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“Na companhia de um homossexual”: trabalho e direito em corpo queer

“In the Company of a Homosexual”: Labour and Law in Queer Body

Resumo:

Elias foi indenizado judicialmente porque um supervisor tirou uma foto dele “na companhia de um homossexual” e divulgou-a entre os colegas, que o ridicularizaram e humilharam no local de trabalho. Diana também foi indenizada por ter sido moralmente assediada pelo encarregado de seu setor, por ser lésbica. “Como ela queria ser homem”, segundo ele, lhe atribuiu o trabalho mais pesado. Além disso, Elias e Diana sofreram acidentes de trabalho: ele caindo de moto, ela contaminando-se com amônia. O artigo parte do exame documental de dois casos judiciais para, em uma perspectiva queer, discutir a centralidade do corpo e a produção da normalidade no trabalho. Explora o acoplamento dos círculos normativos laborais e de gênero e sexualidade e, a partir daí, tenta compreender como o direito do trabalho se envolve na constituição da precariedade queer, como parte da disciplina jurídica de corpos.

Palavras-chave:
queer; corpo; LGBT+; trabalho; direito do trabalho; precariedade

Abstract:

Elias was indemnified in court because a supervisor took a photo of him “in the company of a homosexual” and released it to colleagues, who ridiculed and humiliated him in the workplace. Diana was also compensated for being morally harassed by her sector manager, for being a lesbian. “As she wanted to be a man”, according to him, the heaviest work was attributed to her. In addition, Elias and Diana suffered work accidents: he, falling off a motorcycle, she, contaminating herself with ammonia. The article parts from the examination of documents from two judicial cases, in a queer perspective, to discuss the centrality of the body and the production normality at work. It explores the coupling of normative circles of labour, gender and sexuality and tries to understand how labor law is involved in the constitution of queer precariousness, as part of the legal discipline of bodies.

Keywords:
queer; body, LGBT+; labour; labour law; precariousness

Introdução: (re)conheçam Elias e Diana

O corpo de Elias está no chão. O asfalto quente. Terça-feira, três e meia da tarde. O calor. Na sua rota diária, cabeça nos guaranás a vender, uma fração de segundos, da moto ao chão. Elias no asfalto quente. O caminhão não poderia tê-lo visto? Andar de moto é um perigo esses dias. Vida louca. Não dá para saber o que virá. Os itinerários. Uma hora tudo muda. A dor intensa no ombro. Daí ao hospital, um pulo. E agora? Como vai ser tudo? Na vida, na firma? De novo o falatório? Depois da bendita foto, agora isso?

O estalido do metal sobre o metal. Diana deixa cair na bancada a faca longa e delgada. Seus olhos ardem mais do que de costume. Sente os dedos dormentes debaixo da trama metálica. Difícil respirar. A amônia está mais forte hoje, não? Pega a faca novamente. Vazio pesado esse. A faca escapole de novo. Todo mundo pra fora, todo mundo pra fora. A amônia. Atravessando o frigorífico, mesmo com a tontura, consegue desviar mais uma vez do encarregado. “Falta de homem”? Falta de tudo, menos disso.

Esses dois parágrafos são como eu penso agora em Elias e Diana. Mas são estilhaços de pura fabulação. Não a fabulação crítica imposta pelas impossibilidades absolutas de que fala Saidiya Hartman (2008HARTMAN, Saidiya. “Venus in two acts”. Small Axe: A Caribbean Journal of Criticism, Durham, v. 12, n. 2, p. 1-14, 2008.) ao meditar sobre a dor intraduzível das escravizadas, diante do vazio dos arquivos. Mas por impossibilidades relativas. Essa fabulação, prometo, tem que parar por aqui. Porque também tenho possibilidades relativas. Eu tenho algo no arquivo. Esses dois parágrafos, e todos os demais desse artigo, são referenciados à documentação de duas vidas concretas, e, a partir delas, talvez de outras. O retrato desse fragmento de vidas em elaboração discursiva é feito a partir de dois processos judiciais. Dois casos em que se discutem danos pela ofensa à dignidade de uma trabalhadora e de um trabalhador.

Uma ação judicial, é verdade, não deixa de ser uma outra forma de fabulação. Uma fabulação oficial. Nos nossos casos, as vidas de um homem e de uma mulher em processo. A vida de seus corpos, lidos como de homem e de mulher, com tudo o que se espera deles. E do que se fez deles no trabalho, a partir dessas posições. E de como tudo o que se fez deles no trabalho mudou a partir de uma perturbação dessas mesmas posições. De como esse homem e essa mulher foram ridicularizadas, humilhadas, para serem, depois, reconhecidas, indenizadas. Sempre nesses corpos. E de como tudo isso - do trabalho ao processo, do dano ao reconhecimento - tem um papel na reinstauração permanente de regimes de normalidade.

Isso tudo será desdobrado a partir da ideia geral desse escrito. No presente artigo pretendo, centralmente, demonstrar, a partir de um ponto de vista queer, como as normas jurídicas trabalhistas, mesmo quando protegem quem trabalha, coproduzem uma normalização constantemente reinscrita nos corpos. Uma normalização de muitas ordens, mas particularmente de gênero e sexualidade. Tentarei responder a três grandes perguntas: o que aconteceu com Diana e Elias? O que o direito do trabalho tem que ver com o que aconteceu? E como a resposta do campo jurídico se deu?

Rediscuto, para isso, como os corpos desviantes, corpos queer, são localizados no trabalho. Não que Elias e Diana sejam queer. Até porque gosto de pensar como José Esteban Muñoz (2009MUÑOZ, José Esteban. Cruising utopia: the then and there of queer futurity. Nova Iorque: NY University Press, 2009., p. 1), numa futuridade queer. “O queer ainda não está aqui”. Mas algo aconteceu e os localizou como corpos queer, em momentos queer, ainda que por uma suposição. Corpos estranhos, numa das traduções literais do queer, contra os quais se reagiu. E aí algo se passou que, penso, merece investigação. Eventos que fizeram encarnar, tornar carne, uma precariedade específica na relação entre vida e trabalho. Pretendo, então, começar a investigar esse acoplamento entre as normatividades do trabalho e as normatividades de gênero e sexualidade, porque ele me parece fundamental para a compreensão tanto do mundo do trabalho quanto do mundo dos corpos gendrados e sexualizados. Para mim, é nesses entremundos que a vida é vivida.

Em outras palavras, o que quero demonstrar, aqui, é que a norma trabalhista é feita de corpo. A relação de emprego, categoria básica do direito do trabalho, parte do empregado como “pessoa física”, na formulação do art. 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (BRASIL, 1943BRASIL. Decreto-Lei 5.452, de 01 de maio de 1943. Consolidação das Leis do Trabalho. Brasília: Presidência da República, 1943. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452compilado.htm.
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). Essa pessoa física é, veremos, um corpo que também se produz juridicamente. E um corpo homogeneizado por essa mesma relação, estabilizando-se a partir das expectativas do gênero e sexualidade referenciadas ao espaço do trabalho. As normas trabalhistas, é minha hipótese, têm esse papel coinstituidor nos regimes de normalização da “pessoa física” em sua fisicalidade.

Escrevo esse artigo por não ver a literatura jurídica, ou das humanidades em geral, pensar nessas normas nesses termos. Quando protegem, quando reprimem, quando expõem a risco, quando mitigam os riscos, quando precarizam, tudo é feito considerando um lugar estabelecido. São normas que classificam, ordenam e protegem também a partir das posicionalidades do gênero e da sexualidade. E que lugar o queer catalisa nas relações de trabalho? No corpo, na pessoa, no contrato, na vida, no processo?

Para começar a desatar esse grande nó feito de trabalho, regulação e normas de gênero e sexualidade, me valho do momento em que o direito é instado a mostrar seu próprio corpo: o processo judicial. Não que o corpo do direito só esteja ali. A normatividade se manifesta de maneira a exceder em muito o momento da solução oficial do conflito. Mas ali algo acontece. Especialmente nos processos trabalhistas contemporâneos, nos quais a autonarrativa é chave. Passa-se algo parecido com a confissão para Michel Foucault (1999FOUCAULT, Michel. História da sexualidade: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1999.). Para acessar a justiça, especialmente a do trabalho, é preciso narrar o que se passou. Por escrito, com assistência de advogada. Oralmente, em depoimento. O processo tem uma relação particular com a linguagem e suas formas (Márcio Túlio VIANA, 2011VIANA, Márcio Túlio. “O segundo processo”. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, Brasília, v. 77, n. 2, p. 196-206, abr./jun. 2011.). Contar e recontar. E recompor com outras vozes, de testemunhas. Conduzidas por uma terceira voz, da juíza. Em reexame, nos tribunais superiores, novas vozes. A norma, então, ganha esse corpo todo, que fica inevitavelmente mais à mostra. Vira autos.

