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La protesta docente en la década de 1990: experiencias de organización sindical en la provincia de Buenos Aires

RESENHAS

La protesta docente en la década de 1990: experiencias de organización sindical en la provincia de Buenos Aires

Maurício Estevam Cardoso

Doutorando do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (FAE/UFMG). Mestre em educação por esta mesma instituição. Membro do Grupo de Pesquisa Política e Administração de Sistemas de Ensino (PASE/UFMG)

La protesta docente é uma versão da dissertação de mestrado defendida por Adriana Migliavacca em 2009 na Universidad Nacional de Luján, Argentina. A autora tem uma série de artigos publicados que versam sobre os processos - institucionalizados e não institucionalizados - de organização docente no contexto das reformas do Estado promovidas na América Latina a partir de fins da década de 1980.

A ideia-força que perpassa todo o livro é a de que as análises acerca da organização e mobilização dos docentes centradas em torno da dicotomia sindicato versus Estado são insuficientes para captar a complexidade e a diversidade das ações desses sujeitos históricos. Nesse sentido, a autora mobiliza em suas análises os "docentes autoconvocados" - movimento coletivo de professores e professoras, de caráter autônomo, que se desenvolveu fora das organizações sindicais na Argentina - em suas relações com a Confederación de Trabajadores de la Educación de la República Argentina (CTERA) e com o Estado. Esses atores atuam em um cenário de crise institucional sem precedentes entre representantes e representados. Tal abordagem, não implica, no entanto, em uma afirmação de que os "autoconvocados" tenham se constituído enquanto um movimento antissindical, ao contrário, o que se procura demonstrar é que se estabeleceram processos de interação com o movimento sindical institucionalizado.

Para desenvolver essa ideia a autora estabelece um recorte temporal centrado na década de 1990, especificamente entre os anos 1989-1999, período em que a Argentina, sob os dois mandatos de Carlos Menem, impulsiona um conjunto de políticas que consolidam uma matriz social neoliberal de governo, com sérias implicações para o sistema educacional do país, consubstanciando-se na sanção da Ley de Transferencias de los Servicios Nacionales de Educación Média y Superior no Universitaria (1991) e da Ley Federal de Educación (1993), analisadas no livro.

A constituição do corpus documental se organizou em torno de entrevistas com docentes participantes das experiências dos "docentes autoconvocados", com a utilização de métodos que se aproximam da História Oral, e de análise documental (artigos publicados na imprensa nacional e local, publicações da CTERA, artigos da imprensa partidária e documentos produzidos no marco da própria experiência dos "docentes autoconvocados"). A definição desse corpus documental levou ao estudo de um fenômeno político emergente, portanto de difícil apreensão empírica.

O livro está organizado em três partes e seis capítulos. A primeira parte, com apenas um capítulo, traz uma reflexão teórica acerca dos movimentos sociais e a perspectiva à qual se filia a autora, que considera a pertinência da categoria classe social como marco analítico para se compreender as relações de poder nas quais se enquadram os docentes. Aliada a essa perspectiva é trabalhado o conceito de "estrutura de oportunidades políticas" para analisar as relações entre os "docentes autoconvocados", a CTERA e as autoridades estatais. Para buscar compreender a atuação dos docentes no período delimitado para a pesquisa, a autora incorpora à sua análise a categoria "repertórios de ação coletiva", aproximando dos processos culturais que atuam como mediadores entre as formas de organização e as medidas que se exteriorizam nas reivindicações docentes. Todo esse percurso teórico traçado visa delimitar o fenômeno político dos "docentes autoconvocados" em torno da conceituação de "movimento social". O que possibilita a aproximação desse conceito com o objeto por ela investigado seria a noção de "rede de protesto", caracterizando-se como um conjunto de atributos a partir dos quais os "docentes autoconvocados" estabeleceram projeções organizativas que se aproximaram da constituição de um movimento social.

Na segunda parte do livro, constituída de dois capítulos, é traçado um histórico das ações sindicais na Argentina e das disputas no interior do movimento em torno de uma determinada concepção de sindicalismo, empreendidas a partir do processo de transição democrática. O primeiro capítulo dessa segunda parte aborda a década de 1980, o processo de reorganização da CTERA e os embates em torno de suas concepções sindicais e de suas estratégias de ações. Esse recuo histórico tem por objetivo fundamentar a hipótese de que os significados políticos adotados pelos "docentes autoconvocados" se constituíram sob uma "memória histórica" construída no período de transição democrática dos anos 1980. Além da ofensiva neoliberal em fins da década, ocorre uma significativa crise institucional pela qual atravessavam os sindicatos, sendo, portanto, questionado o próprio modelo de sindicalismo então vigente.

Ainda nessa segunda parte, no capítulo 3, é traçado um panorama da década de 1990, das políticas sociais implementadas sob o governo de Carlos Menem (1989-1999) e as transformações que tais orientações acarretaram no mercado de trabalho a partir da reestruturação produtiva. Nessa perspectiva, a autora tece análises acerca das implicações dessas políticas especificamente sobre o trabalho docente, sob a ótica de flexibilização do trabalho, redundando em processos de precarização e pauperização dos docentes. Frente a esse quadro, Adriana Migliavacca busca nos depoimentos de docentes e na documentação do período as estratégias e ações implementadas pela CTERA para fazer frente a essas políticas. Destaca-se, entre essas estratégias, a de integrar as reivindicações trabalhistas com a construção de propostas pedagógicas, para tanto a Confederação passa a oferecer formação sindical e pedagógica. Uma mudança significativa de perspectiva, que se manifestará também em outros países da região.

