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Feminismo anticapitalista: articulando teoria e prática

Anticapitalist Feminism: Articulating Theory and Practice

Feminismo anticapitalista: articulando teoría y práctica

Resumo:

Neste artigo, proponho debater a crítica das crises do capitalismo feita por Nancy Fraser e seus desdobramentos para sua análise das potencialidades do feminismo para 99%, examinando o alcance explicativo e os limites de sua proposta de articulação entre teoria e prática. Pretendo discutir os problemas da universalização dos diagnósticos do feminismo estadunidense, para pensar os dramas, sofrimentos e dilemas vividos pelas mulheres do Sul global. Serão apresentadas pesquisas que discutem as ambiguidades envolvidas no trabalho doméstico e de cuidados, no feminismo do microcrédito e nas políticas públicas voltadas para as mulheres pobres, apontando os entraves e as dificuldades do feminismo para 99%.

Palavras-chave:
feminismo; capitalismo; crises; desigualdades sociais, luta anticapitalista

Abstract:

This paper debates the critics on the crises of capitalism made by Nancy Fraser and its unfolding for her analysis of the potentialities of the feminism for 99%, examining the explanatory reach and the limits of her proposal of articulation between theory and practice. It is intended to discuss the problems of the universalization of the diagnostics of the American feminism to ponder the dramas, sufferings and dilemmas of the women from the Global South. There are presented researches which discuss the ambiguities involved in housework and care, in microcredit feminism and in public policies for poor women, pointing to the hindrances and difficulties of the feminism for 99%.

Keywords:
Feminism; Capitalism; Crises; Social inequalities; Anticapitalist struggle

Resumen:

El objetivo de este artículo es discutir la crítica de las crisis capitalistas realizada por Nancy Fraser y sus desdoblamientos para el análisis de las potencialidades del feminismo para el 99%, examinando el alcance explicativo y los límites de su propuesta de articulación entre teoría y práctica. Se busca discutir los problemas de la universalización de los diagnósticos hechos por el feminismo estadounidense para pensar los dramas, sufrimientos y dilemas vividos por las mujeres del Sur global. Serán presentadas investigaciones que examinan las ambigüedades ligadas al trabajo doméstico y de cuidado, al feminismo del microcrédito y a las políticas públicas dirigidas a mujeres pobres, subrayando los obstáculos y las dificultades para el feminismo para el 99%.

Palabras clave:
feminismo; capitalismo; crisis; desigualdades sociales; lucha anticapitalista

Introdução

Nancy Fraser sempre demonstrou preocupação em estabelecer nexos entre as lutas sociais e a elaboração teórica. Desde os anos 1990, ela vem refletindo sobre as limitações do feminismo para pensar em possibilidades de fortalecer o movimento (FRASER, 1997FRASER, Nancy. “From Redistribution to Recognition? Dilemmas of Justice in a ‘Postsocialist’ Age”. In: FRASER, Nancy. Justice Interruptus. New York: Routledge, 1997.; 2007FRASER, Nancy. “Mapeando a imaginação feminista: da redistribuição ao reconhecimento e à representação”. Revista Estudos Feministas, v. 12, n. 2, p. 291-308, maio/ago. 2007. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/j/ref/a/qLvqR85s5gq56d63QhPX4VP/abstract/?lang=pt . Acesso em 02/08/2019.
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; 2009FRASER, Nancy. “O feminismo, o capitalismo e a astúcia da história”. Mediações, v. 14, p. 11-33, jul./dez. 2009. Disponível em Disponível em https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4300312/mod_resource/content/1/FRASER%2C%20Nancy.%20Feminismo%2C%20capitalismo%20e%20a%20ast%C3%BAcia%20da%20hist%C3%B3ria.pdf . Acesso em 02/08/2019.
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; 2011FRASER, Nancy. “Mercantilização, proteção social e emancipação: as ambivalências do feminismo na crise do capitalismo”. Revista Direito GV, v. 7, n. 2, p. 617-634, jul./dez. 2011. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/j/rdgv/a/cmCd9sLNXByF66SHNbyJK9q/abstract/?lang=pt . Acesso em 10/07/2019.
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; FRASER; Rahel JAEGGI, 2019FRASER, Nancy; JAEGGI, Rahel. Capitalismo: Una conversación desde la Teoría Crítica. Madri: Morata, 2019.). Fornecer um quadro para articulação das lutas feministas foi seu objetivo, junto com Cinzia Arruzza e Tithi Bhattacharya, no livro Feminismo para os 99%: Um Manifesto. As autoras fazem analogia ao slogan do movimento Occupy Wall Street, de 2011, que denunciava as crescentes desigualdades sociais em tempos de capitalismo neoliberal, beneficiando o 1% dos mais ricos da população americana que se distanciava cada vez mais do restante, os 99%, em termos de riqueza e bem-viver. O título provocativo também diz respeito à crítica que as autoras fazem ao feminismo liberal, que deixa intacta a estrutura de dominação social injusta da sociedade capitalista, e ao “feminismo do microcrédito”, que afirma “empoderar mulheres do Sul global”, dando-lhes crédito com a promessa de libertá-las da dominação masculina, mas acaba colocando-as a serviço do neoliberalismo.

Neste Manifesto, as autoras conclamam a necessidade de virada do movimento feminista da pauta centrada no reconhecimento de mulheres de classes média e alta, que alcançam cargos de prestígio no mercado de trabalho e gozam de status social - propagando uma concepção universalista e excludente de mulher baseada no “faça acontecer” -, para uma ampla luta que não só contemple as mulheres pobres, negras, índias e LGBTQs, mas também os movimentos sociais progressistas que combatem as diferentes formas de violência e opressão na sociedade capitalista. A nova onda de feminismo combativo que as autoras invocam se define como sendo anticapitalista, antirracista, ecossocialista e internacionalista.

A principal elaboração teórica do Manifesto parece ser feita por Fraser que, nos últimos anos, tem-se dedicado a repensar as crises do capitalismo, colocando esse tema no centro de sua reflexão teórica e prática (FRASER, 2015FRASER, Nancy. “Las contradicciones del capital y los cuidados”. New Left, n. 100, p. 111-132, sep./oct. 2015b.a; 2015FRASER, Nancy. “Las contradicciones del capital y los cuidados”. New Left, n. 100, p. 111-132, sep./oct. 2015b.b; 2017FRASER, Nancy. “Why two Karls are better than one: Integrating Polanyi and Marx in a critical theory of the current crisis”. Working Paper der DFG-Kollegforscher_innengruppe Postwachstumsgesellschaften, Jena, n. 1, p. 1-11, 2017.; 2018FRASER, Nancy. “Crise de legitimação? Sobre as contradições políticas do capitalismo financeirizado”. Cadernos de Filosofia Alemã, v. 23, n. 2, p. 153-188, jul./dez. 2018a. Disponível em Disponível em https://www.revistas.usp.br/filosofiaalema/article/view/153165 . Acesso em 10/07/2019.
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a; FRASER; JAEGGI, 2019). Meu objetivo, neste artigo, é debater os pressupostos da crítica das crises do capitalismo feita por Fraser e seus desdobramentos para sua análise sobre as potencialidades do feminismo para 99%, discutindo o alcance explicativo e os limites de sua proposta de articulação entre teoria e prática. Pretendo demonstrar a ambivalência de Fraser: entre a teórica crítica, que analisa os obstáculos e desafios para as lutas emancipatórias e a mudança social, e a militante feminista, que, a partir da generalização do contexto de crise do neoliberalismo progressista, parece superestimar as possibilidades de lutas contra-hegemônicas na atualidade.

Para uma crítica do capitalismo: pensando com e para além de Marx e Polanyi

Nos últimos tempos, Fraser vem empreendendo esforços no sentido de desenvolver um diagnóstico do seu tempo, dando enfoque ao estudo aprofundado da economia política. Para isso, ela se inspira em Karl Marx (2011MARX, Karl. O Capital. Volume I. 28 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.) e Karl Polanyi (1980POLANYI, Karl. A grande transformação. Rio de Janeiro: Campos, 1980.), buscando uni-los com o objetivo de superar os “pontos cegos” (FRASER, 2017FRASER, Nancy. “Why two Karls are better than one: Integrating Polanyi and Marx in a critical theory of the current crisis”. Working Paper der DFG-Kollegforscher_innengruppe Postwachstumsgesellschaften, Jena, n. 1, p. 1-11, 2017.) de suas teorias e propor uma visão expandida de capitalismo. Ambos os autores identificam as contradições intrínsecas do capitalismo e sua predisposição a produzir crises, avaliando as chances de desenvolvimento de lutas emancipatórias. Marx, n’O Capital, dá enfoque às crises internas da economia capitalista, enquanto Polanyi, em seu livro A grande transformação, concentra-se em mostrar que a tendência à crise do capitalismo não é propriamente interna ao sistema econômico, mas se relaciona com sua propensão a desestabilizar a sociedade e a natureza com a crescente mercantilização não regulamentada dos domínios não econômicos. Ao examinar as causas da crise do capitalismo liberal e a falácia da crença na autossustentação do mercado, a partir da análise dos conflitos sociais que ocorreram ao longo do século XIX até meados do XX, Polanyi identifica que o motor desses conflitos foi o que Fraser (2011; 2017; FRASER; JAEGGI, 2019) chama de “duplo movimento”: de um lado, a crescente e irrestrita mercantilização promovida pelo mercado, que buscava moldar e submeter a sociedade aos seus imperativos, de outro, a reação da sociedade ao “mercado desenraizado” das instituições sociais e das normas morais e éticas em favor da proteção social. A descrição das lutas entre os atores nesses períodos, para Polanyi, envolve aqueles que querem ampliar a lógica do mercado para toda a sociedade e aqueles que resistem a isso.

