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Desvelando os arranjos institucionais na criminalização dos povos indígenas: a lógica do inimigo no caso do povo Xukuru do Ororubá

Resumo

A violência contra povos indígenas e seus membros aumentou de maneira notável nos últimos anos, cujas notícias têm sido acompanhadas pela violência enfrentada por defensores de seus direitos. O objetivo deste artigo é oferecer uma explicação para este padrão de violência, demonstrando como a insegurança jurídica dentro do processo demarcatório incentiva povos indígenas e proprietários a entrar em guerra. Através do estudo do caso do Povo Xukuru do Ororubá, descrevemos dois grandes eventos de violência enfrentados para demonstrar o conjunto de ameaças, assassinatos, retomadas autônomas de território demarcado e violência institucional exercida pelas polícias, Ministério Público Federal e Funai. Racionalizamos esses fatos numa matriz de teoria dos jogos para demonstrar que a indefinição da situação do território em demarcação leva ambos os lados, como atores racionais, a agir ao invés de se omitir, utilizando todos os recursos disponíveis para derrotar o oponente e gerando um equilíbrio subótimo. Este resultado leva a dois grandes desdobramentos. Primeiro, o descumprimento pelo Brasil da obrigação de prover dispositivos de direito interno a permitir com que os tribunais adotem tese jurídica que condiciona a eficácia dos direitos territoriais ao orçamento da Funai. Segundo, a existência de um arranjo institucional informal traduzido na permanência do território com os não-indígenas e identificado pela existência de sanções que a literatura denomina como lógica do inimigo, composta pela criminalização de lideranças indígenas e defensores de direitos humanos, assim como pelo desvirtuamento de finalidade na atuação de órgãos públicos. Desta feita, este trabalho contribui para a literatura do Direito Indigenista, Direito Constitucional e Direito Internacional dos Direitos Humanos ao oferecer um nexo de causalidade entre a omissão do estado e a violência física e institucional.

Palavras-chave:
Povos indígenas; Demarcação territorial; Violência; Insegurança jurídica; Omissão estatal

Abstract

Violence against indigenous peoples has notably increased in recent years, and its news has been consequent on the violence faced by defenders of their rights. This article aims to explain this pattern of violence, demonstrating how legal uncertainty within the demarcation process encourages indigenous people and landowners to go to war. Through the study of the case of the Xukuru People of Ororubá, we describe two major violent events to demonstrate the set of threats, murders, autonomous retaking of demarcated territory, and institutional violence incidents by the police, Federal Public Prosecutor's Office and FUNAI. We rationalize these facts in a game theory matrix to demonstrate that the legal insecurity of the territory under demarcation leads both sides, as rational actors, to act and use all available resources to defeat the opponent, generating a suboptimal balance. This result leads to two outspreads. First, Brazil's failure to comply with the obligation to provide domestic legal effects allows the courts to adopt a legal thesis that conditions the effectiveness of territorial rights to Funai's budget. Second, an informal institutional arrangement translated into the permanence of the territory with non-indigenous people's rule. It was identified by the set of sanctions that the literature called the enemy's logic, composed of the criminalization of indigenous leaders and human rights defenders, as well as the distortion of purpose in the performance of public bodies. Therefore, this work contributes to the literature of Indigenous Law, Constitutional Law, and International Human Rights Law by offering a causal link between state omission and physical and institutional violence.

Keywords:
Indigenous peoples; Land demarcation; Violence; Judicial insecurity; State omission

1. Introdução: proposta da análise neoinstitucional para desvelar a criminalização dos povos indígenas1 1 Este estudo foi parcialmente financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código Financeiro 001.

Este artigo visa investigar os arranjos institucionais informais que se naturalizam nas persecuções penais de crimes contra povos indígenas, as quais foram realizadas no sentido de favorecer a sua criminalização. Para desvelar essa realidade, foi escolhido o caso do povo Xukuru de Ororubá, que enfrentou um processo de criminalização severo como reação às suas ações para a retomada de seu território ancestral, o que ficou conhecido como fenômeno de “criminalização do direito ao território” (ALMEIDA, LÔBO, ADVÍNCULA, 2019ALMEIDA, M. S. M.; LÔBO, S. H. C.; ADVINCULA, M. J. P. O caso Xukuru: lacunas e omissões da sentença proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Revista CNJ, Brasília, DF, v. 3, n. 2, p. 67-75, jul./dez. 2019. Disponível em:https://doi.org/10.54829/revistacnj.v3i2.82. Acesso em: 17 abr. 2020.
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; FIALHO et al, 2011FIALHO, V. et al. (EDS.). “Plantaram” Xicão: os Xukuru do Ororubá e a criminalização do direito ao território. Manaus: PNCSA-UEA/UEA Edic̦ōes, 2011.). A Fundação Nacional do Índio (Funai), a Polícia Federal (PF) e o Ministério Público Federal (MPF) atuaram de maneira a criar obstáculos à defesa dos direitos desse povo indígena, direcionando as investigações penais para criminalizá-lo, operando o mesmo em relação aos seus defensores. Esse estudo é proposto a partir da análise neoinstitucional, que incorpora o olhar interdisciplinar das ciências sociais ao direito, para se investigar e desvelar como as instituições funcionam na prática, avaliando a interação entre as regras formais e informais (NÓBREGA, 2013NÓBREGA, F. F. B. Entre o Brasil formal e o Brasil real: Ministério Público, arranjos institucionais informais e jogos ocultos entre os poderes. João Pessoa: Ideia, 2013.).

Outros autores (ALMEIDA, LÔBO, ADVÍNCULA, 2019ALMEIDA, M. S. M.; LÔBO, S. H. C.; ADVINCULA, M. J. P. O caso Xukuru: lacunas e omissões da sentença proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Revista CNJ, Brasília, DF, v. 3, n. 2, p. 67-75, jul./dez. 2019. Disponível em:https://doi.org/10.54829/revistacnj.v3i2.82. Acesso em: 17 abr. 2020.
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; FIALHO et al, 2011FIALHO, V. et al. (EDS.). “Plantaram” Xicão: os Xukuru do Ororubá e a criminalização do direito ao território. Manaus: PNCSA-UEA/UEA Edic̦ōes, 2011.) já denunciaram o cenário de violência estrutural em Pernambuco que embasava a criminalização do povo Xukuru de Ororubá por agentes do Estado.

A análise aqui desenvolvida avança no estado da arte e preenche ainda uma lacuna editorial no meio jurídico, pois grande parte dos fatos vinculados à criminalização não foram apreciados pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) quando da prolação da sentença que condenou o Brasil em 2018 (NÓBREGA; CALABRIA, 2022NÓBREGA, F. F. B.; CAVALCANTI, A. A.; LEIMIG, J. Entre a lei e a luta: o caso do Povo Xukuru do Ororubá e os arranjos formais e informais que dificultaram e favoreceram a promoção de direitos. Em: NÓBREGA, F. F. B. (Ed.). Transformando vítimas em protagonistas: uma experiência da extensão universitária aSIDH. Recife: Editora UFPE, 2022. Disponível em: <https://editora.ufpe.br/books/catalog/book/792>. Acesso em: 9 abr. 2023.
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).

Primeiro, o assassinato do cacique Xicão não foi apreciado por estar fora da competência temporal da Corte IDH. Isto é, embora o Brasil tenha ratificado a Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) em 25 de setembro de 1992 (BRASIL, 1992), apenas aceitou a competência da Corte em 3 de dezembro de 1998 (BRASIL, 2002), meses após o citado assassinato. Assim, os fatos descritos acima foram utilizados apenas a título de “contextualização histórica” do caso, não servindo de base para a apreciação de violações de Direitos Humanos. Segundo, a apreciação do atentado contra o cacique Marcos foi prejudicado pela ausência de apresentação do “escrito de petições, argumentos e provas na oportunidade processual adequada” (CORTE IDH, 2018). O único material relativo ao assunto foram os escritos produzidos pela Comissão, os quais não conseguiram reunir provas suficientes. Por conseguinte, a acusação de que o Estado brasileiro ofendeu o direito à integridade pessoal do povo Xukuru (artigo 5 da CADH) não foi comprovada e o Brasil foi absolvido.

Ademais, a Corte IDH não desvelou como o Brasil deixou de cumprir a obrigação de prover dispositivos de direito interno (artigo 2 da CADH). Mais uma vez, decidiu pela insuficiência de provas, algo muito influenciado pela mencionada ausência da peça processual defensiva (CORTE IDH, 2018). Entretanto, este artigo demonstrará o papel da Funai no fomento ou na resolução dos conflitos entre indígenas e fazendeiros, argumentando que a sua postura de omissão determina um jogo não-cooperativo entre as partes. A Funai é o órgão competente para tratar das relações entre povos indígenas e Estado brasileiro, subordinado ao Ministério da Justiça e ao Poder Executivo eleito (BRASIL, 1967).

O objetivo deste artigo é, assim, trazer uma nova perspectiva e contribuir para a questão através do neoinstitucionalismo. Dentro de suas diversas correntes (HALL e TAYLOR, 2003HALL, Peter A.; TAYLOR, Rosemary C. R. As três versões do neo-institucionalismo. Tradução: Gabriel Cohn. Lua Nova: revista de cultura e política, p. 193-223, 2003. Disponível em:https://www.scielo.br/j/ln/a/Vpr4gJNNdjPfNMPr4fj75gb/?format=html⟨=pt. Acesso em: 16 set. 2021.
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), o neoinstitucionalismo histórico de North define instituições como as “as regras do jogo em uma sociedade ou, mais formalmente, os constrangimentos criados por humanos que determinam a interação humana” (NORTH, 1990NORTH, D. C. Institutions, institutional change, and economic performance. Cambridge, New York: Cambridge University Press, 1990., p. 1). As instituições são formais quando criadas, comunicadas e aplicadas através dos canais que são amplamente aceitos como oficiais. As mesmas são informais quando criadas, comunicadas e aplicadas fora dos canais oficiais de sanção, ao mesmo tempo em que são compartilhadas socialmente (HELMKE e LEVITSKY, 2006HELMKE, G.; LEVITSKY, S. (EDS.). Informal institutions and democracy: lessons from Latin America. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2006.). É essencial identificar as instituições informais através de seus mecanismos de punição e premiação (VOIGT, 2018VOIGT, S. How to measure informal institutions. Journal of Institutional Economics, v. 14, n. 1, p. 1-22, fev. 2018.). Assim, este artigo trabalha a hipótese de existência de um arranjo institucional informal de permanência da posse do território tradicional com os não-indígenas, cujo mecanismo de incentivo institucional é justamente a criminalização. Este artigo apontará como os arranjos informais se desenvolveram em dois crimes: o assassinato do cacique Xicão e o atentado contra a vida do cacique Marcos.