O artigo, metodologicamente, parte desse corpo dos autos. É uma análise qualitativa desses dois processos judiciais. Foram processos conhecidos a partir da exploração de bases de julgados de tribunais trabalhistas brasileiros, que se conectam com minhas atividades de pesquisa em direito do trabalho, gênero e sexualidade. Lido essencialmente com esses dois processos como fonte primária. Analiso o teor textual de petições, atas de audiência, despachos, laudos e decisões, em suas formulações discursivas. Ambos percorreram a primeira e a segunda instâncias, envolvendo a produção de provas, testemunhal e técnica, e decisão na vara trabalhista, com rediscussão em sede de recurso. A opção pelo processo judicial corporificado vem de uma necessidade de compreensão do metabolismo jurídico da relação trabalho, gêneros e sexualidades, e corpos. Mas, a despeito de os escritos processuais serem meu material primário, não faço propriamente análise de discurso. Há aqui um uso menos sistemático, menos rigoroso, menos escolástico do material (para não dizer que é um uso mais sensorial, por vezes quase leviano). São impressões que os escritos processuais, a prosa jurídica, me deixam. Algo perto do exercício de Fernando Pocahy (2016POCAHY, Fernando. “(Micro)políticas queer: dissidências em pesquisa”. Textura, Canoas, v. 18, n. 38, p. 8-25, 2016., p. 23) quanto ao modo de produzir/pensar/articular pesquisa. Esse é um escrito interessado em “outras práticas de conhecer, como práticas sensíveis aos territórios livres à experimentação”. Promovo uma colagem entre minhas impressões, as normatividades trabalhistas e algumas categorias teóricas da crítica queer.

Uma última nota introdutória sobre um ponto difícil de ordem (mais do que) metodológica. Ela evoca “a destreza, a delicadeza e o cuidado” como preocupação desse tipo de trabalho (POCAHY, 2016POCAHY, Fernando. “(Micro)políticas queer: dissidências em pesquisa”. Textura, Canoas, v. 18, n. 38, p. 8-25, 2016., p. 22). Os dois processos com os quais lido aqui são públicos e estão disponíveis on-line. Para mim, estão demasiadamente públicos. Ir à justiça, autonarrar-se, faz criar e publicizar registro. E, em tempos de processos judiciais digitalizados, pode-se colocar aquilo que é concretamente mais vulnerável ao alcance de um clique. E por vezes as partes nem sabem bem disso. Para mim, os dois processos tinham elementos para estar sob o que, no direito, chamamos segredo de justiça, uma concessão judicial de sigilo que impede acesso geral aos dados. Mas não estão. Por não estarem, aliás, pude fazer esse exercício. Portanto, vou me obrigar ao que pode ser considerado um erro metodológico e não referenciar absolutamente nada do que está nos processos. Não observarei as regras formais da técnica quando, direta ou indiretamente, citar passagens do processo. E farei isso muitas vezes. A norma técnica privada que nos “rege” no Brasil me obrigaria a falar de número do processo, nome das partes, quem proferiu a decisão, datas, tudo isso. Eu me recuso. Talvez por medo, como quem sabe do risco concreto que coisas como essas podem representar nas nossas vidas. Ainda que sejam dados públicos, não me sinto autorizado a facilitar o risco de desenterrá-los, sem saber o que Elias e Diana pensariam disso.

Elias e Diana, aliás, são nomes fictícios. São os nomes de duas personagens, que peguei de empréstimo do longa-metragem Corpo elétrico, de 2017, dirigido pelo cineasta Marcelo Caetano. É um filme que diz muito sobre o hiato no qual se constitui esse texto. Que é um hiato não só da produção dita científica. Mas também da literatura, do cinema, das artes em geral. Um certo desinteresse mútuo dos universos queer e do trabalho, que têm muitas camadas históricas, ideológicas, afetivas. A dissidência política e teórica queer de várias formas pode ter também nascido contra as formas da crítica do mundo capitalista do trabalho (Roderick FERGUSON, 2004FERGUSON, Roderick. Aberrations in Black: toward a queer of color critique. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2004.). Mas, como nada no queer, esse não pode ser um alheamento sacralizado. A profanação dele nos permite ver mais coisas. Na vida vivida de quem é desviante e trabalha, e é desviante quando trabalha, dentro do trabalho, fora do trabalho, contra o trabalho. Ver como esses universos estão mutuamente implicados. Esse artigo tem vontades parecidas com as do Corpo elétrico.

O texto está arquitetado em cinco momentos, incluindo esse. Primeiro, o conhecimento de Elias e Diana, que é um reconhecimento delas e do que eu quero. Em seguida, a pergunta: O que aconteceu? Para respondê-la, discuto a produção da normalidade pelo trabalho, com o papel das masculinidades e feminilidades compulsoriamente heterossexuais. Em seguida, a pergunta: O que o direito do trabalho tem que ver com isso? Exploro, aqui, o papel ao mesmo tempo central e ocultado da regulação jurídica. Como as operações do direito do trabalho, da concretude do corpo à abstração da pessoa, estão implicadas nisso. Produzindo a precariedade particular do corpo queer no trabalho. Daí para a pergunta: Como a resposta do campo jurídico se deu? Chegamos ao corpo em processo. Na transposição narrativa do que é vivido para o que é revivido diante de um tribunal. A conclusão propõe uma crítica queer do direito do trabalho que será, também, uma defesa queer do que ele pode promover na dinâmica da precariedade do viver.

O que aconteceu? Corpo-para-o-trabalho e normalidade

Difícil responder o que aconteceu. Coisas demais aconteceram, e só tenho acesso parcial a elas. Começo, então, do jeito mais simples, resumindo o que fica em mim das quinhentas páginas de escritos e documentos dos casos.

Elias, vinte e quatro anos de idade, foi promotor de vendas numa empresa de refrigerantes e bebidas numa grande capital do norte brasileiro. Vendia para mercados locais, percorrendo a cidade de motocicleta. Recebia comissões de cerca de R$ 1.700 ao mês. Entrou com uma ação trabalhista contra seu empregador pedindo a remuneração de horas extras não pagas e indenizações por danos morais e materiais. Dois eventos discutidos no processo me interessam particularmente. Em julho de 2013, Elias teria sido fotografado por um superior hierárquico, num salão de beleza, “na companhia de um homossexual”. As aspas da expressão vêm porque ela aparece numa das decisões judiciais. Não podemos saber nada sobre a pessoa que está com Elias, vez que a foto não está nos autos. Mas essa foto teria sido impressa, em papel, e afixada na sala dos vendedores. Elias foi, a partir daí, ridicularizado e ofendido pelos colegas: “Você tá ficando com veado”?; “você é veado também?”; “você é veado gay?”; “quando vai trocar de sexo?”; “tu virou fresco, foi?”. As expressões estão na petição inicial do advogado de Elias, em caixa alta e destaque. Alguns meses depois, Elias foi derrubado de sua moto por um caminhão-caçamba. Na queda, machucou o ombro e ficou afastado do trabalho por quinze dias. Foi demitido logo em seguida, sem justa causa.

Diana, mulher de vinte e poucos anos, retratada no processo judicial como lésbica assumida, trabalhou como assistente de produção em um grande frigorífico, entre 2009 e 2013. Ganhava pouco mais de R$ 860 por mês. Trabalhava na linha de produção, destrinchando peças bovinas. Após sua demissão, também foi à justiça do trabalho discutir uma série de temas. Entre eles, episódios de assédio moral que alega ter sofrido do encarregado de seu setor. Por ser lésbica, ouvia dele frequentemente que ela era assim por “falta de homem”, por falta do pênis, o que o encarregado dizia enquanto fisicamente apontava para o seu próprio. Também se discute no processo um suposto acidente, um vazamento de amônia na planta frigorífica, e seus efeitos físicos e morais em Diana.

Como esse estudo não é sobre o acerto ou erro de decisões judiciais, antecipo algo que também faz parte do que aconteceu, para que não fique nenhum clima inadequado de suspense: em ambos os processos, a justiça do trabalho, em primeira e segunda instâncias, entendeu pela indenização por danos morais pelos atos discriminatórios. Além disso, em ambos os casos, não se reconheceram indenizações pelos acidentes de trabalho.

Mas esse resumo não é propriamente “o que aconteceu”. É apenas a superfície das coisas. Quero, aqui, explorar dois pontos para tentar escavar esse relato breve. O primeiro diz respeito à particular forma que os regimes de normalidade assumem nas relações produtivas, especialmente na disciplina do corpo. Como se constitui aquilo que vou chamar de corpo-para-o-trabalho. O segundo explora como gênero e sexualidade entram, ou saem, na formação desse corpo. Nos nossos casos, quero investigar especialmente como as masculinidades e feminilidades influem na produção desse corpo. Tudo isso para tentar, depois, compreender o papel do direito do trabalho como partícipe ativo desse regime.

