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O PROCESSO DE IDENTIZAÇÃO DOCENTE EM UM CURSO DE EDUCAÇÃO FÍSICA NA PERSPECTIVA DE SEUS DISCENTES

THE CONSTITUTION OF TEACHER IDENTIFICATION OF A FIRST DEGREE IN PHYSICAL EDUCATION IN THE PERSPECTIVE OF ITS STUDENTS

RESUMO

Este artigo traz apontamentos sobre as ações interventivas de um curso de Licenciatura em Educação Física de uma Universidade Pública do estado do Rio Grande do Sul/Brasil e sua relação com o processo de identização docente na percepção dos seus discentes. Participaram da pesquisa acadêmicos em fase de conclusão do curso, através de debates em um grupo focal. Das informações coletadas emergiram-se duas categorias de análise: os facilitadores e as barreiras no processo de identização docente. Dos achados da pesquisa pode-se concluir que esse processo é reflexo da individualidade do sujeito, da participação em ações formativas proporcionadas no decorrer de sua formação inicial e de suas experiências de vida a partir das relações interpessoais que os motivam a seguir na profissão escolhida. Por isso, a importância e necessidade de avaliações e reflexões contínuas sobre os conhecimentos e saberes proporcionados ao longo da trajetória formativa na universidade ao encontro com a escola.

Palavras-chave:
Educação Superior; Capacitação de professores; Docentes; Educação Física

ABSTRACT

This paper presents notes on the intervention actions of a first degree in Physical Education from a Public University of the state of Rio Grande do Sul / Brazil and its relation with the process of teacher identification in the perception of its students. Participated in the research, academics at the conclusion of the course, through discussions in a focus group. From the information collected, two categories of analysis emerged: facilitators and barriers in the process of teacher identification. From the findings of the research it can be concluded that this process is a reflection of the individuality of the subject, of participation in formative actions provided in the course of his initial formation and of his life experiences from the interpersonal relationships that motivate them to follow in the chosen profession. Therefore, the importance and necessity of evaluations and continuous reflections on the knowledge provided throughout the formative trajectory in the university to the encounter with the school.

Keywords:
Education, Higher; Teacher Training; Faculty; Physical Education

Introdução

A escolha por uma profissão está vinculada a ação pessoal marcada pela trajetória de vida, seja por experiências anteriores, como também pelos vínculos existentes com outros sujeitos em diferentes esferas da sociedade. A opção por um curso de Licenciatura, por exemplo, já demonstra que o interesse do sujeito é de se tornar docente, visto que a profissão professor é uma das poucas que o futuro profissional antes mesmo de escolher a carreira já a vivenciou.

Em qualquer área de intervenção, pode-se destacar que o sujeito, até se reconhecer enquanto profissional, passa por diferentes momentos marcantes que, de maneira positiva ou negativa, vão construindo o seu Ser profissional. Folle et al.11 Folle A, Farias GO, Boscatto JD, Nascimento JV. Construção da Carreira Docente em Educação Física: escolhas, trajetórias e perspectivas. Movimento 2009;15(1):25-49. destacam que a trajetória profissional é marcada por múltiplos acontecimentos, desafios, frustrações e conquistas que corroboram na construção da identidade da pessoa no decorrer da sua carreira.

Um dos momentos marcantes dessa construção é a formação inicial proposta pelas instituições de ensino superior, a qual possui um caráter fundamental na constituição desse profissional. Nesse sentido, ao direcionarmos os olhares para a formação de professores, percebe-se o papel fundamental que as Licenciaturas possuem para a concretização desse processo, visto que é a partir desses cursos que se formam os futuros docentes, responsáveis por educar as novas gerações22 Marcelo García C. Formação de Professores: para uma mudança educativa. Tradução de Isabel Narciso. 2.ed. Portugal: Porto Editora; 2005..

Tal fato nos remete a pensar sobre nossa área, a Educação Física, em especial o curso de Licenciatura e suas ações para a construção desses profissionais da educação, visto que, atualmente, a área da Educação Física escolar ainda carece de olhares e direcionamentos, principalmente, na atuação dos professores frente à escola contemporânea. Sabe-se que a cultura imposta na maioria das escolas brasileiras ainda não reconhece a disciplina como um importante componente curricular, fragilizando nosso papel frente à educação.

Pensar em professores de Educação Física capazes de reverter esta cultura e legitimar a área perante a sociedade, com práticas inovadoras e significativas para a vida dos seus alunos, torna-se essencial. Contudo, para que isso aconteça, um dos caminhos está na formação inicial, a qual precisa possibilitar uma articulação entre universidade e escola de forma a amenizar o choque com a realidade e instigar boas práticas, lapidando nos futuros professores uma identidade docente inicial condizente com o que se espera de um professor de Educação Física. Nessa direção, pode-se problematizar: como o curso de Licenciatura em Educação Física possibilita uma formação capaz de consolidar rabiscos iniciais no processo de identização docente dos futuros professores?

