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Análise do monitoramento da qualidade do ar no Brasil

RESUMO

Este artigo descreve as condições atuais da rede de monitoramento de qualidade do ar no Brasil. Os resultados revelam que apenas dez estados e o DF realizam o monitoramento através de 371 estações ativas - 80% delas na Região Sudeste. Outras informações relevantes são: (i) 41,2% das estações nacionais são privadas; no estado do Rio de Janeiro elas representam 60% do total de suas estações, enquanto no estado de São Paulo, 100% das estações são públicas; (ii) o MP10 é o poluente mais monitorado em 62,8% das estações e o MP2,5 em apenas 25,9% delas; e, (iii) a comunicação dos dados de monitoramento em tempo real à população ocorre em cinco estados. Após trinta anos de sua criação, a Rede Nacional de Qualidade do Ar encontra-se incompleta, e insuficientemente implantada, inviabilizando uma adequada gestão da qualidade do ar pelos órgãos ambientais.

PALAVRAS-CHAVE:
Qualidade do ar; Poluição do ar; Monitoramento; Meio Ambiente; Brasil

ABSTRACT

This article describes the current conditions of the air quality monitoring network in Brazil. The results reveal that only ten states and the Federal District carry out the monitoring through 371 active stations - 80% in the Southeast region. Other relevant information include: (i) 41.2% of the national stations are private - in the state of Rio de Janeiro they represent 60% of the its total of stations, while in the state of São Paulo, 100% of the stations are public; (ii) MP10 is the most monitored pollutant in 62.8% of stations and MP2.5 in only 25.9% of them; and, (iii) the communication of monitoring data in real time to the population occurs in five states. Thirty years after its creation, the National Air Quality Network, is incomplete and insufficiently implemented, preventing adequate air quality management by environmental agencies.

KEYWORDS:
Air quality; Air pollution; Monitoring; Environment; Brazil

Introdução

Em 2019, ano em que as Academias Nacionais de Ciências e Medicina da África do Sul, Alemanha, Brasil e Estados Unidos da América lançaram uma iniciativa política-científica para a redução da poluição atmosférica, a Organização das Nações Unidas (ONU) elegeu a poluição atmosférica e a mudança do clima, juntas, como o principal tema de atenção à saúde. Lideranças das nações foram convocadas a se comprometerem com a Iniciativa Ar Limpo (Assaf et al. 2019; ONU, 2019), visando alcançar uma qualidade do ar segura para a saúde de seus cidadãos e a alinhar as suas políticas de redução da poluição do ar e mitigação das emissões associadas às mudanças climáticas até 2030.

Monitoramento da qualidade do ar e os seus efeitos para saúde

O monitoramento de qualidade do ar é relevante, pois mensura as concentrações dos poluentes atmosféricos, gera dados sobre as condições atuais da qualidade do ar, constrói um histórico de dados e habilita os tomadores de decisão a planejar ações e políticas públicas no sentido de assegurar a boa qualidade do ar.

Eventos extremos de poluição do ar - tal qual o nevoeiro que cobriu a cidade de Londres em 1952 e causou o número estimado de 12 mil óbitos (Bell; Davis, 2001BELL, M. L.; DAVIS, D. L. Reassessment of the lethal London Fog of 1952: novel indicators of acute and chronic consequences of acute exposure to air pollution. Environmental Health Perspectives, v.109, p.389-394, June 2001. doi: 10.1289/ehp.01109s3389
https://doi.org/10.1289/ehp.01109s3389...
) - despertaram gestores públicos e legisladores para a preocupação com os efeitos adversos da poluição do ar para a saúde, levando-os ao desenvolvimento de políticas e legislações relevantes, como a lei federal americana - o Clean Air Act, em 1963 (EPA, 1990).

No Brasil, o Programa Nacional de Controle da Poluição do Ar (Pronar) foi criado mais tarde, em 1989, pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente, como um dos instrumentos básicos da gestão ambiental para “proteção da saúde e bem-estar das populações com o objetivo de permitir o desenvolvimento econômico e social do país de forma ambientalmente segura...”.

Os dados de monitoramento propiciaram, nas décadas de 1980 e 1990, uma série de estudos epidemiológicos (Dockery et al., 1993DOCKERY, D. W. et al. An association between air pollution and mortality in six U.S. cities. The New England Journal of Medicine, Waltham, v.329, n.24, p.1753-9, Dec. 1993. DOI: 10.1056/NEJM199312093292401
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; Pope et al., 1995POPE, C. A. et al. Particulate Air Pollution as a Predictor of Mortality in a Prospective Study of U.S. Adults. Am. J. Respir. Crit. Care Med., New York, v.151, n.3, p.669-74, mar. 1995. doi: 10.1164/ajrccm/151.3_Pt_1.669.
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; Saldiva, 1995SALDIVA, P. H. N. et al. Air pollution and mortality in elderly people: a time-series study in São Paulo, Brazil. Arch Environ Health, v.50, n.2, p.159-63, 1995. doi: 10.1080/00039896.1995.9940893.
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) que revelaram os conhecimentos acerca dos efeitos adversos para a saúde humana aos poluentes do ar - e que culminou no Guia de Qualidade do Ar pela Organização Mundial da Saúde (OMS, 2006). A publicação estabeleceu os limites de segurança de exposição aos poluentes tóxicos para a maior parte da população - a base para os padrões de qualidade do ar - importante instrumento de gestão de riscos e política ambiental.

A exposição humana pode ser definida como o evento em que um indivíduo tem contato com um poluente tóxico em uma certa concentração e durante um determinado período. Do ponto de vista da saúde, então, os dados do monitoramento indicam se um local está em conformidade com os níveis de qualidade do ar considerados seguros em termos de exposição. Nesse sentido, a OMS recomendou que os países estabelecessem uma rede de monitoramento de qualidade do ar e a utilizassem para o planejamento urbano na prevenção de ocorrências em saúde pública (OMS, 2006).

De fato, o Pronar vai ao encontro das diretrizes da OMS ao definir como meio principal a limitação dos níveis de emissão de poluentes de diversas fontes, com vistas a: a) uma melhoria na qualidade do ar; b) o atendimento aos padrões estabelecidos; e, c) o não comprometimento da qualidade do ar em áreas consideradas não degradadas.

Recentemente, a poluição do ar foi destacada com impacto comparável aos principais fatores de risco de mortalidade global, tais como a dieta de má qualidade e o tabagismo (Burnett et al., 2018). Embora o risco atribuível ao tabaco para o adoecimento seja maior, a exposição à poluição do ar ocorre para bilhões de habitantes na Terra.