2. O caso emblemático do Povo Xukuru de Ororubá

A luta do povo Xukuru do Ororubá representa as mazelas da guerra travada pelos povos indígenas brasileiros ao longo dos séculos (NAVARRO, 2019NAVARRO, G. C. B. The judgment of the case Xucuru People v. Brazil: InterAmerican Court of Human Rights between consolidation and setbacks. Revista de Direito Internacional, v. 16, n. 2, 14 nov. 2019.). Resgatando um passado remoto, sabe-se que as disputas pelo território em que habitam remontam aos tempos coloniais. De fato, a fertilidade das terras nos brejos do Ororubá sempre foi evidenciada em um ambiente de clima seco marcado pelas disputas por água. Em 1654, O Rei de Portugal fez doações de grandes sesmarias nessa região a senhores de engenho do litoral para criação de gado. Assim, as terras foram, ao longo do tempo, sendo invadidas por arrendatários e pelos antepassados das famílias tradicionais que viriam a formar a oligarquia de Pesqueira. Em 1850, a Lei de Terras terminou por legitimar essas usurpações ao declarar a extinção do Aldeamento de Cimbres (SILVA, 2018SILVA, Edson. Povo Xukuru do Ororubá. Índios do Nordeste, [S. l.], 2018. Disponível em:https://osbrasisesuasmemorias.com.br/povo-xukuru-do-ororuba/. Acesso em: 11 jan. 2019.
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).

A maneira pela qual a posse das terras estava distribuída reflete o processo de invasões. No início da demarcação, a Funai realizou o levantamento fundiário da terra a ser demarcada, cujo resultado deixou evidente a estrutura latifundiária de sua ocupação por não-indígenas. Os pequenos posseiros, aqueles cuja terra ocupada não ultrapassa 100 hectares, representavam cerca de 11% do território. Enquanto isso, as posses de 100 a 500 hectares eram quase 19% da terra indígena, e as posses com mais de 500 hectares constituíam mais de 20% da mesma. Assim, cerca de 11 mil hectares (correspondente aos 39% das posses com mais de 100 hectares), correspondiam apenas a 32 propriedades (ALMEIDA, LOBO, ADVINCULA, 2019ALMEIDA, M. S. M.; LÔBO, S. H. C.; ADVINCULA, M. J. P. O caso Xukuru: lacunas e omissões da sentença proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Revista CNJ, Brasília, DF, v. 3, n. 2, p. 67-75, jul./dez. 2019. Disponível em:https://doi.org/10.54829/revistacnj.v3i2.82. Acesso em: 17 abr. 2020.
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; FIALHO et al, 2011FIALHO, V. et al. (EDS.). “Plantaram” Xicão: os Xukuru do Ororubá e a criminalização do direito ao território. Manaus: PNCSA-UEA/UEA Edic̦ōes, 2011.). Entre os principais ocupantes não indígenas do território Xukuru estavam o prefeito de Pesqueira, vereadores de Pesqueira, secretários municipais e pessoas relacionadas a um senador da República (FIALHO, 1998; FIALHO et al, 2011).

A reviravolta na situação teve como ponto inicial a Constituição Federal de 1988, a qual marcou a mudança do paradigma integracionista pelo paradigma de respeito à alteridade (CAVALCANTI, 2018CAVALCANTI, A. A. A incapacidade da capacidade indígena no Brasil. Anais do IX Congresso da ABraSD, São Paulo, 2018, p. 999-1011. Disponível em:https://www.dropbox.com/s/pwacljwx7x6ljk5/Anais%20trabalhos%20completos%20IX%20ABraSD_rev%20%281%29.pdf?dl=0. Acesso em: 14 dez. 2020.
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). Embora não houvesse nenhum constituinte indígena na Subcomissão VII-C da Constituinte de 1987, cujo tema era “Negros, Populações Indígenas, Pessoas deficientes e Minorias”, os representantes desses povos tradicionais puderam ocupar um lugar em meio a seus debates (BARATTO, 2016BARATTO, M. Direitos indígenas e cortes constitucionais: uma análise comparada entre Brasil, Colômbia e Bolívia. Tese de doutorado - Instituto de Filosofia de Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. Campinas, São Paulo, 2016.). Entre eles estava Francisco Assis de Araújo, que viria a ser conhecido como “cacique Xicão”. Devido a essa intensa participação, a Carta positivou não apenas o direito dos povos indígenas brasileiros aos seus respectivos territórios ancestrais (SILVA, 2018SILVA, Edson. Povo Xukuru do Ororubá. Índios do Nordeste, [S. l.], 2018. Disponível em:https://osbrasisesuasmemorias.com.br/povo-xukuru-do-ororuba/. Acesso em: 11 jan. 2019.
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, p. 8).

Não obstante a documentação do conflito fundiário desde o século XIX, é a partir da iniciativa para a demarcação de 1989 que o conflito se torna mais visível, com acompanhamento sistemático da mídia e do uso de recursos administrativos e jurídicos (FIALHO et al, 2011FIALHO, V. et al. (EDS.). “Plantaram” Xicão: os Xukuru do Ororubá e a criminalização do direito ao território. Manaus: PNCSA-UEA/UEA Edic̦ōes, 2011.). Este foi o ponto inicial de uma série de casos violentos relacionados à disputa pelo território, dois dos quais serão destrinchados a seguir.

3. Como os representantes do Estado operaram a criminalização

a. Assassinato do cacique Xicão: as atuações da polícia e do Ministério Público

O assassinato de Xicão foi o terceiro desde o início do processo de demarcação. O primeiro foi o de José Everaldo Bispo, filho do pajé Xukuru, em 3 de setembro de 1992. O segundo foi o de Geraldo Rolim Mota Filho, procurador da Funai, em 14 de maio de 1995. Esses dois primeiros assassinatos tiveram uma clara motivação ligada às disputas territoriais, mas a sua apuração na justiça comum insistiu em lhes relacionar a disputas pessoais (FIALHO et al, 2011FIALHO, V. et al. (EDS.). “Plantaram” Xicão: os Xukuru do Ororubá e a criminalização do direito ao território. Manaus: PNCSA-UEA/UEA Edic̦ōes, 2011.).

A liderança de Xicão ganhou imenso destaque com a sua mencionada participação na Constituinte de 1987. Tratava-se de um sinal claro de que os Xukurus do Ororubá passariam a lutar ativamente pelo território, devido ao estabelecido pelo caput do art. 232 da Constituição. O processo demarcatório foi iniciado em 1989, momento no qual o cacique se absteve de participar das reuniões para o reconhecimento do território justamente pela animosidade crescente (FIALHO, 1998FIALHO, Vânia. As fronteiras do ser Xukuru. Recife: Massangana/Fundação Joaquim Nabuco, 1998.). Isto porque, ainda em 1988, houve a liberação de recursos para o desenvolvimento do projeto Vale do Ipojuca, o qual implicava a transformação das terras xukurus em empreendimentos agropecuários. Ainda em 1989, houve casos de prisão e tortura de indígenas pela polícia local e ameaças às vidas das lideranças Xukuru (FIALHO et al, 2011).

A situação viria a se agravar em 1990, quando a desconfiança com a Funai chegou ao cume. Em primeiro lugar, a Funai se manteve omissa em relação às prisões e torturas dos indígenas Cícero Sarafim dos Santos, Edilson Leite, Adelmo Ferreira Messias. Em segundo lugar, a Funai não deu ouvidos à prioridade da área denominada “Pedra D’Água”, local de rituais sagrados que foi doado pela prefeitura de Pesqueira ao Ministério da Agricultura para a consecução do projeto agropecuário Vale do Ipojuca. Ocorreu, assim, a primeira das retomadas Xukuru em 17 de dezembro de 1990 (FIALHO, 1998FIALHO, Vânia. As fronteiras do ser Xukuru. Recife: Massangana/Fundação Joaquim Nabuco, 1998.; FIALHO et al, 2011).

Foi neste contexto em que a criminalização começou. Em 1991, o Ministério Público de Pernambuco denunciou Xicão e outros indígenas por "terem promovido desordem e destruição de benfeitorias existentes na área indígena" (FIALHO et al, 2011FIALHO, V. et al. (EDS.). “Plantaram” Xicão: os Xukuru do Ororubá e a criminalização do direito ao território. Manaus: PNCSA-UEA/UEA Edic̦ōes, 2011., p. 31). Geraldo Rolim, então procurador da Funai (e vivo), denunciou o ato como uma manobra política para enfraquecer o cacique. O processo penal teve as suas alegações finais em 1994.

O desenrolar da denúncia coincidiu com o avanço das retomadas pelos xukurus, os quais começaram a sobreviver da terra reconquistada. Foi somente em 1995, seis anos após o início do processo administrativo, que foi atingida a fase da demarcação física. Neste momento, o levantamento fundiário revelou que os Xukuru ocupavam cerca de 10% das terras, enquanto o restante era ocupado por cerca de 300 posseiros não indígenas. O território era um mosaico de terras indígenas e não indígenas, caracterizando um conflito permanente (FIALHO et al, 2011FIALHO, V. et al. (EDS.). “Plantaram” Xicão: os Xukuru do Ororubá e a criminalização do direito ao território. Manaus: PNCSA-UEA/UEA Edic̦ōes, 2011.).

