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A psicopedagogia experimental aplicada a formação de professores

ARTIGOS DE DEMANDA CONTÍNUA

A psicopedagogia experimental aplicada a formação de professores

Lauro Da Silva Becker

Professor Adjunto do Departamento de Métodos e Técnicas da Educação do Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná. Doutor em Ciências da Educação pela Universidade de Paris V - Sorbone

Introdução

O que é psicopedagogia experimental? Como podemos aplicá-la à formação de professores?

O termo psicopedagogia é freqüentemente utilizado nas salas de aula, nas reuniões de professores, nos trabalhos escolares, nas dissertações de mestrado e teses de doutorado, mas a amplitude deste conceito suscita ainda muitas interpretações e delimitações por parte dos estudiosos.

Se o termo psicopedagogia deixa margens quanto ao seu sentido próprio, por outro lado, a palavra experimental não é menos utilizada em situações que necessitam de uma análise conceitual.

A complexidade destes termos se torna ainda mais evidente quando se fala do processo de formação de professores com base nos princípios desta disciplina.

Aqui, não temos a intenção de esgotar o assunto, pois, conscientemente ainda estamos na fase embrionária deste estudo.

Nosso objetivo ê, numa tentativa de interpretação, analisar primeiramente o conceito de psicopedagogia experimental e determinar as suas características no domínio do ensino e da pesquisa. Num segundo tempo, nosso objetivo é mais pretensioso porque, com base na análise dos conceitos previamente estudados, apresentaremos, em linhas gerais, uma pesquisa de psicopedagogia experimental aplicada à formação de professores. Em resumo, este trabalho se apoia em nossa tese de doutoramento em Ciências da Educação.3

1 - Primeira parte. Análise de conceitos.

1.1 - O que é psicopedagogia?

De uma forma muito restrita, ingênua e ousada, podemos dizer que a psicopedagogia é a disciplina que estuda, reorganiza, aplica e interpreta dados da psicologia, em situações pedagógicas. Resta-nos, entretanto saber:

a) que dados da psicologia?

b) que tipo de psicologia: educacional, do desenvolvimento, ou psicologia geral?

c) em que situações pedagógicas?

d) a quem se aplicam estes dados?

e) para que se os aplica?

As respostas a estas questões exigiriam um estudo muito extenso e profundo, e, provavelmente, não satisfariam a todas as indagações particulares. Entretanto, poderíamos, na tentativa de auxílio, dizer que os dados da psicologia se baseiam nos comportamentos dos indivíduos (alunos, professores, orientadores) ou nas relações do professor e dos alunos com o meio, os objetivos, o conteúdo e as técnicas de ensino.

Baseada no comportamento pedagógico, a psicopedagogia se apóia tanto na psicologia educacional, como na psicologia da aprendizagem e na psicologia do desenvolvimento, dependendo dos objetivos de cada situação de estudo. Para determinar o seu campo, domínio e limitação, é necessário adiantarmos o estudo dos conceitos. Segundo Antoine Leon (1971) "a psicopedagogia dificilmente se fecha numa fórmula simples, unilateral". Para este mesmo autor, a psicopedagogia tem como objetivo uma rede de relações entre o professor, alunos, grupos, objetivos, conteúdo, técnicas, situações de ensino e aprendizagem.

Paul Foulquié (1971) ressalta que:

a psicopedagogia ou psicologia pedagógica é o estudo das relações entre aptidões ou disposições psicológicas da criança e a atividade pedagógica para determinar:

1 as condições psicológicas do sucesso no domínio pedagógico ou escolar;

2 a transformação do psiquismo pela ação pedagógica". (6:390)

Este autor nos permite interpretar o conceito de psicopedagogia dentro das relações entre os aspectos psicológicos (internos) e o comportamento (externo) dos indivíduos ou do grupo. Assim, um comportamento pedagógico não pode ser analisado sem o apoio ou fundamentação psicológica.

Robert Lafon (1973) vai mais longe e considera a psicopedagogia médico-social como

uma síntese simplificada dos múltiplos conhecimentos psicológicos, médicos, sociológicos, jurídicos e criminológicos nos seus aspectos dinâmicos, aplicados à totalidade bio-psico-social que constitui todo o ser humano.