Segundo levantamento da OMS (2016), mais de 90% da população mundial está exposta aos riscos de poluição do ar externa todos os dias, resultando em cerca de uma morte a cada dez (11,6% de todas as mortes a nível global), totalizando cinco milhões de mortes anuais e, dentre elas, 600 mil crianças. No Brasil, todas as 40 cidades apontadas apresentam níveis de qualidade do ar acima do preconizado como mais seguros para a população. E a Organização Pan-americana de Saúde (Opas) revelou 51 mil mortes anuais de brasileiros associadas ao ar tóxico (Assaf et al., 2019; Landrigan et al., 2018; Opas, 2018).

A má qualidade do ar pode prejudicar a saúde por toda a vida, destacando-se: as doenças pulmonares, cardiovasculares e acidentes vasculares cerebrais, a disposição ao câncer e ao diabetes; o desenvolvimento dos bebês ainda antes de nascerem; a demência em adultos e o desenvolvimento cognitivo em crianças (Assaf et al., 2019). As populações de menor nível socioeconômico, crianças e idosos, são os mais vulneráveis e que mais sofrem com a má qualidade do ar.

Antecedentes de análises do monitoramento de qualidade do ar no Brasil

A Política Nacional ao Meio Ambiente (PNMA) (Lei n.6.938/81) é um marco regulatório ambiental no Brasil, pois estabeleceu as diretrizes gerais de suporte que compõe as principais medidas de gestão da qualidade do ar vigentes (Brasil, 1981, 2009a). Ademais, criou o Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama), e o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), atribuindo-lhe competências consultivas, deliberativas e normativas.

As disposições da PNMA têm sido normatizadas por meio de Resoluções do Conama, sendo a Resolução Conama n.05 de 1989 uma das mais importantes no tema ar, pois institui o Pronar - um instrumento essencial da gestão ambiental em nível nacional (Brasil, 1989). Trata-se de um marco integrador de toda a regulamentação que dispõe sobre temas e instrumentos relativos à qualidade do ar (Brasil, 2009a).

Como uma de suas premissas, o Pronar determinou a implementação da Rede Nacional de Qualidade do Ar a médio prazo (prazo este não especificado). No ano seguinte, a Resolução Conama n.03/1990 atribuiu aos estados e distrito federal a responsabilidade de implementá-la nos seus respectivos territórios (Brasil, 1990), determinação mantida na Resolução Conama n.491/2018 que a substituiu.

Após vinte anos da edição do Pronar, o Ministério do Meio Ambiente (MMA), ao realizar uma avaliação crítica acerca de seus resultados, concluiu que houve poucos ganhos na gestão da qualidade do ar no país decorrentes do programa (Brasil, 2009a).

Em 2014, o Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema), em parceria com os órgãos ambientais dos estados e apoio do MMA, avaliou a rede de monitoramento como muito restrita no país e reforçou a necessidade de reorganização do Pronar (Iema, 2014).

Ainda em 2014, o Instituto Saúde e Sustentabilidade (ISS) investigou a situação da rede de monitoramento de qualidade do ar existente no país a partir do acesso às informações publicadas em websites dos órgãos ambientais estaduais. Observou-se que apenas 1,7% dos municípios era coberto pelo monitoramento do ar, concentrado em 40% (11/27) das unidades federativas, a saber: Bahia, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, São Paulo e Sergipe. A Região Sudeste compreendia 78% dos municípios monitorados. Neste estudo, foram identificadas 252 estações, porém nem todos os poluentes eram monitorados em cada uma delas, agravando a situação do monitoramento. O material particulado inalável, MP10, e o ozônio, O3, eram monitorados em 82% e 46% das estações. São Paulo e Rio de Janeiro monitoravam o particulado fino, MP2,5, respectivamente, em 16% e 22% de suas estações. Além disso, apenas uma parte dos estados tornava pública e acessível a informação da qualidade do ar monitorada, assim como a elaboração e publicação de relatórios de qualidade do ar (ISS, 2014).

Assim, entendendo a importância do monitoramento para a gestão da qualidade do ar, seu progresso no país e a proteção da saúde da população brasileira, o Grupo de Trabalho (GT) de Qualidade do Ar, no âmbito da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal1 1 O GT Qualidade do Ar foi instaurado pela Portaria 4ª CCR n.17, de 6 de julho de 2017. (MPF), decidiu quantificar e qualificar as características da rede ativa nacional e de avaliar como se dá a comunicação das informações resultantes dessa atividade à população.

Metodologia

A pesquisa partiu do envio, em 2018, de um questionário elaborado pelos membros do GT e subscrito às Secretarias dos Estados de Meio Ambiente pelo seu coordenador, o procurador regional da República José Leonidas Bellém de Lima. O ISS compilou as respostas e finalizou sua análise aqui apresentada.

A primeira parte do questionário apresenta perguntas que buscam caracterizar o monitoramento de qualidade do ar realizado nas unidades federativas (daqui em diante denominadas “estados”), tais como: quando se iniciou, quem responde pela gestão do monitoramento, quantas estações possuem o estado, se são ativas, públicas ou privadas, se alocadas em Região Metropolitana (RM) ou no interior do estado e quais poluentes são monitorados.

A segunda parte explora a comunicação pública dos dados monitorados. As respostas dessa parte foram também verificadas nos websites dos órgãos estaduais ambientais durante a elaboração do artigo, especificamente entre os meses março e abril de 2020.

A Tabela 1 apresenta os estados brasileiros, em linhas, por regiões. Em colunas, observa-se os estados que responderam ao questionário “Respondentes”; e, um estado que não respondeu ao questionário “Não Respondentes”: Maranhão.

Tabela 1
Estados que responderam ou não ao questionário, e, se realizam o não o monitoramento de qualidade do ar

Em continuidade, ainda na Tabela 1, a coluna “Respondentes COM monitoramento” indicam os estados que afirmaram realizar o monitoramento; e a coluna “Respondentes SEM monitoramento”, os que afirmaram não o realizar.

Dentre os 26 estados respondentes, doze afirmaram não realizar o monitoramento de qualidade do ar, apresentando como justificativas principais: i) o ar não ser poluído (sem fontes industriais e veiculares de grande monta); ii) a falta de recursos para obtenção de equipamentos ou a dificuldade de sua manutenção, e iii) a dificuldade de recursos humanos.

