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Coisas que em crianças viram, reminiscências que em adultos contam: a institucionalização da escola primária na província do Paraná através de egodocumentos (1854-1889)

Things seen during childhood, reminiscences told in adulthood: the institutionalization of elementary school inthe province of Paraná through egodocuments (1854-1889)

Cosas que vieron en niños, reminiscencias que en adultos cuentan: la institucionalización de la escuela primaria en la provincia de Paraná a través de egodocumentos (1854-1889)

RESUMO

O artigo investiga a institucionalização da escola primária na Província do Paraná do ponto de vista da criança, por meio de egodocumentos produzidos por adultos que, na meninice, frequentaram as escolas da região e, nessas escritas de si, legaram testemunhos sobre suas experiências de escolarização no tempo da infância. O recorte temporal abarca o período provincial paranaense, de 1854 a 1889. Num primeiro momento, analisa as práticas educativas e o papel dos professores primários na institucionalização da escola pública primária conforme percebido pelas crianças que foram seus alunos. Em seguida, investiga a constituição dos tempos escolares como elementos demarcadores de identidade e lugar da escola na vida das crianças e na sociedade paranaense provincial. Conclui-se que a história baseada nos egodocumentos que se pode escrever é a da institucionalização da escola primária num outro nível temporal e social: o vivenciado e percebido pelas crianças

Palavras-chave:
Criança; Egodocumentos; História da Educação; Paraná; Século XIX.

ABSTRACT

The present paper investigates the institutionalization of elementary school in the Province of Paraná from the perspective of children with the use of egodocuments produced by adults who, in childhood, attended the schools of the region and, in these writings about themselves, bequeathed testimonies about their childhood schooling experiences. The study encompasses the provincial period of Paraná from 1854 to 1889. It starts with the analysis of educational practices and the role of elementary school teachers in the institutionalization of public primary schools as perceived by children who attended these establishments. Then, the constitution of school times as demarcating elements of identity and the place of school in the life of children and the provincial society of Paraná is investigated. It is concluded that the history that can be written based on the egodocuments is that of the institutionalization of the primary school in another temporal and social level: the one experienced and perceived by children.

Keywords:
Child; Egodocuments; History of education; Paraná; Nineteenth century.

RESUMEN

El objetivo del artículo es investigar la institucionalización de la escuela primaria en la Provincia de Paraná desde el punto de vista del niño, a través de egodocumentos producidos por adultos que, en la infancia, asistieron a las escuelas de la región y, en estos escritos de sí mismos, legaron testimonios sobre sus experiencias infantiles de escolarización. El marco temporal abarca el período provincial de Paraná, de 1854 a 1889. En un primer momento, analiza las prácticas educativas y el papel de los docentes de primaria en la institucionalización de las escuelas primarias públicas según la percepción de los niños que fueron sus alumnos. Luego, investiga la constitución de los tiempos escolares como elementos demarcadores de identidad y lugar de la escuela en la vida de los niños y en la sociedad provincial paranaense. Se concluye que la historia que se puede escribir a partir de los egodocumentos es la de la institucionalización de la escuela primaria en otro plano temporal y social: el vivido y percibido por los niños.

Palabras clave:
Niño; Egodocumentos; Historia de la Educación; Paraná; Siglo XIX.

INTRODUÇÃO

Durante alguns anos, dediquei-me ao estudo da história da educação no século 19, tomando como espaço geográfico a Província do Paraná e como ator histórico privilegiado a criança, com as infâncias por ela vividas e/ou construídas socialmente nas relações intergeracionais. Em uma dessas idas e vindas ao passado e seus arquivos tomei contato e acumulei em banco de dados um conjunto de fontes praticamente inexplorado na historiografia sobre a institucionalização da escola primária no Paraná provincial: egodocumentos1 1 . Por egodocumentos entendo aqui, com Antônio Viñao, “[...] aqueles textos nos quais o sujeito fala ou se refere a si mesmo, nos quais o eu encontra refúgio e se converte em elemento de referência” (Viñao, 2000, p. 11, tradução livre). Por sua natureza, em termos metodológicos, a análise dos egodocumentos pode ser situada, também, no campo dos estudos autobiográficos. escritos por pessoas que, em crianças, viveram ali suas infâncias e experiências de escolarização. À semelhança do ogro que sente o cheiro de carne humana e sabe que ali está a sua presa, como na alegoria utilizada por Bloch (2011BLOCH, Marc. A apologia da História ou o Ofício do Historiador. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.) para definir uma das facetas do ofício do historiador, percebi que esse corpus documental trazia consigo, por isso, a possibilidade de compreensão da história da escola naquela região sob outra perspectiva, a da criança. Ou melhor: a dos adultos rememorando, por meio de uma operação retórica - a retórica de infância (Becchi, 1994BECCHI, Egle. Retórica da Infância. Perspectiva, Florianópolis, v. 12, n. 22, p. 63-95, 1994.) - as crianças que um dia foram e as marcas que a instituição escolar que viram e experimentaram deixou em suas vidas, possibilitando, por isso, a apreensão de tal institucionalização por um prisma diferente daquele que, habitualmente, tem sido adotado na interpretação da questão na historiografia paranaense e brasileira.

O problema histórico que proponho estudar pode ser resumido na seguinte questão: que história sobre a institucionalização da escola primária na província do Paraná se pode contar se tomarmos como fonte privilegiada os egodocumentos produzidos por adultos que, em criança, frequentaram as escolas paranaenses daquela época? A hipótese é que a história que pautada nesse material se pode escrever é a da institucionalização da escola primária paranaense num outro nível temporal e social: o vivenciado e percebido pelas crianças. Uma institucionalização no aspecto não quantitativo, mas qualitativo, da história. Uma institucionalização pensada em termos da experiência de ser aluno e de no dia a dia ter sentido as marcas dessa instituição sendo gravadas, aos poucos e muito lentamente, na sua vida e na vida das demais pessoas que integravam a sociedade paranaense. Marcas que, levadas pela vida afora, podem, ainda hoje, ser apreendidas e interrogadas nos egodocumentos produzidos por cada protagonista desta história.

Assim sendo, o objetivo deste artigo é o de investigar a institucionalização da escola primária na Província do Paraná do ponto de vista da criança, por meio de egodocumentos produzidos por adultos que, na meninice, frequentaram as escolas da região e, nessas escritas de si, legaram testemunhos sobre suas experiências de escolarização no tempo da infância. O recorte temporal abarca o período provincial paranaense, de 1854 a 1889.

Um primeiro conceito que permeia minha concepção de institucionalização é o da noção de “escolarização do social”, cunhado por Faria Filho. Segundo ele,

[...] podemos dizer que, na transição de uma sociedade não escolarizada para uma escolarizada, a tensão desta recai sobre a totalidade do social, não deixando intocada nenhuma de suas diversas dimensões. Tal tensão pode ser percebida não apenas naquilo que toca diretamente a escola e o seu entorno, mas naquilo que de mais profundo há na cultura e nos processos sociais como um todo: das formas de comunicação às formas de constituição dos sujeitos, passando pelas inevitáveis dimensões materiais garantidoras da vida humana e de sua reprodução, tudo isso modifica-se, mesmo que lentamente, sob o impacto da escolarização. (Faria Filho, 2008FARIA FILHO, Luciano Mendes. O processo de escolarização em Minas Gerais: questões teórico-metodológicas e perspectivas de análise. In: VEIGA, Cynthia Greive; FONSECA, Thais Nivia de Lima e. (org.) História e historiografia da educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. p. 77-98., p. 81)

Ainda no diálogo com Faria Filho é que, neste artigo, a escolarização constitui-se em outro conceito fundamental, já que estará sendo entendida, conforme propõe aquele historiador, sempre em dupla acepção. De um lado, designando

[...] o estabelecimento de processos e políticas concernentes à “organização” de uma rede, ou redes, de instituições, mais ou menos formais, responsáveis seja pelo ensino elementar de leitura, da escrita, do cálculo e, no mais das vezes, da moral e da religião, seja pelo atendimento em níveis posteriores e mais aprofundados [...] [De outro lado] o processo e a paulatina produção de referências sociais, tendo a escola, ou a forma escolar de transmissão de conhecimentos, como eixo articulador de seus sentidos e significados. (ibidem, p. 78)

A institucionalização da escola primária, conforme está sendo entendida neste estudo, dialoga, diretamente, com a noção de cultura escolar, isto é, de que aquilo que a escola faz produz sentidos e significados na vida das crianças e da sociedade da qual elas fazem parte. Ora, como expôs Julia (2001JULIA, Dominique. A cultura escolar como objeto histórico. Revista Brasileira de História da Educação, Campinas, n. 1, p. 9-43, jan./jun. 2001., p. 10-11), essa cultura escolar pode ser definida como

[...] um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas (finalidades religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização). Normas e práticas [que] não podem ser analisadas sem se levar em conta o corpo profissional de agentes que são chamados a obedecer a essas ordens e, portanto, a utilizar dispositivos pedagógicos encarregados de facilitar sua aplicação, a saber, os professores primários e os demais professores [...] Enfim, por cultura escolar é conveniente compreender também, quando isso é possível, as culturas infantis (no sentido antropológico do termo), que se desenvolvem nos pátios de recreio e o afastamento que representam em relação às culturas familiares.

Mais do que “dizer” ao historiador o que sejam as culturas escolares, essa definição apresenta-nos os elementos que a constituem: normas e práticas; seus atores - os agentes do ensino e as crianças enquanto alunos; e, ao mesmo tempo, a metodologia que a pesquisa acerca de tais culturas pode adotar para seu estudo histórico bem como a necessidade de se pensarem as bases empíricas para essa análise.