(9:701)

Na sala de aula, os indivíduos, como seres humanos únicos, apresentam comportamentos cujas causas ultrapassam os conhecimentos dos professores, mas ignorá-los, simplesmente, não seria uma boa solução. Em cada comportamento existe uma gama de fatores que interfere positiva ou negativamente no processo de ensino. É daí que surgem as pesquisas em psicopedagogia.

1.2 O que é psicologia experimental?

O termo experimental delimita o campo de estudo da psicopedagogia. A principio, vale ressaltar que não existe psicopedagogia experimental sem pesquisa experimental. Em outras palavras, toda atividade psicopedagógica (experimental) se fundamenta nos princípios teóricos e práticos da pesquisa experimental.

Se a psicopedagogia oferece uma abertura muito ampla aos pedagogos e psicólogos, a psicopedagogia experimental, por sua vez, apresenta características peculiares. Assim, o termo experimental supõe também as suas limitações.

1 - Fala-se de experiências quando estudamos ou relatamos atividades pedagógicas (as experiências de um velho professor). Neste caso, experiência é sinônimo de vivência, de ocorrências, etc...

2 - No segundo caso, a experiência é mais científica porque organiza um processo de estudo que controla o ato ou os comportamentos de indivíduos em situações psicopedagógicas. Neste caso, a experiência se relaciona com ensaio, ação controlada, observação e sistematização. Abandonamos aqui o primeiro enfoque (experiência como vivência) e cuidaremos apenas do segundo, porque é neste tipo de experiência que a psicopedagogia experimental se apóia.

A psicopedagogia experimental é baseada em fundamentos rigorosos que a caracterizam. Assim, toda atividade experimental se organiza em torno de cinco aspectos básicos:

1 - A existência de um problema claramente definido e delimitado.

2 - A formulação de hipótese ou de hipóteses que sustentam a verificação (operacional) dos comportamentos a observar.

3 - A observação e controle das ocorrências no processo de experimentação.

4 - O registro destas ocorrências.

5 - A análise e interpretação das ocorrências codificadas.

Estes aspectos nos permitem afirmar que toda pesquisa psicopedagógica experimental se caracteriza pela existência e controle da ou das variáveis independentes provocadas em função da variável dependente.

As variáveis provocadas são dinâmicas porque promovem modificação no comportamento dos indivíduos ou dos grupos. A introdução de uma técnica de ensino para modificar o comportamento dos alunos é um exemplo de variável provocada. Se a variável provocada ê dinâmica, a variável invocada ê passiva. Uma variável ê invocada (passiva) quando ela existe (sexo, idade, cor, altura, peso, condições sócio-econômicas, nível de escolaridade, etc...) no processo, mas que não foi aí inserida com a intenção de provocar certas alterações no processo experimental. Neste caso, toda experiência (ação) é revestida de uma ou de um conjunto de variáveis provocadas.

Se a psicopedagogia experimental apresenta alguns inconvenientes (limitada a determinados sujeitos e situações, exigindo um acompanhamento e controle rigorosos das variáveis experimentais e parasitas), por outro lado, ela se apóia na evidência comportamental claramente registrada no decorrer das experiências. Baseada no propósito de buscar, registrar e interpretar aquilo que ela se propôs verificar, a psicopedagogia experimental não parte de suposições generalizadas (eu acho que...), mas de um corpo preciso de critérios que determine o grau ou categoria de cada comportamento que se pretende estudar. De outra parte, a psicopedagogia experimental (sozinha) é insuficiente. Qualquer trabalho desta natureza deve se amparar na psicologia, na pedagogia, na estatística, na dialética, na docimologia, etc.

Os defensores da pedagogia criativa, humanística e liberal condenam a priori a pedagogia experimentai pele fato de ser fechada, baseada em controle, em números, em tábuas de resultados, em hipóteses operacionalizadas, em grupos testemunhas, etc. Tais declarações são ingênuas porque:

1 - Nenhuma experiência psicopedagógica se fecha em si mesma.

2 - Sem a interpretação, reflexão e julgamento, não podemos realizar um trabalho experimental. Os números, apesar de estabelecerem um critério quantitativo, não apresentam valor algum, se não forem interpretados à luz de uma reflexão crítica, humana.

