EFEITO DA AUTO LIBERAÇÃO MIOFASCIAL NA FLEXIBILIDADE DE ESCOLARES: UMA PROPOSTA ACESSÍVEL

EFFECTS OF SELF MYOFASCIAL RELEASE ON THE FLEXIBILITY OF STUDENTS: AN ACCESSIBLE PROPOSAL

RESUMO

Diversas pesquisas têm avaliado a aplicabilidade da técnica de auto liberação miofascial (ALM) na melhora aguda da flexibilidade em inúmeros esportes e/ou populações diferentes. No entanto, torna-se difícil sua inserção nas aulas de educação física escolar pelo elevado custo dos materiais. Dessa forma, buscou-se investigar o efeito da ALM em escolares por meio da utilização de rolos de espumas originais e com rolos confeccionados com materiais adaptados de baixo custo. Participaram da pesquisa 30 escolares, que foram aleatoriamente agrupados em: Grupo Controle (GCT), Grupo Rolo Original (GRO) e Grupo Rolo Adaptado (GRA). A flexibilidade foi avaliada antes e após a aplicação da ALM. A ALM foi realizada em músculos alvos uma vez por 30 segundos com intervalos de 15 segundos entre os estímulos. As comparações na flexibilidade pré e pós ALM foram avaliadas utilizando o teste de t student, com nível de significância adotado de p<0,05. Verificou-se que a ALM no GRO e GRA aumentaram agudamente a flexibilidade dos escolares em 7,53 e 16,5%, respectivamente. Assim, a utilização de rolos confeccionados com material alternativo (adaptado) para aplicação da ALM se mostra uma forma mais acessível financeiramente para ser utilizada nas aulas de educação física e abre possibilidades para sua aplicação para além das escolas.

Palavras-chave:
Estudantes; Fáscia; Maleabilidade

ABSTRACT

Several studies have assessed the applicability of the Myofascial Self-Release Technique (MSRT) in the acute improvement of flexibility in various sports and/or different populations. However, its integration into school physical education classes becomes challenging due to the high cost of materials. Therefore, the aim was to investigate the effect of MSRT on schoolchildren using both original foam rollers and rollers made from low-cost adapted materials. Thirty schoolchildren participated in the study and were randomly grouped into: Control Group (CG), Original Roller Group (ORG), and Adapted Roller Group (ARG). Flexibility was evaluated before and after the application of MSRT. MSRT was performed on target muscles once for 30 seconds with intervals of 15 seconds between stimuli. Comparisons in pre- and post-MSRT flexibility were assessed using the Student's t-test, with a significance level adopted of p <0.05. It was found that MSRT in ORG and ARG significantly increased schoolchildren's flexibility by 7.53% and 16.5%, respectively. Therefore, the use of rollers made with alternative (adapted) material for applying MSRT appears to be a more financially accessible way to be used in physical education classes and opens possibilities for its application beyond schools.

Keywords:
Students; Fascia; Pliability

Introdução

A flexibilidade pode ser definida como a propriedade e capacidade dos tecidos do corpo de atingirem plena amplitude de movimento (ADM) sem qualquer lesão nas articulações ou dentro de seus grupos. O papel básico da flexibilidade é reduzir o risco de lesões¹. O alcance do movimento é regulado pela extensibilidade adequada de todos os tecidos moles que abrangem as articulações². A elasticidade muscular adequada aumenta a capacidade de mover as articulações dentro de sua ADM máxima possível¹.

No entanto, reduções na ADM podem ser provocadas por disfunções na fáscia³. A fáscia é um tecido conjuntivo espesso, viscoso e elástico, que permeia e conecta todas as estruturas do corpo humano, envolvendo músculos, tendões, vasos sanguíneos e nervos⁴. Alterações nas propriedades mecânicas da fáscia (por exemplo, rigidez alterada) podem restringir a extensibilidade muscular e, com isso, a ADM⁵. Essas restrições fasciais podem ocorrer em consequências de lesões, doença, inflamação ou inatividade, causando aderências musculares⁶. As aderências miofasciais são conhecidas por promover dores musculares e por impedir a mecânica muscular normal⁷.

Um status ideal flexibilidade está relacionado com uma adequada competência motora em crianças e adolescentes, enquanto reduções da flexibilidade estão associadas à baixas competências motoras^8),(9. Além disso, não apenas em crianças e adolescentes, mas também em adultos, a diminuição da flexibilidade dos isquiotibiais por exemplo, pode levar a uma infinidade de lesões musculoesqueléticas, incluindo dor lombar, distensões dos isquiotibiais e dor femoropatelar¹⁰.