A primeira coisa a se considerar é que, o que quer que tenha acontecido, aconteceu ao corpo. Venho já falando muito de corpo e o tomo na acepção mais generalizada da teoria queer, de matriz foucaultiana. Importa menos definir o corpo, e mais compreendê-lo como esse “onde” o viver e o poder se materializam. Para Angela Fonseca (2015FONSECA, Angela Couto Machado. “Poder e corpo em Foucault: qual corpo?”. Nomos, Fortaleza, v. 35, p. 13-33, 2015., p. 31), interpretando o estatuto do corpo em Foucault, “o corpo não é coisa disposta ao poder, mas uma instância que conjuntamente realiza o poder ao materializá-lo”. Assim, nos nossos casos, foram aqueles dois corpos que sofreram com a queda e com a amônia. Mas também foi neles que nasceu o que gerou a discriminação, bem como neles se inscreveu o assédio moral. No corpo, que materializa aquelas existências e o poder nelas inscrito. Demarco, então, esse ponto de partida para expandir a compreensão do que aconteceu. A relação entre corpo e trabalho.

A normalização do corpo está retratada de muitas formas nas experiências e nos saberes do mundo do trabalho. Desde a literatura organizacional, que baseia a produção em um regime próprio de organização de gestos, movimentos, ações. Fordismo, taylorismo, toyotismo são, trocando em miúdos, grandes matrizes de normalização do corpo no trabalho (Giovanni ALVES, 2005ALVES, Giovanni. “Trabalho, corpo e subjetividade”. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 3, n. 2, p. 409-428, set. 2005.). A literatura crítica, da mesma maneira, percebe essa centralidade. A fábrica é, de muitas formas, um modelo para ser no mundo a partir do corpo. Desde a descrição do processo de estranhamento no trabalho por Karl Marx (2010MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2010.), os sentidos da subjetividade no momento da alienação em Pierre Bourdieu (1996BOURDIEU, Pierre. “La double vérité du travail”. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, Paris, v. 114, p. 89-90, set. 1996.), a racionalidade técnica de Herbert Marcuse (1998MARCUSE, Herbert. Cultura e sociedade. v. 2. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998.), a disciplina da fábrica-escola-hospital-prisão de Michel Foucault (2013FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 2013.), o mundo está cheio de análises da implantação de controle de corpos. Dos modos antigos e dos novos (Pierre DARDOT; Christian LAVAL, 2016DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.). E ainda que a mente, a subjetividade, apareça nas análises crescentemente como espaço do capitalismo do nosso tempo, tudo continua, queiram ou não, a se passar no corpo. O mundo da produção é, talvez, o mais explícito na demonstração desse caráter incorporado, encarnado da existência, vez que tudo o que o trabalho exige afetará o corpo de maneira central. O registro da subjetividade no trabalho é, para mim, o de uma subjetividade corpórea.

E nas considerações de toda essa heterogênea literatura em face do corpo no trabalho, algo se percebe fortemente. Ele é um corpo de homem ou de mulher. E sempre heterossexual. Ainda que se discuta a articulação trabalho e gênero (especialmente nas dissidências políticas e teóricas dos feminismos da reprodução social, do trabalho doméstico e do cuidado), não se discutem na mesma proporção gêneros e sexualidades dissidentes. Há quase uma fronteira, que faz trabalho se relacionar com subjetividade de um jeito profundamente heterossexual e cisgênero. Mais do que o “de costume”. E isso se dá tanto nas práticas socioprodutivas e nos muitos círculos analíticos que as consideram, de maneira tradicional ou crítica.

A entrada no universo do trabalho, para as pessoas de gênero e sexualidade dissidentes, vem com o preço de tornar-se o corpo concreto esperado, de um jeito específico. No gênero, agindo socialmente como homem e mulher “típicos”. O que o mundo do trabalho faz é sobrepor e potencializar camadas normativas: as normas do gênero e sexualidade e as normas do mundo sério e fechado do trabalho. No trabalho, não há espaços para ser fora daquilo que se espera.

Assim é que, no ambiente altamente regulado do trabalho, produz-se um corpo-para-o-trabalho. A hifenização, para mim, quer sublinhar um amálgama. O corpo no trabalho é corpo enquanto tal apenas na medida em que o é para o trabalho. É disciplinado de maneira funcional, material, estética, dinâmica, ergonômica. Um corpo literalmente uniformizado. Que recebe da regulação do trabalho seus modos de ser desde os movimentos e ritmos, cabelos e unhas, roupas e escudos, capacetes e máscaras, o que pode ou não estar nele, o que se acopla ou não se acopla a ele. Tem que estar aberto, permanentemente, a essa manipulação normalizadora de outrem. Para que se torne a plataforma da obediência.

Esse processo quer tanto do corpo, exige tanto de sua materialidade, funcionalidade, de suas dimensões simbólicas e sentidas, que não admite variâncias para além das que ele mesmo implanta ou tolera. Por isso parte de lugares muito bem definidos em relação ao gênero e sexualidade. Quanto ao gênero, reclama das estruturas biofísicas que o suportam aquilo que lhe interessa. Se mãos pequenas são necessárias para apertar um parafuso delicado, recolhe-se da fisicalidade esperada do feminino o que dali poderá vir. Se uma peça bovina é grande e gorda, e para se lhe cortar a fibra é preciso músculos grandes, vai-se ao universo das fisicalidades masculinas. Nessa operação, a formação do corpo-para-o-trabalho se dá. E não apenas recebendo as posições estabilizadas de corpos gendrados e sexualizados, mas também as constituindo enquanto tais.

Já as sexualidades, de maneira geral, são reduzidas e enquadradas fortemente no regime de controle masculino sobre os corpos de mulheres. O mundo do trabalho reforça sistematicamente os poderes de homens por meio da violência sexual (Catharine MacKINNON, 1979MacKINNON, Catharine A. Sexual harassment of working women: a case of sex discrimination. New Haven: Yale University Press, 1979.). Mais uma vez para permanentemente recriar corpos masculinos e femininos, sempre heterossexuais, naquele ambiente. E para atender às demandas de homens que se constituem como homens no controle do trabalho alheio, especialmente do trabalho feminino.

Ou isso, ou um ocultamento profundo. A sexualidade, na moral laboral, deve ser sublimada. Sua energia é forte demais e se torna angustiante demais considerá-la. É preciso abafá-la. Incute-se, para tanto, a ideia de que as sexualidades, os desejos sexuais e o sexo são homogêneos e que são para fora do trabalho. “Onde se ganha o pão não se come a carne”, transborda a moralização popular, que talvez seja também uma estratégia de defesa feminina.

E em nada disso o desviante tem lugar. Elias e Diana têm de inibir, abafar, o que potencialmente poderá haver de queer em si ou ao redor. Mais uma vez, nem sei mesmo se há algo queer. Mas os casos me fazem pensar que sim. A forma pela qual os desenhos da masculinidade e da feminilidade aparecem nos casos me chama muito atenção. Proponho, então, pensar os atravessamentos das masculinidades e feminilidades ao redor de Elias e Diana. A primeira aproximação, pelos ofícios exercidos, já atiça o olhar.

Como eu havia dito, Elias trabalhava como vendedor-motoqueiro. Cortava a cidade em suas rotas de venda. A virilidade, velocidade, assertividade permeiam a compreensão de quem Elias era no trabalho. O próprio acidente que sofreu traz em si a fisicalidade do masculino. Um movimento abrupto, uma batida que o leva ao chão. Um dano articular no ombro, forte e seco, que dificulta justamente que ele volte a pilotar sua moto.

Em uma certa passagem do processo, aparecem quatro fotografias de Elias. De maneira aleatória, são juntadas sem referenciamento. Provavelmente, o advogado de Elias as anexou eletronicamente para provar algo sobre o acidente. Mas não está claro o que, nem como. Estão lá, soltas no processo, e não chegam a ser discutidas em texto. Elias aparece em um espaço que parece ser uma sala de vendedores. Essas quatro fotos mostram Elias em movimento, tirando e recolocando uma camisa de botões e manga longa, vermelha, com uma logomarca da empresa. Parece tentar mostrar o ombro machucado. Elias aparece ali como um homem corpulento, forte, com o torso peludo. Usa uma calça jeans escura. Tem os cabelos curtos. E está com uma faixa de tecido apoiada na nuca e sustentando o braço direito. O corpo toma quase a totalidade da imagem, com a tipoia de um lado, com o braço direito desnudo, e a camisa ligeiramente desbotada cobrindo o braço esquerdo. Ao fundo se veem alguns pôsteres de bebidas e um quadro com uma tabela desenhada com rotas de venda. Em duas das fotos, Elias está levemente sorridente e aparece seguro, forte. Parece desses rapazes assim bem-humorados, acelerados, um vendedor.

