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Curso de Magistério: vítima da dispersão e descontinuidade

ARTIGOS DE DEMANDA CONTÍNUA

Curso de Magistério: vítima da dispersão e descontinuidade* * Este artigo é uma síntese parcial da pesquisa "Análise da Implantação da Proposta Curricular do Curso de Magistério da Secretaria de Estado da Educação do Paraná, no período de 1990 a 1994", realizado pelas autoras nos anos de 1993 a 1995.

Andréa Caldas Nunes; Rose Meri Trojan; Taís Moura Tavares

Professoras do Departamento de Planejamento e Administração Escolar do Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná

A partir do final da década de 70, inúmeras pesquisas apontaram a desqualificação docente como um dos fatores fundamentais da queda da qualidade de ensino e da exclusão da criança da escola, obstaculizando a democratização da educação básica.

As denúncias de que a formação inadequada dos professores constituía-se em instrumento de privatização do conhecimento se fez acompanhar por pressões por parte dos setores progressistas da sociedade para que o Estado incorporasse no conjunto das políticas educacionais a preocupação com a qualificação dos professores.

Acompanhando o movimento de democratização da sociedade, fruto da capacidade organizativa da sociedade civil, intensificada a partir dos anos 80, importantes avanços se fizeram refletir na educação. Fruto deste momento, a reforma curricular do curso de Magistério na Rede Estadual de Educação do Paraná, traz em seu bojo as contradições que marcaram o período. Portanto, analisar o processo de implantação desta proposta implica reter as determinações conjunturais e estruturais na relação Estado e Educação, buscando compreender e detectar em que medida a adoção do novo currículo tem feito avançar a qualidade do ensino público, através do exame das condições em que esta implantação vem ocorrendo e em que proporção isto tem afetado o trabalho da escola.

A partir de tais pressupostos, e entendendo ser o acompanhamento e a avaliação das políticas públicas de ensino instrumentos valiosos no processo de organização e pressão da sociedade por mais e melhor escolarização, priorizamos em nossa pesquisa a análise dos sujeitos envolvidos no processo (professores e alunos) a respeito das condições de efetivação da proposta curricular do curso de formação de professores. (Foram consultados através de questionários e/ou entrevistas alunos e professores da quase totalidade de escolas que implantaram o novo currículo, bem como as equipes de ensino dos Núcleos Regionais de Educação).

A elaboração da proposta

Buscando responder às demandas por um ensino de melhor qualidade, na década de 80, vários projetos de reestruturação da habilitação Magistério foram realizados.

Em 1986, a antiga Secretaria de Ensino de 1.º e 2.º Graus do Ministério da Educação, em convênio com o Centro de Aperfeiçoamento de Pessoal para a Formação Profissional (CENAFOR), deu início ao Projeto "Habilitação ao Magistério: Implantação de Nova Organização Curricular", cujo objetivo era elaborar e implantar um novo currículo para a habilitação ao Magistério, juntamente com as Secretarias Estaduais de Educação, no entanto, em novembro daquele mesmo ano, as atividades do CENAFOR foram interrompidas.

Em 1987, houve a retomada do projeto, através de um convênio com a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, passando a se denominar "Revisão Curricular da Habilitação de Magistério: Núcleo Comum de Disciplinas Profissionalizantes - subsídio para a organização curricular dos cursos de Magistério e para o desenvolvimento teórico-metodológico das disciplinas do Núcleo Comum e da Habilitação Profissional para o Magistério". A conclusão deste trabalho deu-se em setembro de 1988, tendo sido divulgado e debatido nacionalmente a partir de então.

No Paraná, esse processo de discussão sobre a formação do professor do nível de 2.º grau teve início em 1983, tendo sido desencadeado um programa referente à reorganização do ensino de 2.º grau, realizado através de encontros e seminários em todas as regiões do Estado, nos quais foi indicada a necessidade de um tratamento particularizado à habilitação Magistério.

Em 1984, inicia-se então o "Projeto Magistério em Nova Dimensão", do qual resultou uma Proposta Curricular implantada em 1986. Em 1987, ocorre a adequação do currículo ao Parecer 785/86-CFE, alterando a nomenclatura das matérias do Núcleo Comum e incluindo a disciplina de OSPB na 3.ª série.

Em 1987, com a mudança de governo (e manutenção do mesmo partido) o Departamento de Ensino de 2.º Grau propõe a avaliação da proposta curricular do Magistério, buscando incorporar as discussões realizadas a nível nacional. Os grupos de trabalho e a Comissão de Avaliação composta pelo DESG/SEED, professores consultores e Pólos de Magistério, realizaram o projeto através de entrevistas, observações, questionários e promoção de seminários, cujos resultados subsidiaram a elaboração de propostas preliminares por parte dos consultores, que foram debatidas em encontros com professores do curso de Magistério. Concluída esta etapa, ocorreu a avaliação da situação dos recursos humanos, físicos e materiais, existentes nos 254 estabelecimentos que ofereciam a referida habilitação.

Tendo como objetivo expresso "garantir ao futuro professor a consciência da realidade da escola pública na atualidade brasileira, a fundamentação teórica necessária para a compreensão dessa realidade e a instrumentalização para a intervenção e transformação", o curso de Magistério ficou estruturado com quatro anos de duração, com carga horária total de 4.104 horas no diurno e 3.572 horas no noturno, normatizado pela Deliberação 02/90-CEE, que aprovou as diretrizes curriculares experimentalmente.