Pecado maior é se falar de Ciências da Educação com base em suposições exclusivamente subjetivas, por vezes incoerentes, ocas e desprovidas de qualquer confiança científica. É muito fácil declararmo-nos bons professores e pesquisadores, tomando-se como único critério a nossa opinião pessoal. Talvez uma pesquisa experimental, bem organizada, bem sistematizada pudesse nos ajudar a descobrir aspectos que não gostaríamos que fossem constatados. Na realidade, nos tememos conhecer a verdade sobre nós mesmos, e, o controle criterioso de nossas atividades, pode nos expor a situações indesejáveis, mas úteis ao nosso conhecimento. Porcher (1974) diz que não são poucos os professores que se utilizam do "flair pedagogique" 16 e, por outro lado, dizem trabalhar no domínio das ciências da educação. Vale ressaltar que não são as experiências, os números, as hipóteses operacionalmente formuladas, as variáveis controladas e nem as tábuas estatísticas que caracterizam a educação como ciência, mas é preciso se admitir também que estes meios podem nos auxiliar, ao lado de outros aspectos, a realizar um trabalho mais coerente, mais preciso, mais próximo de uma realidade científica. A psicopedagogia experimental se apóia e promove a interdisciplinaridade. Assim, ela proclama um trabalho de equipe (médicos, psicólogos, pedagogos, estatísticos, etc.) para constituir um corpo mais coeso frente a um problema educativo.

Os preconceitos citados por aqueles que desconhecem este tipo de trabalho não são poucos. Muitos afirmam que a pesquisa experimental utiliza-se de cobaias para testar ou comparar diferentes tipos de ensino. O mandamento nº. 1 da psicopedagogia experimental condena veementemente este tipo de procedimento. Experimentar pedagogicamente não significa tratar os indivíduos como ratos encarcerados e controlados sob o efeito de um tratamento. Significa, sim, dar uma atenção especial, controlada, humana, aos comportamentos de cada um dentro de um processo rigoroso de estudos. Assim, a psicopedagogia experimental se baseia não na inovação, no sentido restrito do termo, mas na busca de métodos, procedimentos e técnicas que facilitem, concretizem e melhorem o trabalho educativo.

Você já pensou, por exemplo, em descobrir um método mais eficiente para o estudo da aquisição da linguagem, da correção ortográfica, da análise de comportamentos dos professores e dos alunos? É daí que pode surgir um problema de pesquisa fundada nas características da psicopedagogia experimental.

Entretanto é preciso que o pesquisador em psicopedagogia experimental conheça os princípios teóricos que orientam o seu trabalho. É um erro muito grave e perigoso empreendermos uma pesquisa experimental sem conhecermos a fundo os princípios teóricos que a orientam. Jean Simon (1972) resume estes princípios em cinco pontos básicos:

1 - "

A pedagogia experimental é independente dos fins visados pela pedagogia

". (19:27)

Neste caso, o autor salienta que a pedagogia experimental, apesar de ser independente dos fins da pedagogia, procura estudar as razoes pelas quais estes fins foram ou não atingidos. Preocupada em estudar o que ocorre e não com o que poderia ter sido feito, este tipo de pesquisa propõe à pedagogia, decisões que poderão ser tomadas, mas durante o seu processo, ela se volta para o estudo do real, sem coração, sem sentimentos.

2 - "

A pedagogia experimental opera no domínio do mensurável

" (19:28)

Para controlar as variáveis independentes, a pesquisa experimental busca apoio na estatística que pode lhe indicar o nível de significância desta variável em função da variável dependente.

3 - "

Corolário: operando no domínio do mensurável, a pedagogia experimental se preocupa do rendimento

" (19:34)

Neste caso, apoiada numa variável independente provocada, a pesquisa experimental verifica o progresso e o produto face aos efeitos da variável experimento. Assim, se após a realização de um certo experimento (aplicação de um método pedagógico, por exemplo) os indivíduos apresentarem o mesmo comportamento (invariância) inicial (pré-teste), significa que a variável provocada método de ensino não produziu nenhum efeito sobre a variável comportamento. Por outro lado, a modificação deste comportamento (variância) pode ser atribuída aos efeitos da variável comportamento.

4 - "

A pedagogia experimental não tem somente por objeto o controle, mas a melhoria das técnicas, dos programas, dos métodos pedagógicos

". (19:36)

Se a pedagogia experimental é independente dos fins visados pela pedagogia, por outro lado, ela oferece alternativas que possibilitam melhores meios para o atingimento destes fins.