O conceito de identização, para esta pesquisa, apoia-se na ideia de Melucci33 Melucci A. O jogo do eu: a mudança de si em uma sociedade global. São Leopoldo: Unisinos; 2004. para expressar o caráter processual, autoreflexivo e construído pelo sujeito de si mesmo. Para o autor a palavra identidade parece inadequada para dar conta das mudanças que acontecem ao longo da trajetória de vida de cada pessoa, ou seja, dos processos conscientes de individuação, os quais são vividos mais como ação do que como situação33 Melucci A. O jogo do eu: a mudança de si em uma sociedade global. São Leopoldo: Unisinos; 2004.. Assim, entende-se o processo de identização docente como a forma de construção da docência, do Ser e Fazer-se docente, por meio das relações sociais que o sujeito estabelece com a instituição de ensino superior, escola (campo de estágio e das práticas curriculares), colegas de graduação, professores, espaços formativos para além da universidade e consigo mesmo44 Silva LO, Molina Neto V. O processo de identização docente na Rede Municipal de Porto Alegre. Educ Real 2010;35(1):209-231.

5 Molina Neto V, Molina RK, Silva LO. O processo de identização docente e a formação em Educação Física para o trabalho docente no contexto escolar. In: Nascimento JV, Farias GO, editores. Construção da identidade profissional em Educação Física: da formação a intervenção. Florianópolis: Editora da UDESC; 2012, p. 519-542.
-66 Medeiros CR, Borowski EBV, Krug HN, Conceição VJS. Identização docente de professores de Educação Física no início de carreira. Educ Perspect 2014;5(2):31-49..

Sendo assim, ao considerar esses aspectos supracitados e, principalmente, diante dos desafios postos à Licenciatura em Educação Física, o objetivo dessa investigação se configurou em analisar os elementos constituintes da formação inicial do curso de Licenciatura em Educação Física da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e sua relação com o processo de identização docente, a partir da voz dos seus discentes.

Métodos

Esta pesquisa se caracterizou por ser descritiva e teve como enfoque a abordagem qualitativa. Pode-se dizer que a pesquisa qualitativa possui um reconhecido lugar entre as diversas possibilidades de se pesquisar os fenômenos que envolvem os seres humanos e suas intrincadas relações sociais, estabelecidas em múltiplos ambientes77 Godoy AS. Pesquisa qualitativa: tipos fundamentais. Rev adm empres 1995;35(3):20-29.. Triviños88 Triviños A. Introdução à pesquisa em ciências sociais - pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas; 1987. menciona que a pesquisa qualitativa pretende compreender uma realidade complexa, isto é, os acontecimentos que nela se sucedem, os quais precisam ser compreendidos como parte do todo. No caso dessa pesquisa, o foco foi entender como o processo de identização docente acontece por meio das ações interventivas do curso de Licenciatura em Educação Física da UFSM.

Para alcançar o objetivo do estudo, foram convidados a participar da investigação 18 acadêmicos do referido curso, matriculados na disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso. O motivo pela escolha dos acadêmicos dessa disciplina se constitui porque um dos pré-requisitos para cursá-la é já ter realizado todos os Estágios Curriculares Supervisionados (ECS) e estar em fase de conclusão do curso, o que demonstra que esses sujeitos já apresentam um conhecimento expressivo do curso que estão finalizando.

Nesse sentido, após o contato inicial com todos, obteve-se retorno de seis acadêmicos, os quais se configuram como os sujeitos deste estudo (Quadro 1). O número de participantes se deu conforme a disponibilidade e interesse em participar da pesquisa, visto que foi preciso reunir todos em um mesmo local e ao mesmo tempo para a coleta das informações, bem como, após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Destaca-se também que esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Estadual de Maringá sob o parecer n. 1.715.040.

Quadro 1
Perfil dos sujeitos da pesquisa

A coleta das informações se deu a partir da estratégia do grupo focal. Para Gatti99 Gatti B. Grupo focal na pesquisa em Ciências Sociais e Humanas. Brasília: Líber Livro Editora; 2005., o grupo focal pode ser caracterizado como um conjunto de pessoas selecionadas e reunidas por pesquisadores que discutirão e comentarão um tema, que é o objeto da pesquisa, a partir de suas experiências pessoais. Vale ressaltar, que o número adequado de participantes dos grupos focais para pesquisas em Ciências Humanas e Sociais é de seis a dez pessoas99 Gatti B. Grupo focal na pesquisa em Ciências Sociais e Humanas. Brasília: Líber Livro Editora; 2005..

Para este estudo foi realizada uma sessão com o grupo focal, a partir de um roteiro de debate, conduzido por um mediador-pesquisador (o qual não possui vínculo com o curso pesquisado), com questões-chave divididas em duas etapas: 1ª) Compreensão e constituição da identização docente; e, 2ª) Articulação das ações formativas do curso com o processo de identização docente. Cada participante pode expressar sua percepção sobre os assuntos, relembrando sua trajetória durante o curso.