As limitações da abordagem de Polanyi, segundo Fraser (2011FRASER, Nancy. “Mercantilização, proteção social e emancipação: as ambivalências do feminismo na crise do capitalismo”. Revista Direito GV, v. 7, n. 2, p. 617-634, jul./dez. 2011. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/j/rdgv/a/cmCd9sLNXByF66SHNbyJK9q/abstract/?lang=pt . Acesso em 10/07/2019.
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; 2017; FRASER; JAEGGI, 2019FRASER, Nancy; JAEGGI, Rahel. Capitalismo: Una conversación desde la Teoría Crítica. Madri: Morata, 2019.), estão relacionadas tanto à idealização que o autor faz da sociedade e da proteção social quanto à sua pressuposição de que as fontes dos conflitos sociais estão ligadas ao “duplo movimento” mercantilização x proteção social. No que diz respeito ao primeiro ponto, Polanyi desconsidera as formas de dominação existentes na sociedade, tendo uma visão romantizada desta como sendo o idílio contra a opressão da mercantilização. Assinala a autora que tampouco a garantia de proteção social é isenta de formas de produção e reprodução de desigualdades sociais. Além disso, os conflitos sociais não se limitam ao binômio - mercantilização x proteção social. Segundo Fraser, Polanyi generalizou excessivamente os conflitos sociais dos séculos XIX e XX, ignorando as lutas contra a escravidão, a colonização e o imperialismo, que não se enquadravam nessa dicotomia, mas estavam relacionadas às distintas formas de dominação social em vigor. É problemática também a definição polissêmica de sociedade usada por Polanyi, caracterizada como sendo tudo o que se opõe ao mercado autorregulado, sem fazer adequadamente as diferenciações entre “Estado e sociedade, família e esfera pública, nação e comunidade subnacional” (FRASER, 2017, p. 4).

Fraser (2015FRASER, Nancy. “Las contradicciones del capital y los cuidados”. New Left, n. 100, p. 111-132, sep./oct. 2015b.a) reconhece que Marx, em seu capítulo 24 d’O Capital, referente à acumulação primitiva, demonstrou que a expropriação violenta dos camponeses das terras (expulsão e despossessão das terras e dos meios de produção) foi uma condição para o desenvolvimento da exploração capitalista, abrindo brechas para se pensar nas condições de fundo do capital, mesmo que em sua análise da economia política tenha secundarizado esse aspecto. Para Fraser (2015FRASER, Nancy. “Por trás do laboratório secreto de Marx. Por uma concepção expandida do capitalismo”. Direito & Práxis, v. 6, n. 10, p. 704-728, 2015a. Disponível em Disponível em https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/15431 . Acesso em 10/07/2019.
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a; 2017FRASER, Nancy. “Why two Karls are better than one: Integrating Polanyi and Marx in a critical theory of the current crisis”. Working Paper der DFG-Kollegforscher_innengruppe Postwachstumsgesellschaften, Jena, n. 1, p. 1-11, 2017.; FRASER; JAEGGI, 2019FRASER, Nancy; JAEGGI, Rahel. Capitalismo: Una conversación desde la Teoría Crítica. Madri: Morata, 2019.), Marx oferece um rico arcabouço conceitual e ela pretende “desortodoxizá-lo”, ao mostrar que a economia capitalista não é autônoma. Fraser afirma que o capitalismo não é apenas um sistema econômico, mas, sim, uma ordem social institucionalizada. Isso quer dizer que a economia é dependente de domínios não econômicos que funcionam como “condições de fundo de possibilidade” (FRASER, 2015; 2017; FRASER; JAEGGI, 2019) para garantir a acumulação ilimitada do capital. A ideia é que o capitalismo separa indevidamente a economia da política, da reprodução social e da natureza, tendendo a gerar instabilidade e criar crises nesses domínios, negando sua dependência deles.

Unir Marx a Polanyi permite expandir as conexões causais para explicar as crises do capitalismo, evitando abordagens unidimensionais focadas na economia, sem cair nas análises inócuas que apenas reafirmam a pluralidade de fatores que geram as crises da sociedade, sem identificar que eles estão alicerçados numa estrutura que os produz e os reproduz. Procurando evitar o economicismo e o determinismo de algumas abordagens marxistas ortodoxas, Fraser recorre a Polanyi para desvelar as contradições inerentes ao capitalismo nas suas relações com o que ela chama de “domínios de fronteira” não econômicos. Com sua tese de “mercantilização fictícia” da terra, do trabalho e do dinheiro, Polanyi mostra que a autorregulação da economia de mercado capitalista consome e degrada a natureza, e desestabiliza a sociedade. Polanyi evidencia a intersecção entre a economia, a natureza e a sociedade, apontando que estas fornecem elementos indispensáveis para o funcionamento daquela; no entanto, com seu conceito impreciso de sociedade, não deixa clara a estrutura institucional da sociedade capitalista. Ao invés da divisão binária entre mercado e sociedade, Fraser (2017) coloca no centro da estrutura de crise do capitalismo a separação entre economia e política, produção e reprodução social, natureza e seres humanos.

Fraser não nega que o sistema econômico produz problemas estruturais per se, como viu Marx, mas volta o seu olhar para as crises interdomínios do capitalismo, e para as lutas de fronteira em suas conexões com as lutas de classe. Por lutas de classe, Fraser entende “as divisões de grupo e assimetrias de poder” (FRASER; JAEGGI, 2019FRASER, Nancy; JAEGGI, Rahel. Capitalismo: Una conversación desde la Teoría Crítica. Madri: Morata, 2019., p. 184), enquanto as lutas de fronteira dizem respeito à instabilidade social gerada pela mercantilização não regulada na política, na reprodução e na natureza. Seu intuito é esmiuçar a lógica secreta da sociedade capitalista em suas relações com a política, a reprodução social e a natureza.

Para isso, Fraser (2015FRASER, Nancy. “Las contradicciones del capital y los cuidados”. New Left, n. 100, p. 111-132, sep./oct. 2015b.b; 2018a) historiciza as mudanças nos regimes de acumulação ilimitada - capitalismo liberal, capitalismo estatalmente organizado e capitalismo neoliberal -, discutindo como foram feitas as separações entre os domínios e os rearranjos institucionais entre a economia e os âmbitos não econômicos, para mostrar como se engendraram as crises e os conflitos sociais que levaram à transformação desses regimes. Sua tese é que a busca incessante por lucro leva o capital, em cada um desses regimes, a debilitar e comprometer o funcionamento dos domínios da reprodução social, da política e da natureza, criando crises que serão parcialmente resolvidas com a instauração de um novo regime. Ao fazer a reconstrução histórica dos diferentes tipos de regimes de acumulação, Fraser pretende destacar as características universais do capitalismo, para mostrar como se desenvolvem as relações entre a economia e suas condições de fundo não econômicas. O núcleo de sua reflexão está no exame dos processos de desestabilização dos domínios extraeconômicos promovidos ao longo da história, que permitiram as mudanças nos regimes de acumulação. Mesmo sendo inegável que o capitalismo foi capaz de se reinventar ao longo da história, Fraser afirma que o capitalismo neoliberal potencializa a inclinação para a produção de crises e coloca em xeque a própria “saúde” do capital e da sociedade (2018a; FRASER; JAEGGI, 2019FRASER, Nancy; JAEGGI, Rahel. Capitalismo: Una conversación desde la Teoría Crítica. Madri: Morata, 2019.).

Intelectuais (Colin CROUCH, 2011CROUCH, Colin. The strange non-death of neoliberalism. Cambridge (UK): Polity, 2011.; Wendy BROWN, 2006BROWN, Wendy. “American nightmare: neoliberalism, neoconservatism, and de-democratization”. Political Theory, v. 34, n. 6, p. 690-714, Dec. 2006. Disponível em Disponível em https://sxpolitics.org/wp-content/uploads/2018/05/Wendy-Brown-American-Nightmare.pdf Acesso em 03/03/2020.
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; Stephen GILL, 1998GILL, Stephen. “New constitutionalism, democratisation, and global political economy”. Pacifica Review, v. 10, n. 1, p. 23-38, 1998.; FRASER, 2018FRASER, Nancy. “Do neoliberalismo progressista a Trump - e além”. Política & Sociedade, v. 17, n. 40, p. 43-64, set./dez. 2018b. Disponível em Disponível em https://periodicos.ufsc.br/index.php/politica/article/view/2175-7984.2018v17n40p43 . Acesso em 03/03/2019.
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a) têm definido a crise da democracia como: a) perda de confiança da população no sistema político e aumento do apelo por uma política antissistema; b) redução significativa da capacidade dos Estados de resolverem conflitos sociais e sua tendência de atuarem em prol do mercado; c) estabelecimento do “novo constitucionalismo”, no qual as políticas macroeconômicas neoliberais são difundidas transnacionalmente, por meio de tratados internacionais, instituições financeiras (FMI, Banco Mundial etc.), bancos centrais e agências de classificação, que prescrevem a agenda econômica para os Estados; d) crescimento e radicalismo da extrema direita; e) colapso de partidos tradicionais de esquerda e insatisfação com a União Europeia, dentre outros. Em outras palavras, o que desestabiliza a política em todos os regimes de acumulação é o impulso do capital a se desconectar do controle político.