Ainda na Tabela 1 pode-se verificar que 14 estados informaram realizar o monitoramento. No entanto, uma análise mais criteriosa das respostas dos estados levou à decisão de computar AM, BA e MT (em negrito, última coluna) como estados que não realizam o monitoramento, pelas seguintes razões: i) no caso do Amazonas, o monitoramento é realizado por quatro estações localizadas em universidades públicas (Universidade Federal do Amazonas e Universidade do Estado do Amazonas) e gerenciadas por elas para fins acadêmicos e não há divulgação de seus dados; ii) a Bahia adota um sistema descentralizado de gestão da qualidade do ar, não sendo assim o monitoramento de responsabilidade do estado, além dos dados não serem divulgados; e, iii) o Mato Grosso possui um único equipamento de monitoramento que se encontra inativo.

Resultados

O monitoramento da qualidade do ar nos estados

O RJ foi pioneiro no monitoramento da qualidade do ar, em 1967, seguido por SP, em 1970. Os demais iniciaram após uma década ou mais: RS em 1981; PE em 1991; MG em 1995; ES e GO em 2000; PR em 2001; DF e MS em 2005; e AC em 2013.

Como resultado da pesquisa, são 11 (40,7%) os estados brasileiros efetivamente realizadores de monitoramento da qualidade do ar, quais sejam: AC, DF, ES, GO, MS, MG, PR, PE, RJ, RS e SP.

O Brasil dispõe de 371 (86,3%) estações de monitoramento de qualidade do ar ativas de um total de 430 estações no país. A Região Sudeste abriga 298 (80,3%) estações, seguida pela Região Norte com 31 (8,4%), Região Sul com 29 (7,8%), Centro-Oeste com 9 (2,4%) e Nordeste com 4 (1,1%). As regiões Norte e Nordeste são muito pouco representadas, apenas por um estado, cada uma delas, respectivamente, AC e PE.

Na Tabela 2 são apresentados os números de estações de monitoramento da qualidade do ar distribuídas por estados. O RJ possui o maior número de estações ativas, 161, seguido pelos estados de SP, MG e AC, com 90, 32 e 31 estações, respectivamente.

Tabela 2
Número de estações de monitoramento da qualidade do ar para os estados

Em termos regionais, as estações estão distribuídas no território nacional da seguinte forma (Figura 1).

Figura 1
Número de estações ativas de monitoramento por estado e por região.

Em relação à localização intraestadual das estações ativas, 191 (52%) se localizam nas RM e 176 (48%) no interior dos estados. As regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste apresentam, respectivamente, 17 (58,6%), 168 (56,4%) e 4 (44,4%) estações localizadas em suas RM. Entretanto, a Região Norte apresenta 29 (93,5%) estações no interior do estado (Tabela 2).

Um dado relevante refere-se ao número de estações privadas no país (Tabela 2), ou seja, estações pertencentes a instituições privadas, utilizadas pelos órgãos públicos para o monitoramento de qualidade do ar: 153 (41,2%). Dessas, 134 estações (87,6%) localizam-se no Sudeste, 11 (7,2%) no Sul, 3 (2%) no Nordeste, 3 (2%) no Centro-Oeste e 2 (1,3%) no Norte.

De outro lado, 218 (58,8%) das estações ativas de monitoramento no Brasil são públicas. Entre elas, 164 (75,2%) localizam-se no Sudeste, 18 (8,3%) no Sul, 1 (0,5%) no Nordeste, 6 (2,7%) no Centro-Oeste e 29 (13,3%) no Norte (Tabela 2).

Na Região Sudeste 164 (55%) estações são públicas e 134 (45%) são privadas. Interessante notar que 100% das estações do estado de SP e 60% do estado do ES são públicas. Enquanto 100% das estações do estado de MG e 59,6% do RJ são privadas.

Além dos estados da Região Sudeste, os estados de PR, GO e DF apresentam suas estações ativas exclusivamente públicas. Os estados com maior número de estações privadas, além de MG e RJ, são MS (100%), RS (84,6%) e PE (75%).

Poluentes monitorados por estações

Na Tabela 3 é mostrado o número total de estações de monitoramento para os seguintes poluentes: material particulado (MP10 e MP2,5), óxido de nitrogênio (NOX), ozônio (O3), óxido de enxofre (SOX), monóxido de carbono (CO), partículas totais em suspensão (PTS), fumaça e Carbono Negro (CN).

Tabela 3
Número e % de estações que monitoram os poluentes investigados para o total de 371 estações

Verifica-se que o MP10 é o poluente mais monitorado (62,8% das estações), seguido pelo NOx (37,7%) e pelo O3 (36,9%). Em contrapartida, o MP2,5 é monitorado em apenas 25,9% das estações do Brasil. O CO é monitorado em 25,9% das estações e o SOX em 26,4% delas. Enquanto a fumaça (2,7%) e o CN (1,1%) representam os poluentes menos monitorados.

Na Figura 2 apresenta-se o número de estações que monitoram os vários poluentes nas diferentes regiões brasileiras. Nota-se que o Sudeste é à única região que monitora todos os poluentes investigados.

Figura 2
Número de estações que realizam o monitoramento de poluentes - MP10, MP2,5, NOX, O3, SOX, CO, PTS, Fumaça e CN - nas diferentes regiões do Brasil.

Na Figura 3, observa-se o número de estações de acordo com os poluentes atmosféricos monitorados para cada estado analisado.

Figura 3
Número de estações associadas aos poluentes monitorados por estado.

Embora os estados de RJ e SP possuam aproximadamente números absolutos similares de estações de monitoramento de MP10, respectivamente, 64 e 61 estações, sua representatividade no território se diferencia. No RJ elas representam 39,8% do total das estações e em SP, 67,8% delas. Da mesma forma, para MP2,5, o RJ o monitora em apenas 23 estações, que representam 14,3% de todas elas, e, SP, em 29 - 32,2% delas.

O estado do AC, localizado na Região Norte do país, possui 31 estações e 100% delas monitoram ambos os poluentes, MP10 e MP2,5. Ou seja, é o estado com o maior número de estações de monitoramento para o MP2,5.

O estado de SP apresenta o maior monitoramento de O3 e de NOX, com 51 e 49 estações de monitoramento, em relação aos demais estados avaliados. Além disso, é o único estado que apresenta o monitoramento de CN.

Dentre os estados analisados, o RJ apresentou o maior monitoramento de SOX e CO, com 26 e 27 estações de monitoramento, respectivamente - seguido por SP, com 23 estações de SOX e 20 estações de monitoramento de CO.