Binet e Belot, citados por Jean Simon (op. cit.), realizaram uma pesquisa sobre o efeito da soletração nos resultados da ortografia. A pedagogia moderna, por exemplo, condena este ripo de método (soletração), entretanto é bom saber que os alunos que soletram (ca-der-no) têm mais facilidade de escrever corretamente esta palavra.

Em cálculo, por exemplo, foi constatado que os alunos que raciocinam em voz alta compreendem melhor que aqueles que pensam em silêncio. Não apresentamos aqui uma receita, mas uma hipótese que poderá ser testada pelos professores de matemática.

Nós tentamos, nas páginas precedentes, conceituar e apresentar as limitações e vantagens da psicopedagogia experimental no domínio do ensino e da pesquisa. Ressaltamos que esta disciplina, por apresentar características próprias, é na maioria das vezes, desprezada pelos educadores justamento pelo fato de trabalhar com elementos precisos e operacionais, na busca de resultados que facilitam a compreensão de fatores que são quotidianos na vida pedagógica. Entretanto, vale assinalar que qualquer atividade neste domínio exige um grau elevado de compreensão e maturidade, e, improvisações apressadas podem não somente gerar ilusões falsas, como, por outro lado, provocar distúrbios gravíssimos na relação educador-educando. Apoiada em outras disciplinas, enfatizamos que a psicopedagogia experimental é um instrumento valiosíssimo que se funda no real e busca verdades que são independentes de nosso querer pessoal. Trabalhando em três grandes setores de interação (o aluno e o conhecimento, o aluno e os métodos, e aluno e os mestres) esta disciplina tem por único objeto o aperfeiçoamento da pedagogia a fim de que ela seja mais adaptada aos educandos.

II - Segunda parte: A formação de professores apoiada na psicopedagogia experimental.

Nós vimos nas páginas precedentes que a psicopedagogia experimental é uma disciplina dinâmica que provoca modificações dentro de um processo e que busca dados que são analisados à luz de um conjunto de critérios operacionalizados em função das hipóteses que orientam estes dispositivos. É dentro deste processo de modificação e de buscas constantes de melhores alternativas para o ensino que a formação de professores se apóia e se propaga. Não podemos negar que as características de um bom professor são inerentes à pessoa e que o dom é a principal alavanca que impulsiona este indivíduo a ser um profissional mais ajustado ao seu ensino e à aprendizagem dos alunos. Entretanto, seria o dom a única variável que distingue o bom professor (dotado de características vocacionais) daquele que se esforça, mas é carente desta forma intrínseca?

No processo de formação de professores podemos considerar uma trilogia constituída pelos fatores: saber, saber-ser e saber-fazer. Neste caso, o dom não é a única força. Questionar, negar, criticar, afirmar, modificar-se e modificar a própria modificação são aspectos indispensáveis à formação docente. Para isto, três outros fatores interferem no saber, no saber-ser e no saber-fazer: a pessoa (indivíduo), a formação (processo) e a profissionalização (produto da formação) criam no interior deste processo dialético um clima dinâmico que não se justifica se não se apóia na busca da própria modificação progressiva, contínua, constestadora, ajustadora. É daí que surge o grande casamento entre a psicopedagogia experimental e a formação docente. Formar não é fornecer receitas prontas, nem dar regras fechadas, nem curar pela pílula milagrosa, nem tornar dóceis os indivíduos revoltados. Não é criar um clima divino na alma dos que enfrentam meios adequados a cada situação particular de ensino. Não é encontrar respostas a todos os problemas, mas sim a luta para descobrir os problemas que afetam a busca de melhores respostas. Para Lhotellier (1974) a

formação é um processo de pesquisa de fundamentação, de forma, de verificação que se desenvolve pela interrogação, negação e afirmação de problemas pessoais, situacionais e relacionais. Portanto, a formação é a unidade ativa da experiência, do treinamento e da práxis.

(15:53)

É dentro deste conceito que nós encaramos a formação de mestres no processo de pesquisa em psicopedagogia experimental. Questionar, negar, afirmar, considerando-se o indivíduo, a situação e as suas relações com a profissão, significa criar conflitos e contradições que geram modificações contínuas em busca de respostas mais apropriadas à situação de ensino. Nesta investigação constante de modificações e adaptações, o formando não pode ser a cópia do formador, nem a reprodução de modelos de professores experientes.