Nesse caso, a economia invade a política, destruindo gradualmente o poder público e desestabilizando as próprias agências políticas das quais o capital depende. O que, então, é comprometido são as capacidades públicas nacionais e transnacionais que são necessárias para sustentar a acumulação em longo prazo. Destruindo suas próprias condições de possibilidade, a dinâmica de acumulação do capital efetivamente come o próprio rabo (FRASER, 2018FRASER, Nancy. “Do neoliberalismo progressista a Trump - e além”. Política & Sociedade, v. 17, n. 40, p. 43-64, set./dez. 2018b. Disponível em Disponível em https://periodicos.ufsc.br/index.php/politica/article/view/2175-7984.2018v17n40p43 . Acesso em 03/03/2019.
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a, p. 161).

Já a crise da reprodução social é detectada pelas feministas, na Europa e nos Estados Unidos, em face do declínio do Estado de bem-estar social e apogeu das políticas neoliberais. Fraser (2015FRASER, Nancy. “Las contradicciones del capital y los cuidados”. New Left, n. 100, p. 111-132, sep./oct. 2015b.b; FRASER; JAEGGI, 2019FRASER, Nancy; JAEGGI, Rahel. Capitalismo: Una conversación desde la Teoría Crítica. Madri: Morata, 2019.) destaca também que o feminismo liberal, que estimula as mulheres talentosas a chegarem ao topo da carreira, explorando o trabalho de imigrantes ou mulheres pobres com pagamento de baixos salários para cuidar de suas casas, filhos e idosos, é um indicativo evidente dessa crise. Na verdade, várias feministas denunciam as relações de exploração das mulheres do Norte em relação às imigrantes, chamando atenção para a separação entre as mulheres do Norte e as do Sul global. Se, por um lado, as mulheres de classes média e alta mercantilizam os cuidados, explorando as imigrantes, negras e pobres, que têm que terceirizar os cuidados de seus filhos ou pagar quantias irrisórias para o cuidado deles a mulheres pobres como elas, por outro, Fraser (2015b) ressalta que elas também sofrem, ainda que em menor medida, os efeitos da dominação, sendo estimuladas pelas grandes corporações a procrastinar a maternidade. Afirma que empresas como Apple e Facebook nos Estados Unidos financiam o congelamento de óvulos para suas funcionárias, estimulando-as a não engravidar no auge da sua produtividade. No Brasil, apesar de essa prática ser ainda incomum nas grandes empresas1 1 Ver reportagem publicada na revista feminina Claudia, de fevereiro de 2020, intitulada “Futuro em suspenso”. , o Linkedin já oferece essa possibilidade às suas funcionárias.

Enquanto as feministas do Norte identificam como “novidade” a exploração de mulheres pobres, negras e imigrantes pelas mulheres mais abastadas, no Brasil, isso sempre existiu. Como discutirei adiante, a constatação de crise da reprodução social feita por Fraser, Arruzza e Bhattacharya tem um viés etnocêntrico, que pode apontar algumas limitações das análises do Atlântico Norte para pensar as potencialidades do feminismo internacionalista.

Por fim, a crise ambiental causada pelo capitalismo neoliberal não se restringe à exploração e à destruição da natureza, à mercantilização e à expropriação dos recursos naturais como a comodificação da água e o total descompromisso com as gerações futuras, mas também é nefasta por apagar e obscurecer as fronteiras entre natureza e humanidade com as novas tecnologias de reprodução e os cyborgs (FRASER, 2015FRASER, Nancy. “Las contradicciones del capital y los cuidados”. New Left, n. 100, p. 111-132, sep./oct. 2015b.a).

Dialogando com Marx e com os autores2 2 Wolfgang Streeck, Colin Crouch, Wendy Brown e Stephen Gill. que atrelam a crise da democracia ao capitalismo neoliberal (FRASER, 2018FRASER, Nancy. “Do neoliberalismo progressista a Trump - e além”. Política & Sociedade, v. 17, n. 40, p. 43-64, set./dez. 2018b. Disponível em Disponível em https://periodicos.ufsc.br/index.php/politica/article/view/2175-7984.2018v17n40p43 . Acesso em 03/03/2019.
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a), Fraser assinala que o que é mais problemático no capitalismo é sua tendência a predefinir o que deve ser feito com o excedente de produção. Baseada em Marx, ela vê como danosa a tendência de as sociedades capitalistas deixarem a cargo das forças do mercado as decisões que envolvem

(...) questões sobre como as pessoas querem viver - onde elas decidem investir as suas energias coletivas, como elas propõem contrabalançar ‘trabalho produtivo’ e vida familiar, lazer e outras atividades - bem como a maneira como as pessoas pretendem se relacionar com a natureza não-humana e o que elas ambicionam deixar para gerações futuras (FRASER, 2015FRASER, Nancy. “Las contradicciones del capital y los cuidados”. New Left, n. 100, p. 111-132, sep./oct. 2015b.a, p. 709).

Ao invés de essas decisões serem tomadas por meio da autodeterminação coletiva, elas são reduzidas ao cálculo monetário e individualizado (FRASER 2015FRASER, Nancy. “Las contradicciones del capital y los cuidados”. New Left, n. 100, p. 111-132, sep./oct. 2015b.a; FRASER; JAEGGI, 2019). No Manifesto, as autoras afirmam enfaticamente o caráter antidemocrático do capitalismo, com o intuito de colocar no centro da luta do feminismo para 99% a perspectiva anticapitalista.

Como Marx, Fraser (2015FRASER, Nancy. “Las contradicciones del capital y los cuidados”. New Left, n. 100, p. 111-132, sep./oct. 2015b.a; 2017; FRASER; JAEGGI, 2019FRASER, Nancy; JAEGGI, Rahel. Capitalismo: Una conversación desde la Teoría Crítica. Madri: Morata, 2019.) caracteriza o capitalismo como estruturado na acumulação ilimitada, baseada na exploração e na expropriação dos indivíduos. Só que a exploração, no capitalismo neoliberal, extrapola em muito o âmbito das fábricas, ganhando múltiplas formas e nuances. Para além de Marx, Fraser coloca gênero, ecologia e política como “princípios estruturantes e eixos da desigualdade das sociedades capitalistas” (FRASER, 2015a, p. 706), constituindo importantes campos para as lutas sociais. Ao contrário de Marx, Fraser não vê a política, melhor dizendo, os poderes públicos como superestrutura. Argumenta que as esferas da política e da economia capitalista são relativamente autônomas, mas estão interconectadas desde o surgimento do capitalismo liberal. É o poder público que cria as estruturas jurídica e de infraestrutura que constituem as condições políticas de fundo da economia capitalista, isto é, as normas que garantem “(...) direitos de propriedade, fazer cumprir contratos e julgar disputas; para suprimir rebeliões, manter a ordem e administrar o dissenso; e para manter, na linguagem da constituição estadunidense, ‘a fé e o crédito plenos’ do dinheiro circulante” (FRASER, 2018a, p. 157). Além disso, o capitalismo precisa, em âmbito geopolítico, de condições que garantam seu caráter expansivo - direito internacional, tratados negociados pelas grandes potências e de regimes supranacionais que dirimam os conflitos em favor do capital.

Fraser também expande a noção de conflitos sociais, articulando as lutas de classe às lutas de fronteira. Com o propósito de decifrar a gramática das lutas sociais no capitalismo contemporâneo, ela pretende ampliar o leque de lutas da teoria marxista, mostrando que os conflitos sociais estão tanto ligados à exploração do trabalho, à marginalização econômica e à privação, quanto se desenvolvem nas fronteiras entre economia e política, produção e reprodução, seres humanos e natureza. Lutas sobre como conciliar tempo de trabalho e família; contra o racismo, o sexismo, o imperialismo, o colonialismo; pelos direitos dos imigrantes; pela sindicalização dos empregados do setor de serviços; contra a mercantilização da água, dentre outras, são tão estruturadas pelo capitalismo quanto as lutas de classe. Em suma, as lutas de classe e as lutas de fronteira são múltiplas e estão interconectadas, adquirindo diferentes formas e radicalismos. As lutas de fronteira entre produção e reprodução evidenciam esse aspecto, uma vez que a questão da falta de tempo e recursos para cuidar de suas famílias afeta os trabalhadores, com um recorte de gênero, raça, etnia e nacionalidade (FRASER; JAEGGI, 2019FRASER, Nancy; JAEGGI, Rahel. Capitalismo: Una conversación desde la Teoría Crítica. Madri: Morata, 2019.).

