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O banco de dados bibliográfico João Guimarães Rosa

The bibliographic database João Guimarães Rosa

RESUMO

Este artigo investiga o Banco de dados bibliográfico João Guimarães Rosa. Para isso descrevemos sua história, formas de interação e complexidades. Utilizamos a metodologia descritiva e interpretativa com breve análise de dados. Nosso objetivo foi o de explorar a Comunicação no banco de dados, seja enquanto sistema de informação, seja enquanto polo catalisador online dos estudos rosianos. Nossas conclusões apontam para a necessidade de atualização e incremento de novos dados e para a sofisticação estética do site.

PALAVRAS-CHAVE:
Guimarães Rosa; banco de dados; arquivo; bibliografia

ABSCTRACT

This article investigates the bibliographic database João Guimarães Rosa. For this we describe its history, forms of interaction and complexities. We use descriptive and interpretive methodology with brief data analysis. Our objective was to explore Communication in the database, either as an information system or as an online catalyst for Rosian studies. Our conclusions point to the need for updating and incrementing new data and for the website's aesthetic sophistication.

KEYWORKS:
Guimarães Rosa; database; archive; bibliography

Este artigo procura investigar o Banco de dados bibliográfico João Guimarães RosaBANCO DE DADOS BIBLIOGRÁFICO JOÃO GUIMARÃES ROSA. Disponível em: Disponível em: https://www.usp.br/bibliografia/ . Acessado em: 26 maio 2021.
https://www.usp.br/bibliografia/...
abrigado no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da Universidade de São Paulo (USP). Sabemos do grande volume de referências e estudos dedicados à obra de Guimarães Rosa e, por sua vez, o esforço contínuo dos pesquisadores em reunir e organizar este material bibliográfico. Sabemos também que a prática de atualização da bibliografia rosiana se tornou uma “tradição”, iniciada ainda na Revista Diálogo, de novembro de 1957, em que se listavam cerca de cento e oitenta verbetes (REVISTA DIÁLOGO, 1957REVISTA DIÁLOGO. São Paulo, Editora Sociedade Cultural Nova Crítica, n. 8, nov. 1957). Tal atualização é retomada em seguida por Plínio Doyle à ocasião da morte de Rosa, passando a contar com aproximadamente mil e duzentas entradas (DOYLE, 1968DOYLE, Plínio. Contribuição à bibliografia de & sobre João Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1968. 61 p.); em 1983 uma seleção reduzida é publicada por Eduardo Coutinho no volume Fortuna crítica dedicado ao escritor mineiro (COUTINHO, 1983COUTINHO, Eduardo F. (org.). Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983.); mais tarde, em 1996, um artigo da Revista do IEB, organizado por Lenira Marques Covizzi e Iná Valéria Rodrigues Verlangieri, pretendeu “complementar, atualizando as duas bibliografias mais extensas e conhecidas do autor [as de Plínio Doyle e de Eduardo Coutinho]” (COVIZZI; VERLANGIERI, 1996COVIZZI, Lenira Marques; VERLANGIERI, Iná Valéria Rodrigues. Pequena bibliografia de João Guimarães Rosa. Revista do IEB, São Paulo, n. 41, p. 213-232, 1996., p. 213); finalmente, o número especial da revista Cadernos de Literatura Brasileira, do Instituto Moreira Salles, estabeleceu, em 2006, o mais amplo e abrangente apanhado bibliográfico sobre Guimarães Rosa (CADERNOS DE LITERATURA BRASILEIRA, 2006CADERNOS de Literatura Brasileira. João Guimarães Rosa. São Paulo: Instituto Moreira Salles, v. 12, n. 20-21, dez. 2006. ).

