EVIDÊNCIAS DE VALIDADE DA ESCALA SHAPE DE IMAGEM CORPORAL EM FISICULTURISTAS⁽¹⁾

EVIDENCE OF THE VALIDITY OF THE BODY IMAGE SHAPE SCALE IN PHYSICULTURISTS⁽¹⁾

RESUMO

Nas competições de fisiculturismo são analisados a proporção, a definição, a simetria e o volume muscular, o que faz da incansável busca pelo corpo perfeito pelos atletas, uma insatisfação com a imagem corporal. Por isso, este trabalho objetivou-se em elaborar e validar uma escala de silhuetas específica para atletas de fisiculturismo feminino e masculino (Escala Shape), que aconteceu em três fases. 1) Elaboração de onze desenhos de imagem corporal que representassem as categorias de competição; 2) Concordância (teste de Kappa) entre especialistas/profissionais de fisiculturismo nacionais e internacionais na ordenação dos desenhos em ordem crescente e progressiva de muscularidade; 3) Aplicação e validação da Escala Shape em atletas amadores e profissionais ativos e filiados à Federações Nacionais e Internacionais de Fisiculturismo em ambos os sexos. Participaram da pesquisa 180 atletas (50 mulheres e130 homens). A escala apresentou adequada confiabilidade de estabilidade temporal (Kappa teste-reteste≥0,95). O instrumento apresentou validade de critério ao mostrar que atletas de categorias de competição distintas escolheram silhuetas compatíveis com suas categorias (p<0,001). Conclusão: a Escala Shape feminina e masculina apresentou evidências de confiabilidade e validade para a amostra, podendo ser utilizada para avaliar a satisfação com a imagem corporal de fisiculturistas de diferentes categorias.

Palavras-chave:
Imagem corporal; Fisiculturismo; Escala; Vigorexia

ABSTRACT

In bodybuilding competitions, proportion, definition, symmetry and muscle volume are analyzed, which makes the tireless search for the perfect body by athletes, a dissatisfaction with body image. Therefore, this work aimed to develop and validate a specific silhouette scale for female and male bodybuilding athletes (Shape Scale), which took place in three phases. 1) Elaboration of eleven body image drawings that represented the competition categories; 2) Agreement (Kappa test) between national and international bodybuilding specialists/professionals in ordering the drawings in ascending and progressive order of muscularity; 3) Application and validation of the Shape Scale in active amateur and professional athletes affiliated to National and International Bodybuilding Federations in both sexes. 180 athletes (50 women and 130 men) participated in the research. The scale showed adequate temporal stability reliability (Kappa test-retest≥0.95). The instrument showed criterion validity by showing that athletes from different competition categories chose silhouettes compatible with their categories (p<0.001). Conclusion: the female and male Shape Scale showed evidence of reliability and validity for the sample, and can be used to assess satisfaction with the body image of bodybuilders from different categories.

Keywords:
Body image; Bodybuilding; Scale; Vigorexia

Introdução

Avaliar a imagem corporal de um indivíduo é um desafio, pois este conceito engloba diferentes aspectos, tais como aspectos psicológicos, sociais e comportamentais, podendo ser dinâmica e constantemente modificada pelos estímulos ambientais². A sociedade, a família, os amigos, a mídia influenciam os indivíduos no desejo de cuidar de seus corpos, e de se exercitar, sugerindo ou impondo sistematicamente determinados padrões de beleza, desejos, hábitos, cuidados e descontentamentos com o corpo, promovendo uma incansável busca pelo corpo perfeito^3),(4.

A história nos mostra que certos padrões de beleza foram criados e modificados de acordo com costumes de cada época. No início do século XXI, cuidar do corpo tornou-se um estilo de vida, o corpo ganha valorização nunca vista⁵. Nesta mesma época, as práticas esportivas se tornaram mais regulares, fazendo parte do cotidiano, motivando a proliferação das academias de ginástica por todos os lugares^6),(7. Esta nova prática de culto ao corpo chega ao Brasil recebendo o nome de halterofilismo. Atualmente, essa nomenclatura mudou e os termos usados para descrever a musculação competitiva são: fisiculturismo, culturismo e bodybuilding⁸.

O Fisiculturismo é, de forma geral, a tradução da expressão Bodybuilding em inglês, que se refere a uma modalidade esportiva marcada pela alta valorização estética do corpo, através do qual, os praticantes buscam a hipertrofia muscular, sempre levando em consideração o volume, simetria e definição da musculatura⁹. Sendo assim, durante o treinamento os atletas são frequentemente analisados, avaliados e monitorados¹⁰.