As culturas escolares são constituídas por conjuntos de normas, que, para o contexto paranaense oitocentista, podem ser recuperadas historicamente pela análise da legislação escolar, enfatizando-se, neste caso, a sua dimensão prescritiva. Mesmo não sendo a realidade do que ocorre no interior da escola, essas normas legais tornam-se tentativas mais ou menos exitosas (a depender de como são colocadas em prática) de organização e intervenção do Estado e seus agentes nessa realidade (Chervel, 1990CHERVEL, André. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Teoria & Educação. Porto Alegre, n. 2, p. 177-299, 1990.). Nesse sentido, ajudam a identificar as possíveis finalidades às quais o ensino escolar, naquele momento, estaria a serviço.

Entretanto, tais normas materializam-se no cotidiano escolar por meio de práticas - e, aqui, a concepção de que elas são apropriações, isto é, diferentes interpretações, como propõem Chartier (1991CHARTIER, Roger. A história cultural entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1991.) e Faria Filho (1998), é fundamental -, práticas que, naquilo que nos interessa, podem ser recuperadas em ótica privilegiada pelos egodocumentos. Para fins de crítica documental, porém, não o devem ser somente por eles, de modo que outras fontes tornam-se, direta ou indiretamente, indispensáveis para a compreensão dessa segunda dimensão das culturas escolares para o caso paranaense.

Um segundo conjunto de documentos nos quais se podem apreender algumas práticas ou vestígios delas são os relatórios oficiais - sejam os escritos por professores, por inspetores de ensino, sejam os produzidos pelos presidentes da Província. Neles se revelam os êxitos e fracassos no complexo processo de verter normas em práticas, uma vez que é na realidade rebelde - sobre a qual essa documentação fala e por vezes produz retóricas legitimadoras - que ocorre, de fato, o processo de produção da escolarização e da cultura das quais a escola é chamada, em cada contexto, a ser o vetor social. A esses documentos oficiais acrescentemos um códice denominado “Materiais enviados às escolas públicas”, que contém, como o título indica, a relação de materiais e mobílias enviada às escolas paranaenses no século XIX, testemunhando, assim, o provimento material dessas instituições, elemento crucial para efetivação de seu processo de institucionalização e suporte indispensável de muitas de suas práticas.

Um terceiro conjunto, a que poderíamos nos referir como fontes da escola, “[...] ou seja, aquelas que provêm diretamente das práticas escolares” (Ragazzini, 2001RAGAZZINI, Dario. Para quem e o que testemunham as fontes da história da educação? Educar em Revista, Curitiba, n. 18, p. 12-28, dez. 2001. https://doi.org/10.1590/0104-4060.231
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, p. 19), é o constituído, na verdade, por um documento escolar em particular: o Livro de Matrículas da 1ª cadeira do sexo masculino de Paranaguá, cujos registros foram feitos pelo professor José Cleto da Silva entre os anos de 1867 e 1875. Tais registros podem fornecer, ainda que de modo indireto, informações sobre as diferentes infâncias vivenciadas pelos alunos daquela escola, auxiliando na obtenção de alguns dados qualitativos e quantitativos que podem ser de grande valia para a análise do que dizem, sobre as práticas e as experiências de infância escolarizada, determinados egodocumentos.

Ao corpus já mencionado podemos ajuntar, ainda, a imprensa periódica que, no século 19 brasileiro e paranaense, assume um papel de registro do que se passava na sociedade, mas, concomitantemente, de produtora dessa mesma sociedade, por meio da valorização do que - ela e seus leitores - consideravam bom e pela crítica do que entendiam que precisava ser modificado. Nesse sentido, ela dá testemunho tanto intencional quanto não intencional sobre as práticas escolares, embora não deixe de ser um testemunho indireto e cujo peso na operação historiográfica aqui em movimento, na maior parte das vezes, será o de contraste entre os relatos de práticas e destas com as normas.

Egodocumentos, legislação, relatórios oficiais, livro de matrículas e imprensa, juntos, portanto, podem nos permitir o acesso ao interior da sala de aula para flagrarmos como determinadas normas vertidas em práticas educativas deixaram marcas na vida dos alunos que, na infância, frequentaram as escolas da Província do Paraná e, por meio dessas experiências, vivenciaram, a seu modo, o complexo processo de institucionalização da escola naquela sociedade e época histórica. Será, assim, esse conjunto de fontes que cruzaremos com os nossos egodocumentos e sobre os quais os textos do ego jogarão uma luz toda particular na narrativa histórica que iremos desenvolver.

O artigo até aqui introduzido divide-se em três partes. Na primeira, analiso as práticas educativas e o papel dos professores primários na institucionalização da escola pública primária conforme percebido pelas crianças que foram seus alunos. Em seguida, investigo a constituição dos tempos escolares como elementos demarcadores de identidade e lugar da escola na vida das crianças e na sociedade paranaense provincial. Ao final, o estudo é encerrado com algumas considerações, a mote de conclusão.

PROFESSORES PRIMÁRIOS E SUAS PRÁTICAS EDUCATIVAS

A precariedade, velha conhecida dos historiadores da educação no Oitocentos, é evocada nas memórias de Generoso Marques dos Santos, político paranaense que na infância frequentou a escola primária em Curitiba nos primeiros anos da emancipação, quando tinha nove ou dez anos. Aquela que disputava com Paranaguá a condição de Capital - o que viria a ser definido ainda no primeiro ano de emancipação - podia ser classificada como “uma cidade pequena e atrasadíssima”, cuja evidência mais clara era a da situação de suas escolas por volta de 1854:

Para fazer-se uma ideia deste deplorável estado, devido ao abandono em que esteve por parte dos governos provincial e geral, basta lembrar que só havia em Curitiba duas escolas primárias, uma para o sexo masculino, regida pelo [...] professor Brandão e outra para o sexo feminino, regida pela professora Dona Maria do Carmo Martins, ambos, é certo, muito competentes e esforçados e aos quais toda a geração daquele tempo deveu a instrução elementar. (Santos, 1988SANTOS, Generoso Marques dos. Histórico Testemunho. Boletim do Arquivo Público do Paraná, Curitiba, n. 23, p. 25-32, 1988., p. 29)

Também Generoso Marques via no descaso do governo paulista o motivo do atraso no desenvolvimento da instrução. É óbvio que, em criança, dificilmente teria clareza sobre as causas estruturais da situação vivida em sua cidade. Essa interpretação talvez tenha sido construída com o tempo e aqui seja mais o político adulto que ele se tornou quem nos fala do que o menino que sentava no banco de uma daquelas escolas. Contudo, durante minhas investigações, ele despertou a atenção por um detalhe: o do número de escolas em funcionamento efetivo na capital, que quando confrontado com outros dados tanto empíricos quanto historiográficos parece oferecer um testemunho involuntário, mas de potencialidade para a escrita da história da educação.

De acordo com os dados levantados por Wachowicz (1984WACHOWICZ, Lilian Anna. Relação Professor-Estado no Paraná Tradicional. São Paulo: Cortez, 1984.) nos relatórios oficiais, haveria em Curitiba à época da emancipação três escolas primárias, duas para meninos e uma para meninas. Todavia, Generoso afirma que só existiam duas: a do professor Brandão e a da professora Maria do Carmo Martins. Verificando o mapa das escolas de 15 de julho de 1854, anexo ao relatório do Presidente Zacarias e relativo ao primeiro semestre daquele ano, realmente, são mencionadas três e não duas escolas, faltando no relato de Generoso a menção à 2ª cadeira do sexo masculino, regida por José Celestino de Oliveira (Vasconcelos, 1854VASCONCELLOS, Zacarias Goes. Relatório do Presidente da Província do Paraná o Conselheiro Zacarias de Goes e Vasconcellos, na abertura da Assembleia Legislativa Provincial em 15 de julho de 1854. Curitiba: Tip. Paranaense de Cândido Martins Lopes, 1854., Anexo n. 1). Teria Generoso sido vítima de uma memória não tão generosa quanto seu nome?

Como pontua Miguel (2006aMIGUEL, Maria Elisabeth Blanck. A organização da escola primária pública no Paraná: período provincial. HISTEDBR On-line. Campinas, n. 22, p. 39-53, jun. 2006a.), foi comum ao longo do período provincial que as escolas existissem, mas não fossem providas com a presença de um professor. A escola que emerge das memórias de Generoso Marques não é uma escola descolada da realidade vivida por ele na infância, mas antes intimamente associada aos mestres que em determinada cadeira derramavam o ensino e estavam em contato com as famílias. Para ele, a presença da escola manifestava-se em Curitiba, sobretudo pela ação dos professores “muito competentes e esforçados, aos quais toda a geração daquele tempo deveu a instrução elementar”. É possível, assim, que ele, diferente do que faziam os administradores provinciais, tenha considerado como existentes em suas contas apenas as escolas providas e que desse modo podiam atender efetivamente à população infantil. Essa interpretação revela-se plausível se considerarmos que, na relação das escolas existentes na Província em 1º de fevereiro de 1855 (relativa, assim, ao segundo semestre de 1854), a 2ª cadeira do sexo masculino consta como existente, mas aparece vaga, sem um professor que a ocupe (Vasconcelos, 1855VASCONCELLOS, Zacarias. Relatório do Presidente da Província do Paraná o Conselheiro Zacarias de Goes e Vasconcellos na abertura da Assembleia Legislativa Provincial em 8 de fevereiro de 1855. Curitiba: Tip. Paranaense de Cândido Martins Lopes, 1855., Anexo G). José Celestino de Oliveira não exercia mais aquela função. Desse modo, mais do que ter sido traído por sua memória, Generoso deixa escapar que a existência da escola, na ótica daqueles que dela se serviam, era medida não por uma lei que decretava sua criação, mas antes pela presença de um professor que a fizesse efetivamente funcionar. O momento que sua memória capturou foi justamente aquele entre 1854 e 1855, em que uma escola ficara vaga e, consequentemente, deixara de “existir” na prática, embora para o governo merecesse figurar nos dados relativos a esse ramo do serviço público, atestando sua preocupação em ofertar a instrução aos paranaenses.