Remontava, portanto, a 2006 o último levantamento bibliográfico de estudos sobre a obra de Guimarães Rosa, quando o pesquisador em literatura e engenheiro da computação, Frederico Camargo, decidiu, em 2013, construir um sistema de banco de dados para a catalogação das referências sobre o escritor mineiro. Em pouco tempo, Camargo percebeu que o sistema que estava construindo tinha potencial para ser um grande repositório de informações sobre literatura brasileira, armazenando tanto a produção ativa dos escritores, quanto a crítica feita sobre eles. Com a colaboração da curadora do Fundo João Guimarães Rosa, do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), da USP, Sandra Guardini Teixeira Vasconcelos1 1 Sandra Vasconcelos é professora, pesquisadora e foi uma das primeiras a trabalhar com o arquivo de JGR, ainda na década de 1980. , Camargo lançou o Banco de dados bibliográfico João Guimarães Rosa em novembro de 2016, com o objetivo de “transformar-se na mais completa e atualizada reunião bibliográfica dedicada à obra de Guimarães Rosa, aspirando a coligir toda a produção do autor de Grande sertão: veredas, bem como sua fortuna crítica” (CAMARGO, 2018CAMARGO, Frederico Antonio Camillo. O banco de dados bibliográfico João Guimarães Rosa. Destinatário: Gustavo Castro Silva. [S. l.], 10 maio 2018. 1 mensagem eletrônica.). Foram seus objetivos: 1) reunir em um único repositório de dados materiais bibliográficos de diferentes tipologias (livros, capítulos de livros, teses, artigos, comunicações orais, vídeos, textos da Internet etc), de diferentes locais de produção; 2) minimizar, mediante especificidade temática, a exigência de os estudiosos na obra de JGR precisarem navegar entre os registros que não os interessassem; 3) registrar, a partir dos autores estudados ou mencionados (além de Guimarães Rosa), etiquetas comuns, aproximativas, a partir da obra ou texto pesquisado. A partir deste último procedimento, Camargo conseguiu, de maneira bastante precisa, listar todos os registros bibliográficos que tratavam de um determinado conto, ou permitir conexões com outros temas/autores (como Graciliano Ramos, por exemplo).

Faremos neste artigo uma breve descrição deste banco de dados e passaremos em seguida a problematizá-lo mediante dois registros: 1) O projeto do banco de dados bibliográfico JGR e, 2) o que ele permite compreender sobre os estudos rosianos. Com raras exceções, parece-nos ainda escassa a discussão e a pesquisa sobre a relação do acervo mantido em bancos de dados digitais com a literatura. Adotaremos neste artigo um procedimento metodológico descritivo e interpretativo das informações coletadas mediante entrevistas e revisões bibliográficas. Buscamos aqui um aprofundamento temático. a ancorar nossa compreensão e percepção na problematização da relação de informação e conhecimento.

O banco de dados bibliográfico JGR

Uma base de dados bibliográfica é um sistema informacional baseado em registros de acervos geralmente bibliográficos, que formam uma coleção digital de referência, organizada e alimentada por bibliotecas, corporações, associações, universidades ou por voluntários, amantes da literatura, que põem online sua coleção digital de referência, incluindo aí textos de revistas acadêmicas, artigos de jornais, textos de conferências, anais, coletâneas, relatórios, publicações avulsas, livros, filmes, músicas, fotos antigas, cartas etc. É o caso de Frederico Camargo, que idealizou e criou o banco de dados bibliográficos João Guimarães Rosa, hospedado no site da USP, como repositório de seu próprio banco de dados sobre o escritor mineiro.

Os sistemas de informação conhecidos como “base de dados bibliográficos” se consolidaram primeiro no campo das ciências da saúde e das ciências naturais, como rotina sistemática de pesquisa e compartilhamento de informações via sistema de base de dados bibliográficos. Esta rotina, no entanto, está ainda distante da prática nas ciências humanas e sociais. Por que isto ocorre? Perguntamos por que pesquisadores das ciências humanas em geral, ainda não sabem explorar o potencial dos bancos de dados online? Porque não aproveitam esse caminho e possibilidade para a criação de comunidades de estudos e compartilhamento de informações?

No domínio das ciências humanas, podemos aduzir alguns exemplos de bancos de dados devotados à reunião de bibliografia da obra e da fortuna crítica de escritores, como: Baudelaire Database2 2 Link: http://webvc.library.vanderbilt.edu:8202/WebZ/VUAuthorize?sessionid=0 (com mais de 10 mil citações bibliográficas), o The World Shakespeare Bibliography Online (com mais de 120 mil registros)3 3 Link: https://www.worldshakesbib.org/ ou o Weimarer Goethe-Bibliographie Online (sem informação estatística)4 4 https://lhwei.gbv.de/DB=4.1/ ; no Brasil, o site Reunião Bibliográfica (quase 2500 registros)5 5 Link: http://www.reuniaobibliografica.com.br/ , dedicado ao poeta Carlos Drummond de Andrade; e outros temáticos, como Interstício6 6 http://literaturajuvenilempauta.com.br/ (dedicado à literatura digital infanto-juvenil), e Literatura de Cordel7 7 http://www.unicamp.br/iel/memoria/LiteraturaPopular/BancodeDados/index.htm (com dados e folhetos da literatura homônima), entre outros.