O processo de implantação iniciou-se em 1990, em caráter facultativo para as redes estadual e privada, ocorrendo em 28 estabelecimentos de ensino. Em 1991, em caráter obrigatório, nos demais estabelecimentos, num total de 290 aproximadamente.

O conteúdo geral da proposta abrigou, ainda que de forma eclética, os avanços das discussões pedagógicas com preponderância das concepções progressistas ou "liberais-radicais" (como no caso de revitalização de propostas da Escola Nova). De fato, a partir dos anos 80, os governos oposicionistas ao regime militar, não obstante o seu caráter liberal, tendem a incorporar propostas dos setores populares, seja como mecanismo de legitimação, seja através de ações de intelectuais progressistas que passam a compor os aparelhos de governo. Aliás, é preponderante a função exercida por estes intelectuais, ligados ou não aos movimentos sociais, organizados, através de pressão e influência nas diretrizes educacionais. No entanto, o caráter em geral inorgânico destas ações fez com que o Estado (em sentido estrito) exercesse um papel catalisador das propostas e reivindicações populares.

Implantação do currículo

Apesar da nova proposta curricular ter sido adotada oficialmente pelo "Estado" e mesmo não tendo ocorrido mudança de partido na sucessão governamental, o que se pode constatar através da referida pesquisa é que o processo de implantação foi desigual e fragmentado, não tendo sido garantidas as condições necessárias à sua efetiva implantação. Senão vejamos: tomando como ponto de partida a proposta elaborada, entende-se que sua implantação depende minimamente de pessoal docente capacitado, material pedagógico adequado e escolas equipadas.

O processo de capacitação docente depende, de um lado, da existência efetiva do número de docentes permanentes necessários para implantar a proposta e, de outro, de uma equipe que proporcione esta capacitação. Nos dois casos, esta situação não se viabilizou. A grande rotatividade de pessoal tanto nas escolas como nos NRE (Núcleos Regionais de Educação) fruto da ausência de uma política de valorização profissional, obstaculizou o processo continuado de capacitação. Dos professores em exercício em 1994, 52% acompanhou os quatro anos de implantação, sendo que 24% iniciou o trabalho naquele ano. Além do mais, há que se considerar que um grande número de professores não faz parte do quadro efetivo (em muitas escolas este número chega a 70%), e que as vagas são supridas por testes seletivos realizados no início do ano. À dificuldade de um programa efetivo e sistemático de capacitação alia-se o problema da data de ingresso deste pessoal que não tem correspondido ao início do ano letivo, chegando por vezes a ocorrer em abril ou maio. Esta sistemática, além de deixar os alunos sem aula por períodos prolongados, impede que os novos professores participem da semana pedagógica que acontece no início do ano, quando poderiam obter um mínimo de informação sobre a proposta curricular.

Em relação às equipes de ensino dos NREs, a situação é ainda mais grave, apenas três dos 24 núcleos afirmaram não ter havido rotatividade de pessoal, sendo que na maioria estas mudanças ocorreram anualmente. Outro fatos que interferiu foi o pequeno número de pessoas das equipes de ensino envolvidas com a habilitação Magistério - a maioria absoluta (vinte) possui apensas um elemento responsável pelo acompanhamento deste curso, que de modo geral acumula uma série de outras funções bastante diversificadas, além de assessorar um grande número de escolas distribuídas em diversos municípios.

Quanto ao processo de capacitação desenvolvido, a maioria dos docentes pesquisados apontou a demora no início das ações - as escolas que implantaram o currículo em 1990 só começaram a receber subsídios um ou dois anos após a implantação. A primeira etapa correspondeu a um conjunto de medidas desenvolvidas com vistas à divulgação em compreensão da proposta, promovidas pelo DESG (Departamento de Ensino de Segundo Grau da Secretaria de Estado da Educação) e NRE, incluindo encontros, estudos de textos, cursos e outras. Na continuidade foi mantida a mesma sistemática de capacitação, incluindo trabalho dos NREs junto às coordenações de curso. Contudo, apesar dos esforços dispendidos, os efeitos foram substancialmente prejudicados, principalmente pelo problema da rotatividade já mencionado. Assim é que 31% dos professores participou de apenas um ou dois cursos, durante os quatro anos de implantação, e 25% não havia participado de nenhum. Por outro lado, os professores que acompanharam há mais tempo a implantação da proposta apresentaram queixas a respeito dos cursos, como a impossibilidade de aprofundamento (em conseqüência da maioria dos participantes ser sempre de iniciantes) e a constante mudança de docentes que nem sempre seguiam a concepção do currículo.

As escolas, na sua grande maioria, apesar das suas condições administrativas limitadas (como por exemplo a falta de horário para atividades extraclasse aos docentes), se empenharam no processo de capacitação: dos professores que responderam ao questionários, 80% afirma ter participado de reuniões pedagógicas e 81% de grupos de estudos promovidos pela escola ou pelo NRE. Outro fator que dificultou o processo de aperfeiçoamento docente foi o número de disciplinas lecionadas pelos professores atuantes nas matérias específicas do curso de Magistério (Parte Diversificada), contrariando a Deliberação 020/90-CEE que estabelece o máximo de três disciplinas, cerca de 41% dos professores leciona mais de quatro disciplinas, alguns chegando inclusive a acumular doze ou treze simultaneamente. Quanto ao nível de qualificação profissional, constatamos que a grande maioria (79,5%) possui curso superior e 16,9% cursou pós-graduação, havendo 2,1% de professores leigos (sem o curso superior).