Assim, tornou-se nítida a valorização do padrão de beleza do corpo belo, jovem e em “forma”, tanto entre as mulheres quanto entre os homens. Em busca desse padrão de beleza, muitos indivíduos podem apresentar uma insatisfação com o seu corpo, muitas vezes alimentada por uma percepção distorcida em relação a sua forma física, podendo ser, inclusive, uma patologia^11),(12. Como exemplo, pode-se citar os transtornos psicológicos, como anorexia, bulimia e transtorno dismórfico muscular (TDM)¹³.

Segundo o estudo de Arraes e Melo¹⁴, os atletas de fisiculturismo diariamente convivem com proibições e excessos, sobretudo quando está relacionado com a alimentação, aos treinos e aos processos de harmonização que são características da modalidade e expõem os atletas constantemente a julgamentos de pessoas abstraídas da realidade deste esporte.

A literatura tem mostrado que atletas de fisiculturismo têm níveis de insatisfação com sua imagem corporal, idealizam um corpo perfeito e utilizam de diferentes estratégias para atingir tal feito^4),(15. Indivíduos com problemas acerca da sua imagem corporal podem também apresentar declínio nas relações sociais, amorosas e profissionais, limitando-se aos cuidados estéticos e em elevação da sua autoestima¹¹. Assim, observa-se que os prejuízos tendem a ser de grande alcance e acabam conduzindo o indivíduo a uma menor qualidade de vida^16),(17.

Diante disto, avaliar a insatisfação com a imagem corporal faz-se fundamental. Cabe esclarecer que existem diferentes métodos que podem ser utilizados para este fim, dentre os mais utilizados podemos citar as escalas de silhuetas. Essas escalas são compostas por imagens de diferentes tamanhos corporais em sequência progressiva que permitem o indivíduo identificar a imagem real e a ideal. As escalas de silhuetas têm sido reportadas como sendo um instrumento válido e aplicável, sendo que a maioria dos estudos demonstram que as escalas possuem validade adequada e boa confiabilidade de teste-reteste^18),(19),(20. Entretanto, nenhuma escala atende às especificidades dos atletas masculinos e femininos de fisiculturismo, ou por não representarem ambos os sexos, ou por não representam a riqueza de detalhes necessários e essenciais para esta modalidade esportiva e suas categorias^21),(22.

O fisiculturismo é um esporte em que cada detalhe do corpo faz diferença para a pontuação do atleta, onde a equipe de arbitragem avalia: o volume muscular, a proporção muscular e a definição muscular. Desta forma a preocupação com a imagem é constante, a dedicação com o cuidado ao próprio corpo é diária. Contudo, esses atletas nem sempre se sentem satisfeitos com sua imagem real, atentando-se a detalhes como o seu percentual de gordura e músculos. E, para que atinja a imagem corporal ideal às vezes recorrem a medidas não saudáveis para conquistar o sonhado corpo, como: consumo de laxantes e/ou diuréticos, indução de vómitos, prática exagerada de exercícios físicos e dietas drásticas²³.

Diante dos achados, o objetivo deste estudo foi de desenvolver e validar uma escala de silhuetas específicas para atletas femininos e masculinos praticantes de fisiculturismo.

Materiais e Métodos

O presente estudo apresenta um delineamento metodológico seguindo os achados proposto na pesquisa de Kerlinger²⁴. Este estudo é um novo método de avaliação da imagem corporal dos atletas que ocorreu em três fases, seguindo os princípios de Pasquali²⁵; Comisión Internacional de Tests²⁶,da American Educational Research Association (AERA), da American Psychological Association (APA) e do National Council on Measurement in Education²⁷ e, no Brasil, pelo Conselho Federal de Psicologia²⁸. Na fase um, houve a elaboração e desenvolvimento da escala de imagem corporal, contando com onze imagens para cada sexo, desde a categoria “Biquini” até a categoria “Woman’s Physique” para o sexo feminino e desde a categoria “Fitness Coreográfico” até “Fisiculturismo” para o sexo masculino. Classificação esta proposta por pelas federações internacionais: National Amateur Body-Builder´s Association (NABBA), International Federation of Fitness and Bodybuilding (IFBB) ou National Physique Committee (NPC).

