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O valor acadêmico das resenhas de livros

Apesar de não serem suficientemente apreciadas pela maioria dos pesquisadores, as resenhas por muito tempo têm sido um recurso fundamental para informação e divulgação entre especialistas, bem como para a reafirmação de vínculos entre estes e o fomento de debates entre os historiadores (Sarton, 1950SARTON, George. Notes on the reviewing of learned books. Isis, v.41, n.2, p.149-158, 1950.). O(A) autor(a) de uma resenha é um(a) mediador(a) entre um livro recentemente publicado e uma comunidade de especialistas que não leu a obra, mas anseia tomar conhecimento das novidades ali contidas. A resenha pode ajudá-los(as) a decidir se devem, ou não, ler a obra. Queremos fornecer nesta Carta dos Editores de História Ciências, Saúde – Manguinhos algumas reflexões que consideramos pertinentes para a valorização e a elaboração de uma resenha.

Antes de escrever uma resenha, o(a) autor(a) desse tipo de texto deve ler outras resenhas e estudar com cuidado as orientações ou instruções do periódico onde pretende publicá-la. Há em primeiro lugar um assunto ético para ser destacado. Embora a resenha possa ser escrita por pessoas mencionadas nos agradecimentos do livro, não é correto que ela seja feita por uma pessoa que seja ou tenha sido parente próximo(a), amigo(a) pessoal, assistente de pesquisa, orientador(a) ou orientando(a) de uma tese, parecerista da editora do texto a ser resenhado ou autor(a) do prólogo do livro (simplesmente porque nos casos mencionados pode haver conflito de interesses). E sempre deve ser evitado oferecer ou aceitar resenhar a mesma publicação para dois periódicos diferentes.

Escrever uma resenha é uma maneira de exercitar a escrita de texto com extensão limitada (geralmente, cerca de mil palavras nas revistas acadêmicas) e de polir a voz própria e reflexiva de um(a) pesquisador(a) jovem. É, ademais, uma via acessível de publicação, porque os(as) editores(as) de um periódico brasileiro geralmente não recebem resenhas suficientes ou não encontram resenhistas disponíveis. A menos que as instruções aos(às) autores(as) versem o contrário, é normal que um(a) autor(a) em potencial escreva ao(à) editor(a) de uma revista de história propondo voluntariamente fazer a resenha de determinada obra. A maioria dos(as) editores(as) vai responder afirmativamente a essa proposta, sempre que os(as) resenhistas se comprometam a realizá-las profissionalmente, fornecendo a informação bibliográfica completa do livro (como autoria, título completo, editora, cidade de publicação, ano e número de páginas, conforme listados na ficha catalográfica). É verdade que se perde neste oferecimento de escrita voluntária a possibilidade de receber um livro de maneira gratuita (algumas revistas costumam oferecer uma cópia física ou eletrônica); entretanto, é uma oportunidade para ler com cuidado um livro relevante para a pesquisa do(a) resenhista. A publicação de resenhas também se origina de convites feitos pelos(as) editores(as) das revistas, a partir de demanda dos(as) próprios(as) autores(as) ou da editora do livro (que de praxe disponibiliza uma cópia da obra), pois são eles(as) os(as) interessados(as) em visibilizar e divulgar a publicação para os(as) potenciais leitores(as).

Ainda assim, temos observado que o fluxo de submissão espontânea ou induzida de resenhas tem diminuído nos últimos anos (Caldeira, Silveira, 2019CALDEIRA, Ana Paula Sampaio; SILVEIRA, Anny Jackeline Torres da. Resenhas: um gênero à margem entre os historiadores. Varia Historia, v.35, n.68, p.397-401, 2019.). Uma explicação pode ser que tradicionalmente, e infelizmente, os comentários aos livros pouco reverberam no prestígio acadêmico de seus(suas) autores(as). Mais recentemente, outra explicação talvez seja as limitações no acesso às cópias físicas das obras, diante das vicissitudes dos correios durante a pandemia da covid-19. Apontamos também a existência de uma injusta desvalorização das resenhas como produção intelectual e científica pelas agências de fomento. Vale insistir que as resenhas podem ser um exercício de escrita crítico e reflexivo, essencial para a construção do repertório intelectual do(a) pesquisador(a).

