto com algumas conquistas científicas que circulavam frequentemente na época: a plataforma de navegação militar de Wernher Von Braun (1952); lançamento do primeiro satélite Explorer 1 (1958); a projeção cartográfica de Rand McNally Mercator, em que os EUA estão no centro do mundo e a URSS aparece cortada; lançamento do Nautilus, primeiro submarino movido à energia nuclear (1959). Soma-se a isso a proposição da estrutura do DNA, por James D. Watson e Francis Crick (1942); o Programa de Borracha Sintética (1942); a descoberta do polipropileno e polietileno de alta densidade (1951).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Set 2022
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2022

Histórico

  • Recebido
    2 Jun 2021
  • Aceito
    21 Out 2021
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