Na fase dois, transcorreu a avaliação por juízes com a sequência de silhuetas para cada sexo. A fase três, realizou-se a aplicação da escala desenvolvida de silhuetas destinada a verificar a confiabilidade e a validade do instrumento e avaliar a satisfação com a imagem corporal entre fisiculturistas do sexo masculino e feminino das categorias mencionadas.

Participaram do estudo 180 atletas, que estavam inscritos em uma competição nacional de fisiculturismo, sendo 50 do sexo feminino e 130 do masculino. Foram adotados como critério de inclusão: ser atleta de fisiculturismo amador e estar filiado a uma das três federações internacionais do Brasil: (NABBA), (IFBB) ou (NPC). Não participaram da pesquisa os atletas que não estavam competindo de forma estadual, nacional ou internacional e, aqueles que não estavam fisicamente adequados de acordo com as regras de cada categoria que rege o Fisiculturismo.

Para a mensuração da interpretação da imagem corporal foi utilizada a Escala Shape, proposto e desenvolvida neste trabalho e uma balança de Bioimpedância, In Body 120, para a mensuração das medidas antropométricas e composição corporal dos participantes.

Escala Shape

A Escala Shape é um instrumento novo que foi desenvolvido neste trabalho. É composto por onze desenhos de silhuetas do sexo feminino e onze desenhos de silhuetas do sexo masculino. As silhuetas foram desenhadas para serem representativas de acordo com as categorias da competição de fisiculturismo e apresentam o objetivo de identificar a satisfação com a imagem corporal dos atletas, uma vez que eles podem identificar a silhueta que acredita ser mais parecida com eles (silhueta real) e identificar a silhueta que desejaria apresentar (silhueta ideal). Caso haja discrepância na escolha das silhuetas real e ideal, pode-se investigar uma possível insatisfação com a imagem corporal.

Procedimentos

Nesta primeira fase do presente estudo foram elaborados vinte e dois desenhos de silhuetas de fisiculturistas, sendo onze desenhos de atletas femininos e onze de atletas masculinos, todos em escala progressiva de tamanho corporal, detalhadamente em termos de volume, proporção e definição muscular, de acordo com as características específicas descritas para cada categoria do fisiculturismo.

A fase dois do estudo foi a vez da avaliação dos juízes a fim de verificar a validade de conteúdo e a confiabilidade por equivalência da escala de silhuetas. Para tanto, foram feitos cartões plastificados com dimensões de 15x10cm de cada uma das silhuetas, tanto do sexo masculino quanto do feminino. Os cartões foram mostrados embaralhados para cinquenta juízes de fisiculturismo, sendo eles: árbitros nacionais e/ou internacionais, e que possuisse vínculo com federações como (NABBA), (IFBB) e/ou (NPC), para que organizassem os onze cartões de cada sexo de forma progressiva de tamanho corporal. De forma individual, ordenaram os onze cartões, de cada sexo, em uma escala progressiva de tamanho corporal.

Cada juiz, portanto, sugeriu uma sequência de cartões/silhuetas que foi apresentada para o corpo feminino e masculino. O cômputo dessas porcentagens foi utilizado para verificar a concordância entre os juízes e definir a ordem das silhuetas para obter a versão final de cada escala (masculina e feminina). Foi utilizado como critério a maior frequência de escolhas de sequência feita pelos juízes, com uma concordância mínima de 75% entre os juízes valor definido pelo pesquisador). As versões finais das escalas que foram utilizadas para avaliação dos atletas e, denominadas de Escala “Shape Feminina” e Escala “Shape Masculina”, registradas e patenteadas sob o número de processo: 916661903 de 31/01/2019 na classe 41 em vigor junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), publicada na Revista da Propriedade Industrial número 2537 de 20/08/2019.

A fase três da pesquisa foi utilizada para verificar a confiabilidade a partir da estabilidade temporal e a validade de critério do instrumento de avaliação. Durante os campeonatos selecionados para o estudo (Campeonato estreantes NABBA e IFBB de 2016, Campeonato Paulista NABBA e IFBB 2016, Campeonato Brasileiro NABBA e IFBB 2016, Campeonato Mr. Santos de 2016, Campeonato estreantes NABBA e IFBB 2017, Campeonato Paulista NABBA e IFBB de 2017, Campeonato Brasileiro NABBA e IFBB de 2017 e Campeonato Mr. Santos de 2017), os atletas foram convidados a participar da validação da escala Shape, através da visualização da mesma e responderem alguns questionamentos com dados demográficos, contento informações sobre idade, peso, sexo, estatura. Todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo Seres Humanos da USJT, sob o parecer número 2.979.684, CAAE: 95539618.6.0000.0089.