A permanência do professor na escola, per se, não era a única coisa que a tornava uma presença concreta e efetiva na vida dos paranaenses. Ela existia, particularmente, por aquilo que o mestre realizava durante o tempo em que ele e seus discípulos conviviam, fazendo funcionar essa instituição pensada, justamente, para as crianças que um dia as frequentaram - algumas das quais, depois de adultas, em egodocumentos, fixaram para os pósteros vestígios de suas percepções e experiências a respeito desses eventos. Por essa razão, essas escritas autorreferenciais manifestam que a escola primária não foi só uma ideia irrealizável, dada a precariedade do contexto, mas uma ideia encarnada em práticas e acontecimentos, vívidos o bastante para não serem esquecidos.

Nestor Vitor, nascido em Paranaguá em 1868, foi entre os anos de 1874 e 1879, aproximadamente, aluno da escola regida pelo famoso (ao menos em termos historiográficos) professor José Cleto.2 2 . De acordo com o Livro de Matrículas pertencente ao professor Cleto e doado por seu filho ao Instituto Histórico e Geográfico de Paranaguá, Nestor Vitor foi matriculado em 7 de janeiro de 1874, aos cinco anos de idade, tendo apenas o nome de sua mãe - Maria Moreira Mendonça - registrado no campo filiação, o que pode ser indício de ser filho natural (IHG-Paranaguá, 1865-1885 fl. 24). Em 1946, a Academia Paranaense de Letras publicou, postumamente, um egodocumento de sua autoria, intitulado Meus Dois Mestres, narrando suas experiências de escolarização primária e, depois, numa cadeira isolada de humanidades. A maior parte de seu escrito, entrementes, é dedicada a José Cleto. Em momento algum Nestor Vitor menciona que aquela era “tal” ou “tal” cadeira de instrução primária - como o faziam os presidentes da Província e os professores em seus relatórios. Para ele, aquela era a “escola do professor Cleto”. E essa escola possuía as seguintes características, graças a seu mestre:

José Cleto foi, para o seu tempo, em nossa Paranaguá, o que Abílio era no meio carioca: um revolucionário em pedagogia. Quando eu entrei para a sua escola, lá já não havia mais a cartilha - símbolo do antigo método de ensino, zarro e monótono. Já se estudava pelos livros do futuro Barão de Macaúbas, já se cantavam, de manhã e à tarde, os hinos escolares que este educador introduziu em todo o Brasil, já os novos móveis, envernizados e cômodos, tinham substituído os velhos bancos negros, que por si só escureciam a sala de ensino, já toda a atmosfera escolar era alegre e convidativa. (Vitor, 1946VITOR, Nestor. Meus dois mestres. Revista da Academia Piauiense de Letras, Curitiba, p. 72-82, jan. 1946., p. 72)

É pouco provável que Nestor Vitor, na sua infância, soubesse quem era ou a importância que vinha ganhando no meio educacional Abílio Cesar Borges, futuro Barão de Macaúbas. Aqui, mais uma vez, é preciso diferenciar o adulto que fala da criança que ele um dia foi, mas que também nos fala. Por conta dos efeitos da memória enquanto fenômeno social que impregna o egodocumento, este mescla elementos do presente aos do passado, ampliando seus significados (e, em alguns casos, esticando-os ao extremo de nossa desconfiança, quase aconselhando os menos otimistas a não utilizá-los como evidência do passado). Para produzir a imagem ideal do seu mestre, Nestor Vitor valeu-se da representação partilhada no momento de sua escrita sobre o valor da produção pedagógica de Macaúbas. Todavia, ele o faz para explicar e interpretar aquilo que em menino viu e observou na escola do mestre Cleto: novos móveis, novos métodos, uma nova atmosfera.

O que Nestor Vitor não sabia em menino - e pelo visto não o soube ou não quis dar a conhecer nos seus fragmentos autobiográficos - é que quase tudo que descreve materialmente na escola do professor Cleto também era encontrado nas outras escolas de Paranaguá, conforme o testemunho da documentação existente no Arquivo Público do Paraná. Quase todas as escolas de sua cidade, na década de 1870, já contavam com os livros de Abílio Cesar Borges entre o material utilizado diariamente para o ensino da leitura (embora enviados em quantidades muito irrisórias, expressão da dificuldade com que o provimento de materiais era contemplado)3 3 . Em 1874, a professora da terceira cadeira do sexo feminino de Paranaguá recebia cinco exemplares do primeiro livro de leitura, dois exemplares do segundo livro e três exemplares do terceiro, enquanto em 1876 o professor da segunda cadeira do sexo masculino recebia também sua cota dos livros de leitura de Abílio (DEAP-PR, 1854-1889, p. 3-4). Para além das escolas de Paranaguá, as demais da Província, ainda na mesma década, foram providas com diversas quantidades desses mesmos livros, como testemunha em várias de suas páginas o Códice 116, já citado. bem como com novos móveis envernizados, tal qual a escola do mestre Cleto.4 4 . Em 1875, junto com a remessa de livros, a professora da terceira cadeira de meninas recebia uma remessa completa de móveis para a sua escola, todos envernizados; o mesmo ocorreu com o professor da segunda cadeira de meninos (DEAP-PR, 1854-1889, s.p.) Mais do que anular o valor histórico desse texto memorialístico, essa constatação nos permite lê-lo com maior profundidade. Não foi somente tudo aquilo existente na escola do professor Cleto e, igualmente presente nas outras, que fez Nestor Vitor reconhecer a presença da escola em sua vida. Foi antes o fato de que, por meio daqueles materiais e móveis, o professor fazia alguma coisa com os alunos e para os alunos, que fixou nas sensibilidades do menino Nestor a marca indelével da institucionalização da escola na vida do homem Nestor, a ponto de tais elementos serem (por ele) escolhidos como evidência irrefutável (para ele) do valor e talento do professor, que diferenciava profundamente a escola que frequentou das demais do seu tempo.

Se José Cleto, ao utilizar-se desses materiais e métodos cotidianamente, o fazia como o demonstrou ao Inspetor Geral da Instrução Pública João Pereira Lagos Júnior durante a visita que este realizou em 20 de agosto de 1875 à cadeira que ele regia, realmente Nestor Vitor tinha motivos para guardar de sua escola e de seu mestre uma imagem, no mínimo, peculiar. Enquanto a classe docente na Província do Paraná, conforme identificou à fartura Wachowicz (1984WACHOWICZ, Lilian Anna. Relação Professor-Estado no Paraná Tradicional. São Paulo: Cortez, 1984.), recebia praticamente só críticas e censuras, sendo muitas vezes culpada por um insucesso que não dependia somente do mestre, o Inspetor Geral, numa manifestação bastante singular, registrou sobre José Cleto: “O professor inteligente, convencido e dedicado, mostra-se altamente compenetrado da gravidade do lugar que ocupa. Encontrei-o tão subordinado ao seu papel, que bem se poderia dizer que possui a verdadeira paixão do ensino” (DEAP-PR, 1875DEPARTAMENTO DE ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ - DEAP-PR. AP 470. 1875. Manuscrito., p. 201). O que teria demonstrado esse professor aos olhos de João Pereira Lagos e, também, de Nestor Vitor, que bem pode ter estado entre os presentes naquele dia de visita?

Detenhamo-nos num único aspecto presente no termo de visita: o ensino da escrita, o melhor, da escrita associada à leitura. Sobre ele, relata o Inspetor Geral:

Por espaço de uma hora, que não senti passar, pude observar, satisfeito e encantado, a facilidade com que, aos únicos esforços de um bom método, um grupinho de umas vinte ou vinte e tantas crianças vivas e atentas praticavam, a um só tempo, os exercícios indicados para o momento. Era a classe menos adiantada, exibindo as provas do seu produtivo trabalho. O mestre, seguindo o método moderno importado da União Americana, traçava no quadro negro as letras, as sílabas e as palavras que deviam formar a frase “Deus protege a inocência e ama a virtude” e por um só movimento cada menino traçando em sua lousa tudo quanto escrevia o mestre, repetia-as pronunciando-as em coro as letras, as sílabas, as palavras com o acentuado característico das sílabas, o número com que estas compunham as palavras e finalmente, as palavras e a frase inteira. Nenhum movimento perdido, nenhuma pergunta ficava sem a resposta apropriada. Tais elementos da linguagem universal, a letra, a sílaba, a palavra, perdiam a qualidade de símbolos inertes, como são os escritos, para animarem-se ao sopro vivificante destas e vinte e tantas vozes que as pronunciavam. Terminado o exercício, trouxeram-me todos alegres a cuidadosa escrita que haviam feito. Alguns, os mais adiantados, apresentavam certo [ilegível] desenvolvimento apreciável segundo o tempo e a intensidade do estudo empregado; outros, os mais novos, mostravam, entretanto, o esforço com que procuravam a primeira linha (DEAP-PR, 1875DEPARTAMENTO DE ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ - DEAP-PR. AP 470. 1875. Manuscrito., p. 201-201v).

O enigmático “método moderno importado da União Americana” a que se refere Pereira Lagos parece ser o “método intuitivo”, o mesmo que era “a referência principal da pedagogia” (Valdez, 2006VALDEZ, D. A representação de infância nas propostas pedagógicas do Dr. Abílio César Borges: o Barão de Macaúbas (1856-1891). 2006. 306 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2006., p. 130) de Abílio Cesar Borges, que a partir da década de 1870 voltou seu foco de atenção “[...] para os Estados Unidos, país que, para ele, havia obtido uma incontestável superioridade na instrução primária” (ibidem, p. 130). Assim, José Cleto destacava-se aos olhos de seu superior por estar dando conta não só de seguir o método5 5 . O método de ensino adotado na maior parte das escolas da Província era o simultâneo por classes, porém vale lembrar que outros métodos conviveram com esse em todo o período provincial, além de que, muitas vezes, entendia-se que o livro usado era, também ele, um método de ensino do qual o professor lançava mão. A este respeito, ver França e Souza (2012). adotado, mas de conseguir com ele os excelentes resultados que justificavam sua adoção por parte da Inspetoria de Instrução. Os alunos, ao mesmo tempo que aprendiam a escrever, aprendiam também a ler, indo mais além: compreendendo aquilo que escreviam e liam - o grande ideal que marcaria as discussões pedagógicas no Paraná a partir da década de 1880, quando o método intuitivo seria alçado ao grau de mais avançado e adequado para o ensino da infância e que era uma das preocupações mais prementes de Abílio Cesar Borges em suas propostas de ensino.