Sem dúvida, a proposta de crítica ao capitalismo de Fraser tem o mérito de mostrar as contradições do capitalismo em suas relações com os domínios de fronteira, abrindo espaço para o desenvolvimento de novos insights para criticar o capitalismo neoliberal. No entanto, na proposta de Fraser, estão subteorizadas as relações entre as lutas de classe e as lutas de fronteira. Isso fica evidente quando Jaeggi (FRASER; JAEGGI, 2019FRASER, Nancy; JAEGGI, Rahel. Capitalismo: Una conversación desde la Teoría Crítica. Madri: Morata, 2019.) lhe pergunta como diferenciá-las, e Fraser afirma que elas estão inter-relacionadas na prática, cabendo aos teóricos examinar qual o destaque dado a um tipo de luta ou a outro pelos movimentos sociais. Por dar enfoque às condições de fundo do capitalismo, Fraser foge de Marx, para usar a expressão de Enrico Silva (2018SILVA, Enrico P. B. “Repensando a redistribuição. Nancy Fraser e a economia política”. Civitas, v. 18, n. 3, p. 563-579, set./dez. 2018. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/j/civitas/a/jhr4SP8KnKZPWPTnsfqY7qj/abstract/?lang=pt . Acesso em 02/03/2019.
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), “ao evitar discutir as relações trabalhistas e do momento específico da produção dos meios de vida” (2018, p. 576), com suas formas de exploração e expropriação do trabalho. Na verdade, essa análise é desenvolvida tangencialmente quando Fraser discute a cisão entre as mulheres das classes média e alta explorando o trabalho das imigrantes, negras e pobres, demonstrando como as lutas de fronteira pela separação entre produção e reprodução engendram também lutas de classe.

Buscando superar a perspectiva funcionalista de que os domínios não econômicos sirvam meramente à produção de mercadorias, à exploração do trabalho e à acumulação ilimitada, Fraser afirma que eles possuem “distintas ontologias de prática social e ideais normativos” (FRASER, 2015FRASER, Nancy. “Las contradicciones del capital y los cuidados”. New Left, n. 100, p. 111-132, sep./oct. 2015b.a, p. 724) que, mesmo sendo formados dentro da ordem social capitalista, podem se contrapor a ela. Isso pode ocorrer especialmente quando são desestabilizadas suas práticas e instituições, que deixam de funcionar adequadamente, ou quando são comprometidos os recursos para a existência desses domínios, gerando problemas e crises (FRASER, 2015a; 2015b; 2018a; FRASER; JAEGGI, 2019). Fraser admite que não romantiza acerca das potencialidades emancipatórias desses domínios (FRASER; JAEGGI, 2019), uma vez que as reações à mercantilização do mundo da vida podem resultar em nostalgia quanto a práticas tradicionais, como fazem algumas abordagens que denunciam a desintegração da família, demonizando avanços ligados às lutas por reconhecimento de movimentos LGBTQ ou às conquistas feministas, ou, ainda, quando os cidadãos apoiam e legitimam governos populistas regressivos, suscitando práticas racistas, xenófobas, anti-imigração, sexistas e androcêntricas. Apesar de alegar se distinguir de Marx por não fazer uma leitura teleológica das lutas sociais (FRASER, 2015a), Fraser acaba fazendo teleologia3 3 Agradeço a Henrique Amorim por ter chamado a minha atenção para essa questão. ao propor o feminismo para 99%.

Mesmo me recusando a conceber o capitalismo como uma forma de vida ética na qual a mercantilização invade todas as esferas de ação dos indivíduos (FRASER, 2015FRASER, Nancy. “Las contradicciones del capital y los cuidados”. New Left, n. 100, p. 111-132, sep./oct. 2015b.a; FRASER; JAEGGI, 2019), como fez Georg Lukács (2003LUKÁCS, Georg. História e consciência de classes: estudos sobre a dialética marxista. São Paulo: Martins Fontes, 2003.), considero pertinente a observação de Arthur Bueno (2017BUENO, Arthur. “A sobrevida do capital”. Perspectivas, v. 49, p. 153-158, jan./jun. 2017.) de que Fraser ignora a distinção entre mercantilização e reificação feita por Lukács e sua ponderação sobre a constante tensão entre as esferas econômica e as não econômicas.

A mercantilização envolve uma mudança enfática no estatuto dos objetos e relações, na medida em que estes passam a ser constituídos de acordo com a gramática da economia capitalista e se tornam, desse modo, entidades de relações econômicas propriamente ditas. Por sua vez, o conceito de reificação se refere a um processo mais ambivalente, no qual as gramáticas normativas e ontológicas mediante as quais certos objetos e relações surgem como não econômicos assumem, ainda assim, uma forma homóloga à da forma-mercadoria (BUENO, 2017BUENO, Arthur. “A sobrevida do capital”. Perspectivas, v. 49, p. 153-158, jan./jun. 2017., p. 156).

Sendo assim, Fraser parece não se ater ao perigo da reificação. Valores ligados à reprodução social - cuidado, responsabilidade mútua e solidariedade - podem ser reificados “com base em noções econômicas de eficiência, troca formal, escolha individual e liberdade negativa, mantendo, não obstante, a referência àqueles ideais prévios” (BUENO, 2017BUENO, Arthur. “A sobrevida do capital”. Perspectivas, v. 49, p. 153-158, jan./jun. 2017., p. 156).

A meu ver, falta à teoria de Fraser uma análise teórico-ideológica que tanto possa dar conta de identificar e explicar a tendência do capitalismo de se reinventar, como bem demonstraram Luc Boltanski e Ève Chiapello (2009BOLTANSKI, Luc; CHIAPELLO, Ève. O novo espírito do capitalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009.), como também para pensar os obstáculos para o surgimento de movimentos sociais emancipatórios.

O diagnóstico de crise do neoliberalismo progressista e os desafios das lutas contra-hegemônicas

Na verdade, o que parece ser central na afirmação que Fraser faz sobre uma crise global multidimensional estruturada pelo capitalismo para discutir as potencialidades do feminismo é sua percepção sobre a crise do que ela chama de “neoliberalismo progressista”, detectada a partir da eleição de Donald Trump e do Brexit, no Reino Unido (FRASER, 2018FRASER, Nancy. “Do neoliberalismo progressista a Trump - e além”. Política & Sociedade, v. 17, n. 40, p. 43-64, set./dez. 2018b. Disponível em Disponível em https://periodicos.ufsc.br/index.php/politica/article/view/2175-7984.2018v17n40p43 . Acesso em 03/03/2019.
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b). Por neoliberalismo progressista, Fraser entende a conciliação feita pelos governos democratas de Bill Clinton e Barack Obama entre a política macroeconômica neoliberal e uma agenda progressista ligada ao empoderamento feminino, à diversidade cultural, ao reconhecimento de movimentos antirracistas, multiculturais e LGBTQ. Isso deu um verniz “progressista” às políticas neoliberais.

Longe de perceber a eleição de Trump e a adesão majoritária da população do Reino Unido ao Brexit como reações conservadoras motivadas por um nacionalismo de direita intolerante e preconceituoso, Fraser as vê como respostas às desigualdades sociais causadas pelo capitalismo neoliberal. No artigo “Do neoliberalismo progressista a Trump - e além”, de 2018, Fraser desenvolve sua tese a partir da constatação de que boa parte dos eleitores de Trump havia votado em Obama na última eleição. Seu argumento é que o abandono de políticas redistributivas populistas feitas por Trump durante a campanha eleitoral poderia colocar em xeque a hegemonia do populismo reacionário. Nesse período, Trump criticou a política de distribuição neoliberal, propondo políticas nacionalistas e protecionistas voltadas para a culpabilização dos imigrantes, sob o slogan de fechamento dos Estados Unidos para os americanos e amplo investimento em infraestrutura para gerar empregos. Depois de eleito, ele não só não investiu em projetos significativos em infraestrutura e incentivo à indústria, como seguiu à risca a agenda do partido Republicano, ao dar apoio às finanças com a diminuição da carga tributária dos mais ricos, e nenhum controle sobre Wall Street.

No início de 2020, a disputa entre os democratas para definir quem enfrentaria Trump à Presidência da República deixou evidente a cisão existente no partido Democrata. As primárias do partido levaram ao afunilamento de candidaturas em torno dos nomes de Bernie Sanders e Joe Biden. Sanders era temido pelos dirigentes do partido por ser uma esquerda radical, “socialista”, que tinha como bandeira a extinção do seguro de saúde privado, a institucionalização do ensino superior gratuito e o perdão das dívidas de financiamento dos estudantes. Biden, por sua vez, tinha sido vice-presidente na gestão de Obama, contando com o apoio do establishment do partido, o que o levou a ser escolhido para concorrer à Presidência, com a promessa de dar continuidade ao neoliberalismo progressista. A surpresa foi não só a derrota de Trump4 4 Em fevereiro de 2020, Trump despontava como favorito à corrida presidencial em função do crescimento da economia e do baixo índice de desemprego. A pandemia do coronavírus e a atuação de Trump para conter a crise sanitária são apontadas como as principais causas de sua derrota. Sobre o favoritismo de Trump, ver KRUGMAN, Paul. “Cinismo republicano pode levar Trump à reeleição”. Folha de São Paulo, 25/02/2020. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/colunas/paulkrugman/2020/02/cinismo-republicano-pode-levar-trump-a-reeleicao.shtml. para Biden, como também a proposta de um novo pacto social feita por Biden logo após tomar posse, no qual coloca nas mãos do Estado a responsabilidade por promover melhorias significativas na vida da classe trabalhadora precarizada e da classe média empobrecida, com políticas públicas voltadas para a redução das desigualdades sociais e para o cuidado com crianças e idosos, investimento em infraestrutura e medidas para conter os efeitos nefastos da crise ambiental. Ou seja, Biden surpreende ao propor uma inflexão ao neoliberalismo progressista.