Análise estatística

Para avaliação da concordância entre os juízes e a confiabilidade da escala (avaliada pelo teste-reteste) utilizou-se o teste de Kappa. Valores de Kappa acima de 0,61 são considerados bons²⁹.

Para verificar se os atletas de determinada categoria escolheram como silhueta real aquelas correspondentes à mesma categoria em que estavam inscritos e para verificar a dependência entre as categorias de competição e as silhuetas escolhidas, foram realizadas a estatística descritiva e o teste de qui-quadrado.

Para comparar a escolha das silhuetas (real e ideal) dos atletas de diferentes categorias utilizou-se Análise de Variância (ANOVA). Comparações múltiplas foram realizadas utilizando teste de Tukey. Foi adotado nível de significância de 5%.

As análises estatísticas foram realizadas no programa SPSS for Windows versão 19.0.0

Resultados

A maioria dos juízes escolheu a mesma silhueta em cada uma das 11 posições da escala, tanto para o sexo feminino quanto para o sexo masculino. Esta concordância entre os juízes que participaram do experimento pode ser observada na Tabela 1.

Tabela 1
Valor de Kappa para cada silhueta, considerando a resposta dos 50 juízes

	Feminino		Masculino
Figura	Kfree	P	Kfree	p
1	0,83	<0,001*	0,64	<0,001*
2	0,68	<0,001*	0,64	<0,001*
3	0,79	<0,001*	0,72	<0,001*
4	1,00	<0,001*	0,74	<0,001*
5	0,96	<0,001*	0,91	<0,001*
6	0,91	<0,001*	0,87	<0,001*
7	0,72	<0,001*	0,96	<0,001*
8	0,72	<0,001*	0,79	<0,001*
9	0,65	<0,001*	0,72	<0,001*
10	0,83	<0,001*	0,59	<0,001*
11	0,91	<0,001*	0,72	<0,001*
Escala Total	0,84	<0,001*	0,78	<0,001*

• Fonte: autores

Nota-se que todas as concordâncias foram significantes (p<0,05), sendo classificadas de boa à perfeita. Observa-se que a silhueta número 9 na escala feminina e a de número 10 na escala masculina foram as que apresentaram menores índices. Nas Figuras 1 e 2, apresenta-se as sequencias da escala Shape para o sexo feminino e masculino.

Figura 1
Sequência da Escala Shape Feminina sugerida pelos especialistas

Figura 2
Sequência da Escala Shape Masculina sugerida pelos especialistas

Na etapa três do trabalho, participaram do estudo 180 atletas amadores de fisiculturismo. Desses, 50 eram do sexo feminino, com média de idade de 30,08±5,13 anos e 130 do sexo masculino, com média de idade de 30,21±7,56 anos. Os atletas eram de nível nacional (n=70) e regional (n=110). A descrição da amostra segundo a categoria de competição encontra-se na Tabela 2. Cabe esclarecer que para o sexo feminino, não houve participantes da categoria Women’s Physique e para o sexo masculino, não houve participantes da categoria Fitness Coreográfico.

Tabela 2
Descrição da amostra segundo as categorias de competição

	Feminino			Masculino
Variável	Biquini	Wellness	BodyFitness	Mens Physique	Clássico	Fisiculturismo
N	14	30	6	54	18	58
Idade	29,64±6,25	30,23±4,06	30,33±7,81	27,57±5,25	28,56±5,73	33,17±8,81
Peso	55,79±4,37	57,72±4,29	58,52±4,25	76,90±8,65	81,24±10,04	83,05±10,64
Altura	164,43±6,36	162,17±4,86	163,50±6,25	176,78±5,48	178,28±8,22	173,33±5,95
Gordura (%)	16,55±3,65	17,72±3,54	11,32±1,20	6,99±2,40	6,71±2,38	7,26±2,86
Peso Gordo	9,48±1,78	10,11±1,77	5,77±1,34	5,75±2,06	5,68±1,83	6,27±2,52
Peso Magro	27,06±3,50	26,17±3,63	24,45±3,41	62,01±14,37	77,12±12,88	65,94±18,79
IMC	20,23±1,61	21,37±1,41	18,88±1,73	25,20±2,05	27,78±2,27	28,07±2,61

• Fonte: autores

Os resultados obtidos a partir das respostas dos participantes dadas em dois momentos distintos (teste-reteste) em relação à escolha da silhueta real e ideal encontram-se na Tabela 3.