Antes de avançarmos, convém dar voz a outro aluno de José Cleto. Nascido em 1865-1866, Leôncio Correia foi matriculado na escola daquele professor em 15 de outubro de 1871 (IHG-Paranaguá, 1865-1885IHG-PARANAGUÁ. Livro de Matrículas da Escola do Professor Cleto. 1865-1885. Paranaguá: Arquivo do Instituto Histórico e Geográfico de Paranaguá, 1865-1885., fl. 15). Depois de um tempo, ao que parece, passou para a cadeira regida por Honório Décio da Costa Lobo, o professor mais antigo da cidade, em exercício desde fins da década de 1850. No século 20, já famoso expoente do simbolismo paranaense, Leôncio Correia redigiu o poema “Minha Terra”, no qual recorda cenas e fatos da sua infância passada em Paranaguá. Sobre sua escolarização, relata o seguinte:

Fui um discípulo inquieto Das duas escolas do lugar Aprendi com professor Cleto A ler e escrever corretamente Porém foi o mestre Décio - tão paciente - Quem me ensinou a soletrar (Correia, 1954CORREIA, Leôncio. Minha Terra. In: CORREIA, Leôncio. Meu Paraná. Curitiba: Edição do Estado do Paraná, 1954., p. 112)

Nos curtos versos de Leôncio Correia, parece que o seu professor mais querido foi o mestre Décio, que tão paciente o ensinou a soletrar (como o fazia a maioria dos professores paranaenses, o que os punha no alvo das críticas de seus superiores, que por aquela época se agitavam contra o “ensino de memória”, valorizando o ensino da escrita baseado na leitura compreensiva do que se escrevia). Não obstante essa sua preferência quase declarada, o poeta revela para nós ter sido com o professor Cleto que aprendeu a “ler e escrever corretamente”. Foi justamente essa a habilidade que demonstrou o professor quando visitado pelo Inspetor Geral alguns anos depois da passagem do menino Correia por aquela escola. Era também o tipo de ensino considerado o mais moderno possível, chancelado pelo próprio Abílio Cesar Borges, autor dos livros utilizados nas escolas paranaenses, por meio dos quais a província queria alçar-se ao mesmo patamar de modernidade em que estavam países “adiantados”, como os Estados Unidos (cujo modelo escolar ficou bastante conhecido entre os intelectuais oitocentistas graças aos relatórios de Celestin Hippeau). E parece ter sido também o tipo de ensino recebido por Nestor Vitor que, sem saber que os materiais e móveis também existiam nas outras cadeiras elementares de sua cidade, fez deles e da ação do mestre uma coisa só, capaz o suficiente de significar no seu egodocumento a presença e força da escola em sua vida. Essa mesma unicidade - aqui evidenciada no contraste do seu relato com outras fontes - também é resumida pelo próprio Nestor Vitor: “Na escola do professor Cleto, sobretudo [a atmosfera escolar era alegre e convidativa] porque, para tanto o mais essencial era que o mestre tivesse uma alma nova, correspondente aos intuitos da nova pedagogia. Essa alma ela a tinha de um modo integral” (Vitor, 1946, p. 73).

A PRODUÇÃO DOS TEMPOS ESCOLARES

Todavia, não só pela ação do professor a escola primária se arraigava na vida dos paranaenses e suas crianças. Outra forma pela qual ela se institucionalizava era pela produção e assimilação de um tempo escolar. Ora, o reconhecimento de um tempo próprio da escola e dos diálogos que ele estabelece com outros tempos sociais, como os da família, da infância, do trabalho, da cidade, entre outros tempos socialmente construídos, foi etapa fundamental pela qual a escola teve que passar para afirmar-se na sociedade oitocentista, como já demonstrou Gallego (2008GALLEGO, Rita de Cássia. Tempos, temporalidades e ritmos nas escolas primárias públicas em São Paulo: heranças e negociações (1846-1890). 2008. 387 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.) em relação à Província de São Paulo. No Paraná, não foi diferente.

Uma primeira questão temporal que a escola precisou institucionalizar foi a que diz respeito a um tempo da vida humana - a infância - em favor do qual as outras instâncias sociais - a família, o trabalho, a igreja - teriam que abdicar parcialmente para que, como notou Gouveia (2004GOUVEIA, Maria Cristina Soares de. Tempos de aprender: a produção histórica da idade escolar. Revista Brasileira de História da Educação. Campinas, v. 4, n. 2 [8], p. 265-288, 2004.), fosse incorporada pela criança, pela via da escolarização, a identidade de aluno. O modo como a escola pública estatal procurou fazer isso é relativamente bem conhecido: pela delimitação de uma idade escolar, que estabelecia balizas cronológicas de ingresso no processo de escolarização, e pela tentativa de implementação - nem sempre exitosa, como evidenciam os estudos reunidos em Vidal, Sá e Silva (2013VIDAL, Diana Gonçalves; SÁ, Elizabeth Figueiredo de; SILVA, Vera Lucia Gaspar da (org.). Obrigatoriedade escolar no Brasil. Cuiabá: EDUFMT, 2013.) - da obrigatoriedade escolar. Tudo isso tendo como dispositivo regulador, a legislação escolar (Anjos e Souza, 2016ANJOS, Juarez José Tuchinski dos; SOUZA, Gizele de. Nos “rigores” da lei: a escolarização da infância na legislação da instrução pública da Província do Paraná (1857-1883). Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 21, n. 67, p. 875-896, 2016. https://doi.org/10.1590/S1413-24782016216745
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). Ora, como é que a incorporação dessa idade escolar - que no Paraná, no caso dos meninos, oscilou entre sete e 14 anos - pela experiência de tornar-se aluno era vivenciada pelas crianças, particularmente, no que diz respeito ao momento de ingresso na escola?

Nascido em Campo Largo em 1872, até por volta de seus dez para 11 anos, o pequeno Francisco de Azevedo Macedo não frequentara nenhuma escola. Segundo ele, em decorrência de problemas respiratórios - “primeiro filho, sempre tossindo” (Macedo, 1982, p. 168) - e por recomendação médica de “que não exigissem de mim muito trabalho mental” (ibidem, p. 168), seus pais decidiram iniciar seu processo de escolarização em casa, sob os cuidados de sua mãe e, posteriormente, de uma tia. Trata-se, aqui, de indelével testemunho daquela educação na casa de que se tem ocupado Vasconcelos (2005VASCONCELOS, Maria Celi Chaves. A casa e seus mestres: a educação no Brasil de oitocentos. Rio de Janeiro: Gryphos, 2005.). Ocorre, porém, que no ambiente doméstico as imposições próprias de uma forma escolar - espaço específico separado de outros espaços e práticas sociais, saberes formalizados, sistematização do ensino, aprendizagem de formas de exercício de poder pela via dos títulos que só a escola pode atribuir, entre outros elencados por Vincent, Lahire e Thin (2001VINCENT, Guy; LAHIRE, Bernard; THIN, Daniel. Sobre a história e a teoria da forma escolar. Educação em Revista, Belo Horizonte, n. 33, p. 7-47, jun. 2001.) - não se faziam sentir com toda a sua força e imperativos na vida do menino Francisco. O resultado é descrito e analisado por ele próprio, já adulto, em seu egodocumento:

Deixaram-me brincar livremente. De certo ponto em diante eu lia, se quisesse, livros infantis ao meu alcance, ouvia narrativas interessantes, históricas ou fantásticas, com que meu pai me entretinha, narrativas que eu reproduzia, tentando imitar os gestos e a dicção do meu pai. Também, se me aprazia, exercitavam-me em cópia e ditado. E tentava redigir. Assim vivi até princípios de 1883, sem aplicação regular, sem frequentar escola. (Macedo, 1982MACEDO, Francisco Ribeiro de Azevedo. Figuras que falam. In: MACEDO, James Portugal. (org.) Francisco R. de Azevedo Macedo e sua obra. Curitiba: Imprensa Oficial, 1982. p. 165-215., p. 169)

Bem, a educação de Francisco não poderia ser conduzida sempre dessa maneira; sobretudo, por ele fazer parte de uma das elites locais - a burguesia do mate - que, a exemplo da elite campeira estudada por Campos (2012CAMPOS, Névio de. Victor Ferreira do Amaral: do oikos a scholé (1862-1878). HISTEDBR On-line, Campinas, v. 11, n. 41, p. 72-87, 2012. https://doi.org/10.20396/rho.v11i41.8639836
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) por intermédio da trajetória de Victor Ferreira do Amaral, entendia a instrução escolarizada como ferramenta indispensável para a afirmação social, não apenas como elite econômica, mas, também, intelectual. Assim, em princípios de 1883, após ter adquirido alguns rudimentos da escrita, do cálculo e da leitura, foi levado por seus pais à 1ª Cadeira do Sexo Masculino de Campo Largo, regida, à época, pelo professor Alfredo Cercal. Ali, Francisco começaria a experimentar uma das imposições da forma escolar: a aferição do conhecimento e as consequências de ser, ou não, bem avaliado nisso.