O laudo fisioterápico do acidente sofrido também retrata Elias de uma forma especificamente masculina. Começa, na sua caracterização, falando de sua idade e do estado civil. Registra ser ele solteiro e ter um filho de três anos. Não se diz por que isso seria relevante, mas, enfim, para nós, é. Ele tem 102 kg. Nos muitos testes aos quais foi submetido, Elias é avaliado pela fisioterapeuta como saudável. Destaca-se, no diagnóstico, a “mobilidade articular, resistência muscular, coordenação motora”.

O corpo de Elias é, assim, ouvido muitas vezes. Todas elas parecem querer reforçar, de uma maneira ou de outra, o masculino de Elias. O pano de fundo, talvez, seja a relação intrínseca entre trabalho e masculinidade. “O que nós entendemos como masculinidade tem impacto no que classificamos ou tipificamos como trabalho” (Christian HAYWOOD; Máirtín GHAILL, 2003HAYWOOD, Christian; GHAILL, Máirtín Mac An. Men and masculinities: theory, research and social practice. Buckingham: Open University Press, 2003., p. 21). O substantivo trabalho, historicamente, se forjou no masculino. A partir da masculinidade é que se reconhece algo como trabalho ou não. A luta histórica de mulheres na visibilização e reconhecimento do cuidado e da reprodução social como trabalho (Silvia FEDERICI, 1975FEDERICI, Silvia. Wages against housework. Bristol: The Falling Wall Press, 1975.) confirma essa relação fundante entre masculinidade e trabalho.

O conceito de masculinidade hegemônica pode também nos ajudar aqui. Não ao reificar uma ideia unitária de masculino. Mas justamente ao tentar identificar como os padrões e hierarquias se expressam ao redor de Elias (ou ao redor do trabalho em geral). O caráter normativo da masculinidade hegemônica, para Robert Connell e James Messerschmidt (2013CONNELL, Robert; MESSERSCHMIDT, James. “Masculinidade hegemônica: repensando o conceito”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 21, n. 1, p. 241-282, 2013., p. 245), parte não de uma presença estatisticamente normalizada, mas do reconhecimento dela como “a forma mais honrada de ser um homem”. Ainda que não possamos entender completamente quem Elias é nesse contexto, as formas dessa masculinidade hegemônica parecem atravessá-lo fortemente.

A foto “na companhia de um homossexual” é um indício disso. De como Elias deixa, por um momento, de comportar-se da maneira mais honrada. E isso desestabiliza fortemente seu lugar no universo do masculino hegemônico. E, com isso, compromete-se sua vida no trabalho, reforçando a tese de que esse homem-motoqueiro era (e deixou de ser) o corpo-para-o-trabalho viril e masculino das expectativas. O esforço de seu superior hierárquico de buscar uma imagem fora do trabalho e, imprimindo-a, tentar “emascular” Elias, parece confirmar tudo isso. Nunca, aliás, se discute nos autos a orientação sexual de Elias. Mas, no quadro das hegemonias masculinas, a simples companhia de alguém identificado como homossexual já é capaz de fissurar de maneira importante esse modo de ser.

A relação entre masculinidade, homossexualidade e classe não é muito estudada. Numa das poucas análises existentes nessa angulação, Donald Barrett (2000BARRETT, Donald. “Masculinity among working-class gay males”. In: NARDI, Peter (Ed.). Gay masculinities. Thousand Oaks: Sage, 2000. p. 176-205.) aponta que homens da classe trabalhadora são normalmente vistos como sendo avessos à esfera emocional, fortemente conectados à diferença padrão de gênero e altamente homofóbicos. Também aqui, na sobreposição, essas normas não são homogeneamente distribuídas e perfeitamente reproduzidas. Os processos de negociação das masculinidades são sempre complexos, mas, ainda assim, essas normas se colocam como culturalmente relevantes.

Fico me perguntando, então, se foi só isso que terá acontecido. Uma expressão vigorosa das masculinidades hegemônicas operárias. Mas o que terá feito Elias agir como agiu? Permanecendo firme no trabalho e, depois, discutindo judicialmente o tema? Talvez seja preciso abrir um pouco mais a leitura. Compreender, também, como na própria revisita de Connell e Messerschmidt (2013CONNELL, Robert; MESSERSCHMIDT, James. “Masculinidade hegemônica: repensando o conceito”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 21, n. 1, p. 241-282, 2013.) ao conceito de masculinidade hegemônica, uma geografia mais precisa das masculinidades no caso, que se passa na região amazônica. Parecem-me, aí, interessantes as especulações de Natã Lima e Raquel Wiggers (2017LIMA, Natã; WIGGERS, Raquel. “Masculinidades amazônicas: família, homens e violência”. In: 11º SEMINÁRIO INTERNACIONAL FAZENDO GÊNERO, 11, 2017, Florianópolis, Anais do 11º Seminário Internacional Fazendo Gênero. Florianópolis: Fazendo Gênero, 2017. p. 1-8. Disponível em Disponível em http://www.en.wwc2017.eventos.dype.com.br/ . Acesso em 05/05/2020.
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), ligadas à pesquisa de violência sexual na Amazônia e à complexificação concreta dos modos de “ser homem”. As pesquisadoras apresentam o conceito de masculinidades amazônicas, que desafia culturalmente as hegemonias globais da masculinidade. Seriam masculinidades nas quais “os homens podem exercer cuidados” (LIMA; WIGGERS, 2017LIMA, Natã; WIGGERS, Raquel. “Masculinidades amazônicas: família, homens e violência”. In: 11º SEMINÁRIO INTERNACIONAL FAZENDO GÊNERO, 11, 2017, Florianópolis, Anais do 11º Seminário Internacional Fazendo Gênero. Florianópolis: Fazendo Gênero, 2017. p. 1-8. Disponível em Disponível em http://www.en.wwc2017.eventos.dype.com.br/ . Acesso em 05/05/2020.
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, p. 6). Outras pesquisas na região confirmam as nuances da masculinidade por ali, sobretudo nas relações de cuidado (Denise Machado Duran GUTIERREZ; Maria Cecília de Souza MINAYO; Kátia Neves Lenz César de OLIVEIRA, 2012GUTIERREZ, Denise Machado Duran; MINAYO, Maria Cecília de Souza; OLIVEIRA, Kátia Neves Lenz César de. “Homens e cuidados de saúde em famílias empobrecidas na Amazônia”. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 21, n. 4, p. 871-883, out./dez. 2012.). A indigeneidade, por exemplo, pode influir na expressão dessas masculinidades mais cuidadosas e comunais.

Vejo Elias nesse cruzamento. Das masculinidades hegemônicas, de homens trabalhadores, que lhe exigem um lugar específico. Ele, no curso do caso e no processo, é recolocado nesse lugar. O do motoqueiro, trabalhador, com corpo forte. Mas, ao mesmo tempo, ferido pela discriminação. Vai à justiça discuti-la. Rompe com a lógica. Eu gosto de pensar em Elias, talvez, como amazonicamente masculino.

No caso de Diana, uma feminilidade não hegemônica se põe potencialmente diante de nós. Diana é uma trabalhadora de frigorífico, a destrinçar peças de carne, carcaças bovinas enormes, com facas afiadas. No nebuloso da (pelo menos minha) simbolização que desconhece as tecnicalidades da linha de produção frigorífica, ela é uma espécie de açougueira. Butcher, em inglês. Será uma butch?1 1 O termo butch não necessariamente vem de butcher, açougueiro, de maneira literal. “Etimologicamente, acredita-se que “butch” é uma abreviação de “butcher”, gíria americana para “garoto durão” no início do século 20 e provavelmente inspirada pelo criminoso Butch Cassidy” (MANDERS, 2020). Mas essa coincidência já foi notada por Halberstam (1998), ao comentar o filme alemão Mein ist dein ganzes Herz, de 1992, em que uma butch trabalha como butcher (açougueira). (Kerry MANDERS, 2020MANDERS, Kerry. “The renegades”. The New York Times [online], Nova Iorque, abr. 2020. Disponível em Disponível em https://www.nytimes.com/interactive/2020/04/13/t-magazine/butch-stud-lesbian.html . Acesso em 04/05/2020.
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).

Para Gayle Rubin (1992RUBIN, Gayle. “Of catamites and kings: reflections on butch, gender, and boundaries”. In: NESTLE, Joan. The persistent desire: a femme-butch reader. Boston: Alyson Press, 1992., p. 472), butch é uma “categoria de gênero lésbico que é constituída através da implantação e manipulação de códigos e símbolos masculinos”. Lésbicas que se expressam no domínio do gênero com elementos das masculinidades. Modos de se vestir, traços corporais, maneirismos. Já vimos que não existe um só modo de expressar masculinidades, mas essa manipulação dos muitos códigos masculinos as caracteriza. Algo que se alinha com o que Jack Halberstam (1998HALBERSTAM, Jack. Female masculinity. Durham: Duke University Press, 1998., p. 9) desenvolve ao redor da masculinidade feminina. Na sua complexidade e variedade de formas, essa masculinidade feminina permite “explorar uma posição de sujeito queer que pode desafiar com sucesso modelos hegemônicos de conformidade de gênero”.