Comunicação pública

Outro grupo de perguntas avaliou a comunicação pública das informações monitoradas: i) se são compilados relatórios de qualidade de ar anuais e divulgados; ii) se há comunicação dos dados de monitoramento em tempo real; e, iii) se o estado possui um boletim diário. As respostas foram também verificadas nos websites dos órgãos estaduais ambientais.

Em relação à pergunta sobre a elaboração dos relatórios anuais de qualidade do ar (Tabela 4) 10 dentre os 11 estados que realizam o monitoramento o elaboram - a única exceção é o MS. No entanto, na checagem dos websites dos respectivos órgãos ambientais, não foi encontrado nenhum relatório de PE. Ainda assim, relevante notar que uma parte dos estados estão com seus relatórios atrasados. Apenas DF, ES, SP (publicados em 2019), e AC (publicado em 2020) estão em dia com os relatórios. Já PE não elabora seus relatórios desde 2007; MG e PR, desde 2013 e, RJ, desde 2015.

Tabela 4
Informações públicas (relatórios anuais, dados em tempo real e boletins diários) nos estados

Sobre a pergunta se há comunicação pública dos dados de monitoramento de qualidade do ar em tempo real (Tabela 4) apenas quatro estados - AC, MS, RJ e SP, relataram disponibilizar as informações de qualidade do ar em tempo real. No entanto, durante a checagem nos websites não foi encontrada a publicação dos dados em tempo real do RJ. De outro lado, também via website, constatou-se que ES e PR, que não haviam respondido afirmativamente à questão, publicam seus dados de monitoramento de qualidade do ar em tempo real. Portanto, os estados do AC, ES, MS, PR e SP apresentam seus dados em tempo real, conforme a análise dos websites.

Discussão

Completando trinta anos de existência do Pronar, os dados apresentados apontam que a Rede Nacional de Monitoramento de Qualidade do ar é constituída por onze estados e parte deles realiza o monitoramento de forma diminuta em termos territoriais, inapropriada em termos de objetivos e propriedade das estações de monitoramento e incompleta ou desatualizada em termos de poluentes monitorados.

Ademais, o acesso público à informação sobre a qualidade do ar em tempo real ainda é limitado, inviabilizando sua principal utilidade pública que é dotar os cidadãos de informações sobre as condições da poluição do ar, permitindo, assim, uma conduta defensiva em caso de exposição à alta concentração de poluentes.

Há, portanto, o prejuízo i) do diagnóstico da poluição do ar; ii) da informação a respeito à sociedade brasileira e; iii) da devida proteção da saúde - que configuram violações a direitos fundamentais à saúde e ao meio ambiente.

Mas não apenas - a falta do monitoramento prejudicou, especialmente, todo a estruturação dos demais instrumentos previstos e necessários à gestão da qualidade do ar e ao combate à poluição no país.

A situação do monitoramento no Brasil

Há no país 371 estações de monitoramento ativas - o que representa um aumento de 47% em relação a 2014 (ISS, 2014). Comparativamente, o Sistema de Qualidade do Ar dos Estados Unidos aponta para 5.000 estações ativas (EPA, 2020a), em um território de dimensões (9.826.675 km2) próximas ao brasileiro (8.516.000 km²). O Reino Unido possui cerca de 300 estações e sua extensão territorial é de 242.495 km² (Defra, 2020), enquanto o Estado de São Paulo, com 90 estações, possui a extensão similar de 248.209 km². Para Kumar et al. (2016KUMAR, P. et al. Real-time sensors for indoor air monitoring and challenges ahead in deploying them to urban buildings. Sci Total Environ, v.560-561, p.150-9, 2016. https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2016.04.032
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), as estações no Reino Unido são insuficientes para fornecer informações precisas sobre a distribuição espaço-temporal de poluentes ou identificar focos de poluição.

Embora as estações brasileiras abriguem de forma quase igualitária as RM (52%) e as interioranas (48%), a sua distribuição regional no território brasileiro manteve-se desigual. O Sudeste continua a abrigar cerca de 80% das estações - 298 estações, embora 104 a mais que em 2014 (ISS, 2014). Entre 2014 e 2019, SP praticamente manteve o mesmo número de estações (de 86 para 90), enquanto o RJ dobrou o seu número (de 80 para 161) - que se deveu, em parte, para atender aos compromissos assumidos com o Comitê Olímpico Internacional (COI) para a realização dos Jogos Olímpicos de 2016 (Inea, 2016).

O levantamento também mostrou que a Região Norte é a segunda do país com mais estações - 31 (8,4%), depois do Sudeste, ultrapassando a Região Sul com 29 (7,8%). Não havia monitoramento na região Norte em 2014.

Perfil público e privado das estações de monitoramento

Aos estados se atribui o estabelecimento dos programas de controle da poluição do ar, que inclui o monitoramento do ar (Brasil, 1990).

Em todo o Brasil, por outro lado, 153 estações (41,2%) são privadas e utilizadas pelos órgãos públicos ambientais para o monitoramento de qualidade do ar a partir das informações prestadas pelos empreendedores. Assim, embora o Sudeste abrigue a grande maioria das estações do país, 134 (45%) são privadas. E, embora o RJ tenha o dobro das estações que SP, dentre as suas estações, 96 (59,6%) são também privadas.

As estações públicas de monitoramento ativas totalizam 218 (58,8%) no país. Destacam-se nesse recorte SP, PR, GO e o DF, com 100% de suas estações públicas; e o AC com 93,5%. MG e PE, por sua vez, não possuem estações públicas. Caso consideradas apenas as estações públicas, SP teria o maior número de estações do Brasil (90), já o RJ apenas 65 estações.

De um lado, entende-se que os programas de monitoramento devam adaptar-se às necessidades e recursos das instituições responsáveis pela sua realização. A vantagem para os órgãos públicos do uso da rede privada é a economia de recursos financeiros e humanos no que tange aos equipamentos de medição e sua operação/manutenção. No caso, ao órgão público caberá a verificação e acompanhamento do processo de monitoramento, que, no entanto, requererá cuidadoso controle sobre todas as etapas do processo, exigindo a capacitação de recursos humanos para a realização de auditorias e até mesmo a aplicação de instrumentos legais para o acesso aos dados gerados pelo monitoramento (Santi et al., 2000).

Para fins da gestão pública da qualidade do ar, de outro lado, a utilização de estações privadas pode ser considerada controversa. Trata-se dos diferentes objetivos de uma gestão pública da qualidade do ar - um meio ambiente equilibrado que atenda à sociedade como um todo, e os objetivos da gestão privada, focados nos resultados da atividade econômica e de suas obrigações relativas ao processo de licenciamento ambiental.