O projeto do banco de dados bibliográfico JGR foi baseado inicialmente no levantamento feito pelo Instituto Moreira Salles, de 2006. A partir de então, Camargo passou a acessar as bases de dados de teses e de revistas acadêmicas disponibilizadas pelas universidades e buscar por “Guimarães Rosa.” Inseriu pouco mais de 4 mil registros até novembro de 2016, e, em dezembro de 2021, estava com 6.034. Além de compulsar as referências bibliográficas de livros e trabalhos acadêmicos, e receber sugestões da comunidade de pesquisadores rosianos, dispositivos informatizados de varredura da Internet, como o Google Acadêmico, possibilitam que a bibliografia seja atualizada com novos estudos e obras à medida que elas são disponibilizadas e divulgadas.

No que diz respeito à penetração da ferramenta entre os usuários, podemos ter uma ideia da evolução dos acessos pela comparação de um período de 12 meses, entre abril/2017 e abril de 2018, por exemplo, tendo havido um aumento de cerca de 80%, o site contando hoje com uma visita mensal de mais de 4 mil usuários. Em abril/2017 são 2436 usuários; 2720 sessões e 6807 pageviews. Em abril/2018 temos 4395 usuários; 5035 sessões e 11819 pageviews. Grande parte das visitas obtidas pelo site, no entanto, são devidas aos resultados sugeridos pelos mecanismos de busca da Internet, como o Google, que lista o site no topo dos resultados quando se procuram títulos referentes ao João Guimarães Rosa. Como a taxa de usuários que retornam ao site é pouco superior a 10%, isso parece confirmar que a maioria dos visitantes não está necessariamente interessada na pesquisa sobre Guimarães Rosa.

Apesar de dar acesso detalhado a listagem de trabalhos sobre o autor mineiro o banco de dados ainda não permite o acesso aos documentos.8 8 Os textos não são armazenados no site, no entanto, sempre que existentes, são redirecionados, via links, para as bases de origem (sites, bancos de teses, catálogos de revistas acadêmicas etc) É comum que bases de dados bibliográficas evoluam para bibliotecas digitais, dando acesso, muitas vezes, ao texto completo. Alguns arquivos digitais se fundiram com bancos de dados não-bibliográficos ligados às universidades no sentido de investir em novos sistemas disciplinares. O sistema de gerenciamento do banco de dados bibliográficos JGR foi construído do zero. É customizável, qualquer um pode cadastrar qualquer tipo de referência bibliográfica, etiquetá-la de diferentes maneiras e disponibilizar para a pesquisas de usuários subconjuntos dessas referências, de acordo com essas “etiquetas”. Em seu sistema existem “telas” (formulários) de cadastro para cada tipo de item bibliográfico (livro, tese ou dissertação, capítulo de livro, artigo etc.). Nesse sentido, a entrada de dados é fácil e padronizada. O sistema está aberto a outras parcerias, caso outros professores ou pesquisadores queiram disponibilizar seus conjuntos de referências bibliográficas sobre temas de seu interesse.

A percepção da utilidade potencial desse empreendimento é sugerida pelas numerosas publicações que, ao longo do tempo, propuseram-se, no meio impresso, sem qualquer auxílio de informatização e com maiores empecilhos de pesquisa, a reunir bibliografia especializada. Uma investigação não muito onerosa poderá descobrir compilações concentradas em outros escritores das literaturas do mundo inteiro. Destaquemos aqui, pela constância da empresa e pelo fato de se manter no formato livro, a French XX Bibliography, que, desde 1885, anualmente, publica referências críticas e bibliográficas sobre literatura francesa. No Brasil, uma das primeiras reuniões bibliografias é a de Sacramento Blake, o Dicionário Bibliográfico Brasileiro, editado a partir de 1883. Dignos de nota são os trabalhos de Otto Maria Carpeaux, a Pequena Bibliografia Crítica da Literatura Brasileira, de 1951, e a Bibliografia do conto brasileiro, de Celuta Maria Gomes. Em 2015, Ubiratan Machado nos dá uma bibliografia crítica de Machado de Assis, abrangendo os anos de 1959 a 2003.