“No princípio, durante quase duas semanas, estive como noviço, cujas aptidões tinham de ser conhecidas para ser colocado em uma classe. Ao final, com surpresa minha, [o professor] me fez acompanhar a classe mais adiantada” (Macedo, 1982MACEDO, Francisco Ribeiro de Azevedo. Figuras que falam. In: MACEDO, James Portugal. (org.) Francisco R. de Azevedo Macedo e sua obra. Curitiba: Imprensa Oficial, 1982. p. 165-215., p. 170), relata-nos o egoautor. Fazendo provável uso do método simultâneo por classes (Anjos, 2016ANJOS, Juarez José Tuchinski dos. Entre gregos e troianos: culturas escolares nas memórias de infância de Francisco Macedo (Campo Largo, Paraná, 1883). Educação e Filosofia. Uberlândia, v. 30, n. 59, p. 233-263, jan./jun. 2016. https://doi.org/10.14393/REVEDFIL.issn.0102-6801.v30n59a2016-p233a263
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), uma situação como a descrita não deve ter sido rara na vida dos professores e de seus alunos: precisar saber em que classe colocar os que eram matriculados em cada escola. Nesse processo, é de supor, com base no relato macediano, que cabia ao professor levar em conta conhecimentos prévios, mais um tanto de observação do educando, até decidir-se por qual classe seria mais adequada para a continuidade do seu processo de ensino. Se o aluno chegasse sem saber ler ou escrever, a questão era mais facilmente resolvida. Esse, contudo, não foi o caso de Macedo. Se em casa nenhum tipo de avaliação parece ter sido aplicada no seu processo de escolarização doméstica, essa foi a primeira marca da institucionalização da escola que ele experimentou. Em retrospectiva, ao escrever sobre isso muitas décadas depois, até se considerou surpreso por ter sido conduzido à classe mais adiantada, dado o modo como, até ali, fora instruído em casa. Mas o ato de avaliar e classificar, tinha, também, suas contradições, como veio a descobrir muito rápido o filho dos Macedo de Campo Largo.

Já nos primeiros dias de escola, chegou o momento de um exame semanal realizado pelo mestre. Eis o que sucedeu:

...a lição de leitura era a última do horário. Enfileirou-se a classe em frente à mesa do professor, em semicírculo. Eu era dos últimos. Tinha o coração aos pulos. O primeiro leu um pequeno trecho - “Adiante!” - bradou o mestre. E assim chegou a minha vez. A tremer de medo, principiei a ler. Na palavra “estio”, gaguejei, apesar de ter lido com acento no “i”. Percebendo minha incerteza, o mestre me interrompeu, perguntando: “Como?” - “Éstio” - com acento no “e”, respondi a tremer. “Adiante!” - mandou ele - “Estio” respondeu o Totó, aluno à minha direita, acertando. E, tomando risonho, a palmatória, sacou-me um bolo bem puxado. Não pude ler mais. Pus-me a chorar, sem poder enunciar mais uma palavra. E veio-me a tosse. O professor mandou com aspereza ficar em pé num canto da sala. Ao acabar a aula, ao retirar-me, sofri uma vaia tremenda e segui meu caminho a chorar e a tossir. (Macedo, 1982MACEDO, Francisco Ribeiro de Azevedo. Figuras que falam. In: MACEDO, James Portugal. (org.) Francisco R. de Azevedo Macedo e sua obra. Curitiba: Imprensa Oficial, 1982. p. 165-215., p. 170, grifos meus)

Cenas como a descrita por Francisco Macedo povoam vários egodocumentos oitocentistas que narram, frequentemente, a tensão vivenciada nos momentos dos exames. Todavia, interessa-nos, aqui, o modo como este personagem, particularmente, teria experimentado isso na sua infância, a ponto de as marcas do ocorrido ainda estarem presentes nas memórias que em adulto conservava disso, e que é, para o historiador, indício das consequências da produção da criança em aluno pela via da escolarização.

Ser examinado foi, para Francisco, uma experiência assustadora, com o coração aos pulos, diante dos brados do mestre chamando a exame. Em seguida, vinham as ordens do professor - numa relação hierárquica entre educando e educador que ele, até ali, desconhecia -, primeiramente, para soletrar uma palavra; depois, após o erro, para ser humilhado publicamente ficando em pé num canto da sala, não sem antes ter sido, também, punido corporalmente pelo erro cometido. Todas essas emoções foram intensas para um só dia: o menino, numa quase válvula de escape, começa a chorar e tossir. Sem dúvida, nesta exposição feita no egodocumento, encontramos muito do talento narrativo do egoautor. Todavia, também não é improvável estarmos diante de marcas profundas que a escola e a escolarização imprimiram em sua vida em criança, marcas que não seriam sentidas, possivelmente, fora daquele espaço de instrução. Não teriam sido vividas sem a incorporação da identidade de aluno, pela adesão aos imperativos da escola e da escolarização.

Se fosse um aluno pobre e que quisesse dar continuidade aos estudos, Macedo teria que não só aceitar os imperativos da escola e da escolarização, como, particularmente, os daquela escola e daquela escolarização oferecida pelo professor Alfredo Cercal na cadeira de meninos de Campo Largo. Sua experiência de classe, porém, ajudou-o a encontrar uma saída: por decisão dos pais não voltou mais à escola pública e, dali em diante, recebeu a instrução de um professor particular em casa, em uma escola particular local e, por fim, em um colégio particular na capital (Macedo, 1982). Ou seja, se submeter-se a escola era uma necessidade - assimilando a infância escolarizada como marcador temporal da vida infantil -, optar pelo modo como isso se faria foi uma possibilidade real na vida deste personagem.

Não apenas pela demarcação da idade escolar e da identidade de aluno é possível perceber a força da produção dos tempos escolares e da institucionalização da escola que estes ajudam a instaurar. Há, ainda, os diferentes ritmos temporais que a escolarização foi imprimindo na vida das crianças paranaenses no período provincial. Refiro-me, aqui, ao ritmo temporal diário, semanal e anual, que juntos foram demarcando fronteiras não só entre os tempos da vida humana, mas também entre os tempos escolares e os demais tempos sociais.

Impor um ritmo diário para a duração dos trabalhos escolares foi uma das preocupações que perpassaram o ordenamento legal da escola primária na Província do Paraná. Entre 1857 e 1871, por exemplo, a legislação em vigor estabelecia que “[...] o ensino será dado pela manhã e à tarde, durante cada sessão de duas horas e meia” (Paraná, 1857PARANÁ. Leis 1857, 1871, 1873, 1874, 1876. In: MIGUEL, Maria Elisabeth Blanck; MARTIN, Sonia Dorotea. (org.). Coletânea da documentação educacional paranaense no período de 1854 a 1889. Brasília: INEP, 2004., art. 6º, n.p.), mas sem a definição dos horários de início e encerramento dos trabalhos diários. Somente entre 1871 e 1873 é que essa dimensão passou a ser contemplada na legislação, que começou a prever que o ensino pela manhã deveria ocorrer das 9h às 12h e das 14h30 às 17h (Paraná, 1871PARANÁ. Leis 1857, 1871, 1873, 1874, 1876. In: MIGUEL, Maria Elisabeth Blanck; MARTIN, Sonia Dorotea. (org.). Coletânea da documentação educacional paranaense no período de 1854 a 1889. Brasília: INEP, 2004., art. 16). Ainda em 1873, nova alteração: os trabalhos deveriam ser feitos em uma só sessão, principiando às 9h e finalizando às 14h (Paraná, 1873PARANÁ. Leis 1857, 1871, 1873, 1874, 1876. In: MIGUEL, Maria Elisabeth Blanck; MARTIN, Sonia Dorotea. (org.). Coletânea da documentação educacional paranaense no período de 1854 a 1889. Brasília: INEP, 2004.). Em abril de 1874, de novo os relógios são ajustados e tudo volta a ser como entre 1871 e 1873 (Paraná, 1874PARANÁ. Leis 1857, 1871, 1873, 1874, 1876. In: MIGUEL, Maria Elisabeth Blanck; MARTIN, Sonia Dorotea. (org.). Coletânea da documentação educacional paranaense no período de 1854 a 1889. Brasília: INEP, 2004.). Em 1876, prescreveu-se uma sessão diária para as vilas e povoados (onde as pessoas provavelmente residiam mais afastadas das escolas) e duas sessões para as cidades (Paraná, 1876PARANÁ. Leis 1857, 1871, 1873, 1874, 1876. In: MIGUEL, Maria Elisabeth Blanck; MARTIN, Sonia Dorotea. (org.). Coletânea da documentação educacional paranaense no período de 1854 a 1889. Brasília: INEP, 2004., art. 13) e, finalmente, em 1882, a modificação de funcionamento para uma única sessão, das 9h às 13h (Anjos, 2011ANJOS, Juarez José Tuchinski dos. Uma trama na história: a criança no processo de escolarização primária nas últimas décadas do período imperial. 2011. 310 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2011.).

Acompanhando essas constantes alterações na legislação, pode-se ter, à primeira vista, a ideia de caos, confusão e desordem, adjetivos negativos tantas vezes atribuídos à escola primária no período imperial. Acontece que um olhar mais atento vai apontar, antes, a preocupação dos legisladores em negociar os tempos escolares com os demais tempos sociais, num diálogo que visava, em última instância, à institucionalização da própria escola como espaço e tempo para a educação da infância, como demonstrou minuciosamente Gallego (2008GALLEGO, Rita de Cássia. Tempos, temporalidades e ritmos nas escolas primárias públicas em São Paulo: heranças e negociações (1846-1890). 2008. 387 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.) para o contexto paulista. Todavia, parece-me que medir a eficácia da institucionalização da escola pela produção de um ritmo diário para o seu funcionamento, pela análise dos ajustes relativos a horários ou sessões, dá-nos conta, no limite, apenas de um lado da história. Há que se indagar, assim, o outro lado: como é que as crianças que frequentavam essas escolas podem ter sentido e experimentado esses ritmos e temporalidades diários que a instituição escolar, ao abrir e fechar, impunha aos que a frequentavam - demarcando o seu tempo próprio - e à sociedade em que estavam inseridos - dialogando com os demais tempos sociais e delimitando-os. Alcebíades Plaisant pode nos ajudar na construção de uma interpretação a este respeito.