As informações obtidas pela pesquisa foram analisadas com base na análise de conteúdo, seguindo os procedimentos metodológicos utilizados a partir da perspectiva qualitativa: categorização, inferência, descrição e interpretação1010 Gomes R. Análise e interpretação de dados de pesquisa qualitativa. In: Minayo MCS, editor. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 29.ed. Petrópolis: Vozes; 2010.. Este tipo de análise se constitui numa técnica de análise de comunicação, tanto escrita quanto dita, que tem por finalidade a interpretação da mensagem, de modo objetivo e subjetivo. A partir das discussões geradas pelo grupo, por meio das falas dos acadêmicos, foram levantados os indicadores descritivos das respostas, o quais ao se agruparem formaram as subcategorias e categorias de análise: 1) Facilitadores do processo de identização docente; e, 2) Barreiras no processo de identização docente.

Resultados e Discussão

Por meio da análise dos dados coletados, podem-se evidenciar a posteriori duas categorias de apresentação dos resultados: facilitadores do processo de identização docente; e, barreiras no processo de identização docente.

Facilitadores do Processo de Identização Docente

Dos elementos que caracterizam os facilitadores do processo de identização docente (Figura 1), constituem-se duas subcategorias de análise, uma relacionada às ações (extra)curriculares (aqui traduzidas como as ações proporcionadas pelos professores do curso para além das disciplinas com os conteúdos curriculares de natureza científico-cultural) e outra caracterizada pelas relações interpessoais.

Figura 1
Facilitadores do processo de identização docente

Conforme a Figura 1, a primeira subcategoria remete as ações (extra)curriculares que são proporcionadas aos acadêmicos durante a formação inicial. Uma dessas ações se constitui na representatividade dos núcleos/grupos de estudos e pesquisas proporcionados à comunidade universitária, os quais, para os acadêmicos, consolidam-se como espaços que influenciam na construção do Ser professor. É a partir do envolvimento nesses ambientes formativos que eles adquirem outros conhecimentos necessários para além dos proporcionados pelo currículo estruturante do curso: [...] a partir da inserção nos grupos de estudos, que tu focas em uma linha de pesquisa, tu focas o ser professor naquela linha que tu estás no projeto, até por tu se identificar mais com aquilo [...] te aprofunda nos grupos de pesquisa (A4). [...] a gente busca também nos grupos o que a formação inicial não está nos suprindo [...] então os grupos de pesquisa, de estudo, eles seriam pontos positivos que nos auxiliam nessa formação da identidade do ser professor (A1).

A partir das falas, nota-se também a importância desses espaços para a formação do futuro professor, ou seja, o papel dos Núcleos/Grupos de estudo e pesquisa para a constituição da identização docente do acadêmico. Evidências semelhantes são encontradas no estudo de Ilha e Krug1111 Ilha FRS, Krug HN. A Licenciatura em Educação Física e seus espaços formativos. Ativ Fís Lazer & Qual Vida R Educ Fís 2011;2(1):49-70., as quais vão ao encontro da importância dada pelos acadêmicos participantes para os grupos de estudo que pertencem, destacando a importância da busca em ampliar os conhecimentos abordados nas disciplinas do curso, qualificando a formação de cada um no que se refere às temáticas trabalhadas nesses espaços formativos. Destaca-se que o curso estudado se propõem a oferecer (por meio de seus docentes) tais espaços, o que se configura como significativo na trajetória formativa do futuro professor.

Outro ponto lembrado pelos acadêmicos é a atuação em programas como o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID). O trabalho nesse programa se torna outra maneira de articulação entre a teoria e a prática para além das disciplinas do curso, como reporta a participante A3: “[...] aprendi a ser professora com o projeto PIBID, porque daí tu sai, tu enfrenta mesmo, se tem dificuldade, tu trabalha em cima dessa dificuldade”.

Braibante e Wollmann1212 Braibante MEF, Wollmann EM. A influência do PIBID na formação dos acadêmicos de química Licenciatura da UFSM. Quím Nova Esc 2012;34(4):167-172. trazem em seu estudo relatos dos bolsistas do PIBID, que assim como os acadêmicos participantes dessa pesquisa, informam que esse programa influenciou de maneira significativa para sua futura atuação profissional. Para as autoras, o PIBID tem como característica a ideia de despertar maior interesse pelo magistério, o que pode proporcionar aos acadêmicos bolsistas uma atuação diferenciada futuramente na escola, já que os mesmos podem adquirir mais consciência e amadurecimento em relação à docência.

Ainda nessa perspectiva de teoria e prática, os acadêmicos destacam a importância dos ECS na constituição do processo de identização docente durante a formação inicial. “[...] nos estágios [...] dessa questão da prática mesmo, acho que naquele momento que tu estás ali em frente aos alunos, tu tens que passar um conhecimento a eles e é ali que tu vais se construindo como professor, a partir de desafios que vem pra ti” (A2).