Devido à conquista de terras por meio das retomadas e do avanço da demarcação, a atuação do Cacique Xicão “provocou a ira dos fazendeiros” (SILVA, 2018SILVA, Edson. Povo Xukuru do Ororubá. Índios do Nordeste, [S. l.], 2018. Disponível em:https://osbrasisesuasmemorias.com.br/povo-xukuru-do-ororuba/. Acesso em: 11 jan. 2019.
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, p. 9). Sob sua liderança, as retomadas possibilitaram aos indígenas plantar e colher de forma a superar a miséria e a fome de anos, motivo pelo qual passou a ser reverenciado como um herói. Assim, a oligarquia em Pesqueira financiou um pistoleiro que assassinou o líder indígena em 20 de maio de 1998 (SILVA, 2018; FIALHO et al, 2011FIALHO, V. et al. (EDS.). “Plantaram” Xicão: os Xukuru do Ororubá e a criminalização do direito ao território. Manaus: PNCSA-UEA/UEA Edic̦ōes, 2011.).

A persecução penal viria a desencadear uma série de violações que somente podem ser resumidas pelo conceito de violência institucional. Em primeiro lugar, o inquérito que apurou a morte de Xicão pediu a exumação a fim de localizar o projétil em seu corpo, o qual seria submetido a um exame de balística. A negociação da data e a incerteza da necessidade da exumação criaram grande tensão. A exumação foi precedida de um ritual religioso e parte desse povo indígena acompanhou a retirada do corpo e a perícia. Os restos mortais foram estendidos em uma lona e examinados com uma faca peixeira. Trata-se de uma violação aos usos e costumes Xukurus, visto que o cacique Xicão havia sido “plantado” para que dele nascessem novos guerreiros (FIALHO et al, 2011FIALHO, V. et al. (EDS.). “Plantaram” Xicão: os Xukuru do Ororubá e a criminalização do direito ao território. Manaus: PNCSA-UEA/UEA Edic̦ōes, 2011.).

Em segundo lugar, a PF tratou o conflito territorial apenas como mais uma linha de investigação. Esse órgão trabalhou tanto com a hipótese de crime motivado pela luta pelas terras, como de crime passional, uma vez que ao cacique Xicão atribuía-se o fato de envolver-se com várias mulheres, tendo amantes. A viúva de Xicão, Dona Zenilda Araújo, teve suspeitas levantadas contra si, e foi interrogada a respeito. Um indígena chegou a ser preso e foi posteriormente liberado. Não o bastante, o delegado responsável passou a acusar as entidades defensoras de Direitos Humanos de serem, na verdade, organizações criminosas. Nas palavras de Manoel Almeida (UFPE, 2019ALMEIDA, M. S. M.; LÔBO, S. H. C.; ADVINCULA, M. J. P. O caso Xukuru: lacunas e omissões da sentença proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Revista CNJ, Brasília, DF, v. 3, n. 2, p. 67-75, jul./dez. 2019. Disponível em:https://doi.org/10.54829/revistacnj.v3i2.82. Acesso em: 17 abr. 2020.
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):

Houve um momento, exatamente depois da morte do Cacique Xicão, que o Movimento de Direitos Humanos foi protagonista naquele diálogo institucional do convite ao delegado da Polícia Federal que veio presidir o inquérito da morte do Cacique Xicão. E esse delegado era uma pessoa que, para nós, naquele contexto, tinha sido uma figura emblemática. […] Era uma pessoa que viria a ajudar com toda essa questão. Então o delegado da Polícia Federal veio com essa legitimidade de ter desbaratado um grupo de extermínio no Acre e que viria para cá para contribuir com esse processo […] de consolidação do que está na Constituição. Mas a máquina da segurança pública estava toda montada com base na Ditadura Militar, então não havia transparência […]. O fato concreto é que, no caso indígena, o delegado que vem, começa a conspirar e nós começamos a reagir […]. Nós fizemos um panfleto denunciando essa situação. Nesse panfleto, […] assinaram as entidades. Ainda bem, imagine se eu tivesse assinado o meu nome… Então, o GAJOP e outras entidades assinaram esse documento […], e todas elas foram processadas por esse delegado […] baseado na ideia de que estávamos denegrindo a imagem dele. Vejam que o documento não cita o nome dele […]. E surgiu esse panfleto que acabou sendo objeto de uma judicialização que o delegado acabou perdendo. Mas imagine o desgaste que, naquela época, de você ser processado. Nas autos do processo, surgem algumas pérolas. […] [Sobre o] Centro Luiz Freire foi dito que as capacitações que eram feitas, segundo a Polícia Federal, na verdade, eram desviadas de finalidade para comprar armas… Esse tipo de coisa. Imagine, você receber recurso... da Oxford, por exemplo, e você não tá fazendo capacitação. Na verdade, Sandro está treinando guerrilha. Imagina Sandro ali treinando guerrilha com os índios […]. É o tipo de coisa que não era suportável do ponto de vista do mundo real. Mas essas situações se constituíam. […] Mas isso era desgastante, angustiante. As entidades passaram a ser, portanto, criminalizadas junto à comunidade. Então o recado era bem simples: ‘se você chegar junto, vai ser processado’.

Houve também a negação em colaborar com as organizações representando os interesses dos Xukuru do Ororubá. Isto foi evidenciado no relato de Sandro Lobo (UFPE, 2019):

São criados inquéritos policiais. Um inquérito policial civil […] para apurar as causas da morte em um sentido genérico. E outro inquérito, da Polícia Federal, para apurar se esse fato tinha ou não relação com a luta pela terra. […] Aqui assumiu o delegado… A primeira vez que estive com ele para tratar desse inquérito […] e me identifiquei como advogado do CIMI, a primeira resposta, que nunca esqueço, foi a seguinte: ‘eu não tenho satisfações para dar ao CIMI’. Então ele vai dizer que não tem nada no inquérito a tratar comigo. Aí eu respondo, outro enfrentamento: ‘o senhor não tem, pode até não ter, satisfações para dar ao CIMI, mas tem satisfações para dar à viúva; eu estou aqui como advogado da viúva, [...] tem procuração no inquérito policial; o senhor trate de me dar informações’. Talvez a gente tenha aqui um processo de construção de uma advocacia com perfil de enfrentamento, de resistência, nesse processo de luta porque os mecanismos do Estado, já naquele momento, se demonstravam, em 1998, ineficazes no sentido de garantir a proteção integral dos direitos indígenas.

A este contexto é somada a postura do MPF. Segundo os defensores do Povo Xukuru que acompanharam as investigações, a postura do Ministério Público foi a de criar obstáculos à proteção dos indígenas. Apesar de estar estabelecido na Constituição Federal de que é dever proteger os interesses as comunidades tradicionais, o representante chegou a afirmar não existir indígenas naquele local (UFPE, 2019).

Dois anos de investigação não produziram uma conclusão sobre os fatos: nenhuma das três hipóteses levantadas (crime passional, disputa territorial, disputa de poder entre indígenas) foram suficientemente comprovadas, além de não serem apontados quaisquer suspeitos. Os defensores do povo Xukuru, então, encaminharam ao Ministério da Justiça uma petição para o apontamento de um novo delegado. Apesar das resistências, Marcos Cotrim, delegado da PF, assumiu o caso em 15 de dezembro de 2001. O final, o novo condutor das investigações foi capaz de apontar três suspeitos (FIALHO et al, 2011FIALHO, V. et al. (EDS.). “Plantaram” Xicão: os Xukuru do Ororubá e a criminalização do direito ao território. Manaus: PNCSA-UEA/UEA Edic̦ōes, 2011.).

Ao final das investigações, concluiu-se que o autor intelectual do assassinato de Xicão foi José Cordeiro de Santana, conhecido como “Zé de Riva” e fazendeiros invasores no território Xukuru do Ororubá. Os fazendeiros teriam agido por meio de um intermediário, identificado como Rivaldo Cavalcanti de Siqueira e conhecido como “Riva de Alceu”. O autor material do crime, por sua vez, foi um homem chamado “Ricardo”. Este último morreu no Maranhão em decorrência de outros acontecimentos. José Cordeiro de Santana cometeu suicídio enquanto estava detido pela Polícia Federal. Rivaldo, por sua vez, foi condenado a 19 anos de prisão pelo crime de homicídio simples e foi assassinado no centro penitenciário (CORTE IDH, 2018).

Todos esses fatos apontaram para o controle do aparelho estatal por um dos lados do conflito. Como descrito por Sandro Lôbo, o Ministério Público e a Polícia Federal apresentavam uma relação de “simbiose” convergindo para a lógica institucional dos índios como inimigos (UFPE, 2019). Tentando solucionar a situação, os advogados das entidades defensoras de Direitos Humanos recorreram a outra divisão do Ministério Público Federal, a 6ª Câmara.

Perceba-se que os fatos vinculados a este crime não foram apreciados pela Corte IDH, visto estarem fora de sua competência temporal. Isto é, embora o Brasil tenha ratificado a CADH em 25 de setembro de 1992 (BRASIL, 1992), apenas aceitou a competência da Corte em 3 de dezembro de 1998 (BRASIL, 2002), meses após o citado assassinato. Assim, os fatos descritos acima foram utilizados apenas a título de “contextualização histórica” do caso, não servindo de base para a apreciação de violações de Direitos Humanos.

b. Atentado contra o cacique Marcos: as atuações da polícia e a reação pró-indígena empreendida pela Comissão da Presidência da República

No período de 1998 a 2001, os Xukurus do Ororubá realizaram a gestão compartilhada de lideranças enquanto ocorria a preparação do Cacique Marcos, filho e sucessor do Cacique Xicão. Assumindo em 2001, o novo líder estava recebendo ameaças (UFPE, 2019). No início de fevereiro de 2003, ocorreu o atentado contra sua vida, com a morte de outros dois indígenas que o acompanhavam: Jozenilson José dos Santos, 24 anos, e José Ademílson Barbosa de Silva, 19 anos (CORTE IDH, 2018SILVA, Edson. Povo Xukuru do Ororubá. Índios do Nordeste, [S. l.], 2018. Disponível em:https://osbrasisesuasmemorias.com.br/povo-xukuru-do-ororuba/. Acesso em: 11 jan. 2019.
https://osbrasisesuasmemorias.com.br/pov...
; FIALHO et al, 2011FIALHO, V. et al. (EDS.). “Plantaram” Xicão: os Xukuru do Ororubá e a criminalização do direito ao território. Manaus: PNCSA-UEA/UEA Edic̦ōes, 2011.).