Para diminuir as disfunções e restrições faciais, uma estratégia de massagem conhecida como liberação miofascial tem sido utilizada para reduzir pequenos nódulos musculares e aderências fibrosas presentes na fáscia muscular⁷. Essa estratégia pode ser realizada de forma passiva, através da aplicação por um terapeuta, ou de forma ativa, a qual é aplicada pelo próprio indivíduo, técnica conhecida como Auto Liberação Miofascial (ALM)³. Comumente, o equipamento mais utilizado para a execução da técnica ALM tem sido o rolo de espuma (Foam Roller).

A utilização da ALM pode ser útil em substituição ou em adição ao alongamento, que normalmente é tido como referência para desenvolvimento da flexibilidade. Carvalho e colaboradores demonstraram que a utilização da técnica de ALM pode ser até mais eficaz agudamente na melhora da flexibilidade quando comparada a aplicação do alongamento estático¹¹. Vários métodos podem ser utilizados para melhora aguda e crônica da flexibilidade, como aquecimento, alongamento estático, alongamento dinâmico, rolo de liberação miofascial aplicado por terapeuta, rolo de espuma para autoaplicação, liberação miofascial com bolinhas de tênis e até mesmo com medicine ball.

Estudos conduzidos por Sousa e colaboradores⁴, Shalamzari, Minoonejad e Seidi¹², Carvalho e colaboradores¹¹, Krause e colaboradores¹³, Sulowska-Daszyk e colaboradores¹ têm confirmado o efeito da ALM por meio da utilização de rolos de espuma originais para o aumento da flexibilidade e para a melhora da amplitude de movimento, sem, no entanto, prejudicar o desempenho muscular.

Nas escolas, durante as aulas de educação física ou em campeonatos, é comum a realização de alongamentos ou pré-exercícios que estimulem a musculatura buscando melhorar a flexibilidade e preparando as articulações dos participantes para a prática subsequente. Além disso, a flexibilidade tem sido apontada como um importante componente relacionada à saúde e ao desempenho motor¹¹.

Nesse sentido, a utilização da técnica de ALM se torna útil como uma possível ferramenta para aumento da flexibilidade sem comprometimento da performance física. Entretanto, devido aos elevados custos financeiros dos rolos de espuma disponíveis no mercado, isso inviabiliza sua chegada até as escolas. Assim, buscou-se verificar se a aplicação da técnica de ALM com um rolo adaptado, feito a partir de material alternativo, pode ser útil na melhora da flexibilidade de forma aguda comparado a utilização de um rolo de espuma original.

Métodos

Aspectos éticos e amostra

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Roraima com parecer nº 6.248.465. Para tal, foram selecionados 30 estudantes do sexo masculino por conveniência, regularmente matriculados no ensino fundamental II de uma escola pública de Boa Vista-RR, os quais foram divididos em três grupos de forma aleatória (com auxílio de um site de sorteios): Grupo Controle (GCT), Grupo Rolo Original (GRO) e Grupo Rolo Adaptado (GRA).

Dados antropométricos e avaliação da flexibilidade

Antes da aplicação do protocolo de ALM foram coletados os dados antropométricos para caracterização da amostra. A massa corporal foi mensurada utilizando uma balança digital (G-Tech®), com precisão de 0,1kg, e a estatura foi mensurada por meio de um estadiômetro portátil (Welmy®), com precisão de 0,1 cm. Posteriormente, a flexibilidade da cadeia muscular posterior dos membros inferiores foi avaliada em todos os grupos utilizando o teste de sentar e alcançar proposto por Gaya e colaboradores¹⁴ conforme seguinte orientação: Estenda uma fita métrica no solo. Na marca de 38 cm desta fita coloque um pedaço de fita adesiva de 30 cm em perpendicular. A fita deve fixar a fita métrica no solo. O aluno avaliado deve ficar sentado e descalço. Os calcanhares tocam a fita adesiva na marca dos 38 cm e devem estar separados a 30 cm. Com os joelhos estendidos e as mãos sobrepostas, o escolar inclina lentamente e estende as mãos para frente o mais distante possível. O participante permanece nesta posição por tempo necessário para a distância ser anotada.

Cada estudante teve duas tentativas para realização do teste, sendo computada somente a tentativa de maior valor. Para minimizar o risco de viés, três outros profissionais de Educação Física com experiência na aplicação do teste, e não vinculados a pesquisa, foram selecionados para aplicarem os testes de flexibilidade sem conhecimento da composição de cada grupo (cegamento).