Quanto ao material pedagógico, a grande maioria dos docentes apontou a falta de referencial bibliográfico apropriado, disponível e em número suficiente, bem como a dificuldade de reprodução do mesmo. Também os recursos materiais obstaculizaram o processo de implantação, principalmente nos cursos noturnos, que em geral ocupam os espaços ociosos da escola, sem garantia de recursos adequados. Foram levantados problemas quanto ao espaço para atividades do curso em horário contrário (ainda mais que somente 2,5% das escolas se caracteriza pela oferta exclusiva do curso de Magistério) bem como quanto aos laboratórios e equipamentos.

Apesar de tudo, a grande maioria de professores e alunos afirma concordar com a proposta e revela que, não obstante a ampliação do tempo de duração do curso, a procura se manteve igual. Também não ocorreram mudanças significativas nos índices de evasão e reprovação, que continuaram elevados (em especial nas disciplinas do Núcleo Comum).

Avanços e dificuldades

A maior compreensão crítica por parte de professores e alunos é apontada como o maior avanço da nova proposta. Consciência esta que lhes dá discernimento e clareza a respeito das falhas no processo de consolidação do currículo, apontado com agudeza o desinteresse do Estado em viabilizá-lo (o mesmo Estado que institui a reforma curricular).

A análise dos dados obtidos através das equipes de ensino dos NREs convergem em muitos pontos para as questões levantadas pelos professores e alunos do curso de Magistério. Dentre as principais conclusões cabe destacar a compreensão da importância do trabalho realizado na escola para a implantação e efetivação da proposta em análise.

Tanto é assim que a maioria dos entrevistados aponta a "conscientização dos professores" e a "aceitação da proposta" como fatores fundamentais para o avanço do curso. A estrutura da escola (coordenadores de curso e de estágio, pedagogos, acervo bibliográfico, projeto político-pedagógico) bem como a integração com outros estabelecimentos (escolas de ensino fundamental e instituições de ensino superior) são também indicados como condições necessárias para a melhoria da qualidade de ensino através da efetivação da nova proposta curricular.

A importância do papel de coordenação e assessoria que os NREs (junto com a SEED) devem exercer nesse processo é salientada. Neste sentido, cabe destacar os cursos de capacitação, os grupos de estudo e as reuniões para "troca de experiências", organizados por alguns Núcleos e escolas.

Em decorrência dessas posições, é preocupante perceber que o "mais complexo", porque demanda processos de interferências de mais longo prazo, parece ter sido alcançado - a aceitação da concepção teórica da proposta, ainda que muitas vezes a partir de uma compreensão parcial; e o "mais simples" - a garantia de condições materiais e de profissionais habilitados em número suficiente, contemplados por uma política que garanta condições de estabilidade e aperfeiçoamento, fundamentais para o trabalho educativo - não tenha sido garantido.

Há, sem dúvida, por parte dos professores e alunos, uma grande aceitação da proposta em seu sentido mais geral e um grande esforço, apesar das precárias condições de viabilizar sua concretização. Tal afirmação não exclui, entretanto, a existência de pontos divergentes ou questões que mereçam maior aprofundamento.

O estágio

Esta é sem duvida a questão mais polêmica, seja pela discordância da proposta, seja pela dificuldade em realizá-la. Há um grande consenso de que a nova proposta avança em relação à forma tradicional de realização de estágios, embora em muitos casos persista a fórmula "observação, participação e regência". Existem, contudo, divergências sobre a carga horária e sua distribuição.

Uma das grandes dificuldades apontadas também é a realização da pretendida integração e/ou interdisciplinaridade. Muitas escolas não contam efetivamente com disponibilidade dos professores das diversas disciplinas para assessorarem ou acompanharem o estágio. A possibilidade até de realizações de reuniões ou mesmo de contato entre os professores não têm horário de "permanência" e, nos grandes centros sobretudo, trabalham em mais de uma escola, inviabilizando o trabalho coletivo, que é um dos pilares da nova proposta de estágio. Esta situação tem levado à proposição de formas mecânicas de "integração", pela somatória de atividades ou descaracterização da abordagem das disciplinas, em atividades de caráter pretensamente interdisciplinar.

Merece aprofundamento maior a própria concepção de estágio, que muitas vezes se confunde com "prática" por oposição às demais disciplinas nas ditas "teóricas". Em muitos casos, o sentido de "práxis pedagógica" foi traduzido na agregação de aulas teóricas ao tempo de estágio, através da extensão da discussão realizada nas disciplinas ou, em complementação de atividades do curso, como o acompanhamento de programas de ensino à distância.

No caso do curso noturno, a situação se agrava pela dificuldade dos alunos em realizá-lo, tornando-se muitas vezes um fator de seleção e exclusão. Além disso, há casos de alunos que estão sendo dispensados parcialmente da carga horária de estágio porque já atuam como "professores", embora tal atuação não possa ser considerada por si mesmo condição formativa de professor, o que dispensaria a existência de um curso de formação.

A relação entre Núcleo Comum e Parte Diversificada

A polarização entre terminalidade e continuidade, presente na concepção de ensino médio, ainda permeia as discussões referentes ao curso de Magistério. Há professores que questionam os programas de ensino para o Núcleo Comum, alegando serem insuficientes em função da "preparação para o vestibular", outros afirmam serem conteúdos desnecessários para a formação do professor que vai atuar "apenas de 1.ª a 4.ª série do 1.º grau". Estas posições têm impedido a devida articulação entre as disciplinas do Núcleo Comum e da Parte Diversificada.