As autoridades policiais da Polícia Militar de Pernambuco se deslocaram para o local logo após o ocorrido. Os indígenas Xukuru, por outro lado, identificaram imediatamente José Lourival Frazão (Louro Frazão, autor dos disparos), José Vicente de Carvalho (Zequinha Vicente, contribuiu com Louro Frazão na luta corporal) como autores do crime. De acordo com Almeida, José Vicente2 2 Comparando as palavras de Almeida aos escritos de Fialho et. al (2011), percebe-se que ele confundiu “Louro Frazão”, autor dos disparos que fugiu logo após o atentado, com “Zequinha Vicente”, que efetivamente fugiu para uma casa em Cimbres logo após o crime. fugiu para uma casa e, devido à inércia dos policiais locais, os indígenas foram em seu encalço. Ao invés de proceder com a prisão em flagrante, a atitude dos agentes foi, em primeiro lugar, negar a presença da Polícia Federal numa tentativa de ludibriar a defesa indígena. Em suas palavras:

Quando aconteceu o assassinato, nós recebemos a notícia por Sandro, acho que era nove da manhã. Sandro liga para as entidades e diz: ‘olha, a gente tem ir pra Pesqueira [...]’. […] Isso era no início do governo Lula. […] A gente começa a ligar para alguém de Brasília, porque a gente nunca tinha tido contato com o Ministro […]. E aí a gente descobre, por informações do Palácio do Planalto, que a Polícia Federal estava em Pesqueira. Essa cena é muito interessante […], você não tem ideia do que vai acontecer. Dentro do hospital de Pesqueira começam a surgir índios baleados, e a gente tinha notícia de dois índios assassinados. […] O que é que estava acontecendo? O Louro Frazão, com outro comparça, vai para Cimbres, se isola numa casa, e os índios cercam ele. E na medida em que os índios que tentavam se aproximar da casa do Louro Frazão, ele atirava. […] Então [havia] vários índios feridos por causa do cerco que foi montado, porque os índios não queriam que Louro Frazão fugisse. Mas a Polícia Federal, [com] a PM, não prendeu Louro Frazão, deixou ele lá em Cimbres [...]. Quando a gente chegou lá em Pesqueira que tivemos a notícia de que a Polícia Federal estava em Pesqueira, a gente dizia: ‘Alguém está errado...’. Ou o Planalto não tem a informação correta, porque não tem Polícia Federal aqui em lugar nenhum, ou alguém está mentindo’. […] E a gente vai para o comando, o quatel da PM. Chega na frente do quartel da PM, a gente diz: ‘Olha, somos do Movimento de Direitos Humanos e gostaríamos de falar com o delegado da Polícia Federal, temos informações importantes para dar sobre o crime [...]’. Aí ele disse assim para a gente: ‘Olhe, não tem ninguém assim aqui não, viu? Não tem ninguém da Polícia Federal e vocês devem estar enganados’. Daí eu me lembro que […] a gente comentou: ‘É, a gente deve estar enganado’. […] Quando a gente está conversando na frente do PM […], chega um sargento com umas quatro pizzas. Isso é indescritível, não é? […] Daí um sargento chega na frente do outro e diz: ‘Amigo, deixa eu passar que é para o delegado da PF’. […] E aí eu disse: ‘Olhe, rapaz, acho que a gente é convidado para comer pizza também… Vai lá, avisa para o homem que estamos aqui’. Vai lá o soldado constrangido porque a mentira tinha caído flagrantemente. (UFPE, 2019).

Conseguindo iniciar o diálogo, os representantes pediram ajuda com a situação. No entanto, os policiais se negaram a realizar a prisão em flagrante. Fazendo uso de motivos pouco convincentes, eles se diziam impossibilitados de tomar qualquer atitude:

Essa reunião é interessantíssima. Se você ver a foto, estão as principais autoridades da segurança pública do Estado de Pernambuco em uma reunião de alto comando para resolver o que fazer. Está o delegado da Polícia Federal, está o procurador da FUNAI, está o comandante da PM de Pesqueira…Estão as altas autoridades, e o delegado sentado à cabeceira. […] Aí o delegado da Polícia Federal, pouquíssimo bem educado, [fala]: ‘Vocês são o Movimento de Direitos Humanos… Pois bem… Eu quero dizer […] que tem dois baleados de um lado, três do outro...’. Daí a gente indaga na hora: ‘Meu amigo, veja, isso não é um jogo de Sport e Santa Cruz não… Isso não é uma tabela de campeonato de futebol, isso aqui é um crime que está curso e o senhor tem que entrar imediatamente em Cimbres e prender os pistoleiros que estão lá […]. Porque vai ter outros mortos, eles estão atirando...’. Sabe o que o delegado da Polícia Federal… […] Ele olhava para a gente e dizia: ‘Mas… tem gado na pista’. Como assim gado na pista? ‘É, porque tenho carros muito grandes e armados e a gente não pode… A Polícia Federal não pode entrar assim numa BR de noite porque tem gado na pista’. Daí a gente dizia: ‘Mas como tem gado se a gente acabou de vir de lá, amigo? O senhor tem que ir, o senhor tem que prender…’ (UFPE, 2019).

Contudo, a situação foi invertida com a intervenção dos principais encarregados pela justiça no Brasil. Sendo designada uma comissão da Presidência da República para se deslocar até Pesqueira e acompanhar a situação. Dentre os membros da delegação, estava Raquel Dodge, ex-Procuradora Geral da República. Assim que recebeu a notícia, a Polícia Federal mudou a postura e tomou as providências necessárias. Segue o relato:

No meio do caminho, naquela situação, alguém do Centro Luiz Freire entra com o telefone na mão e diz: ‘[…] Quem é que pode falar com a Presidência da República?’. Aí o delegado da Polícia Federal olha… […] Chega a menina com o telefone e diz: ‘Não, é sério… Tem alguém da Presidência da República e quer saber com quem pode falar’. Aí o PM olha para o delegado e diz: ‘Deve ser o senhor que deve falar, não é?’. […] Mas o que é que querem? […] ‘É porque o presidente Lula determinou que o boeing presidencial venha amanhã aqui para Pesqueira […] e eles querem saber onde é que podem pousar o boeing da Presidência da República com uma comissão especial formada pelo ministro de Direitos Humanos, uma procuradora da República, presidente da FUNAI…’. […] O delegado levantou-se lívido, ele saiu da sala sem saber… […] Quando ele volta para a sala, o homem estava completamente desfigurado. […] Ele senta na cabiceira e faz: ‘Fulano...’, se dirigindo para a Polícia Militar. ‘Fulano, você tem quantos homens aí? […] Você tem quantos carros? […]. Eu preciso de […] 15 homens e 2 carros’. […] Aí a operação de resgate, prisão, saí. Não tem gado… Outra coisa que ele dizia: que não podia prender o porque o armamento da Polícia Federal é tão potente que, se houvesse um distúrbio, ele iria matar vários índios, que ia ser uma calamidade pública, um genocídio. Sim, ele chegou a dizer isso. […] Mas depois da Presidência da República, não sei com quem esse homem falou, esse homem volta, monta a estrutura e vai prender o pistoleiro. […] Qual era o interesse da polícia de não ir prender? […] O que faltava [para] ir prender? Evidentemente eles queriam alí, na minha opinião pessoal […], um linchamento. Porque, se acontecesse ali um linchamento, estava feita a prova de que o grupo Xukuru é um grupo criminoso, um grupo letal. É uma ameaça à sociedade civil (UFPE, 2019).

A operação ocorreu e José Vicente foi preso. No dia seguinte, a Comissão de Brasília passou a acompanhar o caso e a participar das investigações. Todavia, o enviesamento das investigações continuou de forma indiscriminada, tendo sido causa, inclusive, da destituição do Delegado local por Raquel Dodge. Nas palavras de Almeida (UFPE, 2019ALMEIDA, M. S. M.; LÔBO, S. H. C.; ADVINCULA, M. J. P. O caso Xukuru: lacunas e omissões da sentença proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Revista CNJ, Brasília, DF, v. 3, n. 2, p. 67-75, jul./dez. 2019. Disponível em:https://doi.org/10.54829/revistacnj.v3i2.82. Acesso em: 17 abr. 2020.
https://doi.org/10.54829/revistacnj.v3i2...
):

Era tarde da noite quando ele começa a ouvir o primeiro menino… que se eu não me engano, era o Cacique Marcos. E, visivelmente, ele começa a induzir Marcos […] no sentido de criminalizá-lo. […] A própria Raquel Dodge [diz] ao delegado: ‘Pergunte ao Cacique Marcos se ele já foi ameaçado de morte’. […] E o delegado, morrendo de raiva, perguntava. […] Mas as perguntas do delegado eram numa linha para tentar criar o passional. A ideia do delegado era visível nas perguntas dele. Era conduzir o inquérito na perspectiva de que Marcos deve ter tido um confronto com o Louro Frazão, não é, e que os dois se desagradaram […]. Mas não foi nada disso, não é? O que aconteceu foi uma ausência de segurança pública. […] Ele diz assim mesmo, na frente da procuradora da República: ‘Vou embora, porque eu estou cansado’, isso ele ‘cozinhou’ a gente por horas. ‘Não vou ouvir os outros índios.’. […] Ela levanta-se e diz: ‘Realmente o senhor vai embora, porque o senhor está destituído do cargo’. […] A procuradora da república passou a presidir essas oitivas da 6ª Câmara e ali foram feitos vários depoimentos. […] Esses depoimentos foram fundamentais no processo de prova da criminalização e […] na defesa que a gente fez no caso do Marcos.