Recordando a “Paranaguá de outrora e de ontem”, em seu egodocumento em forma de crônica de jornal, relata o cotidiano que, em menino (ele nasceu em 1865 e suas informações, assim, dizem respeito a meados da década de 1870), era vivenciado por ele e as demais crianças da mais antiga cidade do Paraná.

No tempo em que eu fui garoto insubordinado, morava no prédio sobrado, onde nasci, em frente à Igreja Matriz. Ainda é visível na grade de ferro da sacada, as iniciais do nome de meu avô. Na minha infância tinha prazer de repicar os sinos da matriz, chamando os fiéis à missa: acendia velas ao altar de Nossa Senhora, minha madrinha de batismo, que até hoje espero pela sua proteção. Esse serviço fazia com o consentimento do mestre Ignácio, sacristão perpétuo. Findo esse trabalho diário, fortalecia o meu estômago com qualquer gulodice e seguia para a escola do professor Décio da Costa Lobo e era raro o dia em que não apanhava palmatoadas. Na saída da escola, em debandada com os colegas, furtava torrões de açúcar que secavam ao sol na calçada do negócio do senhor Cesário Gomes, na ladeira da igreja da ordem. À tarde a reunião no alto, quando a petizada dava o desquite, pois a reunião era completa, aumentada pelos alunos das duas escolas: Costa Lobo e Cleto, dois imortais professores que honraram o magistério paranaguense. (Plaisant, 1936PLAISANT, Alcebíades. Paranaguá de ontem e de hoje. O Dia. Curitiba, 3 mar. 1936., n.p.).

Claramente, no seu egodocumento, Plaisant queria, de forma saudosa e afetuosa, recordar a cidade da sua infância. Involuntariamente, acaba, no quadro da vida infantil que ele delineia, revelando não uma infância qualquer, mas uma infância com tempos e ritmos bastante definidos, demarcados especialmente o fenômeno histórico da escola e da escolarização.

Morando em frente à matriz de Nossa Senhora do Rosário, seu dia começava com a ida à missa, onde fazia papel de coroinha ajudando o sacristão local, Mestre Ignácio, com os afazeres do serviço litúrgico: acender as velas do altar e badalar os sinos, chamando os fiéis para o Santo Sacrifício. A missa era assistida geralmente em jejum, e parece que na infância de Alcebíades igualmente, já que, findas as obrigações religiosas, era hora de, em breve intervalo, forrar o estômago. Com isso, encerrava-se, no contexto de sua narrativa, a primeira parte do seu dia.

A esta, seguia-se o momento balizador do cotidiano do menino: a ida à escola do professor Décio Lobo. Do que se passava no interior da escola, ele não nos dá notícias, senão pela menção de que raro era o dia em que não levava uma palmatoada. Findos os trabalhos escolares diários, era chegado o momento de, satisfeitos o céu e a terra, dedicar-se a traquinagens e brincadeiras com seus colegas. Brincar livremente, no alto da cidade, em companhia dos demais meninos - alunos, ele frisa, das duas escolas do lugar -, viver parte da infância que, não fosse a escola, poderia ocupar bem mais tempo da vida diária de uma criança, como acontecia com Francisco Macedo enquanto era apenas escolarizado em casa.

Ora, justamente por não ser a intenção de Alcebíades Plaisant relatar o impacto da escola em sua vida é que seu testemunho se torna revelador: demonstra que, ao menos na sua vida e talvez na de seus colegas, a incorporação do ritmo diário dos tempos escolares já estava em funcionamento e plenamente assimilada. A questão sobre o quanto um dia de aula duraria até que horas começaria e terminaria ainda preocupava os legisladores e autoridades do ensino. Às crianças, porém, sujeitas dessa temporalidade, isso pode ser sido um assunto menor, já que na escala de sua vida infantil era o ato de ir à escola e precisar dividir com base nela o seu dia o verdadeiro marcador temporal diário que experimentaram. Ao menos, é o que podemos afirmar apoiando-nos em Alcebíades e seus pares.

Além do ritmo diário na produção do tempo escolar, é preciso analisar também o ritmo semanal que a escola, no seu processo de institucionalização, teve que plasmar na vida das crianças.

O poeta paranaense José Nogueira dos Santos, nascido em Palmeira no ano de 1870, foi criado pela avó, a quem dedicou o poema “Órfão”, fixando em verso reminiscências da infância em sua terra natal e descrevendo, ainda que brevemente, algumas práticas escolares que vivenciou por volta dos anos 1876-1880. Esse texto foi reunido a outros e publicado postumamente no ano de 1951, no livro Vigílias. A certa altura do poema, relata um feriado semanal das escolas que funcionava com um divisor cronológico-temporal em sua vida de menino e nas atividades diárias na infância:

Cresci. Antigamente a quinta-feira Era a data feliz, alvissareira, Em que a petizada descansava. (Santos, 1951SANTOS, José Nogueira. Órfão. In: SANTOS, José Nogueira. Vigílias. Curitiba: s. e., 1951. p. 151-152., p. 152)

A quinta-feira, ao longo de quase todo o período provincial, foi dia de feriado nas escolas. Foi instituída no primeiro Regulamento Geral de 1857 (Paraná, 1857PARANÁ. Leis 1857, 1871, 1873, 1874, 1876. In: MIGUEL, Maria Elisabeth Blanck; MARTIN, Sonia Dorotea. (org.). Coletânea da documentação educacional paranaense no período de 1854 a 1889. Brasília: INEP, 2004., art. 5º), suprimida no Regulamento de 1871 (Paraná, 1871PARANÁ. Leis 1857, 1871, 1873, 1874, 1876. In: MIGUEL, Maria Elisabeth Blanck; MARTIN, Sonia Dorotea. (org.). Coletânea da documentação educacional paranaense no período de 1854 a 1889. Brasília: INEP, 2004., art. 26), restabelecida pela lei 342, de 31 de março de 1873 (Paraná, 1873PARANÁ. Leis 1857, 1871, 1873, 1874, 1876. In: MIGUEL, Maria Elisabeth Blanck; MARTIN, Sonia Dorotea. (org.). Coletânea da documentação educacional paranaense no período de 1854 a 1889. Brasília: INEP, 2004.), e confirmada no Regulamento de 1874 (Paraná, 1874PARANÁ. Leis 1857, 1871, 1873, 1874, 1876. In: MIGUEL, Maria Elisabeth Blanck; MARTIN, Sonia Dorotea. (org.). Coletânea da documentação educacional paranaense no período de 1854 a 1889. Brasília: INEP, 2004., art. 23). O Regulamento Orgânico de Instrução de 1876 não o menciona claramente, mas indiretamente pela referência de que serão observados os feriados declarados por lei (Paraná, 1876PARANÁ. Leis 1857, 1871, 1873, 1874, 1876. In: MIGUEL, Maria Elisabeth Blanck; MARTIN, Sonia Dorotea. (org.). Coletânea da documentação educacional paranaense no período de 1854 a 1889. Brasília: INEP, 2004., art. 28), o que inclui a quinta-feira, que como vimos possuía um dispositivo específico regulando-a desde 1873. Na distância que nos separa da infância relatada por José Nogueira Santos, lá na Palmeira de fins da década de 1870, talvez seja difícil conceber que a simples menção a um dia sem aula possa nos remeter ao complexo processo de institucionalização da escola na vida dos paranaenses. Isso porque, para nós, tal delimitação de um tempo escolar separado dos demais tempos sociais já é algo pronto, construído e até mesmo naturalizado. Entretanto, no contexto de precariedade em que por vezes funcionavam as escolas, a demarcação desse tempo era algo bastante significativo para os atores da história.

Segundo Gallego (2008GALLEGO, Rita de Cássia. Tempos, temporalidades e ritmos nas escolas primárias públicas em São Paulo: heranças e negociações (1846-1890). 2008. 387 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.), originalmente, o feriado às quintas-feiras foi uma prática recorrente na França, que, num estado separado da Igreja, instituiu um dia sem aulas para que fosse respeitada a laicidade do ensino, reservando-o para que nele, em casa ou na igreja, as crianças aprendessem o catecismo. No Brasil, contudo, tal feriado, inspirado na legislação francesa, foi objeto de outras utilizações, uma vez que o ensino religioso era dado na própria escola. No seu estudo sobre São Paulo, Rita de Cássia Gallego não pôde encontrar uma explicação para “[...] o que as crianças faziam às quintas-feiras [...]” (Gallego, 2008, p. 103). José Nogueira, com bastante simplicidade, responde a essa pergunta: era o dia em que ele e os demais escolares simplesmente brincavam. Logicamente, não se pode generalizar que esse tempo livre que ele desfrutava o fosse para todas as crianças que à época frequentavam uma escola; mas é certo que seu testemunho atesta que tal dia já havia sido assimilado pelos pequenos como um “dia sem aula”, no qual era dado um intervalo para que outras práticas, que não as escolares, tivessem lugar no cotidiano da criança. No mesmo verso, ele demarca bem o que diferenciava esse tempo “sem aula” dos demais tempos de escola:

O mestre que era amigo dos meninos Levava-nos ao campo, ao som de hinos Sob o passo marcial que conservava. Lições extra, programa... eram tão belas Que a mente inda conserva todas elas. (Santos, 1951SANTOS, José Nogueira. Órfão. In: SANTOS, José Nogueira. Vigílias. Curitiba: s. e., 1951. p. 151-152., p. 152).