Voltando às críticas feitas por Fraser ao neoliberalismo progressista, a autora destaca que a recusa de boa parte das mulheres da classe trabalhadora ao feminismo liberal de Hillary Clinton demonstra o descrédito delas no feminismo que aposta todas as suas fichas na chegada das mulheres aos cargos de comando e poder (FRASER; JAEGGI, 2019FRASER, Nancy; JAEGGI, Rahel. Capitalismo: Una conversación desde la Teoría Crítica. Madri: Morata, 2019.). O feminismo liberal, com sua ideia de empoderamento feminino, celebra a chegada de mulheres a cargos de CEOs, aos altos cargos no mercado e na política, enaltecendo a visão de igualdade baseada na ideologia meritocrática. Ao denunciar que as mulheres são sub-representadas nas profissões de prestígio, o feminismo liberal define o empoderamento feminino como sinônimo de igualdade entre as poucas mulheres talentosas e bem-sucedidas e os homens, reproduzindo toda a violência simbólica da ideologia meritocrática. Fraser (2007FRASER, Nancy. “Mapeando a imaginação feminista: da redistribuição ao reconhecimento e à representação”. Revista Estudos Feministas, v. 12, n. 2, p. 291-308, maio/ago. 2007. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/j/ref/a/qLvqR85s5gq56d63QhPX4VP/abstract/?lang=pt . Acesso em 02/08/2019.
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; 2009FRASER, Nancy. “O feminismo, o capitalismo e a astúcia da história”. Mediações, v. 14, p. 11-33, jul./dez. 2009. Disponível em Disponível em https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4300312/mod_resource/content/1/FRASER%2C%20Nancy.%20Feminismo%2C%20capitalismo%20e%20a%20ast%C3%BAcia%20da%20hist%C3%B3ria.pdf . Acesso em 02/08/2019.
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; 2011; 2015b; FRASER; JAEGGI, 2019) ressalta quão problemática é a política do reconhecimento nos moldes do feminismo liberal. Argumenta que essa política afirmativa de reconhecimento, típica do feminismo liberal, de movimentos antirracistas, multiculturais e LGBTQ, suscita ressentimentos entre aqueles membros da classe trabalhadora branca que decaíram socialmente em função das políticas neoliberais. Isso porque o reconhecimento desses grupos representa a autoafirmação de estratos sociais como cultural e moralmente superiores à classe trabalhadora. Fraser aponta o rompimento, nas décadas de 1970 e 1980, entre as lutas tipicamente de classe, dos defensores da social-democracia, e as lutas dos Novos Movimentos Sociais, que denunciavam os valores antiquados dominantes na família e no mundo da vida, propagando uma visão cosmopolita e moralmente avançada, diferenciando-os e distanciando-os da classe trabalhadora, vista como convencional em termos de costumes e pouco aberta à diversidade cultural (FRASER; JAEGGI, 2019).

Essa fragmentação ganha novos contornos com o capitalismo neoliberal, no qual as indústrias de tecnologia e comunicação do Vale do Silício - Facebook, Apple, Microsoft e Google apoderam-se do discurso emancipatório da diversidade cultural, do empoderamento feminino e dos direitos LGBTQ para seus próprios fins, acentuando ainda mais as diferenças entre os indivíduos cosmopolitas e os tradicionais (FRASER; JAEGGI, 2019FRASER, Nancy; JAEGGI, Rahel. Capitalismo: Una conversación desde la Teoría Crítica. Madri: Morata, 2019.). Aliás, a mídia, a indústria do cinema (Hollywood) e da propaganda desempenham um papel importante no reforço dessas diferenças (no tocante aos usos do empoderamento feminino pela publicidade, ver Cynthia HAMLIN e Gabriel PETERS, 2018HAMLIN, Cynthia; PETERS, Gabriel. “Consumindo como uma garota: subjetivação e empoderamento na publicidade voltada para mulheres”. Lua Nova, n. 103, p. 167-202, 2018. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/j/ln/a/GCqb4qVWnhWz4zccQjhR7qv/?lang=pt&format=pdf . Acesso em 02/11/2018.
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).

Mesmo identificando as dificuldades de união da esquerda e a separação entre os grupos reconhecidos pelo neoliberalismo progressista e a classe trabalhadora nos Estados Unidos, parece ser a constatação de que “as forças antineoliberais estão em marcha” (FRASER; JAEGGI, 2019FRASER, Nancy; JAEGGI, Rahel. Capitalismo: Una conversación desde la Teoría Crítica. Madri: Morata, 2019., p. 212) o que motiva Fraser a propor, junto com Arruzza e Bhattacharya, o feminismo para 99%. Ainda que Fraser diga que o crescimento da extrema direita, a proliferação de partidos racistas e anti-imigrantes em todo norte e centro-leste da Europa seja um claro indício da crise do neoliberalismo, ela generaliza excessivamente as possibilidades do feminismo para 99% e da esquerda de fazerem críticas ao capitalismo neoliberal e criarem uma crise de legitimação deste regime. Isso porque, ainda que as políticas neoliberais sejam o motor do desenvolvimento da extrema direita nos EUA e na Europa, seus partidários identificam, sobretudo, nos imigrantes, a causa de seus problemas. Inclusive, Jaeggi (FRASER; JAEGGI, 2019) salienta que, na Alemanha, os etnonacionalistas são racistas, defendem a antipolitíca, têm um ressentimento forte anti-imigração e não fazem qualquer crítica ao neoliberalismo, mas, ao contrário, tomam os imigrantes como os principais responsáveis por seus infortúnios e problemas sociais. Jaeggi alerta que isso demonstra uma clara alienação, “que ilustra o bloqueio ideológico da realidade e a negação das verdadeiras causas da alienação” (FRASER; JAEGGI, 2019, p. 237). E aqui, como disse antes, falta a Fraser uma análise teórico-ideológica para discutir os impedimentos e interdições que ideologias criam para a tematização política das desigualdades e injustiças sociais, o que torna problemática a generalização da experiência americana de crise do neoliberalismo e das potencialidades das lutas contra-hegemônicas na Europa e no Sul global.

O feminismo para 99% e sua crítica ao capitalismo neoliberal

Parafraseando Marx e Friedrich Engels (2010MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto Comunista. São Paulo: Boitempo, 2010.) no Manifesto comunista, Arruzza, Bhattacharya e Fraser parecem ver que “um espectro ronda” o Ocidente: a crítica ao neoliberalismo. Identificam o surgimento de protestos promovidos pelas mulheres na Espanha, na Argentina e na Polônia, entre 2016 e 2018, que repercutiram em várias partes do mundo através de hashtags, greves e manifestações, como sendo um novo tipo de política. A confluência entre o contexto geral de crises e a eclosão de significativos protestos e greves feministas parece ter sido a principal motivação para as autoras escreverem o Manifesto, propondo a reinvenção do feminismo e a radicalização da luta anticapitalista, antirracista, ecossocialista e internacionalista. Afinal, desde os anos 2000, há iniciativas do movimento feminista em promover lutas internacionais, anticapitalistas, antirracistas e antipatriarcais, como a Marcha Mundial das Mulheres, por exemplo. Portanto, o que parece ser “novo” é o contexto de crises.

Em 2017, a greve feminista, huelga feminista, na Espanha, inaugura, para as autoras, um novo tipo de greve que não se limita às fábricas, coordenadas por sindicalistas, mas se expande para o mundo da vida e para a casa, demonstrando as interconexões entre as lutas de classe e as lutas de fronteira. Nessa greve, mulheres pobres, negras, trabalhadoras, LGBTQs, imigrantes, desempregadas e de classe média cruzaram os braços interrompendo as atividades produtivas e reprodutivas, mostrando que o capitalismo estrutura desigualdades não só de classes, como também de gênero, raça, etnia, sexualidade e nacionalidade. Argumentam que as manifestações de 8 de março de 2017 são um marco importante dessa política, quando mulheres de várias partes do mundo politizaram o Dia Internacional da Mulher, destacando “o poder daquelas cujo trabalho remunerado e não remunerado sustenta o mundo” (ARRUZZA, BHATTACHARYA; FRASER, 2019FRASER, Nancy; JAEGGI, Rahel. Capitalismo: Una conversación desde la Teoría Crítica. Madri: Morata, 2019., p. 33).

O que as autoras veem como uma virada importante de viés dada pelo movimento é deixar de ver a luta de classes restrita à produção e ao trabalho remunerado, ressaltando que a luta de classe envolve importantes batalhas em torno da reprodução social, do antirracismo, anti-imperialismo e da defesa do meio ambiente.