Naturalmente, as publicações impressas têm deficiências constitutivas. Apontemos três: (1) o embaraço em incluir achados retardatários, que só pode ser levado a cabo em nova edição ou tiragem; (2) o envelhecimento acelerado, à medida que novas referências bibliográficas vão surgindo; (3) as complicações de localização de registros quando o critério de seleção é menos trivial (as listagens só permitem uma forma concomitante de agrupamento e ordenação, cronológica e alfabética, por exemplo). As ferramentas informatizadas, por sua vez, quando bem elaboradas, vêm corrigir essas imperfeições: qualquer registro pode ser acrescido ao conjunto em qualquer tempo, sobretudo os mais recentes; as possibilidades de localização, agrupamento e ordenação de registros se multiplicam.

É crítico de qualquer forma que os cada vez mais abundantes repositórios de dados disponíveis na Internet não são capazes de fornecer uma solução definitiva ao problema. Hoje em dia, temos acesso aos principais catálogos de bibliotecas nacionais e estrangeiras, bem como aos bancos de produção científica da maioria das instituições de ensino e pesquisa do mundo e outras bibliotecas digitais. As dificuldades subsistem, não obstante. De maneira geral, essa proliferação de bases de dados obriga a que o pesquisador multiplique seus esforços em incursões parciais e isoladas, nessa tentativa de consolidar a bibliografia sobre um determinado tema ou autor de interesse. É verdade que existem iniciativas para a centralização de bancos de dados. O Google Books ou o site Worldcat.org, de fato, fazem um excelente trabalho de aglutinação dos catálogos de bibliotecas ao redor do planeta.

No Brasil, a CAPES e o IBICT promovem a unificação de bancos de dados locais de teses e periódicos acadêmicos num único repositório da produção científica nacional. Ainda assim, o quadro resulta incompleto e problemático. As bases de dados são, em regra, restritas tipologicamente, cronologicamente ou em escopo, isto é, quando não existe separação de formatos (livros, teses, artigos etc.), materiais mais antigos e não digitalizados são desconsiderados, ou o banco de dados só inclui a produção de autores que tenham vínculo com a instituição que hospeda o sistema de dados. Além disso, alguns tipos de produção bibliográfica não são sistematicamente cadastrados em qualquer base, como os capítulos de livros, trabalhos publicados em anais de eventos, matérias jornalísticas e os textos veiculados exclusivamente no meio Web.

A proposta de sistema de informação que o banco de dados bibliográfico João Guimarães Rosa (e outros similares) apresenta baseia-se, portanto, em dois pilares que almejam resolver os problemas apontados acima: primeiro, pela reunião, numa única ferramenta de pesquisa centralizada, de materiais bibliográficos de diversa tipologia (livros, capítulos de livros, artigos acadêmicos e jornalísticos, teses e dissertações, trabalhos publicados em anais etc.), sem restrições relativas a local (ou filiação institucional) ou época de produção; segundo, pela exclusão do repositório de qualquer registro que não se relacione diretamente com o tema proposto - Guimarães Rosa, ou outro -, medida que amplia as possibilidades do usuário encontrar, no menor tempo possível, o maior número de registros de seu interesse. Um banco de dados dessa natureza promove, ao mesmo tempo, o balanço desejado entre o esforço de inclusão/centralização (dos registros tematicamente associados) e supressão/expurgo (de todos os registros não relacionados).

O banco de dados bibliográfico João Guimarães Rosa ainda se aprimora em pelo menos mais dois pontos específicos. Nomes de autoridades, de instituições, de periódicos e palavras-chave são todos devidamente indexados, permitindo que se listem, a partir deles, todos os registros relacionados. Ademais, o banco de dados não é simplesmente um repositório “passivo” de referências bibliográficas, mas, para além disso, no processo de cadastramento desses registros vigora um procedimento editorial no qual cada referência é “etiquetada”9 9 Remetemos ao verbo “tag” do inglês, que, em grande parte dos sistemas de informação, funciona para identificação e agrupamento de registros. segundo algumas características não diretamente ligadas aos metadados de origem (título, autor, fonte, palavras-chave), mas inferidas a partir da leitura do texto (ou de seu resumo). Assim, assinala-se sempre, para cada estudo referenciado no banco de dados, quais autores (em adição a Guimarães Rosa) são nele citados ou discutidos, bem como quais os escritos de Rosa são analisados. Esse expediente de “etiquetagem” permite que o usuário visualize quais os nomes de personalidades citados em cada entrada bibliográfica, ou listar todos os estudos que mencionam ou examinam uma determinada composição de Guimarães Rosa. Para pesquisadores interessados numa determinada obra rosiana ou aplicados em estudos comparativos, esse tipo de “resposta” da ferramenta de pesquisa é valiosa.