Tabela 3
Distribuição dos participantes do sexo feminino e masculino segundo a escolha da silhueta real e ideal em dois momentos distintos

Sexo	Silhueta Real Escolhida		Silhueta Ideal Escolhida
Feminino	Momento 1	Momento 2	Momento 1	Momento 2
Silhueta 1	3	3	-	-
Silhueta 2	11	11	10	10
Silhueta 3	11	11	11	11
Silhueta 4	7	6	5	5
Silhueta 5	12	13	15	13
Silhueta 6	4	4	4	6
Silhueta 7	2	2	4	4
Silhueta 8	-	-	1	1
Silhueta 9	-	-	-	-
Silhueta 10	-	-	-	-
Silhueta 11	-	-	-	-
Total	50	50
Masculino	Momento 1	Momento 2	Momento 1	Momento 2
Silhueta 1	-	-	-	-
Silhueta 2	1	1	-	-
Silhueta 3	22	22	4	4
Silhueta 4	21	20	4	4
Silhueta 5	8	9	20	18
Silhueta 6	13	12	20	22
Silhueta 7	7	8	13	13
Silhueta 8	7	6	8	8
Silhueta 9	42	42	22	21
Silhueta 10	9	10	23	24
Silhueta 11	-	-	16	16
Total	130	130	130	130

• Fonte: autores

O valor do teste de Kappa considerando o teste-reteste da escala Shape para a escolha das silhuetas reais foi: feminino=0,975 (p<0,001), masculino=0,962 (p<0,001), e para as silhuetas ideias foi: feminino=0,950 (p<0,001), masculino=0,973 (p<0,001). Todas as concordâncias podem ser consideradas ótimas e apontam para a confiabilidade da escala para ambos os sexos.

As correlações entre as escolhas das silhuetas nos momentos 1 e 2, considerando a silhueta real e ideal e as categorias de competição para mulheres e homens foram:

1) Escolha da silhueta real:

Feminino: Biquini: 1,000; Wellness: 0,980; Body Fitness: 1,000; Feminino total: 0,996.

Masculino: Men’s Physique: 0,990; Clássico: 0,919: Fisiculturismo: 0,939; Masculino total: 0,998.

2) Escolha da silhueta ideal:

Feminino: Biquini: 1,000; Wellness: 0,970; Body Fitness: 1,000; Feminino total: 0,993.

Masculino: Men’s Physique: 0,985; Clássico: 1,000: Fisiculturismo: 0,986; Masculino total: 0,998.

A distribuição dos indivíduos segundo a categoria de competição e a silhueta real escolhida, encontra-se na Tabela 4.

Tabela 4
Distribuição dos atletas segundo a categoria de competição e a silhueta real escolhida

Feminino		Categoria de competição						Total
		Biquini		Wellness		Body Fitness
	Silhueta Real	N	%	N	%	N	%	N	%
Biquini	1	5	35,7%	0	,0%	0	,0%	5	10,0%
	2	9	64,3%	0	,0%	0	,0%	9	18,0%
Wellness	3	0	,0%	12	40,0%	0	,0%	12	24,0%
	4	0	,0%	5	16,7%	0	,0%	5	10,0%
	5	0	,0%	13	43,3%	0	,0%	13	26,0%
Body fitness	6	0	,0%	0	,0%	5	83,3%	5	10,0%
	7	0	,0%	0	,0%	1	16,7%	1	2,0%
Total		14	100,0%	30	100,0%	6	100,0%	50	100,0%
		Grupo
		Mens physique		Clássico		Fisiculturismo		Total
Masculino	Real	N	%	N	%	N	%	N	%
Coreografia	2	1	1,9%	0	,0%	0	,0%	1	,8%
Mens physique	3	23	42,6%	0	,0%	0	,0%	23	17,7%
	4	20	37,0%	0	,0%	0	,0%	20	15,4%
	5	7	13,0%	2	11,1%	0	,0%	9	6,9%
Clássico	6	3	5,6%	11	61,1%	0	,0%	14	10,8%
	7	0	,0%	5	27,8%	4	6,9%	9	6,9%
	8	0	,0%	0	,0%	16	27,6%	16	12,3%
Fisiculturismo	9	0	,0%	0	,0%	29	50,0%	29	22,3%
	10	0	,0%	0	,0%	9	15,5%	9	6,9%
Total		54	100,0%	18	100,0%	58	100,0%	130	100,0%