A influência da crítica ao capitalismo de Fraser neste Manifesto pode ser percebida não só quando as autoras reafirmam que o capitalismo deve ser entendido como um conjunto de relações sociais, como também quando se dedicam a destrinchar as lutas de classe e interconectá-las aos domínios extraeconômicos. A parte em que falam sobre as relações entre trabalho produtivo e reprodutivo reproduz, em essência, a tese desenvolvida por Fraser (2015b) sobre a forma como o conflito trabalho produtivo x trabalho reprodutivo se colocou para o capitalismo ao longo da história.

Ao contrário de abordagens feministas que veem na separação produção x reprodução feita pelo capitalismo a atualização de práticas patriarcais, Fraser (FRASER; JAEGGI, 2019FRASER, Nancy; JAEGGI, Rahel. Capitalismo: Una conversación desde la Teoría Crítica. Madri: Morata, 2019.) advoga que essa divisão é típica do capitalismo. Isso porque foi o capitalismo que criou a separação entre as esferas pública e privada e, com isso, a hierarquização entre os gêneros, na medida em que o trabalho remunerado exercido pelos homens no mercado de trabalho foi, desde o capitalismo liberal, reconhecido e valorizado, enquanto o trabalho doméstico e de cuidados, exercido pelas mulheres, foi desvalorizado, tornando-se invisível. A dicotomia trabalho remunerado e trabalho não remunerado está, portanto, na raiz das assimetrias de poder e na hierarquia de gênero estruturada pelo capitalismo. No feudalismo, ainda que houvesse assimetrias de poder entre homens e mulheres, havia uma relação de complementaridade entre o trabalho masculino e o feminino, sendo este reconhecido socialmente. Ainda que as feministas, desde a década de 1960, venham denunciando que o capitalismo é intrinsecamente dependente da reprodução para a formação de uma geração futura de mão de obra, Fraser (2015b; FRASER; JAEGGI, 2019) quer pensar a reprodução social para além de sua funcionalidade para o capitalismo. Seu entendimento sobre o papel da reprodução social é bem mais abrangente. A reprodução envolve “ter e criar filhos, cuidar de amigos e familiares, manter lares e comunidades mais amplas e sustentar relações em geral” (FRASER, 2015b, p. 111). Portanto, diz respeito à nossa capacidade de estabelecer laços afetivos e solidariedade com os outros, de nos responsabilizarmos pelas relações.

Quando discutem as relações entre produção e reprodução, Arruzza, Bhattacharya e Fraser (2019FRASER, Nancy; JAEGGI, Rahel. Capitalismo: Una conversación desde la Teoría Crítica. Madri: Morata, 2019.) têm como pano de fundo de sua reflexão a crise dos cuidados, que vem sendo amplamente discutida pelas autoras feministas há algum tempo. Esta crise é detectada pela literatura acadêmica, frequentemente, como “pobreza de tempo” para as relações afetivas e sociais, “mau enquadramento família-trabalho” e “esvaziamento social” (FRASER, 2015FRASER, Nancy. “Las contradicciones del capital y los cuidados”. New Left, n. 100, p. 111-132, sep./oct. 2015b.b, p. 111). Ainda que este não seja um tema novo para o feminismo, isto é, a denúncia de que o capitalismo historicamente buscou se eximir dos custos e da responsabilidade pela reprodução social, deixando-a a cargo das famílias, especialmente das mulheres, as autoras argumentam que o capitalismo neoliberal exige um aumento na jornada de trabalho remunerado dos membros da família, dando menos suporte à assistência social e aos serviços públicos, e, com isso, precariza e mercantiliza a reprodução social. Criam-se cisões e formas de exploração entre as mulheres do Norte global, empregadoras de classes média e alta, e as do Sul global, imigrantes, pobres e racializadas para a execução do trabalho doméstico e de cuidados. Mesmo reconhecendo que o capitalismo sempre gerou divisões entre as mulheres, as racializadas, que, em virtude da lógica colonial e do racismo estrutural, sempre foram exploradas, o capitalismo neoliberal potencializa a exploração entre as mulheres. Por isso, elas reforçam a importância de o feminismo traçar os vínculos entre as diferentes formas de dominação - classe, raça, gênero, etnia -, assinalando que são essenciais as lutas pela libertação das mulheres contra o racismo, a xenofobia, as guerras e o colonialismo.

Fraser (2015FRASER, Nancy. “Las contradicciones del capital y los cuidados”. New Left, n. 100, p. 111-132, sep./oct. 2015b.b), em sua reconstrução histórica dos diferentes pactos sociais para lidar com as crises do capitalismo, demonstrou que, no welfare state, o Estado assumiu a responsabilidade pública pelo bem-estar social e pela reprodução social. O capitalismo estatalmente organizado minimizou os conflitos de classe, garantindo às famílias da classe trabalhadora nos Estados Unidos condições de reprodução, dando-lhes a possibilidade de se manterem com apenas um salário, o do homem. As mulheres da classe trabalhadora não viam nenhum problema no “salário família”, que lhes possibilitava a dedicação à casa e aos cuidados com os filhos. Entretanto, as feministas, nas décadas de 1960 e 1970, fizeram uma crítica feroz ao “salário família”, denunciando que ele reproduzia uma visão androcêntrica, ao estimular a separação entre produção e reprodução e o aprisionamento das mulheres no âmbito doméstico. Além disso, questionaram o paternalismo do Estado, com sua política de despolitização que, para evitar conflitos sociais antecipava, a partir do diagnóstico de tecnocratas, a implementação e aprimoramento de políticas públicas distributivas.

Usando Polanyi, Fraser (2017FRASER, Nancy. “Why two Karls are better than one: Integrating Polanyi and Marx in a critical theory of the current crisis”. Working Paper der DFG-Kollegforscher_innengruppe Postwachstumsgesellschaften, Jena, n. 1, p. 1-11, 2017.; 2018a) afirma que o welfare state conciliou mercantilização - crescimento baseado na produção e no consumo em massa - com proteção social. A própria denúncia das feministas sobre as formas de dominação social reproduzidas pela proteção social serve de exemplo empírico para Fraser (2011; 2015b) argumentar, contra Polanyi, que a sociedade também estrutura formas de dominação social, e que as injustiças sociais nas sociedades capitalistas não se resumem ao duplo movimento - mercantilização x proteção social -, mas, sim, a um triplo movimento: mercantilização, proteção social e emancipação. “Enquanto a proteção social visa proteger a ‘sociedade’ dos efeitos desintegradores dos mercados não regulados (marchés non regulés), a emancipação visa jogar luz na dominação de onde quer que ela venha; tanto da sociedade quanto da economia” (FRASER, 2011FRASER, Nancy. “Mercantilização, proteção social e emancipação: as ambivalências do feminismo na crise do capitalismo”. Revista Direito GV, v. 7, n. 2, p. 617-634, jul./dez. 2011. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/j/rdgv/a/cmCd9sLNXByF66SHNbyJK9q/abstract/?lang=pt . Acesso em 10/07/2019.
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, p. 623).

Fraser argumenta que o declínio do capitalismo estatalmente dirigido se deu pela conciliação entre mercantilização e emancipação. As forças do mercado pró-autorregulação se coadunaram com as lutas emancipatórias dos Novos Movimentos Sociais, que denunciavam as diferentes formas de dominação social para além do conflito de classes. Ela aponta as afinidades eletivas (2007; 2009; 2011) entre o feminismo e o neoliberalismo, afirmando que a crítica ao “salário família” feita pelas feministas é usada pelo neoliberalismo para legitimar a necessidade de, pelo menos, dois salários por família.

As limitações do feminismo para 99%

Arruzza, Bhattacharya e Fraser (2019FRASER, Nancy; JAEGGI, Rahel. Capitalismo: Una conversación desde la Teoría Crítica. Madri: Morata, 2019.) propõem que o feminismo se reinvente para combater a aliança entre mercantilização com emancipação, sem proteção social. Assim como Fraser (2018b; FRASER; JAEGGI, 2019FRASER, Nancy; JAEGGI, Rahel. Capitalismo: Una conversación desde la Teoría Crítica. Madri: Morata, 2019.) defende que a esquerda não deve fazer nenhum tipo de compromisso com o neoliberalismo progressista para evitar um mal maior - o populismo ultrarreacionário da extrema direita -, as autoras advogam que o feminismo para 99% deve romper com o feminismo liberal e com o “feminismo do microcrédito”.