É importante registrar que existem tentativas isoladas de reverter tal situação, entretanto, estas - tal como no caso do estágio - ainda resvalam numa visão mecânica da interdisciplinaridade que acaba por esvaziar, mesmo que parcialmente, o conteúdo das áreas. A integração, segundo professores e alunos, tem sido mais favorável entre as disciplinas do Núcleo Comum e as Metodologias de Ensino, merecendo aprofundamento a análise de como de fato está se dando esta integração, particularmente porque na parte diversificada do currículo são as metodologias que aparecem como mais problemáticas para os professores e alunos.

A duração do curso de Magistério

A terminalidade no quarto ano tem sido questionada em face da precariedade da implantação da proposta. A qualificação insuficiente dos professores tem levado a uma repetição dos conteúdos da terceira série do último ano do curso, conforme o depoimento tanto de alunos como de professores. Em muitos casos, a compreensão parcial do novo currículo e/ou dificuldade em concretizá-lo, fez com que o quarto ano parecesse desnecessário.

Por outro lado, muitos professores, tanto do Núcleo Comum quanto das disciplinas específicas do Magistério, apontam insuficiência de tempo para cumprimentos dos programas.

As condições de trabalho após o término do curso têm relativizado o "esforço" de fazer um curso mais extenso, inclusive porque as prefeituras estão contratando como professores do ensino fundamental, via teste seletivo, egressos do ensino médio, não habilitados mas com conclusão do 2.º grau.

Conclui-se portanto que os questionamentos à duração do curso refere-se, como em outros casos, mais às condições de efetivação do currículo e às condições de exercício da atividade profissional do que à natureza da proposta que procurou, via extensão da duração, garantir condições de tempo necessárias a uma formação básica e profissional adequada.

Aliadas a esta questão surgem propostas de garantir a terminalidade do 2.º grau no terceiro ano, possibilitando o ingresso no ensino superior, e remetendo a finalização da formação profissional para o quarto ano.

A grade curricular

Esta é a questão inevitavelmente apontada por professores e alunos, em todas as escolas e NREs. Tal persistência nos parece bastante compreensível, uma vez que é a grade curricular a expressão mais imediata e acessível a todos da concepção da proposta.

A grade consubstancia institucionalmente e cria condições ou obstáculos para a efetivação do currículo. Ao apontar divergências, professores e alunos nos revelam, na verdade, discordâncias ou incompreensões em relação à concepção, à relação entre teoria e prática e à própria função do ensino médio, mais especificamente do curso de formação de professores.

Os questionamentos mais freqüentes realizados dizem respeito à distribuição de disciplinas, à carga horária do Núcleo Comum e da Parte Diversificada (à persistência da diferença entre os cursos de ensino médio, no que diz respeito ao Núcleo Comum, contrária a uma proposta de básica unitária), à fragmentação das disciplinas. Ressalta-se que a diferença de grade entre os cursos diurno e noturno merece ser revista a fim de assegurar unitariedade no padrão de qualidade.

Sem dúvida será necessário um debate profundo e abrangente a respeito da grade curricular, não como fim em si mesmo mas como ponto de partida e chegada para as demais questões acima elencadas.

A partir das dificuldades apontadas, a indagação posta entre os professores, alunos e demais envolvidos nesse processo e, portanto, para a referida pesquisa, é por que "o mesmo Estado que adota oficialmente uma proposta, não garante as condições necessárias à sua efetivação?"

A resposta a tal questionamento nos remete à análise da relação entre escola e sociedade, medida pelo caráter contraditório do Estado capitalista e dependente, no caso brasileiro.

Escola, sociedade e escola

Na sociedade capitalista, o saber sistematizado se converte em meio de produção, sendo, portanto, objeto de disputa entre as diversas forças sociais que lutam pela conservação ou transformação da sociedade. A escola, como forma dominante de educação na sociedade moderna, ainda que não tenha o poder de transformar por si só o status quo, pode agir retardando ou acelerando o processo de mudança já em curso na própria estrutura social, exatamente através da transmissão ou sonegação do saber, que é instrumento de luta hegemônica. Pode-se afirmar que enquanto as classes dominadas buscam fazer uso da escola como instrumento de fortalecimento de suas lutas, as classes dominantes buscam impedir que a mesma obstaculize, através de sua ação mediadora, a manutenção da ordem vigente e das mudanças necessárias à acumulação capitalista. Tal utilização pode se dar tanto através de propostas teórico-práticas, quanto ao contrário, através da esterilização do papel da instituição escolar. No entanto, esta relação esbarra numa contradição insolúvel do sistema capitalista: ao mesmo tempo em que o desenvolvimento das forças produtivas exige a qualificação dos trabalhadores (ainda que em níveis diferenciados), teme-se que este saber possa ser utilizado na luta contra a exploração de que são vítimas as classes subalternas.