A terceira parte do livro é constituída de três capítulos, que abordam especificamente a ação dos "docentes autoconvocados" no chamado "ciclo de protestos" promovido por toda a década de 1990 frente aos processos de reestruturação neoliberal, bem como suas relações com o espaço sindical. Cabe destacar que a partir das entrevistas realizadas é demonstrado que a categoria "autoconvocados" é um termo, apesar de sua origem "externa", reconhecido pelos próprios docentes para designar as experiências de ação coletiva por eles protagonizadas. Ponto central destacado é a consideração de que se em um primeiro momento o movimento adquiriu um caráter local marcado pela lógica da reação ao conflito, em outro tendeu a transformar-se em um projeto sindical alternativo. Para descrever esse percurso são delimitados três períodos: um primeiro no qual relata experiências de "autoconvocatorias" em fins da década de 1980, para fazer frente a um contexto de hiperinflação; um segundo, que se estendeu por um período de dois anos, entre 1991 e 1993, centrado nos processos de resistência à aplicação de lei que estabelecia a transferência dos serviços nacionais de educação média e superior não universitária às jurisdições e, também, frente à Ley Federal de Educación, que apontava os princípios sobre os quais deveria organizar-se o sistema educacional reconfigurado como produto da descentralização administrativa; e, um terceiro momento, entre os anos de 1997 e 1999, transcorrido em um contexto de implementação da Reforma Educativa na Província de Buenos Aires. Nesse último período assiste-se a um refluxo nas ações "autoconvocatorias", que voltam a ser retomadas na crise de 2001, tema tratado no capítulo seguinte.

A grande crise de 2001 surge então como um dos efeitos das políticas adotadas ao longo da década de 1990, resultando na deterioração das condições de vida da população, afetando diretamente os docentes, que passam a engrossar as fileiras do extenso universo da população empobrecida na Argentina. Nesse contexto surge um intenso processo de resistência protagonizado pelos movimentos de "docentes autoconvocados". Esse protagonismo acaba por desencadear um enfrentamento com as lideranças sindicais institucionalizadas, que em vários momentos tenderam a desqualificar as ações empreendidas por vias não institucionalizadas.

No último capítulo o foco é voltado para as perspectivas dos docentes entrevistados acerca da "autoconvocatoria" como fenômeno emergente de organização sindical. Para tanto, são estabelecidos três eixos analíticos: o modelo de sindicalismo democrático, com destaque para a retomada da concepção de um sindicalismo de base, com todas as implicações que tal aspecto acarreta; a questão da representação e delimitação de um espaço de liderança, como ideal de uma verdadeira democracia sindical; e as estratégias políticas para a construção de um projeto de organização sindical alternativo, que em linhas gerais possibilitou a formação de uma matriz coletiva que fortaleceu o debate político na Argentina.

A partir desta breve exposição do conteúdo da obra, serão agora apontadas suas principais conclusões. Inicialmente cabe destacar que a pesquisa em torno dos "docentes autoconvocados" traz à tona o questionamento das práticas políticas hegemônicas, revelando lógicas de ação que ultrapassam as formas tradicionais de protestos. No entanto, em suas conclusões, a autora considera que, apesar desse questionamento, a CTERA continuou como um espaço legítimo em torno do qual gravitaram as ações "autoconvocatorias". Mas em um movimento dialético, a ação dos "autoconvocados" também trouxe transformações nos repertórios de ação institucionalizados através das disputas de formas organizacionais, tensionando com as formas tradicionais, trazendo o redimensionamento de um "sindicalismo de base" e formas horizontalizadas de tomadas de decisões.

As conclusões apontam o limite das formas de ação não institucionalizadas, como as experiências dos "autoconvocados", que estaria no fato de suas demandas e reivindicações não transcenderem a defesa de parâmetros de um modelo de cidadania de caráter liberal, de não questionarem o sistema capitalista em sua essência. Mas essas formas de ação trazem consigo uma plataforma de politização do debate, como um espaço de formação política. Essa perspectiva analítica apresentada está ancorada em sua base teórica, de se conceber a realidade através de seu viés classista. O que nos remete a considerar que suas análises poderiam contemplar também outras dimensões, como por exemplo, a questão de gênero. A complexidade da realidade abarcada não poderia deixar de levar em consideração o papel das mulheres nas ações empreendidas pelos "docentes autoconvocados", visto serem maioria da categoria, e que, portanto, suas constituições identitárias e subjetivas têm um peso significativo em suas ações. A foto estampada na capa do livro, uma produção discursiva de ordem não linguística, nos mostra mulheres, e apenas mulheres, em gestuais de protesto, apresentando um espaço simbólico de criação de sentido próprio.

O viés analítico adotado, a partir da categoria "classe social", se por um lado evidencia as relações de poder entre classes, por outro oblitera as relações de poder no interior do próprio grupo dos "docentes autoconvocados".

A obra, contudo, traz uma contribuição relevante para o campo da análise das formas de organização docente, institucionalizadas ou não, que, apesar de fazer uma abordagem histórica de um período recente da história argentina, com suas particularidades, ilustra bem uma realidade bem próxima à de outros países da região - reforma do Estado, reestruturação produtiva, reordenamento dos sistemas educativos, flexibilização das relações de trabalho, resistências. Em um estilo claro e objetivo - com uma peculiar síntese ao final de cada capítulo - a autora nos apresenta uma análise que em muito pode contribuir para a melhor compreensão da natureza das formas de organização dos docentes, e, por conseguinte, do próprio sindicalismo docente. É uma obra dirigida a pesquisadores que se debruçam sobre o tema, mas também aos professores e professoras que queiram se reconhecer nas lutas como sujeitos de sua própria história.

Texto recebido em 20 de outubro de 2012

Texto aprovado em 05 de novembro de 2012

Fechas de Publicación

  • Publicación en esta colección
    22 Jul 2013
  • Fecha del número
    Jun 2013
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