Os ECS podem ser caracterizados como espaços privilegiados da formação teórica com a vivência profissional1313 Oliveira AAB, Silva Jr APS, Bisconsini CR, Flores PP. O Estágio Curricular Supervisionado na formação permanente do professor de Educação Física. In: Pontes Jr JAF, editor. Conhecimentos do professor de Educação Física escolar. Fortaleza: EdUECE; 2017, p. 64-94.. Conforme Krug et al.1414 Krug HN, Krug RR, Marques MN, Conceição VJS. Ser professor na escola: de aluno a professor no estágio curricular supervisionado na Licenciatura em Educação Física. Linhas 2015;16(30):248 - 269. essa interface teórico-prática constitui-se de uma relação diária entre o saber e o fazer, entre conhecimentos acadêmicos disciplinares e o confronto com os problemas decorrentes da vivência de acontecimentos próprios do ambiente escolar.

Contudo, é interessante ressaltar que o estágio não deve ser considerado como uma aplicação de teorias, e sim como resultado de uma construção teórica desenvolvida ao longo do curso de formação inicial, cujo currículo se constrói e se desenvolve na inter-relação teoria-prática1515 Rodrigues MA. Quatro diferentes visões sobre o estágio supervisionado. Rev Bras Educ 2013;18(55):1009-1067.. Tardif1616 Tardif M. Saberes docentes e formação profissional. 17.ed. Petrópolis: Vozes; 2014. completa esta ideia ao mencionar que a prática profissional não é simples aplicação de teorias elaboradas fora dela, mas um espaço original e relativamente autônomo de aprendizagem e de formação para os futuros docentes. Assim, a formação profissional é redimensionada para a prática e, consequentemente, para a escola enquanto lugar de trabalho dos professores. Neste sentido, o aprendizado de associar teoria e prática é uma das principais contribuições positivas do ECS para a formação profissional em Educação Física1717 Silva M, Krug HN. A opinião discente sobre o Estágio Curricular Supervisionado em Educação Física na UFSM. In: Krug HN, editor. Dizeres e fazeres sobre formação de professores de Educação Física. Santa Maria: [s.n.]; 2007, p. 46-53..

Estudos recentes1818 Pires V. A construção da identidade docente em Educação Física: Um estudo com estudantes-estagiários de cursos de formação de professores em Florianópolis/SC, 2016. Tese (Doutorado em Educação Física), Universidade Federal de Santa Catarina; 2016.,1919 Flores PP. O processo de identização docente durante o estágio curricular supervisionado: em jogo no campo da Educação Física, 2018. Tese (Doutorado em Educação Física), Universidade Estadual de Maringá; 2018. destacam que é por meio do ECS que os futuros professores de Educação Física constituem seus rabiscos inicias do Ser docente. O processo de identização docente somente se efetua por meio da vivência e/ou experiência na prática escolar, ao encenarem o papel de professor. Contudo, ressalta-se que só conseguem executar tal papel pela influência e escolhas que a formação inicial possibilita em seu percuso formativo.

Interligado a primeira subcategoria, podem-se estruturar os elementos que constituem a segunda subcategoria denominada de relações interpessoais. Para além dos espaços formativos (extra)curriculares citados anteriormente, nota-se que as relações entre os agentes, que são consolidadas durante a formação inicial, tornam-se também peças-chave na constituição do processo de identização docente dos futuros professores de Educação Física.

Por exemplo, nos ECS, os acadêmicos participantes dessa pesquisa destacam como significativo na construção da sua docência o papel do professor-colaborador da escola. “[...] na escola tem também uma boa troca com os professores [...] em certas questões a gente tem um bom retorno, sabe, tem um bom auxílio, claro que pelas experiências deles, com certeza, situações que a gente nunca passou e eles já passaram” (A1). Ressalta-se que o Professor-colaborador é o professor da escola de educação básica que recebe estagiários em condição oficial de ECS, esse oferece aos futuros docentes elementos da sua experiência, possibilitando que os mesmos descubram os macetes da profissão, assim oferecendo condições e espaço para os licenciados colocarem em prática seus conhecimentos didático-pedagógicos2020 Benites LC, Souza Neto S, Borges C, Cyrino M. Qual o papel do professor-colaborador no contexto do estágio curricular supervisionado na Educação Física? Rev Bras Ciênc Mov 2012;20(4):13-25..

Essa representatividade também é abordada na investigação de Benites et al.2020 Benites LC, Souza Neto S, Borges C, Cyrino M. Qual o papel do professor-colaborador no contexto do estágio curricular supervisionado na Educação Física? Rev Bras Ciênc Mov 2012;20(4):13-25., os quais relatam que os professores-colaboradores entrevistados percebem que possuem uma atribuição importante para os futuros professores, embora ainda não tenham claro qual realmente seria sua função com relação à formação dos Licenciados. Contudo, é possível constatar que antes de uma relação profissional, esses professores e os acadêmicos-estagiários constroem uma relação afetiva, a qual pode conduzir o aprendizado da profissão e a troca de experiências de forma satisfatória ou não2020 Benites LC, Souza Neto S, Borges C, Cyrino M. Qual o papel do professor-colaborador no contexto do estágio curricular supervisionado na Educação Física? Rev Bras Ciênc Mov 2012;20(4):13-25..

