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Discurso de posse na direção do setor de educação 16-09-86

ARTIGOS DE DEMANDA CONTÍNUA

Discurso de posse na direção do setor de educação 16-09-86

Prof. Archimedes Peres Maranhão

Ao assumirmos a orientação deste Setor, desejamos, em primeiro lugar, agradecer a Deus, inspirador, sustentador e mantenedor de todas as nossas ações.

Desejamos nEle buscar as forças necessárias para que não desfaleçamos diante das graves responsabilidades que nos desafiam e das expectativas que estão presentes naqueles que nos privilegiaram com os seus votos e também naqueles que privilegiaram outros ilustres colegas.

Não ignoramos a difícil trajetória que havemos de percorrer juntos. Não a tememos porque, como bem afirmamos, não estamos sós. Fazemos nossas as palavras do escritor do livro de Gêneses ao registrar os momentos mais críticos da caminhada dos israelitas pelo deserto do Sinai: "O Senhor é a nossa Bandeira". Temos uma Bandeira e assumimos um compromisso. Aqui estamos para o início da caminhada com a colaboração de todos os que realmente estão dispostos a construir uma nova Universidade para um novo tempo. Não somos representantes de um só grupo, por melhor e mais seleto que ele possa ser. Estamos comprometidos, em primeiro lugar, com a reconstrução de uma Universidade operosa, consciente de suas responsabilidades, atenta aos interesses da comunidade à qual pretende servir. Cremos ser esse o desafio que se propõe a todos os que desejam a grandeza deste País.

Entendemos o Setor de Educação comprometido com as grandes áreas que o constituem. Áreas de ações eminentemente ligadas à formação do magistério de primeiro e segundo graus, incluindo a educação especial e de préescola. Área de formação e habilitação de especialistas, pesquisadores e de biblioteconomia, responsáveis pelo fomento e implantação de novas tecnologias, e a área de pós-graduação constituída de mestrado e doutorado. Todas estão ligadas à função acadêmica de formação, habilitação e qualificação de pesquisadores, especialistas e professores. Entendemos o Setor de Educação também responsável por ações que são direcionadas ao social, isto é, trabalhando pela qualidade da educação, pela melhoria de vida do cidadão, pela defesa da criança, do jovem e pelo patrimônio cultural, identidade do nosso povo.

Não são áreas independentes porque, não obstante analisáveis sob diferentes prismas, convivem em perfeita simbiose. São intercomplementares e permeáveis, embora não se subordinem, porque são parte do sistema social e do seu mecanismo de realimentação contínua.

Como se definir a função acadêmica sem a visão do compromisso social da educação? Como entender a função social sem que se perceba o aspecto qualitativo do compromisso acadêmico? A omissão de uma função resulta na falha da outra. Vejamos:

As controvérsias entre o humanismo e o tecnicismo, a elitização e a democratização da universidade, fruto do desenvolvimento tecnológico das grandes nações, contemplaram o fortalecimento de uma metodologia tecnicista, retirando das salas o posicionamento responsável do professor, substituído pelos textos acríticos e desvinculados do contexto de onde foram subtraídos e até da realidade socioeconómica das nações em desenvolvimento.

O retorno a uma situação de normalização políticosocial da nossa Universidade Brasileira, como das demais, está sendo tomada pela crise que vem a partir de uma contestação de valores entre o velho e o novo. Contesta-se o ensino por ter retirado da sala de aula a participação estimuladora do raciocínio crítico. Substitui-se a participação pelos textos xerocados e direcionados para o exagero de posições extremadas. A unilateralidade não produz crítica.

É preciso que retorne à Universidade o livre debate. Que não se banalizem a pesquisa e o ensino, produzindo-se falsas informações ou instituindo-se o policiamento intelectual a despeito da falsa politização da Universidade.

É primordial que se crie o clima de respeito e segurcnça para que se possa estimular o renascimento da Universidade livre, autônoma e produtiva. A convivência das diferentes correntes políticas, científicas e filosóficas aprimora o ensino, estimula a respeitabilidade e confiabilidade do ensino universitário, perdidas na esterilidade de uma única verdade.

A função social não pode ser maior do que a acadêmica e nem esta maior do que aquela. Uma decorre da outra. São funções simbióticas. A prática educativa, sem embasamento político-filosófico, é tão prejudicial quanto a prática política sem o embasamento da metodologia científica.