Também nada no caso de Diana nos indica propriamente que seu corpo se expressou nesse registro, das butches, das feminilidades não hegemônicas ou masculinidades femininas. Só sabemos que Diana é uma mulher lésbica. O que nos conduz a essa reflexão, além de uma derivação ao redor do ofício que exercia, é o que consta do depoimento da testemunha ouvida no caso. Uma mulher, então colega de trabalho, relata que “o encarregado falava que a reclamante [Diana] era estressada e nervosa por falta de ‘homem’”, e que ele “gesticulava para a reclamante falando que esta precisava do órgão masculino”. Em seguida, disse que “o encarregado passava o serviço do ‘vazio’ para a reclamante, alegando que, como ela queria ser homem, deveria fazer tal serviço”. O corte do vazio bovino seria particularmente difícil pela quantidade de gordura presente. Por isso, seria um serviço de homem.

O depoimento da testemunha nos diz muito sobre o que aconteceu. Lugares-comuns do sexismo (mulher “estressada e nervosa”), da lesbofobia (“por falta de homem”, “precisava do órgão masculino”) e uma defesa dos limites bem traçados do gênero (“ela queria ser homem”). O que aconteceu foi o que acontece nos ambientes de trabalho. Uma mistura imprecisa e eficiente entre gênero e sexualidade, uma forma particular dos tabus e uma reação que coloca tudo nesse espaço. E um recolocar da normalidade, de maneira violenta e permanente. Dá-se justamente o que percebe Adrienne Rich (2010RICH, Adrienne. “Heterossexualidade compulsória e existência lésbica”. Bagoas - Estudos Gays, Natal, v. 4, n. 5, p. 17-44, nov. 2010., p. 28) sobre mulheres lésbicas no trabalho: “seu emprego depende de que ela finja ser não apenas heterossexual, mas também uma mulher heterossexual em termos de seu vestuário, ao desempenhar um papel feminino, atencioso, de uma mulher ‘de verdade’”.

O que se vê, nos casos, é a produção gendrada e violenta desse corpo-para-o-trabalho de que eu falava. As masculinidades e feminilidades não hegemônicas são, de uma forma ou de outra, punidas. Essa produção implanta um regime de superlativos na relação trabalho, gênero e sexualidade. O trabalho, o fato de ele ser indispensável para a subsistência, o produtor da vida e do mundo, de ele gerar aquilo que se reputa mais valoroso, parece autorizar uma intensificação dos demais regimes de controle e normalização do corpo. Esses são os qualificativos que, na verdade, lhe permitem instituir uma normalidade sua. Que, em se tratando de gênero e sexualidade, como vimos, é bastante intensificada. Há uma autorização social constituída para se exigir uma particular normalidade de gênero e sexualidade no trabalho.

A extorsão da normalidade laboral se dá de muitas formas. Uma delas é a precariedade estrutural. No caso de Diana, o advogado da empresa sabe bem disso. E fala dessa empresa como “uma empregadora almejada por muitos que diariamente batem à sua porta à procura de uma colocação profissional”. Isso, então, faria com que tudo o que se passou com Diana fosse menos importante, com uma naturalização das violências subjacentes. Foi, para a mesma defesa, “uma certa liberdade existente no ambiente de trabalho, entre a reclamante e outros trabalhadores, inclusive seus superiores”. A versão jurídica do “foi só uma brincadeira”. Ou, mais uma vez, a constatação do que Rich (2010RICH, Adrienne. “Heterossexualidade compulsória e existência lésbica”. Bagoas - Estudos Gays, Natal, v. 4, n. 5, p. 17-44, nov. 2010., p. 28) entende como o mundo do trabalho: “um lugar onde as mulheres têm aprendido a aceitar a violação masculina de suas fronteiras psíquicas e físicas como o preço para sobrevivência”.

Seja como for, a normalidade laboral e seus eficientes mecanismos de conformação reforçam em muito a heterossexualidade como padrão. E mais do que padrões puramente no registro da sexualidade. A heterossexualidade revela ali como de fato é um regime político (Monique WITTIG, 2005WITTIG, Monique. El pensamiento heterosexual. Madri: Egales, 2005.), e como é compulsória (RICH, 2010RICH, Adrienne. “Heterossexualidade compulsória e existência lésbica”. Bagoas - Estudos Gays, Natal, v. 4, n. 5, p. 17-44, nov. 2010.). Para Rich, aliás, dá-se aí o apagamento das existências lésbicas.

Ainda que esses dois conceitos (da heterossexualidade como compulsória e como regime político) sejam especificamente referenciados às existências lésbicas, as normatividades do mundo do trabalho provocam processos semelhantes na homossexualidade em geral e nas identidades não hegemônicas de gênero. Cada uma das experiências (de homens, mulheres, cis ou trans, de diferentes sexualidades, bem como em seus entrecruzamentos com raça, classe) revelará mecanismos particularizados nesse processo. Mas o acoplamento de fundo, entre normas de trabalho e a repressão das dissidências de gênero e sexualidade, estará de alguma maneira presente, traduzindo o mundo do trabalho padrão como um mundo de gêneros binários e de heterossexualidade.

O que o direito do trabalho tem que ver com isso? A pessoa (demasiado) física e a produção jurídica da precariedade queer

“Saiba Vossa Excelência que o reclamante é pessoa honesta e de bons costumes e sempre procurou desempenhar suas funções da melhor forma possível, obedecendo”. Assim se manifesta o advogado de Elias, na petição inicial da ação. A estratégia jurídica joga com essa expectativa socialmente difundida dos regimes de normalidade do mundo do trabalho. Do ponto de vista do direito, como esse corpo-para-o-trabalho é normatizado?

Para as relações de trabalho padrão, tudo começa com o controvertido pressuposto do direito moderno (e da própria invenção da modernidade): a existência de um sujeito autônomo, senhor de suas vontades. Mas é um sujeito autônomo que está estruturalmente em necessidade, é de muitas maneiras dependente e se põe, contratualmente, em posição de subordinação. E implica seu corpo nesse contrato.

Meu ponto de partida, aqui, é a discussão jurídico-trabalhista desse estranho arranjo: sujeito e objeto no contrato de trabalho. Um sujeito formalmente autônomo e radicalmente vulnerável. Um objeto obscuro, que se confunde com o próprio sujeito, como aponta Alain Supiot (2016SUPIOT, Alain. Crítica do Direito do Trabalho. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2016.). Se o trabalho se passa no corpo, e a prestação do trabalho é o objeto do contrato, o corpo também será o objeto do contrato? Como pode ser alguém sujeito e objeto do contrato?

Retomemos, então, a questão por seus fundamentos legais mais explícitos. O art. 3º da Consolidação das Leis do Trabalho diz: “Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário” (BRASIL, 1943). O elemento básico que faz da relação de emprego uma que só se pode estabelecer com uma pessoa empregada é essa sua fisicalidade humana. Parte-se de um sujeito abstrato para o plano concreto de proteções materiais, que precisa se corporificar. O elemento pessoa física, na relação de emprego, portanto, delimita e faz encarnar essa pessoalidade abstrata, esse humano universal, em um corpo de gente. Não se pode pensar em direitos trabalhistas, humanos por excelência, para corpos imaginários de empresas. Ou corpos concretos de entes não humanos. De máquinas, de robôs, de animais.

O direito do trabalho, na verdade, faz um duplo movimento. Primeiro, parte do corpo físico de quem trabalha. É ali que os danos gerados pelo trabalho - cansaço, adoecimento, mutilação, morte - acontecem. Esse corpo vira um território histórico das lutas operárias por melhores condições de vida e trabalho. E, então, também ali devem se materializar as proteções. Para pensar essas proteções de um modo geral, não limitado à predefinição de quem, como, quando e onde o direito, pressionado, abstrai o corpo para produzir categorias jurídicas gerais. E depois retorna ao corpo, com seus regimes de normatividade (ainda que de normas de proteção). Um exemplo: o trabalho com gases tóxicos afeta a saúde pulmonar (concretude). Com base na experiência, regulamenta-se a questão (normas técnicas de níveis de exposição, equipamentos de proteção etc.). A regulamentação prevê parâmetros abstratos e abertos às situações concretas do futuro. No retorno, nos casos concretos, deve ser limitada a exposição e fornecidos equipamentos de proteção. É esse o caminho: concreto-abstrato-concreto; corpo-norma-corpo.

Nesse itinerário, o corpo é normalizado. Mesmo o corpo adoecido, o corpo grávido, o corpo envelhecido, o corpo cansado, o corpo mutilado, tudo isso é normalizado. E, como vimos, esse processo de normalização é feito sem grande espaço para gêneros e sexualidades dissidentes. O corpo-para-o-trabalho terá gênero, mas apenas na medida exata da potencialização da máxima normalidade do que o torna corpo-para-o-trabalho.