Técnica de ALM

Após avaliação da flexibilidade de todos os grupos, os grupos experimentais (GRO e GRA) realizaram o protocolo de ALM, enquanto o GCT permaneceu em repouso. O GRO manipulou os tecidos moles utilizando rolos de espuma original (Foam Roller - Mily Sport) composto por um cilíndrico uniforme de espuma, feito de poliestireno, medindo 15x30cm e massa de 156 gramas (Figura 1). O GRA manipulou os tecidos moles utilizando rolos que foram confeccionados com materiais alternativos de baixo custo. Esses rolos foram constituídos de cilindros uniformes, com densidade e composição rígida, feito de Policloreto de Vinilo (PVC) e recoberto por um tecido de Etileno Acetato de Vinila (EVA), medindo 10x30cm e massa de 376 gramas (Figura 1). As extremidades para encaixe dos cilindros foram removidas antes que fossem recobertos com o tecido EVA.

Figura 1
Rolos utilizados para realização da técnica de Auto Liberação Miofascial

A técnica de ALM foi realizada simultaneamente no GRO e GRA, aplicada apenas uma vez em cada membro. Os locais de interesse foram massageados de forma bilateral sendo eles: Piriformes, Isquiotibiais, Banda Iliotibial, Quadríceps, Adutores, Gastrocnêmicos e Coluna Lombar e Torácica. O tempo de estímulo sobre cada região foi de 30s de trabalho e 15s pausa, sendo feito apenas uma única vez em cada ponto. O tempo para realização da técnica, incluindo a recuperação, totalizou aproximadamente dez minutos. A ALM foi aplicada com uma fricção sobre o local, utilizando a própria massa corporal do estudante para estimular o local desejado. Os escolares foram instruídos a começar a massagem na parte mais distal, exercendo uma pressão sobre a região pretendida.

Posteriormente a aplicação da ALM no GRO e GRA, a flexibilidade foi novamente aferida em todos os grupos conforme citado anteriormente por avaliadores cegados. Todo esse fluxo foi resumidamente apresentado na Figura 2.

Figura 2
Desenho experimental do estudo

Análise estatística

Os resultados foram apresentados como média ± erro padrão. A normalidade dos dados foi testada através do teste de Shapiro-Wilk, por meio do programa BioEstat. (5.3). A diferença nas mensurações da flexibilidade pré e pós-intervenção com ALM foi verificada pelo teste t-Student para amostras pareadas. Adotou-se um nível de significância de p< 0,05.

Resultados

Primeiro, dados referentes à idade, massa corporal, estatura e índice de massa corporal dos voluntários foram coletados para caracterização da amostra, e estão descritos na Tabela 1.

Tabela 1
Caracterização geral dos grupos GCT, GRO e GRA.

Variáveis	GCT	GRO	GRA
Idade (anos)	13,2 ±0,2	13,0 ±0,00	12,7 ±0,1
Massa Corporal (kg)	46,4 ±2,2	50,6 ±2,8	54,8 ±2,3
Estatura (cm)	159,2 ±0,0	157,8 ±0,0	162,0 ±0,0
IMC (kg/m²)	18,2 ±0,6	20,2 ±0,9	20,6 ±0,7

• Notas: GCT - Grupo Controle; GRO - Grupo Rolo Original; GRA - Grupo Rolo Adaptado. Os valores representam a média ± erro padrão de 10 participantes.
• Fonte: autores

A comparação dos efeitos agudos da aplicação da técnica de ALM em escolares possibilitou um aumento da flexibilidade em ambos os grupos experimentais de forma semelhante (Figura 3).

Figura 3
Comparação da flexibilidade pré e pós-intervenção nos grupos GCT, GRO e GRA.

Discussão

O principal objetivo deste estudo foi verificar o efeito da técnica de Auto Liberação Miofascial na flexibilidade de escolares, por meio da manipulação com rolos de espuma original (RO) e com rolos confeccionados com material adaptado (RA). A técnica de ALM promoveu um aumento agudo da flexibilidade nos grupos RO e RA após aplicação do protocolo, apresentando uma diferença de 7,5 e 16,5% respectivamente quando comparamos o pré e pós-teste (Figura 3).

Dessa forma, os resultados agudos da técnica de ALM com rolos adaptados são animadores, pois foram tão efetivos quanto ao efeito encontrado com material original (Foam Roller). Carvalho e colaboradores¹¹ verificaram uma melhora aguda de aproximadamente 17% na flexibilidade de escolares com utilização da técnica com rolo original, enquanto nossos dados obtidos com a utilização do RA se mostraram semelhantes quanto ao percentual médio de melhora (16,5%).