O que diz o banco de dados sobre os estudos rosianos

Um sistema de informação nos moldes do banco de dados bibliográfico João Guimarães Rosa propicia pelo menos dois tipos de perspectiva sobre o perfil dos estudos críticos do autor de Sagarana. Primeiro, pode-se construir um mapa que revele as tendências por onde se inclinou a crítica ao longo do tempo: quais os escritos de Rosa mais comentados, como se deu o crescimento dos estudos no tempo, qual a sua distribuição entre as instituições de ensino e pesquisa, que temas são mais abordados, que tipos de análises comparativas foram realizadas etc. Uma segunda visada pode tentar descobrir como os pesquisadores atuais utilizam a ferramenta bibliográfica, esboçando assim uma imagem de para onde pode estar se orientando a crítica futura de Guimarães Rosa. Examinemos cada um desses ângulos.

O crescimento do número de estudos sobre Guimarães Rosa é o dado mais intuitivo e óbvio. Esse aumento acompanha a expansão dos cursos de pós-graduação universitários no Brasil, sobretudo neste século. Registremos os números, de qualquer maneira10 10 Todos os números que apresentarmos são aproximativos. Apesar de a bibliografia levantada pelo site abrigar a quase integralidade dos estudos conhecidos sobre Rosa, é impossível atestar que a totalidade deles está efetivamente referenciada. . No que tange à produção de teses e dissertações, o número delas não passa de 20 por ano até os anos 2000, estando, na verdade, mais próxima de apenas uma dezena. Já, nos anos mais recentes (2014 a 2018), a quantidade flutua entre 3 e 4 dezenas, o que implica num acréscimo de duas a três vezes. Quanto a artigos publicados em revistas acadêmicas, o quadro, naturalmente, é semelhante: No melhor dos anos, 1998, não passamos de meia centena de textos; dez anos depois, no centenário de nascimento de Rosa, o número ultrapassa os 150 artigos, e desde 2014 a quantidade não é menor que cem.

A repartição dos estudos entre centros produtores e divulgadores respeita também o tamanho e importância das instituições. USP, UNESP, UFRJ, UFMG, PUC/SP, PUC/RJ, UnB e UNICAMP aparecem como os principais centros de pesquisa por volume de teses e dissertações defendidas. Entre as revistas acadêmicas, as de Minas Gerais estão no topo entre as que publicam mais artigos: Scripta (PUC/MG), O Eixo e a Roda e Em Tese (UFMG); no mesmo patamar que elas, encontramos ainda a revista Itinerários (UNESP), Letras de Hoje (PUC/RS), a Revista da ANPOLL e Nonada (UNIRITTER), acompanhadas da Revista do IEB (USP), da Revista Garrafa (UFRJ) e da Contexto (UFES).

Uma terceira métrica, mais interessante, embora não exatamente imprevisível, diz respeito ao ranqueamento dos textos literários de Guimarães Rosa mais investigados pela crítica. O romance Grande sertão: veredas é disparado o escrito mais investigado, quase dez vezes mais do que o segundo colocado, o conto “A terceira margem do rio”. O volume de contos Sagarana e Tutameia (considerados os livros integralmente), aparecem na sequência. Quatro outras narrativas também bastante estudadas são “Campo geral”, “Meu tio o Iauaretê”, “O espelho” e “A hora e a vez de Augusto Matraga”. Numa linha comparativa, vale a pena mencionar quais são os outros autores de literatura mais estudados nesses mesmos textos que tematizam Guimarães Rosa. Pela ordem de frequência, a lista contém Machado de Assis, Mia Couto, Graciliano Ramos, Euclides da Cunha, Clarice Lispector e Luandino Vieira.