E aqui serão discutidos alguns limites da fundamentação teórico-prática do feminismo para 99%. Um erro comum aos autores e autoras do Atlântico Norte é universalizar sua visão de crise dos cuidados, constatando que o fluxo global de imigrantes para os países centrais com o fim de cuidar dos idosos é um “retrato das formas mais cruas de destituição humana” (Guita Grin DEBERT, 2016DEBERT, Guita Grin. “Migrações e o cuidado do idoso”. Cadernos Pagu, n. 46, p. 129-149, jan./abr. 2016. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/j/cpa/a/3NTMvDgHSVnXjpqJxmGrsTn/abstract/?lang=pt . Acesso em 09/08/2019.
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, p. 140). Arruzza, Bhattacharya e Fraser veem a crise da reprodução como uma nova cadeia de exploração dos cuidados, chamando atenção para uma realidade bastante comum entre nós. No Brasil, como disse Heleieth Saffioti (2013SAFFIOTI, Heleieth. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. 3 ed. São Paulo: Expressão Popular, 2013.), “se as mulheres da classe dominante nunca puderam dominar os homens de sua classe, puderam, por outro lado, dispor concreta e livremente da força de trabalho de homens e mulheres da classe dominada” (SAFFIOTI, 2013SAFFIOTI, Heleieth. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. 3 ed. São Paulo: Expressão Popular, 2013., p. 133). O Brasil é um dos países que mais têm empregadas domésticas, que são as principais responsáveis pelo trabalho doméstico e de cuidados, sendo que só 30% delas contam com carteira assinada (DEBERT, 2016). A crise econômica que se desenvolveu a partir de 2014 fez com que famílias dispensassem esse serviço ou contratassem diaristas. Em outras palavras, a informalidade continua sendo a marca do serviço doméstico no Brasil. Constatou-se que, em 2018, caiu para 28,3% o número de empregadas domésticas com carteira assinada (Cf. Luana PINHEIRO et al., 2019PINHEIRO, Luana et al. “Os desafios do passado no trabalho doméstico do século XXI: reflexões para o caso brasileiro a partir de dados da PNAD contínua”. IPEA, 2019. Disponível em Disponível em http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=35231&Itemid=444 . Acesso em 01/03/2020.
http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?...
).

O fenômeno da migração interna de mulheres nordestinas para o sudeste para trabalhar em casas de famílias como domésticas ou babás é bastante conhecido há décadas, e engendra uma série de contradições. Como mostra Juliana Nazareth (2010NAZARETH, Juliana de S. Mulheres em movimento. Trajetórias de jovens nordestinas no Rio de Janeiro. 2010. Doutorado (Programa de Pós-Graduação em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio do Janeiro, RJ, Brasil.), a saída do sertão do nordeste para tentar a vida no Rio de Janeiro como empregada doméstica ou babá é vista pelas mulheres entrevistadas pela pesquisadora como um ganho em termos de autoestima, autoconfiança e reconhecimento social. Apesar de serem empregadas em funções precarizadas, de baixa remuneração e prestígio, e das dificuldades encontradas no Rio de Janeiro - alto custo de vida, levando-as a morar em locais com pouca infraestrutura urbana (favelas sob domínio de traficantes ou milicianos), falta de tempo para si, já que o trabalho, para a maioria delas, toma-lhes praticamente toda a semana, além de sofrerem discriminação por serem o “do outro, do outro, do outro” (NAZARETH, 2010NAZARETH, Juliana de S. Mulheres em movimento. Trajetórias de jovens nordestinas no Rio de Janeiro. 2010. Doutorado (Programa de Pós-Graduação em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio do Janeiro, RJ, Brasil., p. 245) e sentirem saudade de casa e da família -, elas descrevem a sua vida como uma trajetória de mobilidade ascendente. Com o salário que recebem, elas têm um papel importante na renda de suas famílias. As remessas regulares de dinheiro para a família lhes proporcionam reconhecimento entre seus familiares, amigos e conhecidos, não só pela contribuição material, mas também pela dinâmica de “migrar e ajudar o próximo”, sendo exemplos de outros estilos de vida para as jovens de suas cidades. O estilo de vida mais cosmopolita com o qual entram em contato lhes possibilita também questionar os padrões de suas famílias tradicionais, não aceitando a suposta autoridade que pais, irmãos ou companheiros teriam sobre elas.

O mesmo pode ser dito com relação à pesquisa feita por Debert (2016DEBERT, Guita Grin. “Migrações e o cuidado do idoso”. Cadernos Pagu, n. 46, p. 129-149, jan./abr. 2016. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/j/cpa/a/3NTMvDgHSVnXjpqJxmGrsTn/abstract/?lang=pt . Acesso em 09/08/2019.
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) com cuidadoras na Itália. Ao contrário da constatação de Arruzza, Bhattacharya e Fraser e de outras intelectuais do Atlântico Norte sobre as condições de exploração generalizada e não reconhecimento das imigrantes, as cuidadoras imigrantes entrevistadas por Debert estavam satisfeitas com a relação estabelecida com os idosos e seus familiares. Mesmo que contassem histórias de atrasos na chegada dos filhos para cuidar dos pais ou da indefinição em relação às folgas, as entrevistadas faziam alusão à melhora nas condições de vida de sua família nos seus países de origem em função das remessas de dinheiro que podiam enviar para seus familiares. Os salários na faixa de € 800,00 a 1.000,00 eram muito superiores aos que poderiam ganhar em seus países de origem, como no caso das nordestinas que migram para o sudeste. Os autores que assinalam as relações ambíguas entre imigrantes cuidadoras e seus patrões, mesmo reconhecendo que as condições de ilegalidade das imigrantes ou de cidadania parcial podem colocá-las em situação de insegurança em função da escassa regulamentação do trabalho, jornadas exaustivas de trabalho, e violência física e sexual, destacam que o “poder de negociação está presente mesmo nos elos mais fracos dos relacionamentos postos em ação” (DEBERT, 2016DEBERT, Guita Grin. “Migrações e o cuidado do idoso”. Cadernos Pagu, n. 46, p. 129-149, jan./abr. 2016. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/j/cpa/a/3NTMvDgHSVnXjpqJxmGrsTn/abstract/?lang=pt . Acesso em 09/08/2019.
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, p. 141).

Não é meu intuito destacar as possibilidades de agência das cuidadoras e empregadas domésticas que, mesmo tendo algum poder de negociação, encontram-se em relações de assimetria de poder, renda e prestígio social, indicando, pelo menos, um déficit significativo em termos de redistribuição e reconhecimento social, mas chamar atenção para o viés etnocêntrico do diagnóstico de crise dos cuidados de Arruzza, Bhattacharya e Fraser (2019FRASER, Nancy; JAEGGI, Rahel. Capitalismo: Una conversación desde la Teoría Crítica. Madri: Morata, 2019.). Para mulheres que não viveram sob a égide do welfare state, é muito mais difícil a percepção sobre a exploração. E isso também pode ser dito com relação ao “feminismo do microcrédito”.

Quando usam a expressão “feminismo do microcrédito”, as autoras querem salientar as afinidades eletivas entre o feminismo e o neoliberalismo. O “feminismo do microcrédito” é posto em prática pelas “feministas burocratas”, que ocupam postos de prestígio em instituições do sistema financeiro internacional, e são adeptas da agenda do neoliberalismo progressista. A proposta das “feministas burocratas” é combater as formas de violência e opressão sofridas pelas mulheres, “emprestando-lhes pequenas somas de dinheiro para começarem o próprio negócio” (ARRUZZA, BHATTACHARYA; FRASER, 2019FRASER, Nancy; JAEGGI, Rahel. Capitalismo: Una conversación desde la Teoría Crítica. Madri: Morata, 2019., p. 61), com o intuito de fomentar o empoderamento feminino por meio da autonomia econômica das mulheres, promovendo sua independência em relação aos homens. Para as autoras, as constatações de redução da dominação masculina sobre as mulheres são “irregulares”, sendo o grande problema do microcrédito a colocação das mulheres na dependência de instituições financeiras.

Como sintetizou Andrea Cornwall (2018CORNWALL, Andrea. “Além do ‘empoderamento light’: empoderamento feminino, desenvolvimento neoliberal e justiça global”. Cadernos Pagu, n. 52, 2018. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/j/cpa/a/9zJqwjXHP4KbgfsLRCY7WpC/abstract/?lang=pt . Acesso em 10/10/2019.
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), desde os anos 1990, corporações transnacionais, bancos de investimento e de desenvolvimento como FMI e Banco Mundial, aliados a ONGs e filantropos capitalistas, vêm inter-relacionando pobreza com desigualdades de gênero, propagando que o combate à pobreza passa pelo investimento nas mulheres, pelo “empoderamento light” feminino. “Light” porque esse empoderamento, ao invés de fomentar a ação coletiva das mulheres pela luta por emancipação, questionando as desigualdades materiais e simbólicas entre elas e os homens, estimula uma noção individualizada de luta e poder, reafirmando todos os pressupostos da economia capitalista neoliberal. Os investimentos nas mulheres se assentam na ideia de que elas são mais comprometidas com o orçamento doméstico do que os homens, investindo na família e nos filhos, além de terem maior envolvimento com a comunidade. Resumindo, o slogan é “As mulheres que trabalham ajudam seus domicílios a escapar da pobreza” (CORNWALL, 2018CORNWALL, Andrea. “Além do ‘empoderamento light’: empoderamento feminino, desenvolvimento neoliberal e justiça global”. Cadernos Pagu, n. 52, 2018. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/j/cpa/a/9zJqwjXHP4KbgfsLRCY7WpC/abstract/?lang=pt . Acesso em 10/10/2019.
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, e185202). Com isso, estimula-se a promoção do empreendedorismo feminino através do microcrédito para as mulheres empreenderem em pequenos negócios como cozinheiras, doceiras, costureiras etc. Sem falar nas políticas públicas voltadas para as mulheres, que as colocam como receptoras dos fundos de auxílio, prometendo-lhes que o dinheiro pode ter “poderes quase mágicos” para fazer desaparecer as normas e instituições sociais que as constrangem (CORNWALL, 2018, e185202). Várias feministas têm apontado os problemas desse “empoderamento light” que responsabiliza as mulheres por retirarem sua família da pobreza, transformando-as em heroínas e mão de obra barata para consecução de projetos sociais, além de promover uma “conformidade dócil” às relações de poder existentes, encaixando-as em rótulos ligados a papéis de gênero que reafirmam a ideologia e a ordem social neoliberal.