A formação é uma obra aberta e não um sistema fechado, não é a imposição do saber unilateral (do formador para o formando) que pretende reproduzir estereótipos em diferentes personalidades. Como processo aberto, a formação vai de encontro à critica, à descoberta continua, à adaptação. Neste processo de modificação e de adaptação, o formando promove o seu "devenir " (vir a ser) face às suas dificuldades e potencialidades. Desta forma, o dialogo é a base central do ato pedagógico e o ensino não pode ser definido pela transmissão do conhecimento, mas pelo intercâmbio de experiências entre os sujeitos do processo. Assim, toda ação pedagógica é uma ação dialogada aberta sem que uns (os mestres) sejam os promotores ou agentes da comunicação e os últimos (os alunos) sejam simples pacientes ou cobaias.

A prática pedagógica - a maneira de ensinar - constitui o eixo central de nossa pesquisa. Nós admitimos a priori que o treinamento em situações reais de ensino facilita esta relação dialógica entre os professores e os alunos. Por outro lado, duvidamos que a observação e a imitação de professores experientes sejam meios adequados ã formação de estagiários (alunos-mestres da universidade) porque, apesar de experientes, os professores em exercício, são, na maioria das vezes, diretivos, autocráticos, impondo a sua maneira de ensinar de forma unilateral. Se for verdade o nosso pressuposto, vale à pena questionar a validade do estagio (por parte dos alunos-mestres) junto a professores que são tão deficientes quanto aqueles que se lançam pela primeira vez numa sala de aula. Do ponto de vista lógico, nosso pressuposto pode ser refutado. Em outras palavras, é muito perigoso se afirmar que professores experientes não ensinam de maneira diferente dos que praticara o ensino pela primeira vez. Definimos aqui a maneira de ensinar como os procedimentos de ensino que são utilizados para facilitar a relação professor-aluno e por conseqüência a organização da aula de forma dialogada, dinâmica e democrática. Deste pressuposto, as questões fundamentais que orientam, nossa investigação experimental são as seguintes:

1 - O que se passa na sala de aula? Como ensinam os professores?

2 - Se contestamos a diferença entre a maneira de ensinar dos mestres experientes em relação à maneira de ensinar de alunos-mestres (estagiários-debutantes), então perguntamos

- Eles ensinam da mesma maneira? Eles se distinguem? Como?

3 - Alunos-mestres em estágio de prática de ensino, seguindo, um treinamento crítico (sistema de intercâmbio de experiências) ensinam de maneira diferente daqueles que seguem um processo tradicional de formação (com base na observação e imitação de professores experientes)?

4 - Alunos-mestres (estagiários reunidos com professores experientes, seguindo um processo de treinamento prático de ensino, ensinam de maneira diferente de alunos-mestres e professores que seguem o mesmo processo de formação, porém constituindo dois grupos isolados (grupo de estagiários de um lado, e, grupo de professores experientes de outro)?

Estes problemas surgiram de uma hipótese de Antonie Prost, citado por Antonie Leon, que afirmou:

fica bem claro que na França, nenhuma diferença significativa no comportamento do professor face aos alunos, distingue os professores "agregés" que não receberam nenhuma formação, dos professores "certifiés" que receberam uma formação, e mesmo numerosos professores de colégio do primeiro grau, cuja formação é sensivelmente diferente. De onde nos parece resultar que se pode formar professores não importa como, sem que isto modifique a sua maneira de ensinar.

(12:5)

A hipótese acima, coloca em questão a formação pedagógica como um agente modificador do comportamento didático do professor.

Para os setores ou faculdades de Educação (Escolas Normais Superiores, na França) tal afirmação coloca a formação pedagógica numa situação sensivelmente critica. Para que formar professores se esta formação não interfere significativamente no comportamento docente? Perde-se tempo e desperdiçam-se os recursos aplicados. A questão é, sem duvida, bastante pessimista. Poderíamos, neste caso, fecharmos as portas da formação pedagógica que nada iria interferir no desempenho docente. Particularmente, nós temos duas posições face à questão:

1 - Não é a experiência profissional que distingue a maneira de ensinar dos professores com ou sem formação, pelos pontos já analisados nas linhas precedentes.

2 - A maneira de ensinar depende do tipo de formação recebida. No caso de Prost, colocamos em questão, o tipo de formação recebida por aqueles professores.