Outro modo de abordagem dos dados armazenados pelo banco de dados bibliográfico é a verificação do modo como a ferramenta é utilizada pelos usuários. Devemos observar, inicialmente, que o sistema de software não foi ativamente configurado para rastrear as operações dos usuários, procedimento que permitiria a geração de relatórios mais abrangentes e precisos. Tendo em vista essa carência, a possibilidade que sobra é a observação das requisições feitas ao servidor Web, mapeadas por uma ferramenta como o Google Analytics. Nesse escopo mais restrito, podemos recuperar com fidelidade apenas algumas informações: quais palavras-chave são as mais buscadas pelo sistema de busca do site; a segunda, que páginas de obra ou texto são as mais visitadas pelos usuários; que tipo de material é mais visualizado (livro, tese, artigo etc); e quais estudiosos de Rosa são mais procurados.

Os dez termos de buscas mais procurados pelos usuários foram: “primeiras estórias, corpo de baile, tutameia, sagarana, grande sertão veredas, cara de bronze, guimarães rosa, bicarato, espelho e massimo pinna.”11 11 Vale a pena citar alguns outros, embora sua incidência não seja sempre tão vultosa: “dúvida, willi bolle, antonio candido, poesia, buriti, magma, famigerado, sarapalha, biografia, campo geral, travessia, miopia, kafka, geografia, família, medo.” Já as páginas mais visitadas incluem títulos como “O mundo misturado”, de Davi Arrigucci Jr., As formas do falso, de Walnice Nogueira Galvão, “O homem dos avessos”, de Antonio Candido, Céu, inferno, de Alfredo Bosi, a tese “Tradução dos neologismos de Grande sertão: veredas”, de Eliana Amarante de Mendonça Mendes, o livro Os personagens de Grande sertão: veredas, de Napoleão Valadares, os artigos “Violência x violência: análise do conto ‘Esses Lopes’, de Guimarães Rosa”, de Alexandre Vilas Boas da Silva, e “A linguagem de Clarice Lispector e a de Guimarães Rosa”, de Tania Boff Silva, a tese “As mulheres e o mundo do sertão na obra de Guimarães Rosa”, de Catarina Meloni Assirati, e “Análise da linguagem regionalista no conto ‘A hora e a vez de Augusto Matraga’, de Guimarães Rosa, de Manoel Couto, Daniela Duarte e Alessandra Melo. É preciso ter em mente que os visitantes do site talvez não estivessem necessariamente interessados nesses textos específicos, mas que, a partir de um sistema de busca genérico (como o Google), e do uso de palavras-chave constantes nesses títulos, terminaram por serem direcionados ao site da USP. De qualquer forma, isso já permite verificar que termos como “neologismo”, “personagens”, “grande sertão: veredas”, “violência”, “linguagem”, “Clarice Lispector”, “mulheres”, “sertão”, “mundo”, “A hora e a vez de Augusto Matraga” estão sendo combinados entre si por interessados na obra de Rosa.

Também é possível verificar uma sutil preferência dos usuários pela navegação das listas de livros e teses, em detrimento de artigos e capítulos de livros, talvez porque os primeiros formatos, devido à quantidade total relativamente mais reduzida, faculta ser percorrida na sua integralidade, enquanto os mais de 2 mil artigos acadêmicos e jornalísticos e os mais de mil capítulos de livros imponham a utilização de algum filtro para a limitação dos registros. O sistema também exibe páginas de autores, em que se listam os textos críticos que cada um produziu sobre Guimarães Rosa. As páginas mais acessadas são as de Antonio Candido, Elvira Livonete Costa, Walnice Nogueira Galvão, Kathrin Holzermayr Rosenfield, Ana Luiza Martins Costa, Roberto Schwarz, Eduardo de Faria Coutinho, Lélia Parreira Duarte e Maria Lúcia Guimarães de Faria.

As palavras-chave mais pesquisadas no ano de 2017 foram: 1) Corpo de Baile; 2) Primeiras Estórias; 3) Poesia; 4) Magma; 5) Buriti; 6) Cara-de-bronze; 7) Grande Sertão: Veredas; 8) Tutameia. Merece destaque a nosso ver aqui as terceiras e quartas posição, respectivamente “poesia” e “Magma”, este sendo o livro de poemas renegado por Rosa, somente publicado após sua morte. O fato de “Magma” e a “poesia” aparecerem bem posicionados (em 2017) revela e aprofunda, a nosso ver, o imaginário de Guimarães Rosa como “poeta”, algo pouco destacado se analisado o conjunto das representações do escritor comumente visto como “novelista”, “contista” ou mesmo “romancista”.