Embora, se lido no ritmo da métrica, num primeiro momento, se possa achar que esse relato diz respeito ao que se fazia nos dias de quinta-feira, trata-se de outra memória que apenas vem colada à anterior por imposições da escrita poética. Assim, essa outra reminiscência acaba demarcando a diferença entre os tempos. A semana vivida por José Nogueira na infância tinha na quinta-feira um marco divisório: nela se brincava, ao passo que nos demais dias havia as lições extras e o programa a ser cumprido, lições extras como o passeio que realizavam pelo campo, em passo marcial, guiados pelo mestre. O feriado às quintas-feiras, segundo seu testemunho, parece ter sido um caso em que a lei que organizava a instrução primária conseguiu fazer-se valer, tanto que ao ser removido em 1871 foi logo restabelecido em 1873.

Miguel recorda que uma queixa comum entre os professores no período provincial paranaense era que as crianças “[...] ajudavam os pais nas lavouras e permaneciam durante meses afastadas das escolas, o que em muitos casos acabava levando à evasão escolar” (Miguel, 2006bMIGUEL, Maria Elisabeth Blanck. A história da escola pública primária no Paraná: entre as intenções legais e as necessidades reais. In: SCHELBAUER, Analete Regina; LOMBARDI, José Claudinei; MACHADO, Maria Cristina Gomes. (org.). Educação em Debate. Campinas: Autores Associados, 2006b, p. 187-239., p. 191). Não se pode descartar, assim, que esse feriado de quinta-feira, para a família da criança, pudesse funcionar como uma espécie de “concessão” da escola, liberando os pequenos para que pudessem realizar tarefas outras, como aquelas que tantas vezes eram a causa de faltas recorrentes, esperando-se em contrapartida, da parte das famílias, uma amigável colaboração, permitindo que os filhos participassem o mais possível das aulas. Desse modo, um feriado originalmente pensado para o ensino do catecismo na França, pode, entre outras coisas (que não conhecemos pela ausência de testemunhos a este respeito, mas que podemos afirmar ao menos baseados em um dos sujeitos que viveu a experiência de escolarização na Província) ter servido para o efetivo descanso das crianças como também funcionado como um dia no qual sua força de trabalho podia ser colocada à disposição dos pais. Isso se revela ainda mais provável se recordarmos que o outro feriado da semana - o domingo - não podia ser dedicado ao trabalho por questões religiosas e era tradicionalmente o dia em que as famílias que moravam no interior iam com os filhos e escravizados à cidade, para ouvir a missa, mandá-los à catequese paroquial e confraternizar-se com os vizinhos (Westphalen, 2000WESTPHALEN, Cecília Maria. A Palavra do Sul. Curitiba: Ed. da Autora, 2000.). Assim, o domingo pouca serventia tinha para a vida produtiva familiar, ao passo que a quinta-feira, quando não fosse ocupada pelas brincadeiras que alegravam a vida de José Nogueira em Palmeira, podia servir para o trabalho doméstico. O que se efetivava, então, era um diálogo entre o tempo escolar e o tempo familiar: o primeiro cedia um espaço para o segundo, esperando que este, por sua vez, lhe fornecesse o espaço necessário para a escola realizar a função de instruir a criança.

Outra evidência acerca da assimilação do tempo escolar chega-nos pela pena de Ewaldo Krüger e trata, por fim, da institucionalização da escola e de seus tempos escolares no ritmo anual da vida infantil. Este egoautor era natural de Morretes, onde nasceu em 1869. Entre 1875 e 1880, mais ou menos, sua família residiu na localidade de Borda do Campo (no atual município de São José dos Pinhais), na qual funcionava a serraria da Companhia Florestal Paranaense, inicialmente de propriedade de Antonio Rebouças e, depois, de seu irmão André Rebouças. O tema principal do relato não é a infância de Krüger, mas sua atividade na Estrada de Ferro do Paraná, já na vida adulta. Contudo, o livro Vencendo Rampas, publicado no Rio Grande do Sul em 1937, apresenta nos dois primeiros capítulos várias situações que marcaram não só sua vida de menino, mas a vida de outros meninos que moravam na serraria.

Eis o que ele relata acerca de outra marca temporal da escola nos demais tempos sociais: as férias de final de ano.

Ainda tenho vivas saudades das férias escolares passadas em Florestal [Borda do Campo], em companhia de meus amigos Faustino, Hipólyto e Hilário, filhos dos fazendeiros Emygdio e França Alves de Araújo, fazíamos caçada na região serrana e frequentemente seguíamos rastros de tigres para lhe dar caça, mas nunca nossos esforços neste sentido foram coroados de aspirado êxito, o que nos decepcionava muito. (Krüger, 1937KRÜGER, Ewaldo. Vencendo rampas. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1937., p. 12)

Para governo do leitor, convém explicar que, por volta dos seis anos de idade, Ewaldo Krüger começou a frequentar uma escola que funcionava na própria serraria.6 6 . Essa escola, promíscua, foi criada em 11 de abril de 1874 (Lei n. 400 - Paraná, 1874) e provida no ano seguinte, por ato de 18 de março de 1875, sendo nomeado para regê-la o professor Alexandre José Fernandes Rouxinol (Abranches, 1875). No momento em que nos fala em suas reminiscências, porém, já estudava na capital, em um colégio particular, ao que parece, dando continuidade ao ensino primário,7 7 . Afirmo isso pelo fato de que, em 24 de setembro de 1878, o professor Alexandre José foi removido da Cadeira da Borda do Campo e transferido para a 1ª cadeira do sexo masculino da capital (Menezes, 1879, anexos). Acompanhando as nomeações pelos relatórios oficiais, a cadeira parece ter ficado vaga até 25 de fevereiro de 1882, quando passou a ser regida por um professor contratado, João Alberto Munhoz (Marcondes, 1882). vindo somente passar as férias na casa dos pais, num período entre 1878 e 1880, aproximadamente. Nessa época, o Regulamento Geral de Instrução Pública em vigor era o de 1876, que estabelecia que as férias de fim de ano, para as escolas públicas, deveriam dar-se dos dias 1º de dezembro a 8 de janeiro (Paraná, 1876PARANÁ. Leis 1857, 1871, 1873, 1874, 1876. In: MIGUEL, Maria Elisabeth Blanck; MARTIN, Sonia Dorotea. (org.). Coletânea da documentação educacional paranaense no período de 1854 a 1889. Brasília: INEP, 2004., art. 28). Nos regulamentos anteriores, tais férias eram um pouco menores, indo de 8 de dezembro a 6 de janeiro (Paraná, 1857PARANÁ. Leis 1857, 1871, 1873, 1874, 1876. In: MIGUEL, Maria Elisabeth Blanck; MARTIN, Sonia Dorotea. (org.). Coletânea da documentação educacional paranaense no período de 1854 a 1889. Brasília: INEP, 2004., art. 5º; Paraná, 1871PARANÁ. Leis 1857, 1871, 1873, 1874, 1876. In: MIGUEL, Maria Elisabeth Blanck; MARTIN, Sonia Dorotea. (org.). Coletânea da documentação educacional paranaense no período de 1854 a 1889. Brasília: INEP, 2004., art. 26; Paraná, 1874PARANÁ. Leis 1857, 1871, 1873, 1874, 1876. In: MIGUEL, Maria Elisabeth Blanck; MARTIN, Sonia Dorotea. (org.). Coletânea da documentação educacional paranaense no período de 1854 a 1889. Brasília: INEP, 2004., art. 23). Embora tais determinações fossem obrigatórias somente para as escolas públicas, parece que os colégios particulares da província as adotaram também. Ao menos, aqueles que podem ter sido frequentados por Ewaldo Krüger.

Verificando os anúncios em jornais paranaenses do período, sabemos que o Colégio Nossa Senhora da Luz, fundado em 1876 e que funcionou até princípios de 1880, concedia férias aos alunos entre 30 de novembro e 7 de janeiro de cada ano (Província do Paraná, 31/10/1876PROVÍNCIA DO PARANÁ. Colégio Nossa Senhora da Luz. Curitiba 31 out. 1876.). O Colégio Curitibano, fundado numa data que não consegui apurar (mas certamente anterior a 1878, já que referências esparsas a ele são localizáveis na imprensa), concedia férias aos alunos entre 8 de dezembro e 8 de janeiro de cada ano (Gazeta Paranaense, 01/03/1882GAZETA PARANAENSE. [Concessão de férias para os escolares...]. Curitiba, 01 mar. 1882.). Outro colégio, que certamente não foi frequentado por nosso Ewaldo, mas que também oferece pistas sobre o período de férias de final de ano, é o Colégio Lapeano, que funcionava na cidade da Lapa, onde igualmente era o período de 8 de dezembro a 8 de janeiro o escolhido para o descanso dos escolares (Dezenove de Dezembro, 10/01/1883DEZENOVE DE DEZEMBRO. [Período de descanso para os escolares...]. Curitiba, 10 jan. 1883.). Mas o que colégios particulares têm a ver com a escola pública primária? E o que, no contraste entre as memórias de Ewaldo Krüger e essas outras evidências, descobrimos a respeito da produção do tempo escolar na Província do Paraná?