No caso das economias periféricas, associadas ou dependentes, tal condição se agrava devido à submissão dos interesses da população nacional em favor das elites estrangeiras. Neste sentido, a exploração passa a ser duplamente mais aguda para as classes dominadas nestes países. Por outro lado, a burguesia, que carece de autonomia no manejo de recursos e elaboração de projetos com vistas à obtenção de hegemonia, passa então a se utilizar prioritariamente da repressão e se torna impotente para realizar as reformas sociais, entre elas a educacional, que o próprio desenvolvimento capitalista exige. As ações, circunscritas aos interesses particulares de classe e incapazes de voltarem-se ao interesse nacional, se dão a partir de arranjos momentâneos, conjunturais, que garante o status quo.

"Não existia uma consciência de classes burguesa revolucionária. A revolução burguesa percorreu a rota do desenvolvimento desigual periférico: as classes burguesas correram atrás das transformações capitalistas, não as provocaram e produziram." (Fernandes, 1986,p. 35)

Além disto, o processo de desenvolvimento tardio e acelerado, que caracteriza o caso brasileiro, não se fez acompanhar de igual desenvolvimento da sociedade civil.

Modernizam-se a economia e o aparelho estatal. Simultaneamente os problemas sociais e as conquistas políticas revelam-se defasados. A própria cultura em sentido lato, se mostra bloqueada ou pouco estimulada. A mesma nação industrializada, moderna, conta com situações sociais, políticas e culturais desencontradas. Talvez se possa dizer que esse desencontro entre sociedade e economia seja um dos segredos da prosperidade dos negócios. As expansões do capital beneficiam-se das condições adversas sob as quais os trabalhadores são obrigados a produzir. Os mesmo indicadores econômicos da modernização alimentam-se dos indicadores sociais da "sociedade primitiva" (Ianni, 1992, p.112)

É preciso que a sociedade não se "civilize" para que não questione a distribuição de riquezas obtidas pelo desenvolvimento econômico acelerado. O máximo que se admite é a relação entre os "mais iguais", ou seja, entre as frações da burguesia. Ao mesmo tempo teme-se a explosão social, a irrupção das tensões represadas através de um regime que regula os conflitos fora e acima dos meios institucionais das relações civis entre as classes. A burguesia teme que o operário, o camponês, ao não se sentirem contemplados nesta "democracia de vitrine" (no dizer de F. Fernandes), pois ela é incapaz de ir além, desentranhem "irrupções mais violentas e incontroláveis do que as que foram (ou são) enfrentadas pela burguesia nas nações capitalistas centrais. Por isso reagem até mesmo contra as reformas e só as realizam se são arrastadas a praticá-las, tentando sempre um modo de refreá-las. temem que a revolução dentro da ordem não possa ser controlada e desemboque na revolução contra a ordem" (Fernandes, 1986). Isto conduz as elites a formas mais repressivas e excludentes.

Eis porque até as reformas educacionais, que buscam na maioria das vezes realizar os problemas liberais, são obstaculizadas pelas elites, temerosas da explosão social que elas ajudam a gestar através de seu caráter retrógrado e superexplorador. Seja por temor de que a reforma liberal se volte contra a ordem, seja por impossibilidade de estabelecer um projeto nacional próprio, a história da organização escolar brasileira é o retrato das reformas interrompidas e das "idéias fora do lugar" - ou seja, receitas que não têm adequação aos nossos problemas, mas que são adotadas por conveniências ou imposição de acordos externos.

Neste processo o Estado desempenha um papel fundamental, tanto devido ao desigual desenvolvimento da sociedade civil, quanto à falta de coalescência de classe da burguesia. Este governo "não possui uma política, é um conciliador de políticas antagônicas, de interesses do capital nacional e estrangeiro em conflito. É obrigado a absorver políticas mas não pode pôr em prática. O máximo que logra consiste em neutralizar as pressões 'dos de baixo' e contemporizar com os 'de cima'." (Fernandes, 1986, p. 25). Ele o faz através da repressão frente aos movimentos reinvindicatórios, negando-lhes a legitimidade (fruto da consciência colonialista e patrimonialista), ora age por cooptação.

O governo avança até uma posição de neutralidade aparente "favorável" aos operários e aos estudantes. Rouba-lhes a iniciativa dos movimentos e converte o debate espontâneo nas bases "em estudos de cúpula", de comissões técnicas. Sob a aparência mais democrática possível, autocratiza a solução dos problemas e desmoraliza os próprios movimentos por meio de formas explícitas de cooptação governamental. (Fernandes, 1986, p. 25)

Ainda que incorpore, por pressão ou conveniência, as propostas progressistas, não as põe em prática. Faz o discurso de atendimento às reinvindicações populares, mas não reconhece seu direito de organizar-se, de discordar. Relaciona-se com as lideranças dos movimentos, procurando cooptá-las, sem estabelecer o diálogo institucional entre as classes organizadas. Acolhe propostas mas não democratiza decisões.

O governo que nasce após a ditadura está marcado pela ineficiência de impotência. Ele busca alianças populistas mas é manietado pelo seu caráter ambíguo. Ele quer mobilizar o apoio popular desmobilizando a prática democrática dos vários movimentos populares. Confunde cooptação com democracia. (Fernandes, 1986, p.10)

A ausência de um projeto claro, as relações baseadas em arranjos pontuais, somadas às pressões populares, fazem do governo brasileiro e das suas políticas uma amálgama de compromissos díspares. Daí a descontinuidade, o ecletismo... Utiliza-se do discurso da diversidade, da descentralização, para escamotear as desigualdades, a desagregação e com isto reforçar o poder do Estado.