Assim, alguns corpos são como descartes no processo de produção da norma. Não há espaço para eles. Os corpos queer tendem a ser assim. É certo que esse processo não é totalmente homogêneo. As muitas existências que fazem parte de universos queer podem sim ser incorporadas a relações de trabalho formais, reguladas, ainda que de forma precária, pela norma trabalhista. É o caso, por exemplo, da presença forte de pessoas LGBT em setores como o teleatendimento (Selma VENCO, 2009VENCO, Selma. “Centrais de teleatividades: o surgimento dos colarinhos furta-cores?” In: ANTUNES, Ricardo; BRAGA, Ruy (Orgs.). Infoproletários: degradação real do trabalho virtual. São Paulo: Boitempo, 2009.), que são recrutadas ali justamente por suas possibilidades reduzidas no mercado de trabalho. E por um setor que se aproveita estruturalmente das características dessas pessoas. Mas há sempre algum tipo de perturbação gerada ao processo geral de normalização trabalhista. Ainda que essa perturbação seja excepcionalmente incorporada ao próprio modelo de exploração do trabalho em alguns setores.

Corpos que se exprimem fora dos padrões de inteligibilidade social, marcados pelo desafio à expectativa dos comportamentos de gênero e sexualidade, não são integrados como pessoa, diante do direito, da mesma forma. Isso porque perturbam o caminho concreto-abstrato-concreto. É como se fossem muito concretos. Resistem à homogeneização categorial que se dá em abstrato, por contestarem em concreto, pela existência corpórea, seus pressupostos. E as relações de trabalho tendem a expulsar esses corpos da circulação ampla, reservando a eles um lugar específico.

Aqui, o direito do trabalho está ativamente investido em distribuir precariedades, coconstituindo lugares marginais. Tomo condição precária no sentido de Judith Butler (2015BUTLER, Judith. Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015., p. 51), como “a condição politicamente induzida na qual certas populações (...) ficam expostas de forma diferenciada às violações, à violência e à morte”. Nesse processo de definição e demarcação de vidas humanas, de corpos que importam, as dissidências de gênero e de sexualidade funcionam como elemento de expansão da precariedade. E os modos de trabalho regulado estão fortemente mobilizados nesse processo.

O direito do trabalho tem reservado historicamente a precariedade de maneira bastante forte aos universos afetos ao queer. Primeiro por excluir uma enormidade de pessoas de sua incidência. É o caso do trabalho autônomo ou por conta própria (na ampla variedade de uma economia queer da viração, que envolve diversos setores informais), ou da demarcação de ocupações que sequer são consideradas trabalho (como a prostituição, setor especialmente relevante em vidas travestis e trans).

E, dentro de seus domínios, o direito do trabalho dá operacionalidade à precariedade de várias formas. Voltemos a um elemento do caso de Elias. A foto dele “na companhia de um homossexual” se deu em um salão de beleza. Essa pessoa supostamente homossexual (que muito bem poderia ser uma travesti ou pessoa trans, chamada homossexual em um quadro de violência e imprecisão) trabalhava como cabeleireira. O setor da beleza é fortemente caracterizado por relações gendradas e racializadas. É um setor no qual, a despeito da inexistência de dados sistemáticos, percebe-se a forte presença de travestis, mulheres trans (João Felipe Zini Cavalcante de OLIVEIRA, 2019OLIVEIRA, João Felipe Zini Cavalcante de. “E travesti trabalha?”: Divisão transexual do trabalho e messianismo patronal. 2019. Mestrado (Direito) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.) e gays afeminados.

A beleza e a estética, no Brasil, são um laboratório de modelos precários de contratação. Ali, as taxas elevadas de informalidade somam-se a modelos induzidos de precariedade. É o caso do modelo da Lei 13.352/2016 (BRASIL, 2016BRASIL. Lei 13.352, de 27 de outubro de 2016. Altera a Lei nº 12.592, de 18 de janeiro 2012, para dispor sobre o contrato de parceria entre os profissionais que exercem as atividades de Cabeleireiro, Barbeiro, Esteticista, Manicure, Pedicure, Depilador e Maquiador e pessoas jurídicas registradas como salão de beleza. Brasília: Presidência da República, 2016. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/L13352.htm.
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), a chamada lei do salão parceiro, que permite a contratação de profissionais por salões sem vínculo de emprego, dentro de um arranjo que rompe sem constrangimentos com a principiologia do direito do trabalho. A minha hipótese, aqui, é de que a presença queer nesses setores, como no caso do homossexual da foto de Elias, autoriza a produção de regimes paralelos de precariedade. E eles são assimilados com maior facilidade tanto socialmente quanto pelo mundo do direito e seus especialistas justamente por estarem referenciados a esses corpos em específico. Algo semelhante vai se passar em outros setores que incorporam trabalhadoras e trabalhadores LGBT, em arranjos precários, como o trabalho terceirizado no teleatendimento.

Mesmo dentro do emprego padrão, o direito do trabalho continua a operar concretamente em cumplicidade à rejeição das existências queer. Criando riscos físicos, psíquicos e existenciais particulares para quem é queer. Os casos de Diana e Elias, que trabalharam em relações de emprego formais, são a prova disso. Mas e quando esse próprio direito do trabalho é, em casos como os nossos, interpelado quanto ao seu investimento ativo na criação de precariedades queer?

Como a resposta do direito do trabalho se deu? Os corpos em processo e o processo dos corpos

Só o que podemos saber é que Elias e Diana queriam ser indenizadas. Mas eu imagino que queriam muito mais do que isso. Talvez um mundo em que não devessem ter passado por algo como passaram. Mas o direito dá forma à insatisfação pela maneira invariavelmente redutiva do processo judicial e seus pedidos circunscritos. Nesse sentido, essa potência imensurável das vontades se exprime como vontade de serem indenizadas. Porque, relatam, foram fisicamente afetadas pelo trabalho num acidente. E moralmente, existencialmente, em ofensas baseadas na sexualidade e no gênero. Para tanto, põem seus corpos mais uma vez no centro da arena, rediscutindo-os no processo judicial.

Já, a essa altura, temos algumas impressões sobre o que aconteceu. E também sobre como, estruturalmente, o direito do trabalho coproduz o que se passou. Quero perguntar, agora, como o direito do trabalho, interpelado, reagiu, nos casos, e vem reagindo em geral em face das violências fundadas no gênero e sexualidade. Que deslocamentos são promovidos? Que respostas foram e poderiam ser dadas? E como tudo isso volta a afetar as possibilidades do queer sobre o mundo do trabalho?

Meu ponto principal, aqui, é perceber que o direito do trabalho vem progressivamente sendo provocado a responder em face de práticas concretas de violações a existências LGBT+. E que tem reconhecido que andou mal, ao responder de algumas formas. Mas as respostas que dá, os reconhecimentos que encaminha, ainda modificam pouco a condição subjacente de rejeição ao desviante. Os casos de Diana e Elias mostram essa condição de permanência estrutural da aversão de duas maneiras: (i) nos esquemas e rotas já relativamente “tradicionais” de abertura do direito às temáticas de gênero e sexualidade e (ii) na ideia de reparação por danos causados às existências e aos corpos dissidentes. Essas duas rotas, veremos, acabam reinstaurando a normalidade e renovando as ambiguidades subjacentes, em outros termos, sem necessariamente implicar uma expansão da vivibilidade queer no trabalho.

Um primeiro modo de compreender as reações do direito do trabalho ao gênero é entender o que nele, tradicionalmente, se reporta ao gênero e sexualidade. O caso de Diana oferece uma boa entrada para a discussão. Dentre os pedidos por ela formulados, está um que aparecia de maneira recorrente em ações trabalhistas propostas por trabalhadoras mulheres: a indenização fundada no art. 384 da CLT (BRASIL, 1943). O dispositivo estabelece um descanso de quinze minutos para mulheres antes do início de jornadas extraordinárias. Ou seja, toda trabalhadora mulher teria direito a ficar esses quinze minutos em repouso antes de começar a fazer as chamadas horas extras. O dispositivo vinha da redação original da CLT, de 1943, e compunha um quadro da proteção específica à mulher no trabalho, ao lado de outras garantias da mesma natureza, como as afetas à gestação e à maternidade.