Outra ressalva é a preponderância desse modelo atender às emissões de fontes fixas na área dos empreendimentos - em detrimento da avaliação de outras fontes de emissões, tal qual a veicular.

Problematizações a partir do perfil dos poluentes monitorados

A análise do monitoramento por poluente identifica uma situação mais preocupante: todos os poluentes são monitorados em menos de 40% das estações em todo país, exceto o MP10, monitorado em 62,8%.

O MP2,5 é considerado o poluente mais nocivo para a saúde, e, portanto, de extrema importância para o monitoramento (Greenstone; Fan, 2018GREENSTONE, M.; FAN, C. Q. Introducing the Air Life Index: Twelve Facts about Particulate Air Pollution, Human Health, and Global Policy. Air Quality Life Index, nov. 2018. Disponível em: <https://aqli.epic.uchicago.edu/wp-content/uploads/2018/11/AQLI-Report.111918-2.pdf>. Acesso em: 12 jun. 2020.
https://aqli.epic.uchicago.edu/wp-conten...
; OMS, 2006). Entre os estados que mais o monitoram, sobressai-se o AC com 31 estações (100% de suas estações), seguido por SP, em apenas 29 (32,2%) estações e o RJ, em 23 (14,3%).

Recentes pesquisas sobre a exposição prolongada ao MP apontam prognósticos mais graves e piores. As estimativas globais de mortalidade atribuíveis à poluição atmosférica por MP2,5 foram 120% maiores que as estimativas anteriores (Burnett et al., 2018). Ademais, novos dados apontam para a associação independente entre a exposição a curto prazo ao MP10 e MP2,5 e a mortalidade diária - um aumento de 10 µg/m3 de MP2,5 foi associado a uma estimativa de aumento de 0,55% na mortalidade cardiovascular diária e de 0,74% na mortalidade respiratória diária (Liu et al., 2019).

Outro poluente de relevância para a saúde é o O3, constatado ser o terceiro poluente mais monitorado no país, embora seja em menos de 40% das estações. Ressalte-se que os estados das regiões Norte (não há estações que o monitoram), Nordeste (quatro estações) e Centro-Oeste (três estações) devem se empenhar mais no monitoramento de O3, pois é um complexo poluente e de formação secundária por meio de reações fotoquímicas. Assim, a concentração de O3 pode aumentar potencialmente em razão dos períodos de calor, de tempo seco, de maior intensidade de radiação solar e de intensa emissão de Compostos Orgânicos Voláteis (COV) provenientes de incêndios florestais, que tem se concentrado em maior número nos últimos anos nessas regiões do Brasil (Ribeiro; Assunção, 2002RIBEIRO, H.; ASSUNÇÃO, J.V. Efeitos das queimadas na saúde humana. Estudos Avançados, v.16, n.44, jan./apr. 2002. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142002000100008
http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142002...
; Dapper et al., 2016DAPPER, S. N.; SPOHR, C.; ZANINI, R. R. Poluição do ar como fator de risco para a saúde: uma revisão sistemática no estado de São Paulo. Estudos Avançados, v.30, n.86, jan./abr. 2016. https://doi.org/10.1590/S0103-40142016.00100006
https://doi.org/10.1590/S0103-40142016.0...
).

O CN, poluente menos monitorado no país (apenas quatro estações no estado de SP), representa um dos componentes do MP2,5 mais relevantes para efeito em saúde, além de ser reconhecido como um dos gases de efeito estufa de vida curta (OMS, 2012).

Outro poluente que tem fornecido evidências sobre a desatualização do sistema de monitoramento no Brasil é o PTS, monitorado na década de 1970, e que não tem sido utilizado mais em vários países (OMS, 2006). Como herança do passado, dentre os estados analisados, GO, por exemplo, monitora exclusivamente o poluente PTS. RJ e MG o monitoram em, respectivamente, 37,8% e 53,1% do total de suas estações - o que o torna o poluente mais monitorado após o MP10 nesses estados.

O monitoramento do estado do Acre e os sensores de baixo custo

O modelo de monitoramento de qualidade do ar adotado em 2019 pelo AC pode ser uma alternativa promissora tecnológica e de baixo custo a ser pensada para outros estados (MPAC, 2019; Melo et al., 2020MELO et al. Monitoramento da qualidade do ar em 2019 no Estado do Acre. Cruzeiro do Sul: UFAC, 2020. 28p. doi: 10.13140/RG.2.2.17584.10244
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). Trata-se da única rede de monitoramento da qualidade do ar da Região Amazônica, baseada em sensores de baixo custo (medem a concentração de MP1.0, MP2.5 e MP10), que se conecta a uma rede internacional com disponibilização de dados em tempo real (Purple air, 2020).

O estado de SC respondeu em seu questionário que se prepara para iniciar o monitoramento no final de 2020 adotando a mesma metodologia. Ambos os casos se valeram da cooperação interinstitucional para sua implementação - no caso do AC, a ação de monitoramento inclui diversas entidades e os equipamentos de monitoramento instalados em 22 municípios foram adquiridos a partir da parceria entre o Ministério Público do Acre, a Universidade Federal do Acre e o Poder Judiciário (MPAC, 2019).

Embora os equipamentos sensores de baixo custo ainda não sejam considerados adequados para o monitoramento regulatório, eles podem identificar áreas que necessitam de um controle mais preciso de emissões de poluentes (EPA, 2019). É o caso do Projeto Acre Queimadas que se beneficiou da observância de dados para que pudesse manejar a situação da poluição atmosférica local - o mínimo para conhecimento e atuação de gestores (Melo et al., 2020MELO et al. Monitoramento da qualidade do ar em 2019 no Estado do Acre. Cruzeiro do Sul: UFAC, 2020. 28p. doi: 10.13140/RG.2.2.17584.10244
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).

Uma série de instituições estão envolvidas com o avanço da tecnologia de sensores de ar, que inclui avaliações de desempenho dos dispositivos e recomendações de práticas para o seu uso eficaz (EPA, 2020b; European Commission, 2020; Eionet, 2014; Castell et al., 2017CASTELL, N. et al. Can commercial low-cost sensor platforms contribute to air quality monitoring and exposure estimates? Environ. International, v.99, p.293-302, 2017. https://doi.org/10.1016/j.envint.2016.12.007
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).