No decorrer do inquérito policial, Servilho Paiva, delegado da PF, substituiu Jorge Cunha, também delegado da PF. Houve também uma mudança do foco do inquérito: da destruição de casas pelos indígenas, com o cacique Marcos como principal suspeito, para a apuração do duplo homicídio. Ao final, as investigações policiais indicaram José Lourival Frazão (Louro Frazão, autor dos disparos) e José Vicente de Carvalho (Zequinha Vicente, aquele que contribuiu com Louro Frazão na luta corporal) como suspeitos. Em seu relatório final, entretanto, o cacique Marcos ficou como agente provocador do crime, estando embriagado no momento dos fatos, mas não como vítima. Os indígenas mortos estariam, aliás, armados. Este conteúdo foi reproduzido pela denúncia feita pelo MPF, com a exceção de que o indiciamento de José Vicente foi arquivado porque ele teria agido em “legítima defesa de terceiro”. Durante o processo, o MPF também teria se oposto à participação de Maria Gorete, mãe de José Ademílson, como assistente de acusação (FIALHO et al, 2011FIALHO, V. et al. (EDS.). “Plantaram” Xicão: os Xukuru do Ororubá e a criminalização do direito ao território. Manaus: PNCSA-UEA/UEA Edic̦ōes, 2011.).

4. O arranjo institucional informal: a lógica do inimigo

a. O jogo que determina o padrão de violência

A demarcação das terras indígenas é regulada pelo Decreto nº 1.775 de 1996 (BRASIL, 1996a) e pela Portaria do Ministério da Justiça nº 14 (BRASIL, 1996b) do mesmo ano. Sem extrapolar os limites do presente texto, sabe-se que a iniciativa e orientação desse processo é de competência da Funai, sendo composto por cinco etapas: identificação e delimitação, declaração, demarcação física, homologação e registro. Durante ou após essas cinco etapas do processo demarcatório, a Funai é responsável por promover a desintrusão dos territórios indígenas, isto é, a retirada dos ocupantes não-indígenas. As desintrusões ocorrem mediante o pagamento de indenizações pelas benfeitorias de boa-fé e pela retirada física desses ocupantes, voluntária ou involuntária, sem uma ordem específica entre esses atos. Desde a fase de identificação (ou até antes, como mostrou o cacique Xicão ao comparecer à Constituinte), as partes rivais constroem expectativas quanto ao resultado desse processo e sabem qual será o resultado que lhes será mais favorável. Os indígenas têm a sua utilidade maximizada pelo progresso da demarcação na maior velocidade possível. Os fazendeiros têm a sua utilidade maximizada pela completa interrupção, ou pela maior lentidão possível, do processo de demarcação. Ambas as partes podem ou não lançar mão dos instrumentos legais, ilegais ou extralegais de que dispõem.

A disputa pelo território durante a demarcação pode ser traduzida pela seguinte matriz de teoria dos jogos:

Fazendeiros Não Agir Agir Indígenas Não Agir (0, 10) Manutenção do status quo (0, 5) Manutenção do status quo Agir (10, -5) Demarcação avança sem retomadas (5, -5) Assassinatos, violência institucional (criminalização) e retomadas

No primeiro quadrante, ambas as partes do conflito permanecem sem agir. Trata-se da situação ideal para os fazendeiros que já viram o início do processo de demarcação, pois a situação de poder territorial continua a mesma sem que tomem qualquer iniciativa para tal. Isto ocorreria porque a Funai não costuma levar a demarcação adiante sem a constante demanda do lado indígena, como bem demonstra o caso do Povo Xukuru. O mesmo ocorre se os indígenas permanecerem inativos enquanto os fazendeiros lançam mão de alguns recursos para a proteção das terras registradas em seus nomes. Esses proprietários, por mais que não se sintam ameaçados pela atuação dos indígenas, podem entender que a mera existência do processo demarcatório ou do direito constitucional é uma ameaça às suas posses. Assim, lançariam mão de estratégias de ocupação e uso das terras improdutivas como sinal de posse legítima. Nesse último caso, a utilidade dos fazendeiros seria menor pelo mero gasto de energia com a garantia do território. O resultado, entretanto, seria o mesmo: a manutenção do status quo, ou seja, das invasões não-indígenas legitimadas pelos instrumentos jurídicos alheios aos direitos indigenistas (CAVALCANTI, 2020_____. Colcha de retalhos: a definição e o aparato legal da propriedade coletiva no Brasil. In: CARVALHO, C.; SANTOS, I.; RIBEIRO, M.; JUNQUEIRA, M. (org.). Dimensões dos direitos humanos e fundamentais, vol. 2, p. 447-465. Rio de Janeiro: Pembroke Collins, 2020. Disponível em:https://www.caedjus.com/wp-content/uploads/2020/08/LIVRO_DIMENSOES_DOS_DIREITOS_HUMANOS_E_FUNDAMENTAIS_VOL2.pdf. Acesso em: 14 dez. 2020.
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).

Diante de tais resultados, espera-se que os indígenas, como atores racionais, optem por agir. Os indígenas não têm quaisquer ganhos com a inação, pois a Funai conta com a colaboração das comunidades indígenas até mesmo para a identificação do território. Os fatos do caso Xukuru confirmam que este é o padrão de atuação, visto que o avanço da demarcação, ainda que seja competência da Funai, depende completamente da pressão exercida pelos indígenas. Lembre-se da mencionada exigência de providências imediatas para a proteção da Pedra D’Água, área ameaçada por um projeto agropecuário. Logo, é necessário deixar de lado o primeiro e o segundo quadrantes e deslocar a análise para o terceiro quadrante.

No terceiro quadrante, os indígenas agem enquanto os fazendeiros permanecem inativos. Trata-se da situação ideal para os indígenas, porquanto passam a exigir providências da Funai sem o enfrentamento dos obstáculos exteriores. Seria o caso em que o processo demarcatório é iniciado enquanto os fazendeiros aceitam a aplicação da norma constitucional, cedendo as áreas necessárias para a subsistência dos indígenas e/ou aguardando a indenização pelas benfeitorias de boa-fé. Entretanto, esta também é uma situação muito improvável, porquanto os fazendeiros não extrairiam qualquer utilidade e ainda enfrentariam perdas. Contando que ambas as partes sabem que a parte adversária é racional, os fazendeiros saberão que os indígenas agirão e imediatamente vão agir também. O equilíbrio deste jogo está, portanto, no quarto quadrante.

O quarto quadrante traduz o que ocorreu no caso Xukuru. Quando ambas as partes agem, tendem a lançar mão de todos os recursos disponíveis para garantir a sua máxima utilidade. Os indígenas pressionam a Funai e, quando esta não lhes dá a resposta esperada, realizam retomadas autônomas do território. Os fazendeiros contratam matadores de aluguel, impetram ações possessórias para defender seus títulos inseridos em terras indígenas, impetram ações meramente protelatórias e, finalmente, influenciam as agências estatais, como a Funai, o MPF e a PF, para a criminalização dos indígenas e de seus defensores. O lado indígena terá, nesta dinâmica, menor utilidade por toda a violência, física e institucional, enfrentada. Entretanto, a sua utilidade permanece positiva diante do avanço, ainda que lento, da demarcação.

Não se nega aqui a imensa perda que os assassinatos, os atentados, as prisões arbitrárias e as torturas enfrentadas pelo povo Xukuru. Tampouco se está dizendo que a pontuação atribuída traduz o cálculo de ganhos e perdas para as partes. O objetivo é assinalar que os indígenas entendem que a conquista do direito à propriedade coletiva vale mais que todas as perdas enfrentadas. O cacique Xicão e diversas outras lideranças, afinal, deram a vida pela causa. Caso contrário, toda a comunidade teria cessado a luta por este direito logo após as primeiras ameaças. Trata-se de uma redução dos fatos a um cálculo, mas que é capaz de trazer um ganho analítico para as disputas territoriais entre indígenas e não-indígenas. O cálculo revela os trade-offs enfrentados pelos Xukurus e seus opositores, e é plausível estendê-lo para todos os povos indígenas do país.

b. Como o Brasil descumpriu a obrigação de prover dispositivos de direito interno ao não regular a situação fundiária durante a demarcação

Percebe-se, assim, que o período desde o início da demarcação até o seu fim tem como equilíbrio a proatividade das duas partes, o que resulta em uma verdadeira guerra revestida de sangue e de “devido processo legal”. Assim, os assassinatos, as retomadas autônomas, a violência institucional e a criminalização dos indígenas e dos defensores de direitos humanos serão protraídos no tempo enquanto a demarcação não pôr fim à disputa. Questiona-se, entretanto, se não seria possível garantir a segurança jurídica do território indígena no próprio decorrer da demarcação.

É que, após o início da demarcação territorial, existe um limbo de legalidade. A Constituição Federal (BRASIL, 1988), o Estatuto do Índio (BRASIL, 1973), o Decreto nº 1.775 (BRASIL, 1996a) e a Portaria do Ministério da Justiça nº 14 (BRASIL, 1996b) garantem o direito à demarcação e definem o seu procedimento, mas não dispõem a partir de que momento a terra passa a ser legalmente reconhecida como terra indígena. É possível argumentar que a propriedade somente é transferida para a União, com usufruto exclusivo indígena, após o término das cinco fases do processo demarcatório, porquanto os títulos de propriedade dos fazendeiros ainda não foram desconstituídos, tampouco eles foram ressarcidos pelas benfeitorias de boa-fé. É possível, entretanto, argumentar que a terra passa a ser indígena desde a aprovação do laudo antropológico pela Funai, ou seja, desde o final da primeira fase, a de identificação, do processo demarcatório. Isto porque é o laudo antropológico o documento idôneo para atestar quais territórios correspondem às “terras tradicionalmente ocupadas pelos índios” nos termos do art. 231, caput e § 1º, da Carta Magna.