É, sem dúvida, imperiosa a reorganização da prática pedagógica e dos currículos, permeando-se o ensino com uma pedagogia que valorize o homem e o faça condutor das ciências, tornando-a serva do seu bem-estar e do saber como livre expressão dos seus valores éticos, políticos e sociais. Qualquer coisa que venha cercear, a qualquer pretexto, sua liberdade de ser livre, deve ser banida.

A educação é um processo de libertação e não pode ser substituída por nada que limite a livre expressão que se faz pela convivência entre as diversas tendências.

Por outro lado, uma escola que se caracterize pelos elevados índices de reprovação ou retenção, como se quer chamar no momento, vítima de evasão e do ensino de fragmentos, não pode apaixonar-se pelos discursos vazios ou por extremismos partidários, próprios dos palanques. A escola precisa de uma reflexão séria, honesta e conseqüente, para tomada de decisões que viabilizem a melhoria do ensino, condizentes com o momento político-social e pelo fortalecimento da democracia.

Conscientes do relevante papel da educação para consolidação da democracia neste País, e para melhoria da condição de vida do nosso povo; conscientes dos erros cometidos pelos governos autoritários, desejamos participar cia reconstrução de uma nação onde todas as facções tenham iguais direitos e iguais deveres. Desejamos o engajamento de professores, funcionários e acadêmicos, na batalha pela melhoria do ensino a partir das nossas salas de aula. De nada valerá o discurso sem a ação. De nada valerá a denúncia quando não se pratica o exemplo. Mais vale um exemplo do que mil palavras.

Desejamos a cooperação de cada membro da alta administração da nossa Universidade, para que não se instituam apenas privilégios, mas também deveres. Sem isso, não poderemos alcançar o respeito e a cooperação das instituições e organizações federais, estaduais e municipais. Pretendemos oferecer todo potencial de que dispõe este Setor a serviço da comunidade, porque cremos na operosidade e na competência de todos.

Nosso desejo é que todos tenham iguais oportunidades desde que para a melhoria do ensino, da pesquisa e da extensão. De nada valeria a luta pela escola pública gratuita sem que nela se visasse à formação do cidadão democrático. De que valeria a multiplicação das escolas sem que se ofertasse a melhoria do ensino e sem que se banisse a violência e a falta de material didático?

Como se melhoraria a qualidade do ensino sem o mínimo de respeito ã liberdade do exercício do magistério e a garantia da profissionalização do acadêmico e do professor? Como se construir uma nova Universidade sem condições de pesquisa, sem amparo às experiências e sem a garantia da convivência respeitosa entre as diferentes ideologias?

A educação só poderá ser entendida como um ato político, quando comprometer-se com o bem-estar e a melhoria da condição de vida e quando não ignorar as relações de equilíbrio entre o homem e o universo. A formação do ser humano não abstrai o seu compromisso com a comunidade, através da ética e das ciências.

Conscientes disso, nossa proposta é de criação de mecanismos que assegurem a todos a participação responsável dos grupos representativos das diferentes compreensões. Não pretendemos unificação da visão ideológica dos grupos existentes. Queremos a convivência respeitosa, operosa e construtora do bem comum.

A UNIVERSIDADE é o campo onde o diálogo permanente é a condição do ser e do fazer. Não há uma só verdade ou um feudo onde ela possa ser escondida. A essência da educação é o debate franco, participativo, respeitoso, onde as idéias e as ações, mesmo que diferentes, consigam a promoção do homem.

Reafirmamos o nosso propósito de aliar, às grandes iniciativas da Reitoria, o nosso Setor. Reafirmamos o nosso compromisso com os professores, acadêmicos e funcionários, no sentido de tudo ser feito para que possamos merecer, como Setor, o respeito, a solidariedade e também oferecemos o mesmo aos demais órgãos e pessoas que compõem o nosso universo de trabalho.

É preciso que sejam divulgados os trabalhos relevantes que são executados e, pela nossa humildade, não divulgados, como o convênio com a Holanda, envolvendo municípios da grande Curitiba, professores, médicos, enfermeiros e estudantes; convênios com a Secretaria da Educação do Paraná e com outras entidades de ensino de terceiro grau, onde nossos professores atuam; e pesquisas que são desenvolvidas e trabalhos publicados que, na maioria das vezes, permanecem desconhecidos pelos colegas de outros setores e departamentos, em prejuízo de seus autores.

A todos oferecemos a nossa colaboração. Desejamos que o Setor de Educação seja o centro convergente das ações pedagógicas da Universidade como um todo. Nossa maior vocação é a formação do educador. Nossas portas estarão sempre abertas aos demais Setores, com o respeito que todos merecem e com o que de todos merecemos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Mar 2015
  • Data do Fascículo
    Dez 1987
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