Em uma estimativa bastante aproximada de quais obras de Guimarães Rosa são mais procuradas pelos usuários do banco de dados, nos estudos bibliográficos cadastrados, estão: 1) Grande Sertão: Veredas; 2) A Terceira Margem do Rio; 3) Sagarana; 4) Tutameia; 5) Campo Geral; 6) O Espelho; 7) Meu tio o Iauaretê; 8) A Hora e a Vez de Augusto Matraga; 9) Primeiras Estórias; 10) O Recado do Morro. Aqui temos a reiteração, predominância e permanência do clássico Grande Sertão: Veredas, de 1956, como obra de referência.

Na lista das 28 instituições que mais publicaram teses e dissertações, encontramos: USP, 110; Unesp, 56; UFRJ, 40; UFMG, 37; PUC/SP, 21; PUC/RJ, 21; UnB, 18; Unicamp, 17; UFRN, 15; UFRGS, 13; UFPA, 13; UERJ, 12; PUC/MG, 10; UFPB, 10; UFES, 10; UFC, 10; UFSC, 8; UEL, 7; UFF, 7; UFU, 6; UFPE, 5; PUC/GO, 5; UFG, 5; UFPR, 4; UFBA, 4; UFJF, 4; CESJF (MG), 3; UEFS, 3. Aqui, o destaque é, sem dúvida, para a significativa produção de teses e dissertações por parte da Universidade de São Paulo (USP), com larga vantagem sobre as demais, e pioneira nos estudos rosianos.

Conclusões

Sabemos que a busca humana por conhecimento deve necessariamente dialogar com a organização deste mesmo conhecimento. Foi assim que a produção e a reprodução de pergaminhos, na antiguidade, e do livro, na idade média, exigiu locais de abrigo desta documentação. Sabemos também que esta produção e organização dos saberes é complexa e nem sempre dialoga profundamente com os mecanismos de guarda documental e com os dispositivos informacionais que lhe dão suportes e com a transdisciplinaridade.

É o caso da plataforma de pesquisa criada por Frederico Camargo, que tem como objetivos futuros alimentar seus sistemas pela inserção de novos estudos e, por conseguinte, com a ampliação do formato do banco de dados para todos os autores de literatura brasileira. Uma proposta ousada, sem dúvida. Camargo quer nada menos do que criar um gigantesco banco de dados bibliográficos dedicado à literatura brasileira, com sites especializados em Machado de Assis, Graciliano Ramos, Clarice Lispector, Mário de Andrade, entre outros. Outra hipótese é a de atentar para abordagens diferenciadas, recortes temporais, tipológicos ou temáticos diversos, enfim, “objetos transversais”.

O aprimoramento da ferramenta de pesquisa no banco de dados passa também por novos desafios: 1) agregar às informações bibliográficas em um banco de dados enciclopédico, isto é, um conjunto de verbetes sobre literatura brasileira e como cada um deles se relacionaria com cada autor; 2) agregar um dicionário de personagens de literatura brasileira; 3) criar um ambiente onde o pesquisador possa fazer login e compor listas das suas referências bibliográficas de interesse e, até, armazenar suas notas de leitura; 4) mapear e divulgar os eventos sobre literatura brasileira (congressos, palestras, lançamentos de livros etc.), de modo que, um dia, quando alguém quiser qualquer informação sobre a literatura brasileira (antiga ou atual), terá esse site como fonte de pesquisa preferencial.

A projeção e as expectativas de futuro não fazem com que Camargo perca de vista as lacunas atuais em seu sistema. Não ignora que necessita voltar a aperfeiçoar o banco de dados com relação às resenhas e estudos publicados em jornais, entre 1946 e 1967, que ele ainda não conseguiu cadastrar (informação acessível, já que Guimarães Rosa guardou a quase totalidade desse material no seu próprio arquivo). Este trabalho solitário, feito sem nenhum apoio financeiro, a não ser pelo abrigo de uma bolsa de doutorado entre 2014 e 2018, terá de fazer com que se Camargo obrigue a rever item por item do arquivo pessoal de JGR no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), para que as datas e locais de publicação estejam em convergência e exatidão. É um trabalho que ele não tem condições de levar adiante, no momento. Por fim, outra lacuna percebida por Camargo está no design, no aperfeiçoamento estético da plataforma, ajustes na navegação, na maneira apresentar os resultados de busca, na performance (velocidade de navegação) que ainda não é a desejada.