Ainda nessa direção das relações interpessoais, os participantes dessa pesquisa também destacam a troca de experiência entre os pares como um ponto positivo para a constituição do processo de identização docente. Eles caracterizam essa ação como uma das maneiras de se construir enquanto professor: [...] no estágio ou nas disciplinas têm bastante troca entre nós colegas [...] pelas diferentes experiências que cada um traz, e que acaba sempre acrescentando, né, ou até as críticas que a gente tem sobre isso, que a partir delas a gente constrói também alguma coisa (A6) [...] às vezes tem dificuldades como, por exemplo: como agir com alunos ou com a turma, que a colega tem mais facilidade, então há uma troca [...] ela: “Ah! Quem sabe tu fazes assim, assim, assado!” Daí eu tento [...] há uma troca de experiências e isso ajuda a enriquecer o nosso cotidiano (A2).

Notam-se, a partir das falas dos acadêmicos, que o processo de identização docente também se constitui a partir das redes de relações com os demais colegas, futuros profissionais. Discutir sobre a escola ou sobre outros elementos que caracterizam a área da Educação Física nas disciplinas e que podem/devem ser transferidos para o ambiente escolar, traduz-se em possibilidades para construção do Ser e Fazer-se docente1919 Flores PP. O processo de identização docente durante o estágio curricular supervisionado: em jogo no campo da Educação Física, 2018. Tese (Doutorado em Educação Física), Universidade Estadual de Maringá; 2018..

A partir das trocas de experiências entre os acadêmicos na graduação, em especial nos ECS, há a probabilidade de criação de um ambiente próprio para o desenvolvimento intelectual, estimulando-os a expor saberes e a criticar e enriquecer as práticas, através das suas vivências e das experiências de seus colegas. Tal ação pode se tornar rotina na ação educativa desses futuros profissionais, os quais poderão refletir sobre suas práticas pedagógicas, ao buscar conversar entre os pares, trocar ideias, ficar em dúvida sobre a forma como estão conduzindo suas práticas, para então detectar pontos positivos e negativos no que estão fazendo. É a partir desses diálogos que podem perceber o quanto estão contribuindo para que as suas aulas tenham um papel significativo na vida dos alunos2121 Ferreira FF, Krug HN. A reflexão na Prática de Ensino em Educação Física. Kinesis 1999; 21(2):11-30.,2222 Flores PP, Krug HN. Formação inicial de professores de Educação Física: o estágio curricular supervisionado em contexto escolar inclusivo. Pesquiseduca 2014;6(11):190-215..

Outro ponto levantado pelos participantes (A1, A2, A3, A4, A5 e A6) está relacionado à aproximação e afinidade com os professores da graduação e os reflexos positivos dessa parceria na constituição profissional dos mesmos. Pensarmos na interação professor-aluno, de forma saudável, complementar, dialógica, na qual o professor investe na aprendizagem significativa do acadêmico e constrói alternativas de conquistá-lo para o provocador processo de se abrir para o novo, construindo conhecimentos e atitudes de forma ativa e autônoma, não é uma tarefa fácil2323 Santos CP, Soares SR. Aprendizagem e relação professor-aluno na universidade: duas faces da mesma moeda. Estud Aval Educ 2011;22(49):353-370.. Nesse sentido, precisa-se que o professor, formador de professores, reconheça que para além do ensino da(s) sua(s) disciplina(s) específica(s), ele também deve facilitar a aprendizagem consciente sobre atitudes e valores, alimentando um processo de formação interdisciplinar e humana.

Para os acadêmicos participantes deste estudo, as relações estabelecidas com os professores da escola e da universidade, bem como com os próprios parceiros de graduação, concretizaram-se como elementos positivos para a constituição do Ser professor de cada um. O curso, na figura de seus docentes, busca efetivar e dar significado a essas relações interpessoais dentro da trajetória formativa do futuro professor, no entanto, vale lembrar que tal processo somente se concretiza por meio da conscientização, articulação e autoformação do próprio acadêmico.

Barreiras no Processo de Identização Docente

Embora sejam apontados pelos discentes do curso de Licenciatura em Educação Física da UFSM aspectos facilitadores para o processo de identização docente, também se constataram barreiras neste processo durante a formação inicial do referido curso (Figura 2). As barreiras apresentadas pelos acadêmicos emergem a partir de duas subcategorias: currículo e ação docente, sendo esta última interpretada como atividades que o professor realiza - no coletivo ou individual, supondo o desenvolvimento de certas atividades materiais, orientadas e estruturadas2424 Pimenta SG, Lima MS. Estágio e docência: diferentes concepções. Poíesis Pedagóg 2006;3(4):5-24..

Figura 2
Barreiras no processo de identização docente

A partir da Figura 2, nota-se na subcategoria do currículo que um dos indicadores levantado é a desorganização da grade curricular. Para os discentes, a sobrecarga de disciplinas e/ou carga horária excessiva, torna-se um limitante na realização de atividades acadêmicas (extra)curriculares que podem influenciar de maneira significativa no processo de identização docente durante a formação inicial: [...] no início do curso é sobrecarregado de cadeiras [...] aí dizem: “ - tu tens que entrar em grupos de pesquisas, em grupos de estudos, em núcleos!” Mas tu só vais conseguir entrar, ter o tempo que necessita para o grupo só lá no 5° semestre, 6°, anteriormente tu não consegues (A1). É impossível, ou tu fazes as disciplinas ou tu optas por estar no grupo (A4).