Entretanto, nossas afirmações não passam de suposições ou de opiniões que, até o presente momento, não merecem crédito científico. Para se constatar a validade ou não destas afirmações generalizadas, nada melhor do que testá-las à luz de uma pesquisa experimental.

Na busca de respostas aos problemas formulados anteriormente, nossa pesquisa selecionou dois grupos de amostras:

1 - Um grupo de professores com formação pedagógica e experiência profissional de ensino.

2 - Um grupo de alunos-mestres (estagiários matriculados na disciplina Prática de Ensino de Português) em processo de formação, mas nenhuma experiência profissional de ensino)

Selecionamos professores de Língua Nacional (formados em Letras) e formandos do Curso de Letras (estagiários) para organizarmos o dispositivo experimental. A preferênciapor esta área de ensino se deve a nossa especialização e ramo de trabalho profissional.

Estes grupos foram subdivididos em grupos menores (de um lado, professores reunidos com estagiários e de outro lado, estagiários e professores formando independentemente dois grupos isolados). Para ambos os casos, organizamos tambémos grupos de controle. O quadro da página seguinte mostra mais claramente a organização dos grupos e a seleção das variáveis:

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O pré-teste, o pós-teste intermediário e pós-teste final constaram de uma aula de 20 minutos, ministrada a alunos de 5ª e 6ª séries do primeiro grau. Estas aulas foram observadas e registradas em fitas-cassetes para a codificação dos comportamentos em categorias, de acordo com os instrumentos das três técnicas de ensino, utilizadas durante o treinamento:

- análise da interação verbal, segundo Flanders.

- micro-ensino.

- características pessoais dos professores segundo Ryans.

Os grupos experimentais passaram por duas fases do treinamento:

- (X1) - Treinamento crítico em cada técnica mencionada.

- (X2) - Treinamento integrado nas três técnicas simultaneamente.

Três variáveis independentes foram controladas:

1 - Variável (invocada) experiência profissional (relação entre o desempenho de professores experientes (grupo experimental e de controle) e o desempenho de estagiários, sem experiência de ensino.

2 - Variável (provocada) reunião ou integração de professores experientes e estagiários sem experiência e vice-versa, dentro do processo de treinamento.

3 - Variável (provocada) treinamento face às técnicas: análise de interação verbal (relação entre influência direta e indireta do professor, e, relação entre discurso do aluno); técnicas do micro-ensino (habilidades de organizar contexto, ilustrar com exemplos, formular perguntas e concluir com fechamento) e Técnica da análise das características do professor (relação entre comportamento eficaz e comportamento ineficaz).

No caso dos grupos de controle, os professores experientes não receberam nenhum treinamento, exatamente para se verificar o efeito desta variável sobre aqueles do grupo experimental. No que concerne aos estagiários do grupo de controle, a formação não se baseou no modelo experimental e se apoiou na formação tradicional * (observação e imitação de professores em exercício).

O curso de treinamento (grupos experimentais) foi realizado no Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná (de fevereiro a julho de 1979) e os sujeitos foram extraídos da seguinte população:

1 - Todos os alunos-mestres (dez) matriculados na disciplina Prática de Ensino de Português.

2 - 10 professores matriculados no Curso de Extensão Universitária em Métodos e Técnicas de Ensino e Observação da Classe.

A amostra (grupo experimental e de controle) totalizou 40 sujeitos.

No que concerne ao tratamento experimental, o treinamento se processou de forma dinâmica, crítica, progressiva e retrospectiva (realimentação contínua), conforme caracterizamos nas páginas precedentes.

Foram eliminadas todas as variáveis parasitas possíveis e todas as formas de simulação pedagógica. As aulas (do treinamento e dos testes) foram consideradas de forma real (na comunidade), para se evitar o fenômeno denonimado "aluno-fantasma". Vale ressaltar também que os grupos experimentais se submeteram a dois tipos de treinamento: desempenho de ensino e observação da classe.