Diana pede o valor dessas horas, para todo o período em que trabalhou em horas extras e não descansou esses quinze minutos. É o que normalmente acontece, vez que esse período de descanso efetivo raríssimamente é observado. Se a trabalhadora vai fazer horas extras, acaba fazendo-as diretamente, seguindo a jornada. Aqui, na concepção desse intervalo especial, o direito do trabalho constitui um mecanismo de proteção que parte da ideia normatizada e específica de mulher. Uma proteção que se ancora em projeções da peculiaridade do corpo feminino, que demandaria cuidados ou descanso específico antes de prolongar a jornada, diante de sua própria feminilidade. Para Regina Vieira e Flávio Higa (2013VIEIRA, Regina Stella Côrrea; HIGA, Flavio da Costa. “Proteção ou discriminação? Passando a limpo algumas normas de tutela do trabalho da mulher”. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, Brasília, v. 79, n. 4, p. 56-72, out./dez. 2013., p. 67-68), o dispositivo da CLT traduz “o corpo masculino como padrão e enxerga a constituição feminina como desviante, frágil e incapaz”.

Essa questão alimentou uma controvérsia grande na literatura jurídica e nos julgados trabalhistas. Faria tal intervalo sentido num regime de igualdade entre os gêneros? E a controvérsia se desenvolve de maneira amplamente problemática. Primeiro porque a discussão toda reifica e fixa os corpos. Vejamos no caso de Diana. Para reconhecer esses quinze minutos, a juíza do caso, na primeira instância, diz que o que ele faz é justamente concretizar a igualdade de mulheres, retificando as desigualdades materiais. Um dispositivo de proteção, segundo ela, baseado em componentes “orgânico (menor resistência física da mulher) e social (dupla jornada da mulher - acúmulo de atividade no lar e no trabalho)”. A juíza, aqui, reconhece e indeniza essas horas. De outro lado, o advogado da empresa se apropria utilitariamente do argumento e afirma que o “dispositivo fere o princípio da igualdade entre homens e mulheres perante a lei”.

Aí é que a discussão, para mim, se revela problemática. O direito do trabalho está capturado entre duas posições: a fixação essencializada do feminino e o simulacro manipulado da igualdade formal de gênero. E ambas têm relações fortes com o sexismo. A primeira por cristalizar juridicamente uma inferioridade física da mulher. A segunda por privar mulheres concretamente de uma proteção a mais.

Para mim, partindo da concretude do vivido, me importa bastante se Diana ganharia um pouco mais no mundo da exploração de seu trabalho. E não creio que seja possível deduzir logicamente nada em termos de cansaço da jornada a partir de corpos fixos, normatizados dessa maneira. Esse direito aos quinze minutos, e tantos outros, é somente um espaço de disputa. E uma disputa que, na crescente precarização do presente, vem sendo perdida. O art. 384 da CLT foi revogado pela reforma trabalhista de 2017 (BRASIL, 2017), sem nenhum conjunto compensatório de proteção. Mais uma vez, não acho que seu fundamento na diferença física, na fragilidade corpórea do feminino, tivesse qualquer sentido. Mas, perdidos os quinze minutos, não se avançou de maneira nenhuma na igualdade de gênero.

Além desses modos tradicionais de disciplinar/proteger, que partem da fixação do binarismo de gênero, o direito do trabalho vem reagindo mais diretamente à discriminação e à violência de pessoas LGBT+. Aqui, a lógica básica é a da indenização de danos. Uma ação ou omissão que gera um sofrimento, humilhação, um dano. A reação se processa na estrutura simples da responsabilidade civil: conduta, nexo, dano. Nos casos de Diana e Elias: xingadas, expostas, ridicularizadas por superiores (conduta), entraram em estado de sofrimento, constrangimento, humilhação (dano) por conta do que passaram (nexo de causalidade).

Aqui, algo importante se passa. O reconhecimento de danos não somente físicos pela discriminação fundada na identidade de gênero e orientação sexual. Um potencial reconhecimento de que modos queer de viver não podem ser violentados impunemente. Um deslocamento, notem, de extrema relevância. Casos judiciais de reconhecimento de indenizações dessa natureza se avolumam (Rodrigo SANTOS, 2016SANTOS, Rodrigo Leonardo de Melo. A discriminação de homens gays na dinâmica das relações de emprego. 2016. Mestrado (Direito) - Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil.). E têm o potencial de levantar questões. É produzida uma narrativa contraposta, dando um corpo relatado a uma questão antes impronunciável. Mas há, contudo, limitações muito evidentes no modelo de indenizações por danos morais.

O fundamento de muitas das decisões nos nossos casos revela essas ambiguidades. Ao condenar as empresas a indenizar os danos morais sofridos pela LGBTfobia e fixar o valor das indenizações, os julgados, de uma forma ou outra, observam a “condição social da vítima” e a “condição financeira do responsável”. Aqui eu cito uma das decisões do caso de Elias.

Muitos problemas aparecem aí. O valor do corpo e da subjetividade é medido dentro dessa conta imprecisa, quase esotérica. Elias e Diana coincidentemente ganharam cerca de R$ 7 mil como indenização pelo sofrimento que tiveram. Valor que corresponde a menos de 30% da remuneração mensal média das juízas e juízes federais que decidiram seus casos. Por quê? Como se define isso? É algo que as decisões não têm muito como explicar. E que, quando o direito tenta tornar explícito, corre o risco de produzir absurdos ainda maiores: tarifação do sofrimento, tabelas da humilhação, preços para a dor. Foi o caso da reforma trabalhista brasileira de 2017.

Em meio a um mar de retrocessos graves, a reforma trabalhista detalhou a disciplina do chamado dano extrapatrimonial. O art. 223-C (BRASIL, 2017BRASIL. Lei 13.467, de 13 de julho de 2017. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Brasília: Presidência da República, 2017. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13467.htm.
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), inserido na CLT pela reforma, dispôs, com grande precisão e acuidade de termos, que “a honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, a sexualidade, a saúde, o lazer e a integridade física são os bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa física”. E resolveu tarifar esses danos, padronizando-os. O art. 223-G, §1º, da CLT reformada, diz que a indenização deve ser graduada em leve, média, grave e gravíssima, calculada à luz do último salário contratual da pessoa ofendida. Do salário contratual. Ou seja, o quanto a pessoa ganha passa a influir no valor da indenização que recebe, de maneira expressamente prevista na lei. Se ganha muito, a ofensa vale muito. Se ganha pouco, vale pouco. As ofensas mais leves, até o valor de três salários da pessoa. As mais graves, até cinquenta.

Não que isso já não acontecesse na prática, mas essa explicitação legal é um transbordamento escandaloso. Esse modelo de tarifação expõe a lógica crua do valor da pessoa e foi fortemente criticado pela comunidade jurídica. Atualmente, a constitucionalidade do dispositivo está em discussão no Supremo Tribunal Federal. Mas ele traz à tona um contrassenso importante: gênero e sexualidade estão sendo reconhecidos na superfície dos direitos ao mesmo tempo que as pessoas de gênero e sexualidade dissidentes estão vivendo em condições cada vez mais precárias no trabalho.

Explico-me melhor, com base na mesma reforma trabalhista. A precisão terminológica na disciplina do dano extrapatrimonial (que utiliza expressões como sexualidade, liberdade de ação, integridade física) é de deixar surpresa qualquer estudiosa do tema. Sobretudo diante do conservadorismo parlamentar do Brasil de 2017. Mas o que vem junto com isso é algo de igual importância. É o que dá a materialidade à vida das pessoas que podem sofrer esses danos: mais e mais modelos precários, trabalho intermitente, terceirização, rebaixamento salarial, desproteção à saúde, enfim, uma enormidade de retrocessos que ampliam essa produção jurídica da precariedade. Que afetam de maneira mais intensa os corpos preferenciais de sempre.

Ou seja, o direito do trabalho brasileiro aprofundou drasticamente precariedades materiais a que estão potencial e concretamente submetidas as pessoas que vivem de modo queer. E o fez “acertando” na linguagem de gênero e sexualidade. E também reconhecendo potenciais indenizações por sexismo e LGBTfobia de baixíssimo valor. Podemos desconfiar, então, de que a desconstrução do direito do trabalho e de suas garantias clássicas faz também parte do homocapitalismo global de que fala Rahul Rao (2015RAO, Rahul. “Global Homocapitalism”. Radical Philosophy, Londres, n. 194, p. 38-49, nov./dez. 2015., p. 47). “Tornando o capitalismo amigável para os queer, mas também tornando os queer seguros para o capitalismo”.

E o problema ainda maior é que isso vem sendo feito dentro de um panorama de capitalismo nunca tão violento, alimentado explicitamente por corpos. Um capitalismo gore, para usar a expressão de Sayak Valencia (2010VALENCIA, Sayak. Capitalismo gore. Santa Cruz de Tenerife: Melusina, 2010.):

Tomamos o termo gore de um gênero de filme que se refere à violência extrema e direta. Assim, com capitalismo gore, nos referimos ao derramamento de sangue explícito e injustificado [...], à porcentagem altíssima de vísceras e desmembramentos, frequentemente misturado com [...] a divisão binária de gênero e os usos predatórios dos corpos (p. 15).