Leiam-se os argumentos utilizados pelo representante de Procuradoria Geral da República no Estado de Pernambuco no contexto da ação de reintegração de posse proposta por um dos fazendeiros:

O Procurador Geral da República-PR/PE, Francisco Rodrigues dos Santos Sobrinho, em Parecer elaborado para a Ação de Reintegração de Posse proposta por Milton do Rego Barros Didier e outros, contra os índios Xukuru, por ocupação do imóvel rural denominado Caípe, manifestou-se favoravelmente à concessão de liminar de reintegração de posse para os autores, embora o imóvel rural em questão estivesse totalmente inserido no perímetro da área já reconhecida formalmente como Indígena desde 1989, com a Identificação e Delimitação e já declarada de posse permanente dos índios Xukuru pela Portaria 259/ MJ/92. No seu Parecer, o referido Procurador argumentou que as terras em tela não estavam sendo ocupadas pelos índios, tanto é que eles invadiram a área em questão. Ninguém invade aquilo que já ocupa.... ante a existência na região de aldeamentos Xucurus, e havendo notícia da presença dos ditos índios naquelas plagas desde 1599, iniciou-se o procedimento de demarcação, tendo havido, por enquanto, tão-só, as etapas de identificação e delimitação... A área questionada, portanto, nem de fato (ocupação indígena), nem de direito, pode ser considerada, ainda, como área indígena... Isto posto, OPINO no sentido de ser CONCEDIDA A LIMINAR. (FIALHO et al, 2011FIALHO, V. et al. (EDS.). “Plantaram” Xicão: os Xukuru do Ororubá e a criminalização do direito ao território. Manaus: PNCSA-UEA/UEA Edic̦ōes, 2011., p. 36).

Por outro lado, leia-se o resumo do despacho do Ministério da Justiça responsável por indeferir as contestações da terra indígena Xukuru no contraditório do processo administrativo:

Esses recursos foram todos julgados improcedentes, pois o procedimento administrativo obedeceu às normas legais e regulamentares, vigentes à época de sua realização e ao princípio constitucional da ampla defesa foi alcançado pela oportunização das contestações, nos termos do art. 9º do citado Decreto nº 1.775/96.; os títulos dominiais apresentados pelos contestantes, de origem posterior a 1938 e a alegada posse “longi temporis” sobre parte da área não tem força jurídica para descaracterizar a natureza indígena das terras porque, consoante disposição expressa do art. 231, § 6º, da Constituição Federal, tais títulos são ineficazes em relação às comunidades indígenas, situação que remonta à Carta de 1934; o laudo antropológico de identificação e delimitação da área em tela, no que pertine a seus aspectos jurídicos, demonstra, em seu conjunto, substancial adequação dos seus fundamentos aos pressupostos elencados no art. 231, § 1º, da Carta Republicana vigente e, no que tange a matéria de fato, os contestantes não fizeram qualquer prova, idônea a elidir a veracidade desses fundamentos. (Despacho nº 32/MJ, publicado no DOU; 10.07.96). (FIALHO et al, 2011FIALHO, V. et al. (EDS.). “Plantaram” Xicão: os Xukuru do Ororubá e a criminalização do direito ao território. Manaus: PNCSA-UEA/UEA Edic̦ōes, 2011., p. 23).

Judicialmente, a questão da posse legítima das terras indígenas durante o processo de demarcação tem sido resolvida com base no instituto civilista do “direito de retenção”. A regulação da posse no sistema jurídico brasileiro é herdeira do Corpus Iuris Civilis romano. Até quando a lei é omissa, os juristas têm de utilizar as técnicas, as terminologias e os princípios do Direito Romano. Ainda que esta herança milenar, a definição jurídica da posse ainda é obscura e controversa, embora seja possível aduzir que os diferentes entendimentos lhe caracterizam como “uma situação de fato, em que uma pessoa, independentemente de ser ou de não ser proprietária, exerce sobre uma coisa poderes ostensivos, conservando-a e defendendo-a" (PEREIRA, 2017PEREIRA, C. M. DA S. Instituições de direito civil: direitos reais. Rio de Janeiro: Grupo Gen - Editora Forense, 2017. v. VI., p. 34). Um dos efeitos desta situação de fato seria o direito de retenção, segundo o qual aquele que tem a obrigação de devolver algo pode recusar tal restituição da coisa sob o fundamento de que possui um crédito contra aquele que irá receber a coisa. Restaria permitida, assim, a oposição à devolução até a quitação da dívida (PEREIRA, 2017).

É justamente este o instituto que a Justiça Federal aplicou às terras Xukuru para reconhecer a posse legítima dos fazendeiros (FIALHO et al, 2011FIALHO, V. et al. (EDS.). “Plantaram” Xicão: os Xukuru do Ororubá e a criminalização do direito ao território. Manaus: PNCSA-UEA/UEA Edic̦ōes, 2011.). Leiam-se exemplos dos mais recentes julgados do Tribunal Regional Federal da 5ª Região sobre o assunto3 3 Ver também: PROCESSO: 08001449120144058303, APELAÇÃO CÍVEL, DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS DE MENDONÇA CANUTO NETO, 4ª TURMA, JULGAMENTO: 24/07/2018; PROCESSO: 08113629120174050000, AGRAVO DE INSTRUMENTO, DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO DE MENESES FIALHO MOREIRA, 3ª TURMA, JULGAMENTO: 14/06/2018. :

PJE 0800476-23.2016.4.05.8001 EMENTA CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. INVASÃO POR TRIBO INDÍGENA DE TERRAS QUE SE ENCONTRAVAM NA POSSE DO PARTICULAR. PROCESSO DEMARCATÓRIO EM CURSO. SENTENÇA MANTIDA. 1. Apelações interpostas pela UNIÃO, MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, FUNAI e TRIBO INDÍGENA KARIRI-XOCÓ em face de sentença que, em sede de ação de reintegração de posse, julgou procedente o pedido para determinar a reintegração dos autores JOSÉ NASCIMENTO FREIRE, MAGNA DOS SANTOS ROSENDO, MARIA CLARA ALVES, EDNA FREIRE E PEDRO SEBASTIÃO DOS SANTOS na posse dos imóveis referidos na inicial e nos documentos que a acompanham, sob pena de multa diária de R$ 3.000,00 (três mil reais) em caso de não atendimento ou descumprimento da ordem. Sem condenação em honorários advocatícios. [...] 19. Apesar de constar a informação da existência da citada Portaria Ministerial n° 2.358/2006, percebe-se que o processo de demarcação das terras ainda está em curso, conforme narra a própria Funai em sua apelação. 20. Com isso, até que se ultimem os atos de regularização fundiária, com a efetiva demarcação da terra, indenização do possuidor pelas benfeitorias e promulgação do decreto homologatório, demonstra-se legítimo o direito de retenção de posse pelos autores. 21. No mesmo sentido, precedente desta Segunda Turma, em situação semelhante à dos autos: "o fato de a propriedade estar em área supostamente indígena, não elide o direito a posse do ora agravado, uma vez que, como dito alhures, até conclusão do procedimento demarcatório há de se presumir que o imóvel pertence àquele em nome de quem está registrado no Cartório de Registro de Imóveis" (TRF5, 2ª T., PJE 0808726-55.2017.4.05.0000, rel. Des. Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima, julgado em 20/02/2018). 22. Este foi o entendimento esposado pela Terceira Turma, em acórdão que apreciou a apelação da Funai, nos autos da ação possessória 0800094-64.2015.4.05.8001: "O reconhecimento pelo Ministério da Justiça, através de Portaria declarando a posse tradicionalmente exercida por comunidade indígena, no exercício da competência instituída pelo art. 2º, §10, Decreto 1.775/96, não tem o condão de conferir a proteção jurídica da terra, nos termos do art. 231, CF" (TRF5, 3ª T., PJE 0800094-64.2015.4.05.8001, rel. Des. Federal Fernando Braga Damasceno, julgado em 09/08/2018). 23. Apelações desprovidas. Sem honorários recursais. (PROCESSO: 08004762320164058001, APELAÇÃO CÍVEL, DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO MACHADO CORDEIRO, 2ª TURMA, JULGAMENTO: 07/12/2021.) Grifos nossos.

O mencionado art. 19, § 2º, do Estatuto do Índio determina que “Contra a demarcação processada nos termos deste artigo não caberá a concessão de interdito possessório, facultado aos interessados contra ela recorrer à ação petitória ou à demarcatória” (BRASIL, 1973). Embora a interpretação do tribunal seja válida no sentido de legitimar as ações possessórias em juízo, também é possível entender que as ações "petitórias" ou “demarcatórias” se referem ao próprio processo administrativo demarcatório. Nesse sentido, as impugnações devem ser encaminhadas apenas ao Poder Executivo, pois é possível fazer conforme o regulamento demarcatório. Consequentemente, as impugnações judiciais não caberiam porque já existe um contraditório de acordo com o Decreto nº 1.775 de 1996 (BRASIL, 1996a) e nos termos do art. 5º, LV, da Constituição Federal (BRASIL, 1988). Logo, a Justiça Federal tem interpretado a legislação no sentido de conferir o direito de retenção aos fazendeiros durante todo o curso do processo de demarcação ou até o pagamento das indenizações pelas benfeitorias de boa-fé por parte da União. Como demonstram as lutas judiciais dos próprios Xukuru, não é incomum forçar instituições jurídicas eurocêntricas em questões de direitos indígenas (NÓBREGA e LIMA, 2021NÓBREGA, F. F. B.; LIMA, C. M. DE. How the indigenous case of Xukuru before the Inter-American Court of Human Rights can inspire decolonial comparative studies on property rights. Revista de Direito Internacional, v. 18, n. 1, 6 ago. 2021.; CAVALCANTI, 2020_____. Colcha de retalhos: a definição e o aparato legal da propriedade coletiva no Brasil. In: CARVALHO, C.; SANTOS, I.; RIBEIRO, M.; JUNQUEIRA, M. (org.). Dimensões dos direitos humanos e fundamentais, vol. 2, p. 447-465. Rio de Janeiro: Pembroke Collins, 2020. Disponível em:https://www.caedjus.com/wp-content/uploads/2020/08/LIVRO_DIMENSOES_DOS_DIREITOS_HUMANOS_E_FUNDAMENTAIS_VOL2.pdf. Acesso em: 14 dez. 2020.
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).