Estados sem monitoramento e as queimadas

Alguns estados das regiões Norte e Centro-Oeste justificaram não realizar o monitoramento por acreditarem que seus territórios não são poluídos. Contudo, para o Brasil - um país territorial extenso e de diversidades regionais múltiplas - deve-se levar em conta as diferentes tipologias de fontes de poluição atmosférica, tais como a queima de combustíveis fósseis (energia para o transporte); os processos industriais; e as atividades agrossilvopastoris, associadas às queimadas, aos incêndios florestais e à movimentação do solo (Brasil, 2009a). As queimadas são justamente as que mais afetam as regiões destacadas - associadas ao desmatamento e ao avanço da fronteira agrícola; à limpeza de áreas recém desmatadas ou à reforma de pastagens e áreas de agricultura (Morello et al., 2019MORELLO et al. Fire, Tractors, and Health in the Amazon: A Cost-Benefit Analysis of Fire Policy. Land Econ., v.95, p.409-34, 2019. Disponível em: <http://le.uwpress.org/content/95/3/409.abstract>. Acesso em: 4 maio 2020.
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).

Os problemas de saúde decorrentes da poluição atmosférica provenientes das queimadas são os mesmos encontrados em grandes metrópoles (Silva et al., 2010SILVA et al. Material particulado (PM2.5) de queima de biomassa e doenças respiratórias no sul da Amazônia brasileira. Revista Brasileira de Epidemiologia, v.2, n.13, p.337- 51, 2010. http://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2010000200015
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; Cançado et al., 2006CANÇADO, E. D. et al. The Impact of Sugar Cane - Burning Emissions on the Respiratory System of Children and the Elderly. Environmental Health Perspectives, v.114, n.5, p.725, 2006. DOI: 10.1289/ehp.8485
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). Artaxo et al. (1994ARTAXO, P. et al. Fine mode aerossol composition at three long-term atmospheric monitoring sites in the Amazon Basin. Journal of Geophysical Research, v.99, n.D11, p.22, p.957-22, 868, 1994. Paper number 94JD01023.) mostraram que o MP é o poluente mais consistentemente elevado em áreas afetadas pela fumaça do fogo no Centro-Oeste, com níveis de MP10 até 700 µg/m3 e MP2,5 até 400 µg/m3 e encontrados até mesmo a 3 mil km de distância.

Reddington et al. (2015) demonstraram que na estação seca as taxas de desmatamento e as queimadas associadas à prática de desmatamento na Amazônia são os principais fatores na formação de aerossóis em grande parte da América do Sul. Além disso, estimaram o impacto de 2.900 mortes precoces (média anual - 1.065 a 4.714 mortes) por doenças cardíacas e respiratórias e câncer de pulmão, devido ao MP2,5 na América do Sul - emitidas pelos incêndios atrelados ao desmatamento na Amazônia durante o período de 2002 a 2011.

As pesquisas citadas utilizaram dados de estimativas de concentrações de poluentes das queimadas produzidas pelo Sistema de Informações Ambientais integrado à Saúde Ambiental (Sisam2 2 O Sisam é uma plataforma do Inpe em parceria com o Ministério da Saúde, e a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), entre outros. Disponível em: <http://queimadas.dgi.inpe.br/queimadas/sisam/v2/dados/download/>. Acesso em: 12 set. 2020. ), com base na análise de imagens de satélite.

Cumpre ainda apontar que, além das emissões de poluentes, o desmatamento e as queimadas são uma importante fonte de emissão de gases de efeito estufa - as últimas estimativas das emissões de CO2eq do Brasil em 2015 (Brasil, 2017) mostram 38% delas associadas à mudança do uso da terra e florestas. Nesse sentido, esforços para reduzir o desmatamento como uma ação de mitigação no aquecimento global, trazem também cobenefícios à saúde.

Divulgação da qualidade do ar

Além do monitoramento da qualidade do ar, é obrigação do Estado gerar informações decorrentes desse processo e comprometer-se a divulgá-las (Gouldson, 2004GOULDSON, A. Risk, regulation and the right to know: exploring the impacts of access to information on the governance of environmental risk. Sustainable Development, v.12, p.136-49, 2004. https://doi.org/10.1002/sd.237
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). Essa obrigação tem respaldo legal para a sociedade ter acesso a dados e informações dos órgãos e entidades ambientais públicos, conforme prevê a Lei n.10.650/2003 (Brasil, 2003).

O acesso aos resultados de monitoramento em tempo real ou a boletins diários é limitado a cinco estados e é fundamental para a população se proteger, pois é o que possibilitará a tomada de ações preventivas imediatas, caso necessário ou recomendável. Se os órgãos ambientais estaduais não divulgam os dados coletados de forma correta e atual, não estão cumprindo sua missão e seu papel protetivo à população, além de prejudicarem um dos principais propósitos do monitoramento da poluição do ar.

Ademais, a divulgação das informações é vista como um componente estratégico relevante para a implementação do monitoramento e gestão da qualidade do ar, uma vez que possibilita que a sociedade se mobilize e pressione os tomadores de decisão - um maior engajamento popular como componente importante na governança ambiental da qualidade do ar - em busca da implementação de uma rede mais representativa que atenda aos objetivos propostos em lei e que garanta a melhoria da qualidade desse bem ambiental (McLaren; Williams, 2015).

Avaliação do Pronar a partir da pesquisa

Apesar de o Brasil dispor de leis e normas infralegais de combate à poluição atmosférica, os dados apresentados permitem concluir que a implementação do Pronar se deu de forma incompleta e insuficiente para atingir os objetivos enunciados na Resolução Conama n.05/1989 e para a proteção dos bens ambientais e direitos fundamentais enunciados na PNMA e na Constituição Federal.

As razões para este cenário tem sido objeto de investigações devido à sua relevância inconteste. Uma linha de interpretação aponta para o fato de a legislação por si só não ser suficiente para solucionar os problemas de poluição (Salinas, 2012SALINAS, N. S. C. Legislação e Políticas Públicas: a lei enquanto instrumento de ação governamental. São Paulo, 2012. Tese (Doutorado em Filosofia e Teoria Geral do Direito) - Faculdade de Direito. Universidade de São Paulo. Disponível em: <https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2139/tde-22042013-112422/pt-br.php#:~:text=Legisla%C3%A7%C3%A3o%20e%20pol%C3%ADticas%20p%C3%BAblicas%3A%20a,instrumento%20de%20a%C3%A7%C3%A3o%20governamenta...&text=Este%20tese%20tem%20por%20objetivo,de%20estrutura%C3%A7%C3%A3o%20das%20pol%C3%ADticas%20p%C3%BAblicas>. Acesso em: 21 abr. 2020.
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) - o mesmo apontado pela Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento ao estudar países em desenvolvimento na Ásia, que dispõem de leis de combate à poluição do ar e de acesso à informação, no entanto, a maioria mal aplicada - e, ainda conclui que a implantação do monitoramento depende do interesse da administração pública em realiza-la (Hight; Kirkpatrick, 2006HIGHT, J.; KIRKPATRICK, G. The impact of monitoring equipmenton air quality management capacity in developing countries. OECD Trade and Environment Working Papers, 2006/2, OECD Publishing, 2006. DOI: 10.1787/350127644870
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).