• Fonte: autores

Entre as mulheres, 100,0% dos respondentes da categoria Biquini, Wellness e Body Fitness escolheram como reais imagens previstas para sua categoria. Cabe salientar que, entre as campeãs, as atletas da categoria Biquini e Body Fitness escolheram a silhueta ideal das suas categorias (número 2 e 7, respectivamente), somente a atleta campeã da categoria Wellness havia escolhido sua silhueta real diferente da silhueta critério. Neste caso, a atleta escolheu a silhueta número 3, a qual também pertence à categoria da atleta.

Já entre os homens, 92,6% dos respondentes da categoria Men’s Physique escolherem imagens previstas para esta categoria; 88,9% dos voluntários da categoria Fisiculturismo Clássico escolheram como reais as imagens previstas para estas categorias; 65,5% dos voluntários da categoria Fisiculturismo escolheram como reais imagens previstas para sua categoria. Contudo, quando se considerou aqueles que foram classificados na competição, 100% dos atletas masculinos escolheram as silhuetas reais compatíveis com as categorias de competição às quais pertenciam, sendo que os campeões de todas as categorias escolheram as silhuetas critério, isto é, a silhueta de número 4, 7 e 10, correspondente às categorias Men’s Physique, Fisiculturismo Clássico e Fisiculturismo, respectivamente.

O teste de qui-quadrado (p<0,001) aponta para a forte dependência entre as categorias de competição e as silhuetas escolhidas. Esses resultados apontam para a confirmação da previsão teórica de representatividade de categorias de competição pelo conjunto de silhuetas previstas, e, portanto, apontam para a validade da escala.

A validade da escala também foi verificada com as diferenças encontradas em relação ao valor (em média) das silhuetas escolhidas (real e ideal) em cada categoria de competição (Tabelas 5 e 6).

Tabela 5
Valores da escala quando da escolha da silhueta (real e ideal) nas diferentes categorias de competição feminina

Feminino		grupo			(p)	Comparações	Resultado
		(1)	(2)	(3) Body
		Biquini	Welhess	fitness		Multiplas (2 a 2 )
real	Média	1,64	4,03	6,17	<0,001*	(1)x(2) (p)<0,001*	Biquini<welhess <Body fitness
	Mediana	2	4	6		(1)x(3) (p)<0,001*
	Desvio-padrão	0,497	2,928	0,408		(2)x(3) (p)<0,001*
	N	14	4,47	6
ideal	Média	2,21	5	7	<0,001*	(1)x(2) (p)<0,001*	Biquini<welhess <Body fitness
	Mediana	2		7		(1)x(3) (p)<0,001*
	Desvio-padão	5,079	1,074	0,632		(2)x(3) (p)<0,001*
	N	30	6	6

• Fonte: autores

Tabela 6
Valores da escala quando da escolha da silhueta (real e ideal) nas diferentes categorias de competição masculina

Masculino		categorias			ANOVA (p)	Comparações	Resultado
		(1)	(2)	(3) Body
		Mens	Welhess	fitness		Multiplas (2 a 2 )
real	Média	3,78	6,17	8,74	<0,001*	(1)x(2) (p)<0,001*	Mens<Classico<Físic.
	Mediana	4	6	9		(1)x(3) (p)<0,001*
	Desvio-padrão	0,904	0,618	0,907		(2)x(3) (p)<0,001*
	N	54	18	58
ideal	Média	5,43	5	9,93	<0,001*	(1)x(2) (p)<0,001*	Mens<Classico<Físic.
	Mediana	5,5		10		(1)x(3) (p)<0,001*
	Desvio-padão	10,075	0,916	0,792		(2)x(3) (p)<0,001*
	N	30	18	58

• Fonte: autores

Houve diferença estatística significativa entre as categorias quanto aos valores da escala atribuídos pelos atletas. Como esperado, os valores foram aumentando conforme a categoria aumenta em definição, sendo que as médias dos valores (número das silhuetas) foram crescentes na ordem: categoria Biquini, Wellness e Body Fitness para as mulheres e na ordem Men’s Physique, Fisiculturismo Clássico e Fisiculturismo para os homens.