Nota-se que a estrutura curricular proporcionada para cada semestre, sua carga horária e disposição durante os dias da semana, são fatores que podem se tornar positivos ou negativos para a formação do acadêmico, principalmente ao se refletir sobre as atividades que são desenvolvidas para além das disciplinas curriculares. Nesse sentido, as reflexões iniciais, feitas pelo corpo docente do curso, referentes aos critérios a serem utilizados para a elaboração de um currículo são necessárias para se obter sucesso no processo de desenvolvimento do discente, já que a participação de todos os envolvidos nesse trabalho é essencial. Assim, a construção da grade curricular pode ser assumida como responsabilidade de todos, de forma a sistematizar as atividades que constituem o currículo e as atividades que são propiciadas para além dele, questionando as experiências vivenciadas como educador e estabelecendo em grupo as mudanças necessárias2525 Fensterseifer A. Avaliação da aprendizagem no ensino superior. Florianópolis: Editora UFSC; 1998., como também, ajustando da melhor maneira a carga horária essencial e significativa para cada semestre.

Outro ponto que se destaca é o currículo abstrato. Para os acadêmicos, o que é apresentado como teoria do currículo (em especial no corpo das disciplinas), na prática é abordado de outra forma. “[...] aqui no CEFD [Centro de Educação Física e Desportos] não tem uma base teórica para a galera seguir na prática, é só no papel, aí fica nesse lance que é individual [...] o ensino é muito direcionado ao que o professor estuda; com o que o professor trabalha, não tem prática aliada à teoria” (A5).

A fala do acadêmico desvela um relevante aspecto que precisa ser considerado nos cursos de formação de professores, a importância da práxis. Pimenta e Lima2424 Pimenta SG, Lima MS. Estágio e docência: diferentes concepções. Poíesis Pedagóg 2006;3(4):5-24. apontam que o papel das teorias é o de iluminar e oferecer instrumentos e esquemas para análise e investigação, que permitam questionar as práticas institucionalizadas e as ações dos sujeitos e, ao mesmo tempo, se colocar elas próprias em questionamento. Nesse sentido, pode-se pensar que as teorias são esclarecimentos provisórios de uma determinada realidade, por isso, precisam sempre estar em constante atualização, todavia, não se deve esquecer que a teoria não é desconexa da prática, ambas se complementam, já que as ações dos docentes emergem das teorias e ao mesmo tempo as (re)configuram. Nota-se que a estruturação dada ao currículo do curso pesquisado ainda necessita de reformulações, já que sua distribuição e entendimento possibilita lacunas na formação do futuro professor, dificultando a aprendizagem significativa do Ser docente.

Outro aspecto sobre o currículo retrata a não preparação para a realidade escolar, já que muitas disciplinas abordam seus conteúdos de maneira utópica frente à Educação Física que atualmente se encontra no contexto escolar brasileiro, como destaca A3: “[...] a maioria das disciplinas pelo menos, te preparam para dar aula em uma escola perfeita, vamos dizer assim, tu vais jogar basquete, tem uma bola pra cada um [...] dificilmente tu achas isso em uma escola nos dias de hoje”. Paixão; Barroso e Custódio2626 Paixão JA, Barroso YWS, Custódio GCC. Formação do professor de Educação Física e as dificuldades no início de carreira em escolas de ensino básico. Horizontes 2016;34(2):57-68. também encontraram essa barreira em seu estudo, os autores evidenciaram que os conhecimentos adquiridos durante o curso de Educação Física se mostraram insuficientes para a atuação plena, principalmente no que se diz respeito à relação entre conhecimentos específicos teóricos e práticos, ocasionando choque de realidade no início da carreira envolvendo a instituição de ensino, os alunos e a forma como a Educação Física é entendida entre a comunidade escolar.

Percebe-se, então, a necessidade de se levar em consideração diversos elementos (didáticos, humanos, materiais, etc.) que engendram os conhecimentos e saberes necessários para se trabalhar na escola atual, dentro do curso de formação de professores de Educação Física para o processo de identização docente. No entanto, para que esse processo se concretize são necessários esforços dos envolvidos neste ambiente, depositando aos docentes formadores junto à equipe gestora do curso grande responsabilidade, já que esses possuem subsídios teórico-práticos para impulsionar melhorias, na reconstrução das ações formativas proporcionadas pelo currículo ao encontro com a realidade escolar.

Contudo, é importante destacar que não é só a estruturação do curso e seus desdobramentos que podem trazer empecilhos no processo de identização docente. As próprias ações dos professores também são entendidas como uma subcategoria que levanta indicadores que podem limitar tal processo, assim dificultando a formação do profissional desejado pelo curso de Licenciatura do CEFD/UFSM.