Outra linha investigativa tem como foco analisar o papel da legislação enquanto prática institucional de estruturação das políticas públicas. Nesse sentido, as deficiências no próprio arranjo legislativo teriam um importante papel na forma como os administradores se comportam. Tais deficiências resultariam em lacunas que possibilitariam uma alta discricionariedade dos administradores públicos, impactando na capacidade de tais atos normativos influenciarem a atividade de implementação de programas governamentais (Salinas, 2012SALINAS, N. S. C. Legislação e Políticas Públicas: a lei enquanto instrumento de ação governamental. São Paulo, 2012. Tese (Doutorado em Filosofia e Teoria Geral do Direito) - Faculdade de Direito. Universidade de São Paulo. Disponível em: <https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2139/tde-22042013-112422/pt-br.php#:~:text=Legisla%C3%A7%C3%A3o%20e%20pol%C3%ADticas%20p%C3%BAblicas%3A%20a,instrumento%20de%20a%C3%A7%C3%A3o%20governamenta...&text=Este%20tese%20tem%20por%20objetivo,de%20estrutura%C3%A7%C3%A3o%20das%20pol%C3%ADticas%20p%C3%BAblicas>. Acesso em: 21 abr. 2020.
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).

Especificamente no campo da legislação ambiental e da atuação do Conama, Salinas (2012SALINAS, N. S. C. Legislação e Políticas Públicas: a lei enquanto instrumento de ação governamental. São Paulo, 2012. Tese (Doutorado em Filosofia e Teoria Geral do Direito) - Faculdade de Direito. Universidade de São Paulo. Disponível em: <https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2139/tde-22042013-112422/pt-br.php#:~:text=Legisla%C3%A7%C3%A3o%20e%20pol%C3%ADticas%20p%C3%BAblicas%3A%20a,instrumento%20de%20a%C3%A7%C3%A3o%20governamenta...&text=Este%20tese%20tem%20por%20objetivo,de%20estrutura%C3%A7%C3%A3o%20das%20pol%C3%ADticas%20p%C3%BAblicas>. Acesso em: 21 abr. 2020.
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) destaca que a produção normativa do órgão é assistemática, porque varia enormemente em termos de qualidade, estrutura e densidade material. Ressalta também que a produção de normas pelo órgão se dá de forma casuística, pois não visa a solucionar os problemas mais sérios e prementes da política ambiental, mas sim a atender as necessidades e interesses fragmentários do órgão.

Esta produção normativa deficiente do Conama ocorre por diversos fatores, com destaque para dois deles. O primeiro em razão de sua atuação se dar em ambiente de enormes deficiências institucionais que agravam o desempenho de suas atividades. E o segundo em razão de falhas no desenho institucional da PNMA que não dispõe de instrumentos adequados para condicionar a administração pública a agir de modo a formular e implementar a PNMA (Salinas, 2012SALINAS, N. S. C. Legislação e Políticas Públicas: a lei enquanto instrumento de ação governamental. São Paulo, 2012. Tese (Doutorado em Filosofia e Teoria Geral do Direito) - Faculdade de Direito. Universidade de São Paulo. Disponível em: <https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2139/tde-22042013-112422/pt-br.php#:~:text=Legisla%C3%A7%C3%A3o%20e%20pol%C3%ADticas%20p%C3%BAblicas%3A%20a,instrumento%20de%20a%C3%A7%C3%A3o%20governamenta...&text=Este%20tese%20tem%20por%20objetivo,de%20estrutura%C3%A7%C3%A3o%20das%20pol%C3%ADticas%20p%C3%BAblicas>. Acesso em: 21 abr. 2020.
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).

Outro fator relevante para a ineficácia e inefetividade da política ambiental relacionado à dimensão normativa, reside na ausência de uma repartição bem definida das competências entre os diferentes órgãos estatais para a consecução de seu dever constitucional de proteção ao meio ambiente (Salinas, 2012SALINAS, N. S. C. Legislação e Políticas Públicas: a lei enquanto instrumento de ação governamental. São Paulo, 2012. Tese (Doutorado em Filosofia e Teoria Geral do Direito) - Faculdade de Direito. Universidade de São Paulo. Disponível em: <https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2139/tde-22042013-112422/pt-br.php#:~:text=Legisla%C3%A7%C3%A3o%20e%20pol%C3%ADticas%20p%C3%BAblicas%3A%20a,instrumento%20de%20a%C3%A7%C3%A3o%20governamenta...&text=Este%20tese%20tem%20por%20objetivo,de%20estrutura%C3%A7%C3%A3o%20das%20pol%C3%ADticas%20p%C3%BAblicas>. Acesso em: 21 abr. 2020.
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). Como exemplo, coube ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), órgão ambiental federal, o papel de gerenciar o Pronar, supervisionar e coordenar tempestivamente a execução, pelos estados, Distrito Federal e municípios, das ações listadas na Resolução Conama n.05/1989 (Brasil, 1989) - o que definitivamente não ocorreu para a rede de monitoramento de qualidade do ar nacional. Nem tampouco cumpriu a maior parte dos estados a incumbência de implementá-la.

O Pronar deve ser entendido como um programa integrador da gestão da qualidade do ar em nível nacional. O monitoramento é a base para guiar o gerenciamento da qualidade do ar ao permitir avaliar a efetividade de um programa de qualidade do ar e sugerir reajustes e melhorias nos instrumentos de gestão. São instrumentos dependentes dos dados de monitoramento: i) os padrões de qualidade do ar; ii) o zoneamento ambiental; iii) a recuperação de áreas degradadas; iv) o controle de fontes de emissão; v) inventário nacional de fontes e poluentes do ar; vi) e o desenvolvimento tecnológico-científico e a informação ambiental (Brasil, 2009b). Ou seja, se não houver as medidas obtidas pelo monitoramento, não é possível definir, iniciar e tampouco aferir as ações de controle.