Cabe descrever ainda que na categoria Biquini, 6 atletas escolheram a mesma silhueta como real e ideal e 8 atletas apontaram a silhueta ideal como sendo acima da silhueta real escolhida. Na categoria Wellness, 18 atletas escolheram a mesma silhueta como real e ideal, 11 atletas identificaram a silhueta ideal como sendo uma a frente da silhueta real escolhida e 1 atleta escolheu 2 silhuetas acima do real como sendo a ideal. Na categoria Body Fitness, 2 atletas escolheram a mesma silhueta como real e ideal, 3 atletas escolheram a silhueta ideal como sendo uma acima do real e 1 atleta escolheu como ideal, 2 silhuetas acima do real escolhido.

Entre os homens, na categoria Men’s Physique, 4 atletas escolheram a mesma silhueta como real e ideal, 22 atletas identificaram a silhueta ideal como sendo uma a frente da silhueta real escolhida, 17 atletas escolheram 2 silhuetas acima da real como sendo a ideal e 11 atletas escolheram como silhueta ideal, 3 silhuetas acima da real. Na categoria Fisiculturismo Clássico, 3 atletas escolheram a mesma silhueta como real e ideal, 6 atletas identificaram a silhueta ideal como sendo uma a frente da silhueta real escolhida, 8 atletas escolheram 2 silhuetas acima da real como sendo a ideal e 1 atleta escolheu como silhueta ideal, 3 silhuetas acima da real. Na categoria Fisiculturismo, 17 atletas escolheram a mesma silhueta como real e ideal, 29 atletas identificaram a silhueta ideal como sendo uma a frente da silhueta real escolhida, 20 atletas escolheram 2 silhuetas acima da real como sendo a ideal e 2 atletas escolheram como silhueta ideal, 3 silhuetas acima da real.

Discussão

Imagem corporal é um conceito amplo e multidimensional que envolve a representação mental do corpo existencial. Uma maneira de se investigar este conceito no indivíduo é estudar a maneira como ele estima o tamanho e a forma do seu corpo. Esta abordagem considera a avaliação da dimensão perceptiva da imagem corporal. Os métodos que permitem a investigação desta dimensão perceptiva fornecem possibilidade de pesquisa com a oportunidade de melhor compreender o funcionamento da imagem corporal. E, diversos são os métodos e as medidas que podem ser utilizados para avaliar, por exemplo, a insatisfação com a imagem corporal³⁰.

Gardner e Brown³¹, descrevem que o uso de escalas com imagens (ex.: pictóricas ou silhuetas) são os instrumentos mais comumente utilizados devido a sua praticidade e facilidade de administração, principalmente quando frente a amostras mais robustas. A maioria desses instrumentos permitem avaliar a insatisfação com a imagem corporal que é a discrepância entre a imagem que o indivíduo escolhe como representando a realidade do seu corpo e a idealizada por ele. Esses autores recomendam que frente ao uso dessas escalas, tome-se o cuidado em escolher instrumentos que prezem pela representatividade da amostra em seus detalhes.

Contudo, este estudo desenvolveu um novo instrumento voltado a avaliar a satisfação com a imagem corporal em fisiculturistas. Até o presente momento, esta é a primeira vez que é apresentada na literatura uma escala que representa os atletas femininos e masculinos com riqueza de detalhes musculares considerando as categorias de competição. Apesar da literatura já ter apresentado instrumentos que se preocupam em evidenciar o grau de muscularidade³², nenhum se propôs a representar as categorias de competição e especificidades que o esporte necessita. Como exemplo citamos o estudo de Castro e colaboradores³², que apresentam um conjunto de fotossilhuetas somente para o sexo masculino, necessitando ainda de enfatizar a riqueza de detalhes específicos exigidos pelas categorias do fisiculturismo.

Após a elaboração das imagens das silhuetas representativas de cada categoria de competição para ambos os sexos, a Escala Shape Feminina e Masculina passou inicialmente pela avaliação dos juízes. Neste aspecto, cabe enfatizar que a sequência das silhuetas estabelecida pelos especialistas correspondeu à mesma ordem que a pesquisadora estabeleceu à priore. Baseando-se ainda nas afirmativas dos juízes em relação ao conteúdo da Escala Shape, atestou-se a confiabilidade de equivalência e a validade de conteúdo do instrumento.