Há que se considerar ainda que mesmo sendo instrumento de unidade de poder da classe dominante, (em sentido estrito) não está em relação direta com os interesses econômicos da burguesia e sim com seus interesses políticos, o que em última análise representa um certa autonomia em relação à própria classe detentora do poder de Estado podendo inclusive realizar medidas que vão ao encontro dos interesses das classes dominadas, que a longo prazo se mostram úteis para os próprios interesses econômicos das classes e frações dominantes. Destaca-se aqui o papel assumido pela burocracia, como o conjunto dos "funcionários da superestrutura", que ainda que relacionada às classes sociais, pode também assumir certa autonomia em relação a elas, uma vez que a sua relação com o mundo da produção não se dá de forma direta, tendo sido recrutada em diferentes grupos sociais. Assim, a classe dominante, para manter a necessária aparência de neutralidade do Estado, a fim de que o mesmo possa desempenhar seu papel de guardião de sua hegemonia, apresentada como encarnação da vontade geral, acaba por criar e manter um grupo de pessoas que, respaldado na "racionalidade técnica", detém um poder que, embora articulado aos interesses burgueses, pode em determinadas situações se aliar aos interesses das camadas dominadas.

Ente conjunto de fatores explica o caráter contraditório de muitas ações e medidas governamentais e nos alertas para o fato de que suas razões nem sempre devam ser imputadas a projetos e estratégias de classe dominante, sendo, muitas vezes, conseqüências da complexa organização e funcionamento do Estado e da burocracia.

Escola pública no Estado do Paraná

O Paraná é exemplo de como as demandas populares são incorporadas pelo Estado, traduzidas em propostas educacionais que, dada a debilidade do projeto hegemônico da burguesia e a sua tradução no caráter amorfo e ambíguo dos partidos, não se traduzem em política efetiva de democratização da escola pública.

De 1938 a 1994, o governo do Estado foi ocupado por um mesmo partido: o PMDB. Tal fato poderia sugerir uma continuidade em termos de políticas globais e, em conseqüência, educacionais. Entretanto, estes governos também foram marcados pelo movimento continuidade/descontinuidade em face das mudanças a nível nacional e as diferentes correlações de força no interior do partido.

O governo Richa (1983-1986), conforme Cunha (1991), tinha uma proposta de educação libertária, que destinava a responsabilidade de "forjar seus próprios destinos" aos grupos sociais organizados, prevendo mecanismos de participação da comunidade escolar na gestão da escola, através da escolha das direções dos estabelecimentos de ensino pela via de eleição direta, reivindicação do movimento docente. É importante ressaltar a importância das pressões populares, bastante intensas nesse período, no processo de democratização da escola e na configuração da relação entre governo e sociedade civil.

Concluindo a avaliação sobre este período, Cunha mostra que um objetivo que chegou a ser alcançado foi o da politização do discurso pedagógico e da gestão da máquina educacional. Entretanto,

a politização dos discursos não modificou, é claro, as condições concretas da escola pública: permaneciam atuantes os professores, a burocracia da Secretaria e os interesses econômicos, políticos e ideológicos enraízados na rede estadual de ensino. Por mais que esse discurso fosse radicalizado, ele não era capaz de ferir aqueles interesses. Mas, por outro lado, era suficiente para preencher ilusoriamente o vazio deixado pela falta de coordenação administrativa e pedagógica, pela pulverização de recursos em muitos projetos e pelas freqüentes mudanças de orientação determinadas por razões não educacionais. (Cunha, 1991, p.256)

Cabe observar que é neste período que se inicia a reestruturação do ensino de 2.º grau, a partir de 1984, através de encontros e seminários. A fragmentação do processo levou à proposição de sugestões pontuais e imediatistas, desprovidas de uma concepção unitária (Cunha, p. 244). É neste contexto que tem início a reestruturação curricular da habilitação Magistério a partir do já mencionado "Projeto Magistério Nova Dimensão".

As gestões seguintes do PMDB no Estado marcaram rupturas com as orientações desse período, caracterizando o que Cunha denomina de "administração zig-zag":

(...) as mais diferentes razões fazem com que cada secretário de educação tenha o seu plano de carreira a sua proposta curricular, o seu tipo de arquitetura escolar, as suas prioridades. Assim os planos de carreira, as propostas curriculares, a arquitetura escolar e as prioridades mudam a cada quatro anos, freqüentemente até mais rápido, já que nem todos permanecem à frente da Secretaria durante todo o mandato (Cunha, 1991, p.474-475)

Assim a gestão Álvaro Dias (1987-1990) mudou a orientação pedagógica com uma forte inclinação para a pedagogia histórico-crítica que predominará no Currículo Básico para o ensino de 1.º grau e na reestruturação curricular do curso de formação para o Magistério, no 2.º grau. Tal fato deve-se à incorporação, a nível estadual, das discussões realizadas no campo pedagógico nacional, durante a década de 80, defendida pelos intelectuais e educadores progressistas que se incorporam ou assessoram o governo nesse momento.

Tal orientação pedagógica convive, entretanto, com práticas que inviabilizam a democratização efetiva da educação básica, como por exemplo a repressão do movimento dos professores, por ocasião da greve de 1988, em pleno processo de elaboração da proposta curricular do curso de Magistério, o que inviabilizou, inclusive, a permanência o longo do processo de participação dos professores na discussão das propostas que estavam em construção.