As diferentes formações individuais dos docentes e seu reflexo no cotidiano da sala de aula podem apresentar-se como uma barreira. “[...] as disciplinas que os professores ministram são o que eles estudam, não é algo de interesse nosso, é de interesse deles” (A6). “[...] tem nas disciplinas o que eles acham, e isso é limitado somente ao que eles [professores] pesquisam, sem proporcionar outros olhares para um mesmo objeto” (A1). As falas, de certo modo, apresentam um limitante no curso pesquisado, já que o conhecimento de algumas disciplinas acaba reduzido somente ao que o professor julga ser o melhor, sem explorar diferentes perspectivas que podem também fazer parte do mesmo e que são tanto quanto relevantes para a formação do professor de Educação Física.

Refletir sobre esse indicador se faz necessário, pois é importante que o docente do ensino superior, com ajuda intra e interinstitucional, passe de simples especialista de sua disciplina para professor da mesma. Esse movimento envolve não só conhecimento específico, mas também pedagógico, objetivando a atividade docente voltada para o aluno, isto é, a apropriação por parte do aluno de conhecimentos, saberes, fazeres, destrezas e estratégias necessárias à sua formação profissional. A aula na universidade não pode ser fragmentada e mecânica, pelo contrário, ela tem que possibilitar ao aluno uma compreensão genuína do seu campo de trabalho, aplicando todos os conhecimentos explorados às situações imprevisíveis2727 Isaia S, Bolzan D. Construção da profissão docente: possibilidades e desafios para a formação. In: Isaia S, Bolzan D, Maciel A, editoras. Pedagogia Universitária: tecendo redes sobre a educação superior. Santa Maria: Editora da UFSM; 2009, p. 163-176.. A apresentação do leque de conhecimentos e saberes, de uma forma geral, constitui-se como uma base necessária para o processo de identização docente dos mesmos, visto que tais aprendizagens podem ser requisitadas na futura atuação dos acadêmicos dentro do espaço escolar.

Ainda nesse caminho, pode-se evidenciar que o docente, ao procurar atuar em sua especialidade (formação individual), procura desenvolver um trabalho individual no contexto do ensino superior. A3 descreve que: “[...] aqui no CEFD não tem muita interdisciplinaridade entre os professores, é cada um na sua zona, né, cada um no seu canto e acaba afetando todos nós. O que podia ser muito produtivo para nós, às vezes acaba limitado”. Pelo visto essa característica não é somente encontrada no curso estudado, Rezer et al.2828 Rezer R, Nascimento JV, Fensterseifer PE, Graça ABS. Trabalho docente na educação superior - reflexões epistemológicas no campo da Educação Física.... Rev Bras Ciênc Esporte 2012;34(4):891-908. também evidenciaram tal ação em sua pesquisa, destacando que o entendimento de especialista moderno, muitas vezes se confunde com um modelo de trabalho individualizado. Nas universidades, parece que o trabalho individual, de certo modo fragmentado, e por muitas vezes competitivo, distancia-se das relações de dependência (mútua) e trocas de conhecimentos/saberes, em especial no plano intelectual.

Para os acadêmicos um ponto expressivo em relação ao que se deseja para a formação inicial é o trabalho interdisciplinar, embora dentro do curso de Educação Física - Licenciatura do CEFD não ocorre de forma significativa. Bolzan2929 Bolzan D. Formação permanente e conhecimento pedagógico compartilhado: possibilidades na docência universitária. In: Isaia S, Bolzan D, Maciel A, editoras. Pedagogia Universitária: tecendo redes sobre a educação superior. Santa Maria: Editora da UFSM; 2009, p. 131-147. salienta que a formação de professores é um processo que tem de manter alguns princípios éticos, didáticos e pedagógicos comuns, independente do nível de formação em questão. A autora reforça a necessidade da criação de uma rede de relações, a qual pode ser capaz de proporcionar um conhecimento compartilhado e reconstruído cotidianamente, tentando descaracterizar este caráter individual de trabalho e produção de conhecimento, principalmente caracterizados pelos docentes dos cursos de formação de professores.

Outra descrição destacada no grupo focal é o fato de ainda haver uma resistência a mudanças por parte de alguns docentes no curso. A5 ressalta: “[...] não há uma aceitação de ideias contrárias por parte de “alguns professores” [professores com mais tempo no curso] em relação a novas possibilidades no curso”; A1 também relata: “[...] a gente percebe a falta de saber viver com as diferenças, da aceitação da opinião dos outros [professores novos], de entender outros olhares para além do modelo tradicional”. Esses relatos destacam uma resistência de alguns docentes, em especial dos que possuem mais tempo de atuação no curso, o que se torna um limitador para a criação de novas estratégias/perspectivas/modelos para a formação do professor de Educação Física no CEFD.

Entende-se que as divergências no campo universitário são necessárias para fomentar os diálogos e debates sobre a produção do conhecimento e o modo como ele é disseminado dentro desse contexto, e a resistência por vezes é uma forma de questionar o que está sendo imposto e/ou mudado. Todavia, concordando com Alves3030 Alves N. Formação de docentes e currículos para além da resistência. Rev Bras Educ 2017;22(71):1-18., para além de resistir, também é preciso criar, sentir as necessidades existentes e as potencialidades de ação em contextos complexos (como em todos os processos de Educação), reunindo forças próximas e realizando mudanças locais, com apoio em aspectos da legislação existente. A mudança se faz essencial na medida em que a sociedade exige/propõem novos olhares para as suas esferas, em especial para o contexto da formação profissional.