Quando aplicada à amostra, a Escala Shape mostrou-se confiável no que se refere à estabilidade temporal (tabela 3 e 4). Gardner & Brown³¹ reportaram que a confiabilidade das escalas de silhuetas/pictóricas tem sido avaliada massivamente a partir da técnica de teste-reteste. Nossos resultados corroboraram com a literatura, apresentando valores de Kappa acima de 0,90, para ambos os sexos e para a escolha das silhuetas reais e ideais.

A Escala Shape também se mostrou válida em relação ao critério preestabelecido, que foi a categoria de competição. Em relação à comparação da escolha da silhueta (real) e as categorias de competição (Tabela 4), houve a dependência das silhuetas e as categorias, isto é, há indícios de que as silhuetas, de fato, representam as categorias que pretendiam representar.

Ainda discorrendo sobre os resultados da tabela 4, após a verificação da evidência da validade das silhuetas, chamou a atenção o fato de que, entre os homens, principalmente nos resultados da categoria Fisiculturismo, houve atletas que se identificam em silhuetas que correspondiam às categorias inferiores. Acredita-se que esta distorção da imagem corporal possa ser devido ao excesso de treinamento e compulsões alimentares, já que esse tipo de distorção de sua efígie esteja relacionado com as características mais comuns do transtorno dismórfico muscular ou da vigorexia, como propõe Pires e Batista¹³.

No entanto, cabe ressaltar que quando avaliadas as respostas daqueles atletas que foram classificados no campeonato, todos haviam escolhido a silhueta real dentro da sua categoria de competição, inclusive os campeões. Neste sentido, podemos inferir que a escala, de fato, consegue discriminar as categorias de competição e que talvez, esses atletas realmente se percebam dentro dos padrões perfeitos da sua categoria.

Ainda em relação à validade da escala utilizando como critério as categorias de competição, as diferenças entre as médias das silhuetas escolhidas, tanto as reais quanto as ideais, também foram estatisticamente significativas entre as categorias (Tabelas 5 e 6), atestando a validade da escala. Nestas análises, foi possível ainda responder ao terceiro objetivo deste trabalho, ao verificar a discrepância entre a escolha das silhuetas reais e ideias, isto é, verificou-se a insatisfação com a imagem corporal dos atletas^33),(34. Em todas as categorias, em ambos os sexos, houve, em média, a escolha da silhueta ideal com valor superior a real, apontando para um provável grau de insatisfação corporal dos atletas, sendo mais evidente entre os homens.

A insatisfação com a imagem corporal entre fisiculturistas tem sido reportada na literatura^35),(36) e, esta insatisfação com a imagem corporal pode estar associada a diversos aspectos comportamentais e psicológicos tais como ansiedade, dismorfia muscular, transtornos alimentares, abuso de drogas (aparência e aumento de desempenho) e dependência de exercícios, sendo que o risco de acometimento dos fisiculturistas é aumentado em até quatro vezes^4),(35),(37. Contudo, poucos são os estudos desenvolvidos com a finalidade de verificar os aspectos psicológicos dos atletas de fisiculturismo³⁸. Reconhecer um atleta que esteja insatisfeito com sua imagem corporal pode ser fundamental para adoção de medidas preventivas que podem garantir a preservação da sua saúde física e mental^35),(39).

Conclusões

Assim, conclui-se que a Escala Shape feminina e masculina apresentou evidências de confiabilidade e de validade e pode ser um instrumento útil para avaliar a insatisfação com a imagem corporal de atletas, mulheres e homens, fisiculturistas, de diferentes categorias. Diante de tais observações, sugere-se que este instrumento possa servir como rastreamento de atletas para identificar possíveis alterações na percepção da imagem corporal e/ou servir como guia para os treinadores em relação à percepção que o atleta tem de si mesmo. E, caso constatado a identificação de silhuetas diferentes da categoria de competição do atleta, o treinador terá subsídios para investigar mais profundamente essa incompatibilidade de escolha de imagem e possa definir sua intervenção, seja trabalhar junto ao atleta a fim de conquistar ganhos necessários, trabalhar aspectos psicológicos relacionados a possíveis distorções de imagem corporal ou até mesmo realizar alteração da categoria de competição. Contudo, estas são apenas sugestões que necessitam de outros estudos que busquem como objetivo principal a elucidação destas hipóteses.

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Editado por

Editor: Carlos Herold Junior.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  29 Abr 2024
• Data do Fascículo
  2024

Histórico

• Recebido
  17 Jul 2023
• Revisado
  05 Fev 2024
• Aceito
  07 Fev 2024