As incoerências dos governos do PMDB, e que se acentuam no período subseqüente, podem ser explicadas a partir da visão de Cunha ao tratar da corporativização da vida política:

(...) no Brasil, onde a regra tem sido a ditadura, um sistema partidário não chega a se consolidar. Mais importante do que os partidos têm sido os grupos corporativos e os candidatos defensores de interesses de grupos profissionais, econômicos, religiosos e desportivos etc., que se abrigam nos diversos partidos conforme as conveniências momentâneas (Cunha, 1991, p.21)

Os governos, deste período em análise, no Paraná foram tendo suas gestões matizadas pelos interesses dos grupos que a cada momento estiveram no poder, o que causou uma variabilidade de interesses expressa nas mudanças de orientação nas políticas de educação, no ecletismo das concepções pedagógicas vigentes em cada período e na ausência de uma política global, orgânica, que assegurasse efetivamente a consolidação de um Sistema Estadual de Educação.

Encontra-se, por exemplo, a convivência da incorporação pelo Estado de propostas pedagógicas progressistas com uma política de recursos humanos conservadora. Além disso, o compromisso com a escola pública vai sendo relativizado, acentuando-se crescentemente a influência da política "neoliberal", que se tornará mais forte a partir dos anos 90, traduzida na retirada do Estado no atendimento dos serviços públicos, entre eles a educação.

Ao analisar a posição dos partidos em relação à educação, na década de 80, Cunha afirma o caráter progressista das proposições do PMDB, contrário à privatização do ensino. Entretanto, já não sendo posição unânime no partido, tal como fica explícito na análise feita pelo autor do documento do congresso do PMDB, que aconteceu a instalação da Assembléia Nacional Constituinte e que trazia um projeto de Constituição, "ele não foi sequer explicado. Certamente o conteúdo progressista do mesmo não poderia ser endossado por todos, nem mesmo pela maioria dos setores do partido. As condições de existência desse partido eram tais que permitiam aos privatistas serem nele hegemônicos."

Tal situação obrigou os educadores progressistas, que à época atuavam no partido, a buscarem outros caminhos, o que gradativamente fez com que se afastassem do partido e dos governos eleitos: "Assim foi por outros caminhos, principalmente pela IV Conferência Brasileira de Educação (Goiânia, setembro de 1986) que as idéias dos educadores progressistas (...) livraram-se das limitações da frente partidária (...)".

É a partir da força existente no meio educacional neste período, consubstanciada nas CBEs, que se pode compreender a influência de concepções progressistas na proposta de reformulação do currículo.

É também o perfil traçado a respeito do quadro partidário, expresso na fragmentação e descontinuidade, que nos aponta um dos fatores que contribuiu para a não-efetivação da proposta no período subseqüente.

A implantação passa a ocorrer quando se inicia a gestão Roberto Requião (1991-1994). Tal processo será marcado tanto pelas definições pertinentes à política de ensino de 2.º grau quanto àquelas referentes ao ensino fundamental, bem como à política geral da SEED/PR.

Segundo Gonçalves (1994), a análise da documentação referente a esta gestão indica a ambigüidade das políticas de educação desde o seu início "(...) referimo-nos à convivência ambígua e complexa das diretrizes educacionais e de concepções pedagógicas, às vezes opostas, que enfatizam prioridade e ações que não se complementavam." (Gonçalves, p.33)

Tal condição revela-se crescentemente, ao longo da gestão, com um progressivo desestímulo à pedagogia histórico-crítica, base teórica predominante da proposta curricular para o curso de Magistério.

Embora as metas propostas neste período pelo Departamento de Ensino de 2.º Grau possam ser situadas numa linha de continuidade e consolidação das ações realizadas anteriormente, o mesmo não ocorreu com o Departamento de Ensino de 1.º Grau que, a partir da mudança de chefia, ainda no primeiro ano de gestão, reorienta-se no sentido da construção do projeto "Escola Cidadã", sob a responsabilidade da Superintendência de Educação da SEED/PR e consultoria de Moacir Gadotti. Ainda segundo Gonçalves, este autor representa claramente a face multiculturalista da proposição "neoliberal" para a educação, relativizando a apropriação de conteúdos básicos universais pelo conjunto da população, posição esta que se constitui em um dos pilares da pedagogia histórico-crítica. Nesse projeto prevaleceu

o entendimento de que na escola, sem a interferência do Estado, no caso da SEED, pela criatividade dos docentes, surgem iniciativas e experimentos que geram a inovação educacional e a autonomia, constitutivos essenciais do projeto pedagógico das escolas, visando desenvolver práticas pedagógicas que respeitam a pluralidade filosófica e cultural de nossas comunidades. (Gonçalves, 1994, p.37)

Se quando proclamada uma concepção pedagógica já não se concretizou uma política unitária para a educação, a indefinição de uma visão teórica acentuou a dispersão de políticas e ações, prejudicando o processo de implantação da proposta analisada. A política de municipalização do ensino, tradução evidente da ótica "neoliberal" de descentralização do ensino, é exemplo deste fato, tendo afetado inclusive a realização de estágios dos cursos de magistérios nas redes municipais de ensino que, conforme as entrevistas realizadas durante a pesquisa, abandonaram o Ciclo Básico de Alfabetização.