Perceba-se que isto impõe um grande gargalo ao usufruto das terras indígenas pelos indígenas, porquanto a destinação de recursos para tais pagamentos depende exclusivamente dos recursos destinados à Funai pelo processo orçamentário, assim como da discricionariedade da administração da Funai. O povo Xukuru, por exemplo, realizou diversos acordos com o Ministério da Justiça e com a Funai para o pagamento de tais indenizações. Foram estabelecidos diversos prazos e até determinadas a ordem de preferência para entre as terras para o pagamento. Entretanto, a Funai reiteradamente faltou com o pagamento das indenizações no prazo acordado (FIALHO et al, 2011FIALHO, V. et al. (EDS.). “Plantaram” Xicão: os Xukuru do Ororubá e a criminalização do direito ao território. Manaus: PNCSA-UEA/UEA Edic̦ōes, 2011.). Na data da sentença da Corte IDH, 5 de fevereiro de 2018, quarenta e cinco ocupantes não-indígenas ainda não haviam recebido as indenizações apesar da conclusão (formal) do processo demarcatório (CORTE IDH, 2018).

Portanto, a ausência de dispositivos legais acerca da posse legítima durante o curso do processo demarcatório alimenta o conflito entre indígenas e fazendeiros. Enquanto os fazendeiros foram capazes de obter veredictos favoráveis da Justiça Federal, os povos indígenas enfrentam o gargalo orçamentário da Funai para obter o direito de ocupar a terra que já lhes foi reconhecida. Não é uma surpresa que este cenário leve às retomadas autônomas indígenas (ou aos “esbulhos possessórios”, na linguagem da Justiça Federal) e à onda de violência, física e institucional, própria de uma guerra civil.

c. Análise neoinstitucional: o arranjo informal que determina a criminalização

Analisemos, finalmente, a possível existência de uma regra informal. Pergunta-se, em primeiro lugar, se os objetivos das regras formais, ou seja, da proteção ao direito à propriedade coletiva indígena, estão sendo concretizados. Se não estão, qual seria o motivo? Como demonstrado, a litigiosidade inerente ao processo demarcatório indica que a mera existência do direito não é capaz de garantir o “usufruto exclusivo” (BRASIL, 1988) das terras indígenas pelos indígenas durante o longo período de tempo que corresponde ao processo demarcatório.

Não seria a primeira situação em que as normas de proteção aos povos tradicionais falharam. Os estudos do neoinstitucionalismo econômico reiteram que a efetividade e a estabilidade das regras formais são em grande parte desenhadas pelas interações com as regras informais (BRINKS; LEVITSKY; MURILLO, 2019BRINKS, D. M.; LEVITSKY, S.; MURILLO, M. V. Understanding Institutional Weakness: Power and Design in Latin American Institutions. 1. ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2019.). Como exemplo, os estudos de Marcela Torres Wong sobre o direito à consulta prévia disposto na Convenção 169 da OIT. Ela chega à conclusão de que as normas da consulta prévia não determinavam a interrupção dos projetos interventores em caso de desaprovação pela comunidade. Logo, um mesmo resultado se repetia: a intervenção nas terras indígenas sempre continuava, de forma que a regra formal era insignificante (WONG, 2018WONG, M. T. Prior Consultation and the Defense of Indigenous Lands in Latin America. Em: ZURAYK, R.; WOERTZ, E.; BAHN, R. (Eds.). Crisis and Conflict in Agriculture. Boston, MA: CABI, 2018.).

Uma das possíveis hipóteses para a explicar a inefetividade das regras formais é a presença de uma regra informal que estabelece a permanência da posse com os não-indígenas no curso do processo demarcatório. Isto é, pode haver a existência de uma regra informal reforçando um comportamento divergente da lei, fazendo com que a finalidade não seja cumprida. Ademais, a existência dessa regra informal pode ser consequência da fraqueza das regras formais. Como disseram Brinks, Levitsky e Murillo (2019BRINKS, D. M.; LEVITSKY, S.; MURILLO, M. V. Understanding Institutional Weakness: Power and Design in Latin American Institutions. 1. ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2019.), há vários padrões de comportamento que só podem ser explicados pela fraqueza institucional, dois deles serão analisados nesta seção do artigo.

Contudo, antes é necessário avaliar a real existência de uma regra informal, porquanto este conceito pode tomar significados amplíssimos e de pouca relevância prática. Dentre os vários fatores que indicam a presença de uma regra informal, a sua principal expressão são os mecanismos de punição utilizados pelos não-indígenas e pelas organizações. É necessário, portanto, considerar a sanção cujo objetivo é reforçar o cumprimento da regra informal (NÓBREGA et al, 2022NÓBREGA, F. F. B.; CAVALCANTI, A. A.; LEIMIG, J. Entre a lei e a luta: o caso do Povo Xukuru do Ororubá e os arranjos formais e informais que dificultaram e favoreceram a promoção de direitos. Em: NÓBREGA, F. F. B. (Ed.). Transformando vítimas em protagonistas: uma experiência da extensão universitária aSIDH. Recife: Editora UFPE, 2022. Disponível em: <https://editora.ufpe.br/books/catalog/book/792>. Acesso em: 9 abr. 2023.
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). Assim, a presença pode ser aferida de acordo com o grau de implementação (VOIGT, 2018VOIGT, S. How to measure informal institutions. Journal of Institutional Economics, v. 14, n. 1, p. 1-22, fev. 2018.).

A regra informal existente nesse período foi a permanência do território com os não-indígenas (NÓBREGA et al, 2022NÓBREGA, F. F. B.; CAVALCANTI, A. A.; LEIMIG, J. Entre a lei e a luta: o caso do Povo Xukuru do Ororubá e os arranjos formais e informais que dificultaram e favoreceram a promoção de direitos. Em: NÓBREGA, F. F. B. (Ed.). Transformando vítimas em protagonistas: uma experiência da extensão universitária aSIDH. Recife: Editora UFPE, 2022. Disponível em: <https://editora.ufpe.br/books/catalog/book/792>. Acesso em: 9 abr. 2023.
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). Essa regra institucional informal foi implementada por meio das seguintes sanções: (1) atos de violência contra as lideranças indígenas e contra defensores dos direitos indígenas; (2) atraso e indolência das investigações relativas aos crimes perpetrados contra os povos indígenas; (3) criminalização das lideranças indígenas e dos defensores dos direitos indígenas; (4) impetração de ações possessórias para a garantia do direito de retenção até o pagamento das indenizações; (5) desvirtuamento dos órgãos cuja função é proteger os direitos indígenas. Todas essas sanções garantem que a posse permaneça com os não-indígenas durante todo o processo demarcatório.

A análise do caso do Povo Xukuru do Ororubá é capaz de revelar a aplicação de todas essas sanções. O assassinato do cacique Xicão e o atentado contra o cacique Marcos são apenas os exemplos de atos de violência que mais se destacaram na disputa territorial (1). A grande duração e a indolência do inquérito policial que investigou a morte do cacique Xicão exemplifica o ônus ligado à persecução penal quando os indígenas figuram como vítimas (2). A procedência das ações de reintegração de posse propostas pelos fazendeiros possuidores das terras Xukuru exemplificam como o judiciário ajuda na efetividade da regra informal (4).

As sanções 3 e 5 merecem um especial desmembramento. Sobre o desvirtuamento dos órgãos estatais de proteção dos direitos indígenas (5), Fialho et al. (2011FIALHO, V. et al. (EDS.). “Plantaram” Xicão: os Xukuru do Ororubá e a criminalização do direito ao território. Manaus: PNCSA-UEA/UEA Edic̦ōes, 2011., p. 137-139) descrevem com excelência os atos “preocupantes” da Funai, da PF e do MPF. Sobre a Funai, destacamos a “morosidade na identificação, na indenização e na desintrusão dos posseiros”, assim como a “omissão ou mora inaceitável no trato da questão do banimento”. Sobre a PF, destacam-se como problemas a “ineficiência e descaso” nas investigações do assassinato de Xicão, assim como atribuir ao cacique Marcos a função de “provocador” do próprio atentado e de atribuir a morte dos dois indígenas que lhe acompanharam à mera possibilidade de estarem armados. Com respeito ao MPF, destaca-se o arquivamento do inquérito de José Vicente de Carvalho, participante do atentado contra Marcos e coautor do assassinato dos dois indígenas, por legítima defesa de terceiro. Finalmente, o MPF mostra indícios de desvirtuamento à medida que “não exerceu inteiramente o devido controle crítico sobre as provas produzidas pela polícia federal nos casos José Barbosa dos Santos e José Lourival Frazão”. Tais atos são meros destaques em relação aos fatos descritos neste artigo.