REFERÊNCIAS

  • BANCO DE DADOS BIBLIOGRÁFICO JOÃO GUIMARÃES ROSA. Disponível em: Disponível em: https://www.usp.br/bibliografia/ Acessado em: 26 maio 2021.
    » https://www.usp.br/bibliografia/
  • CADERNOS de Literatura Brasileira. João Guimarães Rosa São Paulo: Instituto Moreira Salles, v. 12, n. 20-21, dez. 2006.
  • CAMARGO, Frederico Antonio Camillo. O banco de dados bibliográfico João Guimarães Rosa Destinatário: Gustavo Castro Silva. [S. l.], 10 maio 2018. 1 mensagem eletrônica.
  • COUTINHO, Eduardo F. (org.). Guimarães Rosa Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983.
  • COVIZZI, Lenira Marques; VERLANGIERI, Iná Valéria Rodrigues. Pequena bibliografia de João Guimarães Rosa. Revista do IEB, São Paulo, n. 41, p. 213-232, 1996.
  • DOYLE, Plínio. Contribuição à bibliografia de & sobre João Guimarães Rosa Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1968. 61 p.
  • REVISTA DIÁLOGO. São Paulo, Editora Sociedade Cultural Nova Crítica, n. 8, nov. 1957
  • 1
    Sandra Vasconcelos é professora, pesquisadora e foi uma das primeiras a trabalhar com o arquivo de JGR, ainda na década de 1980.
  • 2
    Link: http://webvc.library.vanderbilt.edu:8202/WebZ/VUAuthorize?sessionid=0
  • 3
    Link: https://www.worldshakesbib.org/
  • 4
    https://lhwei.gbv.de/DB=4.1/
  • 5
    Link: http://www.reuniaobibliografica.com.br/
  • 6
    http://literaturajuvenilempauta.com.br/
  • 7
    http://www.unicamp.br/iel/memoria/LiteraturaPopular/BancodeDados/index.htm
  • 8
    Os textos não são armazenados no site, no entanto, sempre que existentes, são redirecionados, via links, para as bases de origem (sites, bancos de teses, catálogos de revistas acadêmicas etc)
  • 9
    Remetemos ao verbo “tag” do inglês, que, em grande parte dos sistemas de informação, funciona para identificação e agrupamento de registros.
  • 10
    Todos os números que apresentarmos são aproximativos. Apesar de a bibliografia levantada pelo site abrigar a quase integralidade dos estudos conhecidos sobre Rosa, é impossível atestar que a totalidade deles está efetivamente referenciada.
  • 11
    Vale a pena citar alguns outros, embora sua incidência não seja sempre tão vultosa: “dúvida, willi bolle, antonio candido, poesia, buriti, magma, famigerado, sarapalha, biografia, campo geral, travessia, miopia, kafka, geografia, família, medo.” Já as páginas mais visitadas incluem títulos como “O mundo misturado”, de Davi Arrigucci Jr., As formas do falso, de Walnice Nogueira Galvão, “O homem dos avessos”, de Antonio Candido, Céu, inferno, de Alfredo Bosi, a tese “Tradução dos neologismos de Grande sertão: veredas”, de Eliana Amarante de Mendonça Mendes, o livro Os personagens de Grande sertão: veredas, de Napoleão Valadares, os artigos “Violência x violência: análise do conto ‘Esses Lopes’, de Guimarães Rosa”, de Alexandre Vilas Boas da Silva, e “A linguagem de Clarice Lispector e a de Guimarães Rosa”, de Tania Boff Silva, a tese “As mulheres e o mundo do sertão na obra de Guimarães Rosa”, de Catarina Meloni Assirati, e “Análise da linguagem regionalista no conto ‘A hora e a vez de Augusto Matraga’, de Guimarães Rosa, de Manoel Couto, Daniela Duarte e Alessandra Melo.

Editado por

Editor-chefe:

Rachel Esteves Lima

Editor executivo:

Regina Zilberman

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    20 Fev 2022
  • Aceito
    05 Mar 2022
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