Se a pluralidade (ou ecletismo) é estimulada, é possível entender que convivam no mesmo momento, a proposta de certa Pedagogia de Meios, desenvolvida a partir do Centro de Treinamento de Professores (CETEPAR), de evidente matriz tecnicista, com outros cursos ministrados, mesmo CETEPAR ou nos Núcleos Regionais de Educação aos professores e especialistas do sistema de ensino, que se orientam nas direções as mais diversas e até mesmo opostas - inclusive ainda a concepção histórico-crítica. (Gonçalves,

op.cit.

p.43)

A ausência de direção pedagógica refletiu-se na falta de um projeto global para a escola pública no Paraná que garantisse uma política de recursos humanos, de manutenção da rede física, de dotação de equipamentos e materiais. Tais medidas teriam evitado a rotatividade dos professores, a falta de acesso à bibliografia, a intermitência dos cursos de capacitação que, entre outras causas, dificultaram a implantação da proposta.

A avaliação do processo de implantação dessa proposta, como ficou evidenciado pela análise dos dados anteriormente apresentados, indica a efetivação descontínua da proposta, de acordo com as especificidades locais e particulares de cada estabelecimento de ensino, não tendo sido asseguradas as condições administrativas, materiais e pedagógicas para a consolidação do currículo, sustentadas numa política global de educação. De modo geral, pode-se afirmar que os êxitos alcançados se devem mais a experiências e esforços localizados de professores, escolas ou núcleos de educação, que a uma orientação comum e sistemática do Sistema Estadual de Educação.

Na verdade, não houve um processo unitário de implantação, que ao contrário foi marcado pela dispersão e descontinuidade que se nota tanto na ausência de ações efetivas que viabilizam o acesso, a apreensão, a discussão e a execução da proposta por parte da totalidade das escolas, quanto na alteração do discurso e das concepções que passam a reger as diretrizes do governo (Projeto Escola Cidadã, Educação para a Modernidade, Projeto Qualidade do Ensino Público no Paraná, Salto para o Futuro, etc.).

No entanto, mesmo com as dificuldades e as insuficiências de condições básicas para sua concretização, o esforço e o empenho de todos os profissionais decorrem tanto da necessidade sentida de mudança quanto da proposta que responde, segundo os próprios professores e alunos, a esta necessidade em termos de concepção, conteúdo e método.

Neste sentido, os resultados da pesquisa indicam duas ordens de providências a serem tomadas. A primeira diz respeito ao provimento das condições materiais e administrativas necessárias para a efetiva consolidação do novo currículo, garantindo que as escolas e os NREs possam realizar plenamente o seu trabalho. A segunda refere-se ao aperfeiçoamento dos professores, alunos e equipes pedagógicas das escolas e dos NREs envolvidos no processo de implantação, com vistas à efetivação dos avanços obtidos e superação das dificuldades apontadas.

É nosso entendimento, contudo, que este quadro de fragmentação que marcou a elaboração e "implantação" desta proposta não é uma situação isolada ou conjuntural mas, ao contrário, tem determinado estruturalmente as políticas públicas de educação, contribuindo para permanência do caráter excludente e seletivo da escola.

A partir do quadro anteriormente traçado a respeito das relações entre o Estado e as classes sociais, determinantes das ações desenvolvidas nas esfera educacional, é possível afirmar que a superação dessa situação encontra-se fundamentalmente nas mãos daqueles diretamente interessados na universalização da escolarização: os trabalhadores, entre eles os professores - como agentes do processo educativo, organizados em suas entidades e movimentos. Será através da articulação e pressão destes sujeitos coletivos frente ao Estado que poderemos vislumbrar a continuidade, o compromisso e a persistência, onde hoje só existe a dispersão e a fragmentação.

Por fim, o ponto fundamental, longe de defender a rejeição à tutela do Estado, trata-se ao contrário, de libertá-la as referida tutela. Tal oposição não deve, entretanto, ser confundida com a liberação do Estado dos encargos educacionais, sobreonerando a população. Na verdade é nisto que está interessado o Estado brasileiro atual. Sua estratégia consiste em não abrir mão do controle do processo educacional transferindo, porém, para a população (via APMs e outros mecanismos) os encargos relativos ao custo desse processo. Trata-se, pois, de inverter esta tendência, exigindo que o Estado assuma plenamente os encargos que garantam as melhores condições possíveis de funcionamento da rede de escolas públicas. E isto só será viável na medida em que as organizações populares exerçam severo controle sobre a educação em geral. (Saviani, 1991, p.23)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CUNHA, Luis Antônio. Educação, Estado e democracia no Brasil. São Paulo: Cortez, 1991.

FERNANDES, Florestan. Nova República? Rio de Janeiro: Zahar, 1986.

GONÇALVES, Maria Dativa S. Autonomia da escola e neoliberalismo: Estado e escola pública. São Paulo, 1994. Tese de Doutorado - PUC/SP

IANNI, Otávio. A idéia de Brasil moderno. São Paulo: Brasiliense, 1992.

NUNES, A.; TROJAN R.; TAVARES, T. Análise da implantação da proposta curricular do curso de Magistério da Secretaria de Estado do Paraná, no período de 1990 a 1994. Curitiba, 1995. Relatório de pesquisa - UFPR.

SAVIANI, Dermeval. Ensino público e algumas falas sobre universidade. São Paulo: Cortez, 1991.

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    Este artigo é uma síntese parcial da pesquisa "Análise da Implantação da Proposta Curricular do Curso de Magistério da Secretaria de Estado da Educação do Paraná, no período de 1990 a 1994", realizado pelas autoras nos anos de 1993 a 1995.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Mar 2015
    • Data do Fascículo
      Dez 1996
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