O fato de os colégios particulares funcionarem com um calendário anual mais ou menos alinhado ao das escolas públicas revela que as leis produzidas para reger aqueles também conseguiram ter certo alcance sobre o modo como as outras escolas organizavam o seu próprio tempo. O Regulamento de 1876, ao especificar as responsabilidades dos proprietários desses colégios, da mesma forma que deixa subentendido terem liberdade para fazer alterações no seu regime de funcionamento - o que, é de supor, incluiria a definição do calendário anual (cf. Paraná, 1876PARANÁ. Leis 1857, 1871, 1873, 1874, 1876. In: MIGUEL, Maria Elisabeth Blanck; MARTIN, Sonia Dorotea. (org.). Coletânea da documentação educacional paranaense no período de 1854 a 1889. Brasília: INEP, 2004., Art. 24, §2º) -, avisava também que os que “[...] de qualquer modo contravirem as leis e regulamentos provinciais de instrução” (Paraná, 1876PARANÁ. Leis 1857, 1871, 1873, 1874, 1876. In: MIGUEL, Maria Elisabeth Blanck; MARTIN, Sonia Dorotea. (org.). Coletânea da documentação educacional paranaense no período de 1854 a 1889. Brasília: INEP, 2004., Art. 26) poderiam ser multados. Uma hipótese histórica para a sintonia dos calendários pode ter sido o próprio casuísmo legal presente no Regulamento, já que, dependendo da interpretação, um proprietário que não fizesse sua escola adotar o ritmo temporal prescrito da lei - em que pese a subentendida liberdade que tinham para fazê-lo - podia ter mais prejuízo do que lucro. Mais seguramente, o que se pode afirmar com base nessas evidências é que o tempo prescrito pelas leis provinciais se tornou o parâmetro para que as escolas particulares definissem o seu próprio calendário, pelo menos no recorte cronológico em que somos guiados pelas memórias de Ewaldo Krüger. Essas escolas, por sua vez, ao adotarem-no, a exemplo da escola pública, reforçavam para a população a assimilação de um ano escolar dentro do ano civil, produzindo ainda uma temporalidade para ingresso (o mês de janeiro) e descanso das crianças na escola (o mês de dezembro). Quando ia para sua casa passar as férias e ensaiar suas caçadas com os amigos, Ewaldo Krüger vivia no seu cotidiano mais uma dimensão da institucionalização da escola primária na Província do Paraná, a que passava pela assimilação dos tempos escolares aos tempos sociais. Ele só pode diferenciar e dar destaque às suas aventuras infantis passadas na serraria, porque elas, efetivamente, eram atividades diferenciadas se pensadas em relação com aquelas que ocupavam suas horas num colégio. Tal contraste só foi possível em suas memórias porque acontecia, também, na sua vida, na qual a escola primária - no seu caso particular, mas com funcionamento inspirado na pública - já imprimia as marcas de certa institucionalização.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscando privilegiar a perspectiva da criança na escrita da história da educação oitocentista, o problema histórico que o leitor e eu perseguimos ao longo deste artigo foi o de que história sobre a institucionalização da escola primária na Província do Paraná se pode contar se tomarmos como fonte privilegiada os egodocumentos produzidos por adultos que, em criança, frequentaram as escolas paranaenses daquela época.

A ótica da institucionalização da escola primária que eles oferecem, enquanto testemunho de crianças que um dia a frequentaram e sentiram em sua vida as marcas dessa instituição, é bem diferente daquela dos adultos, geralmente produtores da documentação oficial e sobre cujos testemunhos as explicações históricas têm sido geralmente construídas. Para as crianças (que um dia foram os adultos autores dos egodocumentos e que nos falaram por meio de uma retórica da infância), a institucionalização da escola primária fez-se sentir por aspectos diversos, dentre os quais esta pesquisa recortou dois: a ação cotidiana dos professores no desempenho do ofício de ensinar e instruir e a demarcação e paulatina naturalização dos tempos e ritmos escolares.

No primeiro caso, viu-se que a relação pessoal estabelecida entre professores e alunos no cotidiano da escola foi fator decisivo no ato de escolarização, cujas marcas foram por eles levadas pela vida afora como testemunho indelével de terem sido, por estes sujeitos, escolarizados ao tempo da infância. No segundo caso, a demarcação e naturalização de um tempo próprio da escola em relação a outros tempos sociais atestam a incorporação dela como instituição socializadora da criança já no século 19, em que pese tal realidade ter sido experimentada somente por aqueles que tiveram a oportunidade de frequentar os bancos escolares.8 8 . Não se pode descartar, aqui, o peso que experiências de classe, gênero e etnia podem ter tido nos itinerários que levaram nossos egoautores a tomarem assento nos bancos escolares. Ainda assim, eles parecem, pelos dados disponíveis na documentação compulsada e na historiografia, serem uma amostra plausível da diversidade de público que frequentou as escolas primárias de meninos na Província do Paraná. Ainda assim, atestam a existência de uma infância específica - a infância escolar - marcada por ritmos e temporalidades influenciados pela escola e pelo processo de escolarização.

Com base nos fenômenos analisados, parece possível confirmar a hipótese inicial que guiou este trabalho, de que a história que pautada nos egodocumentos se pode escrever é a da institucionalização da escola primária paranaense num outro nível temporal e social: o vivenciado e percebido pelas crianças. Nesta ótica, as práticas aqui examinadas não apenas delineavam culturas escolares, mas iam, lenta e continuamente, produzindo a própria institucionalização da escola na sociedade paranaense.

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  • WESTPHALEN, Cecília Maria. A Palavra do Sul. Curitiba: Ed. da Autora, 2000.
  • 1
    . Por egodocumentos entendo aqui, com Antônio Viñao, “[...] aqueles textos nos quais o sujeito fala ou se refere a si mesmo, nos quais o eu encontra refúgio e se converte em elemento de referência” (Viñao, 2000VIÑAO, Antonio. A modo de prólogo: refugios del yo, refugios de otros. In: MIGNOT, Ana Chrystina Venâncio; BASTOS, Maria Helena Camara; CUNHA, Maria Teresa Santos (org.) Refúgios do eu: educação, história e escrita autográfica. Florianópolis: Mulheres, 2000. p. 9-15., p. 11, tradução livre). Por sua natureza, em termos metodológicos, a análise dos egodocumentos pode ser situada, também, no campo dos estudos autobiográficos.
  • 2
    . De acordo com o Livro de Matrículas pertencente ao professor Cleto e doado por seu filho ao Instituto Histórico e Geográfico de Paranaguá, Nestor Vitor foi matriculado em 7 de janeiro de 1874, aos cinco anos de idade, tendo apenas o nome de sua mãe - Maria Moreira Mendonça - registrado no campo filiação, o que pode ser indício de ser filho natural (IHG-Paranaguá, 1865-1885IHG-PARANAGUÁ. Livro de Matrículas da Escola do Professor Cleto. 1865-1885. Paranaguá: Arquivo do Instituto Histórico e Geográfico de Paranaguá, 1865-1885. fl. 24).
  • 3
    . Em 1874, a professora da terceira cadeira do sexo feminino de Paranaguá recebia cinco exemplares do primeiro livro de leitura, dois exemplares do segundo livro e três exemplares do terceiro, enquanto em 1876 o professor da segunda cadeira do sexo masculino recebia também sua cota dos livros de leitura de Abílio (DEAP-PR, 1854-1889DEPARTAMENTO DE ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ - DEAP-PR. Códice 116. 1854-1889. Manuscrito., p. 3-4). Para além das escolas de Paranaguá, as demais da Província, ainda na mesma década, foram providas com diversas quantidades desses mesmos livros, como testemunha em várias de suas páginas o Códice 116, já citado.
  • 4
    . Em 1875, junto com a remessa de livros, a professora da terceira cadeira de meninas recebia uma remessa completa de móveis para a sua escola, todos envernizados; o mesmo ocorreu com o professor da segunda cadeira de meninos (DEAP-PR, 1854-1889DEPARTAMENTO DE ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ - DEAP-PR. Códice 116. 1854-1889. Manuscrito., s.p.)
  • 5
    . O método de ensino adotado na maior parte das escolas da Província era o simultâneo por classes, porém vale lembrar que outros métodos conviveram com esse em todo o período provincial, além de que, muitas vezes, entendia-se que o livro usado era, também ele, um método de ensino do qual o professor lançava mão. A este respeito, ver França e Souza (2012FRANÇA, Franciele Ferreira; SOUZA, Gisele de. Modos de fazer, modos de ensinar: os métodos de ensino na história da educação pública paranaense na segunda metade do século XIX. Linguagens, Educação e Sociedade, Teresina, a. 17, n. 27, p. 135-160, jul./dez. 2012.).
  • 6
    . Essa escola, promíscua, foi criada em 11 de abril de 1874 (Lei n. 400 - Paraná, 1874) e provida no ano seguinte, por ato de 18 de março de 1875, sendo nomeado para regê-la o professor Alexandre José Fernandes Rouxinol (Abranches, 1875ABRANCHES, Frederico José Araújo. Relatório Presidencial de 2 de maio de 1875. Curitiba: Tip. Viúva Lopes, 1875.).
  • 7
    . Afirmo isso pelo fato de que, em 24 de setembro de 1878, o professor Alexandre José foi removido da Cadeira da Borda do Campo e transferido para a 1ª cadeira do sexo masculino da capital (Menezes, 1879MENEZES, Rodrigo Octávio de Oliveira. Relatório Presidencial de 31 de março de 1879. Curitiba: Tip. Perseverança, 1879., anexos). Acompanhando as nomeações pelos relatórios oficiais, a cadeira parece ter ficado vaga até 25 de fevereiro de 1882, quando passou a ser regida por um professor contratado, João Alberto Munhoz (Marcondes, 1882MARCONDES, Moysés. Relatório da Inspetoria Geral da Instrução Pública do ao de 1882. Curitiba: Typ. 19 de Dezembro, 1882.).
  • 8
    . Não se pode descartar, aqui, o peso que experiências de classe, gênero e etnia podem ter tido nos itinerários que levaram nossos egoautores a tomarem assento nos bancos escolares. Ainda assim, eles parecem, pelos dados disponíveis na documentação compulsada e na historiografia, serem uma amostra plausível da diversidade de público que frequentou as escolas primárias de meninos na Província do Paraná.
  • Como citar este artigo:

    ANJOS, Juarez José Tuchinski dos. Coisas que em crianças viram, reminiscências que em adultos contam: a institucionalização da escola primária na província do Paraná através de egodocumentos (1854-1889). Revista Brasileira de Educação, v. 29, e290034, 2024. https://doi.org/10.1590/S1413-24782024290034
  • Financiamento:

    Pesquisa financiada pelo Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior com Bolsa PNPD (Programa Nacional de Pós Doutorado).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    07 Dez 2022
  • Revisado
    13 Mar 2023
  • Aceito
    17 Mar 2023
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