Vejam como as coisas andam de fato gore. Nos nossos casos, vimos, reconhece-se a discriminação. Mas se nega os danos ao corpo de um trabalhador que punha sua vida em perigo diariamente sob uma motocicleta, para receber comissões baixíssimas. E de uma trabalhadora fisicamente extenuada, exposta ao inominável, destrinchando carcaças de bois em um ambiente contaminado. Nega-se o adoecimento, o acidente, as indenizações físicas. Ao mesmo tempo que se indeniza, de maneira financeiramente bem tímida, o dano moral pelas ofensas LGBTfóbicas. O que significa isso? É tudo demasiado ambíguo: fixam-se mais uma vez os limites dos corpos, agora com alguma abertura para expressões de gênero e sexualidade. Mas, concomitantemente, mantêm-se as formas de valorização econômica e exploração material desses mesmos corpos. E nesse quadro, direitos reconhecidos às pessoas LGBT+ não necessariamente expandem a pluralidade, o vigor e o caráter contestatório das existências queer. Pois o mundo do trabalho os sequestra, normaliza, mutila e mata antes disso.

Conclusão: por um direito do trabalho na companhia do queer

Ao terminar esse texto, me dou conta de que em nenhum momento tentei definir o queer. Apenas posso dizer que li algo de queer nos processos. Ou que os li a partir de algo queer. E tentei, a partir desse gesto, dizer ao direito do trabalho do queer. De como esse direito pode estar implicado nos destinos do queer. Que têm sido destinos de aniquilação. É evidente que o direito do trabalho historicamente regula relações de extrema assimetria, canalizando resistências operárias, para devolver alguma vivibilidade, em proteções a quem trabalha. Mas nesse processo, o direito do trabalho faz algo ao queer, e precisa saber disso. Mas me dou conta também de que nesse jogo de falar do queer, sem nomeá-lo, apresento só dificuldades ao direito do trabalho, que terá, de alguma forma, de fazer o quase infactível: regulá-lo. Não sugerirei saídas, pois elas não existem nesses termos.

Eu penso aqui como Marcelo Ramos (2020RAMOS, Marcelo Maciel. “Teorias feministas e queer do direito: gênero e sexualidade como categorias úteis para a crítica jurídica”. Manuscrito inédito, 2020.):

A potência do queer está no seu caráter fugidio, vadio, torcido e insubordinado. É dessa posição ilegível, invisibilizada e marginalizada pelos discursos e normas hegemônicos que o queer se apresenta como uma possibilidade de experimentação epistemológica, de contestação coletiva, de desconstrução de tudo que é tido como justo, essencial ou natural. É desse lugar que uma teoria queer do direito tem a vantagem de produzir experimentações com os discursos e normas jurídicos, confrontando-os, tomando-os para si para explicá-los a partir de suas experiências de subordinação.

O queer nos ajuda a ver além da superfície naturalizada das coisas. E isso também se passa no direito do trabalho. Para ficarmos na pergunta central desse ensaio: o que significa dizer que o direito do trabalho protege a pessoa? A pessoa física do direito do trabalho ainda é a imagem do homem da modernidade. O queer raramente entra. Se entra, é tornado não queer, escondido, refeito para o trabalho. Ou mantido em espaços de particular precariedade. Como pensar, então, um direito do trabalho que, ao normatizar a fisicalidade, realmente a proteja, em sua variedade, e não normalize corpos físicos para lugares predefinidos? As proteções pensadas com base no gênero e sexualidade até o presente, vimos, não estão bem nesse caminho. Essencializam amplamente os códigos binários. A lógica das indenizações também é redutora. E o pior. No quadro do neoliberalismo do presente, aprofunda-se a aniquilação do queer se tudo isso vier acompanhado da desconstrução estrutural de mecanismos mais amplos de redução dos riscos sociais. Do próprio direito do trabalho. Ou seja, as estruturas de proteção social ao trabalho estão implicadas na construção de uma posição marginal para o queer. Mas a destruição dessas estruturas aprofunda ainda mais essa posição de precariedade do queer. Então não há, de fato, soluções a oferecer, prontas e formatadas.

Ou talvez a única solução possível seja dada em gestos: referenciar, revisitar, pensar sempre nessa impermanência do queer. E nos efeitos que ela tem. Ler de maneira queer a proteção ao trabalho. Nesse retorno dessacralizado às categorias jurídico-trabalhistas, já sim se pode coletar algo que necessariamente ampliará as possibilidades de ser queer no mundo. A disciplina do nome, do gênero, das regras da fisicalidade no dia a dia do trabalho, precisam ser radicalmente queerizadas. São a superfície das relações e têm de ser abertas. Mas isso, nos mostram os casos de Diana e Elias, tem de ser acompanhado por uma compreensão mais profunda da articulação entre precariedade trabalhista e precariedade queer. Os estatutos jurídicos precários têm de ser relidos à luz da concretude de seus efeitos para esses corpos localizados. E a luta será contra normas precárias, contratos instáveis, proteções diminuídas para pessoas consideradas abjetas. Nada de salão parceiro, nada de terceirização.

Aqui é que a crítica queer ao direito do trabalho é também uma defesa queer dele. Denunciar a cumplicidade, ou melhor, os investimentos ativos do direito do trabalho na normalização do gênero e da sexualidade é desestabilizar suas categorias. E apostar nas suas reações, a serem construídas a partir de um lugar que abrace a variedade e estranheza dos modos de viver humanos. Porque sem regulação do trabalho, sem proteção social, no mundo que vivemos, é mais difícil ser queer. Um direito queer do trabalho será necessariamente algo que se abre a esse processo de revisita permanente.

A relação entre queer e normatividade é tudo menos simples. Sobretudo a normatividade jurídica, que tende sempre a reforçar ou coproduzir tipologias fixas a todo tempo. Tipologias que normalmente estão na base da refutação queer. Então, vejo essa possível defesa queer do direito como algo sempre caracterizado pela ambiguidade. Sem uma esperança redentora na norma. É uma defesa impermanente, pelas dificuldades mesmas de se pensar em normas jurídicas não normalizadoras, para proteger corpos, existências, vidas. A proteção que o direito, normativamente estruturado, pode oferecer a corpos que se exprimem fora do padrão das normas sociais será naturalmente difícil. Mas acho que não impossível. Porque a vida se vive no hoje. Para pessoas LGBT, particularmente as que transitam no domínio do queer, coisas como a garantia de renda, a eliminação da violência, a mitigação de riscos sociais, o acesso à saúde, tudo isso não perde sentido pela antinormatividade de suas existências. O que perde sentido é pensar acesso a tudo isso a partir de fixações jurídicas impenetráveis, binárias, violentas.

“Na companhia de um homossexual” chamei esse artigo. Isso, é evidente, me marcou. Como estar na companhia de um homossexual pode mudar tudo. Elias, num dos nossos casos, foi xingado, humilhado, rejeitado, por estar com alguém que era homossexual. Nem sabemos quem era essa pessoa. Uma gay afeminada? Uma travesti? Mas sabemos que a sua existência é de tal modo percebida como tóxica, venenosa, contaminante, que é capaz de carregar algo pela imagem. Algo que as juízas do caso também sabem que existe. Algo que é mais forte, aliás, do que a amônia a que Diana esteve submetida e pela qual não foi indenizada. E esse algo precisa ser compreendido. Para que saibamos por que estar na companhia dele é assim tão violentamente rejeitado.

O direito do trabalho, caso queira realmente compreender isso, precisa se pôr na companhia do queer. Não apenas compreendendo pontualmente direitos, indenizações. Não só reconhecendo a existência. Não que isso não seja importante. É muito importante. Mas se colocar na companhia é uma outra coisa. Companhia, cum panio. Sentar-se à mesa com o queer. Partilhar da comida. Oferecer ao queer de tudo. Querer ser fotografado com ele. Ser um direito do trabalho que esteja e assuma que está em nossa companhia

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  • 1
    O termo butch não necessariamente vem de butcher, açougueiro, de maneira literal. “Etimologicamente, acredita-se que “butch” é uma abreviação de “butcher”, gíria americana para “garoto durão” no início do século 20 e provavelmente inspirada pelo criminoso Butch Cassidy” (MANDERS, 2020). Mas essa coincidência já foi notada por Halberstam (1998), ao comentar o filme alemão Mein ist dein ganzes Herz, de 1992, em que uma butch trabalha como butcher (açougueira).
  • Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista:

    NICOLI, Pedro Augusto Gravatá. “‘Na companhia de um homossexual’: trabalho e direito em corpo queer”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 30, n. 1, e73640, 2022.
  • Financiamento:

    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Programa CAPES PrInt (Professor Visitante no Exterior)
  • Consentimento de uso de imagem:

    Não se aplica
  • Aprovação de comitê de ética em pesquisa:

    Não se aplica

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    07 Maio 2020
  • Revisado
    03 Ago 2021
  • Aceito
    13 Set 2021
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