Embora tenhamos levantado o problema da democracia, da abertura crítica, do hétero e auto-controle, as técnicas utilizadas nos premitiram, por meio dos seus intrumentos, estabelecer critérios rigorosos (matriz de análise de interação verbal de Flanders, por exemplo) para se assegurar a validade do experimento. Estes critérios foram operacionalizadas e subdivididos em níveis detalhados de codificação. A este respeito, H.L. GAGE, citado por Postic (1977) diz que

uma solução no quadro da abordagem de critérios de eficácia pode ser o desenvolvimento da nação de micro-eficácia. Antes que buscar critérios de eficácia global para os professores, nas facetas numerosas e variadas de seus papéis, nós poderemos ter um melhor sucesso com os critérios mais limitados da eficácia, aspectos especificamente definidos dos papéis

. (17:40)

Acabamos de relatar, aqui, um processo pouco detalhado de uma pesquisa experimental aplicada à formação de professores. Os resultados apresentados abaixo respondem parcialmente às questões colocadas anteriormente. É preciso, porém, adiantarmos que os dados foram tratados estatisticamente segundo as técnicas de Fisher e U de Mann e Whitney.

O pré-teste ou teste inicial constatou que os 20 professores em exercício profissional (com formação pedagógica) pertencem a mesma população parente que os estagiários ou alunos-mestres (sem formação completa e sem experiência profissional) . Em outras palavras, os professores experientes não se distinguem dos alunos-mestres no que concerne a sua maneira de ensinar. Esta constatação confirmou, por surpresa nossa, a hipótese de A. Prost. Durante o pré-teste, em nosso caso, podemos confirmar que os dois grupos de estagiários (grupo experimental e grupo de controle) e os dois grupos de professores (experimental e controle) ensinaram da mesma maneira. Ambos foram diretivos, dominaram a comunicação em classe e apresentaram um ensino muito defeituoso face aos critérios de avaliação das três técnicas utilizadas no experimento.

O pós-teste intermediário estudou a interferência do treinamento. (1) - utilização independente das três técnicas - cujas conclusões podem ser assim resumidas:

1 - Os estagiários e os professores modificaram progressivamente os seus comportamentos em relação às três técnicas utilizadas. Em resumo, eles aperfeiçoaram sua maneira de ensinar face à relação influência direta ou indireta. Da mesma forma, eles se modificaram significativamente em relação às habilidade de ensino e aos traços pessoais dos professores. Portanto, a variável treinamento pedagógico (1) produziu efeito sobre os estagiários e os professores dos grupos experimentais, contrariando, neste caso, a hipótese de Prost, que afirmou que a formação nada interfere nos comportamentos pedagógicos do mestre.

2 - Os estagiários e os professores dos grupos experimentais não se distinguem, mais uma vez (eles já não se distinguiram durante o pré-teste), no que concerne a sua maneira de ensinar. Eles atingiram o mesmo progresso dentro do curso de treinamento. Portanto, a experiência pedagógica dos professores (experientes) não produziu nenhum efeito sobre a sua maneira de ensinar.

3 - A maneira de ensinar dos estagiários e dos professores dos grupos experimentais foi nitidamente diferente daquela dos estagiários e dos professores dos grupos de controle. Em síntese, os não-treinados foram mais diretivos, dificultaram a comunicação em classe com os alunos e não precisaram, não organizaram e nem sistematizaram os seus comportamentos como fizeram aqueles que se submeteram ao treinamento. Esta constatação coloca em questão, de um lado, a formação tradicional dos estagiários do grupo de controle (centrada na observação e imitação de professores experientes), e, de outro lado, a experiência dos professores (experientes).

4 - A variável reunião ou integração dos estagiários com os professores experimentais e vice-versa (grupos experimentais) não produziu nenhum efeito em relação a sua maneira de ensinar. Portanto, que eles estejam reunidos ou isolados, os alunos-mestres e os professores, com experiência profissional, não se distinguem entre si.

5 - Os estagiários e os professores dos grupos experimentais reagiram contra a modificação de seus comportamentos face à comunicação ou diálogo com seus alunos. Porém, estes mesmos alunos-mestres e professores se modificaram significativamente em relação a eles próprios (influência direta ou indireta, habilidades de ensino e traços pessoais dos professores), mas foram resistentes à divisão da comunicação em classe com os seus alunos.

Os resultados do pós-teste (2) ou pós-teste final acusaram a interferência do treinamento pedagógico (1) e (2) completo. Com efeito, estes resultados (segundo os testes de Fisher e U. de Mann e Whitney) foram nitidamente melhores que aqueles do pós-teste (1), o que assegura que a prática pedagógica contínua aperfeiçoa progressivamente a maneira de ensinar daqueles que treinam, e, que a performance cesses comportamentos não é absolutamente reduzida a um grau optimal final absoluto. Em resumo, quanto mais se treina ou se pratica a aula, mais aperfeiçoada será a maneira de ensinar. O pós-teste final, por exemplo, constatou que os estagiários e os professores dos grupos experimentais (que reagiram, durante o pós-teste (1), contra a sua modificação comportamental face à divisão da comunicação em classe com seus alunos), modificaram nitidamente seus comportamentos durante esta ultima experiência.