Um outro estudo, também mostrou que a técnica de liberação miofascial aplicada com rolo de massagem por um terapeuta, e a ALM aplicada com Foam Roller, são igualmente eficazes para aumentar a flexibilidade de adultos jovens¹⁰. Novamente, pode-se perceber uma vantagem no quesito praticidade quanto a ALM, haja visto a não necessidade de um terapeuta para aplicar a técnica.

O aumento da flexibilidade tem sido explicado na literatura pela propriedade tixotrópica da fáscia, pois na realização da técnica de ALM, uma pressão é exercida sobre o tecido miofascial através de rolamentos com o rolo¹⁵. Evidências demonstram que pressão mecânica aplicada sobre o músculo diminui as aderências entre as camadas de tecido, melhora a complacência muscular e diminui a rigidez muscular das fibras musculares^16),(17. A fricção sobre o tecido conjuntivo promove um aumento da temperatura do músculo, o que torna a fáscia mais macia e fluida, e por consequência, possibilita o estiramento a fáscia e da musculatura massageada, resultando numa melhora da amplitude muscular e consequentemente no aumento da flexibilidade¹¹.

A flexibilidade e o bom funcionamento das cadeias miofasciais são cruciais para qualquer tipo de atleta ou praticante de exercício¹. Devido à continuidade da estrutura miofascial, forças de sobrecarga podem ser transferidas pelo sistema miofascial, levando à sobrecarga tecidual, lesões por esforços repetitivos, resultando em restrições na flexibilidade muscular e comprometimento de movimentos funcionais. Além disso, restrições numa parte do corpo podem causar tensão excessiva em outros¹⁸.

Não é de nosso conhecimento que até o presente momento exista outra pesquisa que investigue a aplicação da técnica de ALM utilizando um rolo confeccionado com material alternativo. A aplicação dessa técnica muitas vezes fica limitada a grandes centros de treinamento, não sendo inseridas em escolas, nas aulas de educação física, devido ao elevado custo financeiro dos rolos originais. Essa investigação mostrou que a realização da técnica de ALM com rolo adaptado foi tão efetiva quanto a realização da técnica de ALM com rolo original. Tal achado foi uma surpresa para nós, e abre inúmeras possibilidades de uso não só nas escolas, mas em qualquer outro lugar, devido ao baixo custo para confecção do material. A simplicidade e disponibilidade permitem que a técnica de ALM seja facilmente implementada em muitos tipos de programas de treinamento ou reabilitação¹⁷.

Ademais, em algumas situações específicas, a técnica de ALM pode ser mais indicada a sua realização prévia, ao exercício ou jogo, do que ao alongamento estático, que é tradicionalmente visto. Já é bem documentado na literatura sobre a possibilidade de que o alongamento estático possa reduzir a performance agudamente nos exercícios subsequentes^{19),(20),(21),(22),(23)(24}. O comprometimento da produção de força ou da performance não é visto com a utilização da técnica de ALM¹⁷. Sousa e colaboradores⁴, Shalamzari, Minoonejad e Seidi¹², Carvalho e colaboradores¹¹, Krause e colaboradores¹³, Sulowska-Daszyk e colaboradores¹. Por outro lado, ainda é possível combinar o alongamento com a ALM aumentando ainda mais os efeitos quando comparado a uma das técnicas isoladas²⁵.

Conclusão

A aplicação da técnica de ALM com rolo de espuma original ou com rolo confeccionado a partir de materiais alternativos, é efetiva para melhora aguda da flexibilidade de escolares. No entanto, o baixo custo para confecção de rolos com material alternativo, oferece uma opção para professores de Educação Física utilizarem essa metodologia em suas aulas nas escolas, e ainda abre possibilidades para sua aplicação para além do contexto escolar.

A técnica de ALM se mostra como uma opção adicional ao alongamento como forma de melhorar agudamente a flexibilidade, podendo inclusive serem combinadas. Novas pesquisas neste campo de estudo, com amostras maiores, podem ajudar a esclarecer melhor o assunto e devem ser incentivadas.

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Editado por

Editor: Moacir Marocolo

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  29 Abr 2024
• Data do Fascículo
  2024

Histórico

• Recebido
  07 Dez 2023
• Revisado
  24 Fev 2024
• Aceito
  26 Fev 2024