Grosso modo, os fios que ligam o feminismo ao neoliberalismo parecem ser mais complexos do que o simples rompimento com o feminismo liberal e o “feminismo do microcrédito” proposto por Arruzza, Bhattacharya e Fraser (2019FRASER, Nancy; JAEGGI, Rahel. Capitalismo: Una conversación desde la Teoría Crítica. Madri: Morata, 2019.). Como apontou Cornwall (2018CORNWALL, Andrea. “Além do ‘empoderamento light’: empoderamento feminino, desenvolvimento neoliberal e justiça global”. Cadernos Pagu, n. 52, 2018. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/j/cpa/a/9zJqwjXHP4KbgfsLRCY7WpC/abstract/?lang=pt . Acesso em 10/10/2019.
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), é difícil para as feministas nas sociedades do Sul global criticarem, de forma tão contundente, o “empoderamento light” porque sua influência está no derramamento de dinheiro, necessário para organizações e movimentos das mulheres. Cornwall vê nos paradoxos desse empoderamento a brecha para que seja feita a crítica a ele. Ademais, como mostra a autora, ao analisar o projeto Shakti, no qual a Unilever recruta mulheres para serem empreendedoras de pequeno porte, vendendo sachês de xampu e outros cosméticos baratos na periferia da Índia, os resultados da pesquisa sobre essa questão são contraditórios. Se, por um lado, o engajamento empresarial das mulheres envolvidas nesse projeto as desmobilizou em termos de empoderamento coletivo, por outro lado, constatou-se um aumento no sentimento de autoestima delas por trazerem um rendimento para sua família e o reconhecimento em suas comunidades por aumentar a capacidade das mulheres da periferia de comprar e ter acesso à indústria popular dos cosméticos. Bila Sorj (2016SORJ, Bila. “Políticas sociais, participação comunitária e a desprofissionalização do care”. Cadernos Pagu, n. 46, p. 107-128, jan./abr. 2016. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/j/cpa/a/Pj8czmszJwm6vFJ8BPj5rNj/abstract/?lang=pt . Acesso em 02/03/2019.
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), em sua pesquisa sobre o Programa Mulheres da Paz, implementado nas favelas do Rio de Janeiro como alternativa às formas de enfrentamento da violência urbana, também constatou isso. Ao mesmo tempo que o projeto reafirmava estereótipos de gênero, colocando as mulheres como responsáveis pelos cuidados com a comunidade, propiciou reconhecimento social e autoestima para elas, além de dar a algumas delas poder para escapar do rótulo de cuidadoras e “produzirem novas ideias, desejos e relações sociais” (SORJ, 2016SORJ, Bila. “Políticas sociais, participação comunitária e a desprofissionalização do care”. Cadernos Pagu, n. 46, p. 107-128, jan./abr. 2016. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/j/cpa/a/Pj8czmszJwm6vFJ8BPj5rNj/abstract/?lang=pt . Acesso em 02/03/2019.
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, p. 124).

Fraser foi criticada por Verónica Schild (apudCORNWALL, 2018FRASER, Nancy. “Do neoliberalismo progressista a Trump - e além”. Política & Sociedade, v. 17, n. 40, p. 43-64, set./dez. 2018b. Disponível em Disponível em https://periodicos.ufsc.br/index.php/politica/article/view/2175-7984.2018v17n40p43 . Acesso em 03/03/2019.
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) e outros por generalizar excessivamente a influência do feminismo liberal a partir dos Estados Unidos, desconsiderando “a pluralidade de feminismos existentes fora dos Estados Unidos” (CORNWALL, 2018CORNWALL, Andrea. “Além do ‘empoderamento light’: empoderamento feminino, desenvolvimento neoliberal e justiça global”. Cadernos Pagu, n. 52, 2018. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/j/cpa/a/9zJqwjXHP4KbgfsLRCY7WpC/abstract/?lang=pt . Acesso em 10/10/2019.
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, e185202), e as potencialidades dos movimentos do Sul global. Saindo em defesa de Fraser, creio que, ao falar em feminismo liberal e “feminismo do microcrédito”, ela quer mostrar que eles se tornaram hegemônicos por serem amplamente difundidos através das políticas neoliberais e da mídia, que colocam o empoderamento light como a marca do feminismo contemporâneo. Apesar de Cornwall explicitar as dificuldades de questionamento do empoderamento light, ela critica Fraser, ao defender que os movimentos feministas no Sul global têm a capacidade de romper com esse empoderamento, por priorizarem a ação coletiva e a conscientização das desigualdades naturalizadas.

A crítica que faço a Fraser e à sua visão etnocêntrica não diz respeito às possibilidades do feminismo do Sul que, como alguns estudos mostram, é polifônico, tendo correntes que rivalizam e se contrapõem entre si (Letícia RIBEIRO; Brena O’DWYER; Maria Luiza HEILBORN, 2018RIBEIRO, Letícia; O’DWYER, Brena; HEILBORN, Maria Luiza. “Dilemas do feminismo e a possibilidade de radicalização da democracia em meio às diferenças”. Civitas, v. 18, n. 1, p. 83-99, jan./abr. 2018. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/j/civitas/a/Hykgd6gJwRQmS5H6zYsf4np/?lang=pt . Acesso em 05/05/2019.
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), mas, sim, à generalização da crise dos cuidados a partir da experiência americana e dos estudos de feministas europeias. O que Arruzza, Bhattacharya e Fraser (2019ARRUZZA, Cinzia; BHATTACHARYA, Tithi; FRASER, Nancy. Feminismo para 99%. Um manifesto. São Paulo: Boitempo, 2019.) detectam como práticas de exploração das imigrantes, pobres e negras para o trabalho de cuidado reproduz o diagnóstico feito por intelectuais que lastimam o declínio do welfare state e não podem perceber, em toda a sua extensão, as ambiguidades do “empoderamento light” para as mulheres do Sul global que não puderam contar com um sistema universal de serviços públicos, nem com um aporte tão significativo dado pelo Estado para pensões, seguro-desemprego e seguro-família, dentre outros.

Considerações finais

A elaboração teórica das crises do capitalismo de Fraser tem como ponto forte rearticular as lutas de classe às lutas de fronteira, evidenciando as separações indevidas entre economia e política, produção e reprodução, seres humanos e natureza, feitas pelo capitalismo, e sua tendência a gerar crises interdomínios.

No entanto, ao propor, junto com Arruzza e Bhattacharya, o feminismo para 99%, dando especial destaque à crise do neoliberalismo progressista e da reprodução social, Fraser universaliza o contexto de crises e as potencialidades de lutas contra-hegemônicas. Ao discutir os desafios dos movimentos emancipatórios para combater o capitalismo, a autora acaba superestimando as possibilidades de um movimento internacionalista que possa envolver mulheres pobres, negras, índias, LGBTQs, de classe média, do Norte e do Sul global. Com isso, desconsidera os entraves para combater as políticas neoliberais voltadas para as mulheres e o feminismo do microcrédito nas sociedades do Sul.

Além disso, nas sociedades do Norte, há uma série de dilemas para se pensar num feminismo para 99%. Não só porque o feminismo é plural, fragmentado, não sendo apenas o feminismo liberal o principal problema para a unidade do movimento, como também por ser difícil manter, na atualidade, o contexto de conflitos sociais para além de seu caráter esporádico. Sem falar que é problemático generalizar a crise do neoliberalismo progressista e subestimar os obstáculos que divisões e ressentimentos, entre grupos e classes sociais, impõem para a construção de um feminismo para 99%.

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  • 1
    Ver reportagem publicada na revista feminina Claudia, de fevereiro de 2020, intitulada “Futuro em suspenso”.
  • 2
    Wolfgang Streeck, Colin Crouch, Wendy Brown e Stephen Gill.
  • 3
    Agradeço a Henrique Amorim por ter chamado a minha atenção para essa questão.
  • 4
    Em fevereiro de 2020, Trump despontava como favorito à corrida presidencial em função do crescimento da economia e do baixo índice de desemprego. A pandemia do coronavírus e a atuação de Trump para conter a crise sanitária são apontadas como as principais causas de sua derrota. Sobre o favoritismo de Trump, ver KRUGMAN, Paul. “Cinismo republicano pode levar Trump à reeleição”. Folha de São Paulo, 25/02/2020. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/colunas/paulkrugman/2020/02/cinismo-republicano-pode-levar-trump-a-reeleicao.shtml.
  • Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista:

    MATTOS, Patrícia. “Feminismo anticapitalista: articulando teoria e prática”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 30, n. 1, e72837, 2022
  • Financiamento:

    Não se aplica
  • Consentimento de uso de imagem:

    Não se aplica
  • Aprovação de comitê de ética em pesquisa:

    Não se aplica

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    08 Abr 2020
  • Revisado
    02 Ago 2021
  • Aceito
    21 Set 2021
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