Finalmente, a criminalização corresponde à movimentação do sistema de justiça criminal contra as lideranças indígenas e os defensores dos interesses indígenas com o intuito de deslegitimar ou de protelar a luta pela demarcação territorial (3). Trata-se de uma sanção já documentada em diversos outros países onde persiste o conflito entre os direitos territoriais de povos tradicionais e os interesses ligados à propriedade privada. No Chile, Francisca Linconao, líder espiritual Mapuche, foi presa em 2016 por estar envolvida em um conflito contra fazendeiros. Beatrice Hunter, do povo Inuk do norte canadense, também foi presa em 2016 por fazer parte de uma ocupação contra a construção de uma hidrelétrica. Ambas eram idosas. Para Bernauer, Heller e Kulchyski (2018BERNAUER, W.; HELLER, H.; KULCHYSKI, P. From Wallmapu to Nunatsiavut: The Criminalization of Indigenous Resistance. Monthly review (New York. 1949), v. 69, n. 8, p. 33-40, 2018.), esses casos demonstram que

A criminalização da resistência indígena é um legado da conquista colonial e uma expressão da contemporânea necessidade do capitalismo de sempre expandir as fontes de energia e outros recursos. Os povos indígenas das Américas permanecem no fonte da resistência ambiental e dos custos sociais dessa irracional vontade do capital pela acumulação. O maquinário que promove esse processo é o Estado, seja nos Estados Unidos e no Canadá ou em países do sul global, como Brasil e Chile. A ferramenta preferida é a criminalização, inclusive de líderes espirituais e políticos indígenas, os quais correspondem à base de suas comunidades. Esse é um sistema econômico profundamente viciado, no qual avós indígenas são rotineiramente presas simplesmente por defenderem suas comunidades4 4 Tradução livre. (BERNAUER; HELLER; KULCHYSKI, 2018BERNAUER, W.; HELLER, H.; KULCHYSKI, P. From Wallmapu to Nunatsiavut: The Criminalization of Indigenous Resistance. Monthly review (New York. 1949), v. 69, n. 8, p. 33-40, 2018., p. 7-8).

A criminalização pôde ser vista com facilidade no caso do Povo Xukuru, sendo os fazendeiros e os próprios órgãos estatais os responsáveis por promovê-las. Primeiro, o cacique Xicão e outros indígenas foram indiciados pela violação da propriedade privada. Segundo, o contexto de animosidade prévia às retomadas levou à prisão arbitrária de três indígenas xukuru junto à proibição da dança do toré (FIALHO, 1998FIALHO, Vânia. As fronteiras do ser Xukuru. Recife: Massangana/Fundação Joaquim Nabuco, 1998.; FIALHO et al, 2011). Terceiro, as organizações defensoras de direitos humanos envolvidas na defesa do cacique Marcos foram indiciadas pela constituição de milícias armadas (UFPE, 2019). Quarto, o próprio cacique Marcos teria sido o provocador dos assassinatos daqueles que o defenderam. Quinto, a morte de Jozenilson José dos Santos e de José Ademílson Barbosa de Silva se deu porque portavam armas, de forma que um dos responsáveis pelo assassinato agiu em legítima defesa de terceiro (FIALHO, 1998; FIALHO et al, 2011).

Juntas, as sanções 3 e 5 foram a “lógica do inimigo”. Isto é, no contexto intrinsecamente litigioso do processo demarcatório, o aparato estatal é levado a tomar um dos lados do conflito. Retomando a matriz exposta interiormente, os órgãos envolvidos não permanecem neutros, de forma que sua atuação vai sempre beneficiar (ou prejudicar) o lado indígena ou o lado dos fazendeiros. No caso do povo Xukuru do Ororubá, a Funai, a PF e o MPF se mostraram intensamente tomadas pela lógica do inimigo em suas atitudes, as quais (quase) sempre beneficiaram o lado não-indígena do conflito.

Ainda, o caso demonstra que as regras formais foram fracas. O MPF tem o dever constitucionalmente estabelecido de atuar em defesa dos direitos indígenas (BRASIL, 1998), assim como a Funai (BRASIL, 1967). Assim, a própria postura de seus agentes estatais em divergência com as regras formais.

Há dois tipos possíveis de interações quando as regras formais e informais divergem entre si: a competição e a acomodação. A competição ocorre quando a instituição informal está estruturada de forma completamente incompatível com a instituição formal, de maneira que, para seguir uma, deve-se descumprir completamente a outra. Em contraste, a relação de acomodação ocorre quando as instituições informais criam incentivos para comportamentos alterando os efeitos das instituições formais, mas sem violá-las diretamente (HELMKE e LEVITSKY, 2006HELMKE, G.; LEVITSKY, S. (EDS.). Informal institutions and democracy: lessons from Latin America. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2006.).

Em um primeiro momento, pode-se pensar que a regra informal atua por meio da competição. Ora, assassinatos e ameaças estão tipificados no Código Penal, além de que a postura do Ministério Público estava completamente contrária ao estabelecido pela lei. Contudo, a interação por acomodação foi mais capaz de desvendar as sutilezas da lógica do inimigo. Como explicam Helmke e Levitsky, as regras informais acomodativas são normalmente criadas por atores que não se agradam com os efeitos gerados pelas regras formais, mas que são incapazes de mudá-las ou violá-las abertamente (HELMKE e LEVITSKY, 2006HELMKE, G.; LEVITSKY, S. (EDS.). Informal institutions and democracy: lessons from Latin America. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2006.). Logo, os fazendeiros estariam agindo por acomodação porque não possuem o poder necessário para mudar o que está estabelecido nos artigos 231 e 232 da Constituição Federal (BRASIL, 1988).

Destarte, o Delegado da Polícia Federal estava exercendo o legítimo dever de realizar denúncias (não violação direta da regra formal), mas as realizava no sentido de enfraquecer a defesa do lado indígena do conflito (violação da finalidade da regra formal). Como evidenciado na narrativa de Manoel, “se você chegar junto, vai ser processado”, sendo essa uma forma de causar desgaste e angústia (UFPE, 2019). O MPF, por sua vez, continuou figurando como parte nos processos judiciais (não violação da regra formal), mas o posicionamento era o de estabelecer uma “simbiose” com os Polícia Federal em vez de defender os interesses do povo Xukuru do Ororubá (violação da finalidade da regra formal). A Funai, por fim, ainda era titular do processo demarcatório Xukuru e promovia acordos sobre as desintrusões enquanto contribuía substancialmente para a mora desse processo administrativo.

Assim, a regra informal da permanência da posse com os não-indígenas atuou por acomodação com as regras formais. Não se pode dizer que todas as sanções representam uma regra informal que atua por acomodação, visto que o uso da violência está para além de qualquer parâmetro legal ou socialmente estabelecido. Ademais, os próprios órgãos envolvidos se mostram divididos quanto ao lado do conflito que tomam, como é o caso do posicionamento pró-indígena tomado pela 6ª Câmara do MPF. Os mesmos órgãos atuaram, em outros momentos, como mecanismos favoráveis aos direitos indígenas e, portanto, atenuadores das sanções descritas acima. Como reiterado pelos autores do neoinstitucionalismo, as interações entre regras formais e informais é, antes de tudo, dinâmica (NÓBREGA, 2013NÓBREGA, F. F. B. Entre o Brasil formal e o Brasil real: Ministério Público, arranjos institucionais informais e jogos ocultos entre os poderes. João Pessoa: Ideia, 2013., p. 39).

5. Conclusão: instituições informais e criminalização do povo indígena

O relatório do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) de 2021 indica que há um total de 832 terras indígenas “com pendências administrativas” no Brasil (CIMI, 2021, p. 66). Os processos demarcatórios estão nos menores números de homologação presidencial desde a retomada da democracia em 1985. A administração da Funai é publicamente repudiada pelos povos indígenas pelas organizações que representam seus interesses (ABA, 2019; AFP, 2020; VALENTE e SANTOS, 2020VALENTE, R.; SANTOS, B. Raoni e filha de Chico Mendes anunciam aliança contra 'retrocessos' de Bolsonaro. Folha de S. Paulo, [S. l.], 15 jan. 2020. Disponível em:https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/01/raoni-e-filha-de-chico-mendes-anunciam-alianca-contra-retrocessos-de-bolsonaro.shtml. Acesso em: 19 ago. 2020.
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). Não há como esperar nada diferente de um cenário de guerra e da constante criminalização.

Como demonstrado neste artigo, a guerra dentro e fora do judiciário é inerente ao decurso do processo de demarcação, sendo reforçada pela ausência de normas a respeito da situação jurídica da propriedade indígena durante este período. Ambos os atores são racionais e têm incentivos para utilizar todas as armas em seu poder para garantir os próprios interesses, de modo que o “equilíbrio analítico” está justamente na violência física e institucional. Este jogo determina a existência da regra informal de permanência da posse com os não-indígenas, a qual pode ser identificada pelos diversos mecanismos sancionatórios pelos quais os fazendeiros, e os órgãos governamentais que tomam o seu lado, garantem a proteção da propriedade privada enquanto a desintrusão não está completa. Parte dessas sanções pode ser traduzida na lógica do inimigo, a qual corresponde à criminalização das lideranças indígenas e dos defensores dos direitos indígenas, assim como ao desvirtuamento dos órgãos cuja função é proteger os direitos indígenas.

Neste sentido, notícias como o assassinato de Bruno Pereira e Dom Philips (VENCESLAU, 2022VENCESLAU, A. B. Durante ritual, povo Xukuru faz homenagem a Bruno Pereira, indigenista assassinado. Diário de Pernambuco, [S. l], 23 jun. 2022. Disponível em:https://www.diariodepernambuco.com.br/noticia/vidaurbana/2022/06/durante-ritual-povo-xukuru-faz-homenagem-a-bruno-pereira-indigenista.html. Acesso em: 6 jul. 2022.
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) demonstram a permanência de uma guerra na qual a omissão estatal atua como protagonista.

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  • 1
    Este estudo foi parcialmente financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código Financeiro 001.
  • 2
    Comparando as palavras de Almeida aos escritos de Fialho et. al (2011), percebe-se que ele confundiu “Louro Frazão”, autor dos disparos que fugiu logo após o atentado, com “Zequinha Vicente”, que efetivamente fugiu para uma casa em Cimbres logo após o crime.
  • 3
    Ver também: PROCESSO: 08001449120144058303, APELAÇÃO CÍVEL, DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS DE MENDONÇA CANUTO NETO, 4ª TURMA, JULGAMENTO: 24/07/2018; PROCESSO: 08113629120174050000, AGRAVO DE INSTRUMENTO, DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO DE MENESES FIALHO MOREIRA, 3ª TURMA, JULGAMENTO: 14/06/2018.
  • 4
    Tradução livre.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2024

Histórico

  • Recebido
    19 Dez 2022
  • Aceito
    03 Abr 2023
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