Em muitas revistas, como em História, Ciências, Saúde – Manguinhos , as resenhas recebem o identificador de objeto digital ( digital object identifier , DOI), um identificador persistente, e podem ser incluídas no conjunto da produção do(a) pesquisador(a). Escrever uma resenha não denota que seu(sua) autor(a) seja uma autoridade do campo. Certamente, a resenha será mais fácil para os familiarizados com o tema, mas as opiniões de todos(as) os(as) pesquisadores(as) são legítimas. Um recurso comum e válido para jovens cientistas não especialistas na historiografia circunscrita ao livro reside em centrar a análise em aspectos intrínsecos à obra, como clareza no estilo e coerência, acessibilidade e consistência das interpretações e argumentações, e não se ocupar em demasia com o contexto historiográfico.

Fazer uma boa resenha requer um trabalho cuidadoso de leitura, contextualização e resumo do argumento principal da obra (Moreira, 2021MOREIRA, Martha Cristina Nunes. Resenhas críticas: sobre livros, leituras e leitores críticos. Cadernos de Saúde Pública, v.37, n.10, e00175921, 2021.). Para realizar esse trabalho, é necessário ler fazendo anotações e registrar comentários que possam ser úteis posteriormente no conteúdo da resenha. Ainda assim, esse esforço implica, idealmente, conhecer algo da trajetória dos autores e das autoras para conferir se são especialistas no tema abordado ou se a obra trata de um tema novo em relação a seus trabalhos anteriores. A resenha de um livro – especialmente uma coletânea com vários(as) autores(as) – não é um relato de todo o seu conteúdo. Ainda que obviamente a sequência e a organização de uma resenha não necessitem ser ajustadas a uma ordem prévia, em geral, as resenhas possuem dois grandes eixos. Metade do texto deve ser dedicado à descrição breve do argumento central e da metodologia da obra. Essa parte inicial contém assuntos como recorte cronológico, região ou problema analisado e organização dos capítulos e/ou se o livro é parte de uma série da editora. Sendo o livro uma edição com vários(as) autores(as), a escrita deve focalizar a apresentação dos(as) organizadores(as) e um ou dois capítulos que o(a) resenhista queira destacar. A segunda metade da resenha deve apresentar comentários críticos e equilibrados, sem faltar ao respeito com os(as) autores(as) nem utilizar expressões agressivas, sarcásticas, negativas ou que sugiram uma atitude de superioridade do(a) resenhista. Ainda que o livro seja considerado de baixa qualidade, quase sempre existe a possibilidade de avaliar as debilidades e os pontos fortes do tema, sobretudo se a obra foi publicada por uma editora acadêmica prestigiada, cuja publicação foi seguramente avaliada por pares. Por outro lado, elogios lançados sem sobriedade e exagerados denotam falta de credibilidade do(a) resenhista.

Assuntos possíveis de serem tratados na seção crítica da resenha são: menções às possíveis contribuições do livro à historiografia existente; apreciação sobre a pertinência e originalidade das ideias desenvolvidas para os debates contemporâneos na área; comentários sobre a atualidade da bibliografia secundária utilizada; e, no equilíbrio entre a descrição e a análise, destaque para a existência de coleções ou arquivos relevantes que, por ventura, não foram consultados ou elogio a materiais inéditos e úteis a outros(as) historiadores(as) apresentados no livro. A seção crítica deve, sobretudo, discutir se as evidências da obra são capazes de provar os argumentos, citando um exemplo em que exista consonância ou discordância entre os dados e o argumento.

Finalmente, as resenhas costumam ser concluídas com uma indicação sobre quais públicos podem se interessar mais pela publicação. O(A) resenhista pode enunciar se recomenda o livro para leitores(as) não especialistas (no caso de uma obra de difusão), ou para algum grupo ou combinação dos seguintes: estudantes, jovens pesquisadores(as) e/ou profissionais do tema, do período ou da região estudados pelo livro.

REFERÊNCIAS

  • CALDEIRA, Ana Paula Sampaio; SILVEIRA, Anny Jackeline Torres da. Resenhas: um gênero à margem entre os historiadores. Varia Historia, v.35, n.68, p.397-401, 2019.
  • MOREIRA, Martha Cristina Nunes. Resenhas críticas: sobre livros, leituras e leitores críticos. Cadernos de Saúde Pública, v.37, n.10, e00175921, 2021.
  • SARTON, George. Notes on the reviewing of learned books. Isis, v.41, n.2, p.149-158, 1950.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Set 2022
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2022
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