Segundo Hight e Kirkpatrick (2006HIGHT, J.; KIRKPATRICK, G. The impact of monitoring equipmenton air quality management capacity in developing countries. OECD Trade and Environment Working Papers, 2006/2, OECD Publishing, 2006. DOI: 10.1787/350127644870
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), a chave de partida fundamental para se atingir os objetivos de uma gestão adequada de qualidade do ar é a obtenção de dados confiáveis e abrangentes de monitoramento. Em seu estudo nos países asiáticos em desenvolvimento, os autores apontam como principais desafios a deficiência dos dados monitorados e, como consequência, o prejuízo na identificação de fontes emissoras e nas ações de controle; a desatualização dos padrões de qualidade de ar; e, a falta de compromisso do governo com as políticas estabelecidas.

Nesse sentido, ao encontro com o que ocorre no Brasil, os seus altos padrões de qualidade do ar nacionais vigentes - distantes dos valores guia da OMS - são um dos fatores que protela medidas mais efetivas para o controle mais rigoroso dos níveis de poluição atmosférica em prol da saúde. Justamente, em março de 2019, o Ministério Público Federal ingressou, com o apoio de organizações da sociedade civil, com a Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI n.6148/20193 3 ADI 6148 disponível <http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5707157>. Acesso em: 16 dez. 2020. - contra a Resolução Conama n.491/2018 (decorrente da revisão da Resolução 03/1990), em razão da baixa efetividade protetiva da norma, especialmente em razão da ausência de prazos, estímulos ou sanções para o atendimento de melhores padrões de qualidade do ar pelos estados e distrito federal, e pela forma ineficaz com que foi regulamentada a comunicação pública dos índices de qualidade do ar.

A exemplo, ainda que o estado de SP possua o melhor monitoramento existente no país e tenha se adiantado na atualização dos padrões de qualidade do ar estabelecida pelo Decreto n.59113/2013 (São Paulo, 2013), sua média anual da concentração de MP10 não atende os níveis de concentração preconizados há mais de duas décadas - o que significa que não há a devida salvaguarda da saúde da sua população por todo este período (Cetesb, 2019). O ISS avaliou o impacto em saúde decorrente dos níveis de concentração do MP2,5 no Estado de São Paulo, revelando, que se mantido o mesmo nível de particulados finos observado em 2011, haverá um total de mais de 250 mil óbitos entre 2012 e 2030, cerca de um milhão de internações hospitalares públicas (por doenças respiratórias, cardiovasculares e câncer de pulmão) e um gasto público em internações estimado em mais de R$ 1,6 bilhão a valores de 2011 para o SUS (Rodrigues et al., 2015RODRIGUES, C. G. et al. Projeção da mortalidade e internações hospitalares na rede pública de saúde atribuíveis à poluição atmosférica no Estado de São Paulo entre 2012 e 2030. R. bras. Est. Pop., Rio de Janeiro, v.32, n.3, p.489-509, 2015. DOI http://dx.doi.org/10.1590/S0102-3098201500000029
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).

Em outros termos, ainda que tenhamos o monitoramento e conheçamos as concentrações dos poluentes, não significa que a gestão da qualidade do ar levará às mudanças necessárias. As limitações funcionais do Pronar são, portanto, ainda mais extensas.

Considerações finais

Mesmo após 21 anos, um longo caminho ainda deve ser percorrido para alcançar a rede nacional de monitoramento de ampla cobertura geográfica prevista no Pronar, constituindo-se em um dos hiatos fundamentais a ser superado para uma política efetiva de qualidade do ar no país.

Como explanado, investigações apontam razões de caráter políticos e normativos como os motivos para esta situação. Nesse sentido, revisitar, reavaliar e complementar o arcabouço jurídico da gestão da qualidade do ar, parece ser tarefa inadiável para a consecução da política.

As evidências científicas claramente vêm demonstrando o grave prejuízo do ar tóxico à saúde há pelo menos quatro décadas com piores prognósticos nos últimos dois anos. A necessidade de urgência é clara.

Alarmante e preocupante, recentemente, pesquisadores de Harvard apontam que a exposição a maior concentração de poluentes a longo prazo acarretou o aumento da taxa de mortalidade por Covid-19 e revelam ainda mais a estreita relação da saúde com os impactos da ação humana no meio ambiente (Wu et al., 2020WU, X. et al. Exposure to air pollution and COVID-19 mortality in the United States: A nationwide cross-sectional study. Harvard University, abril 2020. Disponível em: <https://projects.iq.harvard.edu/covid-pm>. Acesso em: 25 abr. 2020.
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).

Como visto, a política pública de qualidade do ar é determinante para a efetivação de direitos fundamentais previstos na Constituição Federal em razão da função vital da atmosfera para o equilíbrio ecológico e a qualidade de vida. Como bem referido por Davidovich e Saldiva (2019DAVIDOVICH, L.; SALDIVA, P. Air Pollution and Health: A Science - Policy Initiative of National Academies. Annals of Global Health, v.85, n.1, p.143, 2019. DOI: http://doi.org/10.5334/aogh.2670
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), são as políticas que extrapolam os limites da ciência da saúde e incluem os assuntos de ética, equidade social, direitos humanos e sustentabilidade global.

Constitui-se, portanto, numa obrigação do Estado implementar as ações de gestão que garantam a devida proteção ou recuperação deste bem comum e de usufruto coletivo. E, em hipótese alguma, deve estar sujeita à critérios de conveniência e oportunidade que na prática inviabilizam à consecução das políticas ambientais e a preservação da vida - tanto mais discutida e mais evidente em época da pandemia pelo coronavírus.

Agradecimentos

Os autores agradecem aos membros do Grupo de Trabalho (GT) de Qualidade do Ar no âmbito da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal: José Leonidas B.de Lima (coordenador); e, membros: Ana Cristina Bandeira Lins, Paulo Pablo C. Barreto, Carlos Bocuhy, Evangelina Vormittag, Olimpio Alvares, Paulo Afonso de André, Elio L. dos Santos. Samirys Cirqueira agradece à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) pela concessão da bolsa de pós-doutoramento (Processo n.2019/04564-2).

Referências

Notas

  • 1
    O GT Qualidade do Ar foi instaurado pela Portaria 4ª CCR n.17, de 6 de julho de 2017.
  • 2
    O Sisam é uma plataforma do Inpe em parceria com o Ministério da Saúde, e a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), entre outros. Disponível em: <http://queimadas.dgi.inpe.br/queimadas/sisam/v2/dados/download/>. Acesso em: 12 set. 2020.
  • 3
    ADI 6148 disponível <http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5707157>. Acesso em: 16 dez. 2020.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2021

Histórico

  • Recebido
    24 Jul 2020
  • Aceito
    06 Jan 2021
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