Conclusão:

Pobres Ciências da Educação! Enquanto as outras áreas do conhecimento humano deram um salto no tempo e no espaço, a área educacional está engatinhando, tímida, pálida, na retaguarda do progresso científico e tecnológico. Quanto mais este progresso se acelera, mais distantes estamos ficando, no sentido de auxiliar o homem a um ajustamento mais adequado às suas dificuldades e necessidades. Na sala de aula, por exemplo, o professor ainda é apenas o transmissor de um saber, por vezes já defasado e embolorado. Se a escola de ontem foi propícia àquele tempo, hoje, ela necessita de adaptações imediatas de acordo com as exigências de nossa forma de vida, de novas maneiras de vencer os obstáculos de uma geração em constantes mutações e transformações. Assim, o professor, que na Era Colonial representava o Deus, o Rei e o Sábio, hoje, precisa criar situações ajustadas de ensino a alunos muito mais exigentes e mais carentes de nossa compreensão e apoio. A pesquisa é, sem duvida, o grande suporte deste ajustamento. É preciso que o nosso conhecimento ultrapasse os muros da compreensão teórica para nos sentirmos engajados num processo de pesquisa que requer muito fôlego, criatividade, coragem e discernimento. A primeira iniciativa do pesquisador em psicopedagogia experimental é questionar, é saber interrogar o seu trabalho de forma crítica sem aceitar verdades rotuladas por formulas exclusivamente teóricas. O segundo passo é saber eliminar os preconceitos supérfluos que fecham O nosso poder crítico dentro de uma contestação irredutível, tradicional, herdada de suposições liricamente subjetivas. Ninguém conhece a verdade sem questioná-la, sem verificá-la, sem interpretá-la criticamente. Eis aí o alicerce em que se apóia a psicopedagogia experimental. A segunda parte deste trabalho apresentou, em linhas gerais, o dispositivo de uma pesquisa experimental voltada para a formação de professores. É claro que o leitor não teve a oportunidade de controlar as subvariáveis, como nós tivemos, de cada ato pedagógico. A direção do olhar, a aproximação do aluno, a pausa, os gestos, não apareceram aqui neste trabalho, mas eles constituíram objeto de estudo desta pesquisa.

Temos certeza de que os professores experientes não vão nos perdoar, mas somos obrigados a confirmar que a sua maneira de ensinar, com exeções, deixa muito ainda a desejar para servir de modelo aqueles que iniciaram a prática educativa. Desta forma, é muito cômodo ao formador, aguardar um relatório (por vezes falso) de estágio dos alunos-mestres, sem acompanhá-los, auxiliá-los e avaliá-los. Porém, esta atitude não ê absolutamente correta. Por outro lado, praticar o ensino não significa simular situações educativas com alunos-fantasmas (aluno-mestre ensinando a alunos-mestres), isto é o mesmo que ensinar a nadar onde não há água. Praticar o ensino, do nosso ponto de vista, é trocar experiências reais em sala de aula, e solicitar a opinião do aluno para facilitar a sua aprendizagem, é criticar, é analisar a ação por meio de critérios de controle, enfim ê educar e educar-se mutuamente. O resto é comodismo, passatempo, folclore.

* É preciso se ressaltar que esta situação não foi preparada ou organizada para ser comparada ao grupo experimental. Em se tratando de alunos de outro setor de educação, apenas nos limitamos a aplicar testes, sem nenhuma interferência no seu modelo de formação.

  • 1 - ALLEN, D £ RYAN, L. Le micro-enseignement. Une métode rationnelle de formation des enseignants Paris, Dunod, 1972, 158 p.
  • 2 - BECKER, Lauro da Silva. As interferências do Micro-Ensino associado à técnica de Flanders no comportamento interativo do professor-aluno Curitiba, dissertação de mestrado em educação, Universidade Federal do Paraná, 1977, 181 p.
  • 3
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Mar 2015
  • Data do Fascículo
    Dez 1981
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