A sobrecarga docente é também um indicador levantado pelos participantes da pesquisa como uma barreira. “[...] os mesmos professores estão na graduação, estão na especialização, estão no mestrado, estão no grupo de pesquisa [...] isso aí sobrecarrega o professor e tu não tens qualidade daquilo que está sendo feito” (A2); “[...] como ele [professor] vai auxiliar na nossa formação para a docência? [...] nada é feito na forma que deveria ser [...] é muita demanda e a graduação fica em segundo plano” (A3).

Hoje, há uma busca pela criação de diversas possibilidades para os profissionais continuarem suas formações em níveis de pós-graduação, o que não deixa de ser diferente no campo da Educação Física. As possibilidades de formação continuada contribuem com todos os envolvidos em termos de conhecimento/saberes, bem como no reconhecimento e status entre os pares. Porém, todo esse capital simbólico que é depositado traz consigo certos ônus, em especial aos docentes desses programas, os quais, por possuírem muitas demandas, em alguns casos, deixam a desejar com relação à graduação. É perceptível que a carreira universitária se configura na perspectiva de que a formação do professor de ensino superior requer maiores esforços na dimensão científica, materializada pela pós-graduação stricto sensu, revelando que para ser professor universitário o principal é o domínio e a produção do conhecimento científico3131 Cunha MI. Inovações pedagógicas e docência: espaços de ação/reflexão na universidade. In: Reunião Anual da ANPed Sul. Anais... Santa Maria; 2006..

E por fim, mas não menos relevante, a pouca articulação entre ensino, pesquisa e extensão emergiu nas discussões do grupo focal como limitante das ações dos docentes, como pode ser observado nas falas: “[...] a gente está sendo formado sem articular ensino, pesquisa e extensão que é básico para a universidade” (A1); “[...] estamos sendo formados sem ter apropriação do conhecimento relacionado a prática, do tripé da universidade” (A6). Talvez essa inquietação relatada pelos acadêmicos não seja um problema somente do CEFD, mas das universidades de modo geral, pois, conforme Soares; Farias e Farias3232 Soares LR, Farias MCM, Farias MM. Ensino, pesquisa e extensão: histórico, abordagens, conceitos e considerações. Ext 2010;9(1):11-18., ainda há uma grande lacuna nos cursos de formação de professores quando o assunto é indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Nota-se que essa característica é muito desejada no campo acadêmico, mas pouco consolidada dentro das ações dos docentes universitários e dos gestores que compreendem tal contexto.

A associação do ensino com a pesquisa e a extensão na formação inicial de professores, pode ser uma ação em potencial para articular teoria e prática, pesquisa e ensino, reflexão e ação didática. Contudo, ainda há a necessidade de se romper com a valorização exclusiva da pesquisa em detrimento do ensino no seio da universidade, pois essa característica tem construído equívocos à formação profissional, e particularmente, à formação docente.

Conclusões

Após a análise do debate entre os discentes, constatou-se a partir das duas categorias encontradas, elementos capazes de subsidiar a discussão acerca da influência destes na constituição da docência. É importante ressaltar que tais elementos são oriundos da percepção dos discentes com relação ao curso que estão finalizando, e de seus professores, o que significa dizer que os relatos apresentados no decorrer desse estudo se remetem a satisfação e/ou preocupação dos acadêmicos diante da postura profissional dos docentes da instituição em questão e seu Projeto Pedagógico de Curso, levando a concluir que tais opiniões não podem ser generalizadas a outras realidades, embora se acredite que possam ser percebidas de forma semelhante por outras instituições de ensino superior.

Podem-se evidenciar como facilitadores no processo de identização docente a importância dada às relações interpessoais estabelecidas entre os professores da universidade e/ou da escola com os discentes, bem como entre os pares nas ações curriculares e/ou nos espaços formativos proporcionados em ações (extra)curriculares. Com relação às barreiras percebidas, há um destaque para os elementos capazes de criar empecilhos para o processo de formação acadêmica/docente. Os discentes relataram que esses fatores prejudiciais vão desde a desorganização curricular que perpassa pela sobrecarga de disciplinas que muitas vezes estão desconectadas da proposta pedagógica do curso e do distanciamento da realidade escolar, provocando desestímulo no que se refere à participação em atividades para além das disciplinas curriculares, a ações dos professores que na sua maioria buscam trabalhar individualmente e em certos momentos apresentam interpretações equivocadas sobre a atuação na universidade e dos conhecimentos e saberes que precisam ser abordados durante a formação inicial em Educação Física.

A representação da docência e a relevância desse treinamento em consonância com a realidade que se estabelece atualmente no contexto escolar são aspectos necessários e fundamentais nas discussões e reflexões dentro da formação inicial de professores de Educação Física. Refletir tais aspectos é também entender a associação e os diferentes significados apresentados ao ensino, pesquisa e extensão no seio da universidade. Por isso, torna-se interessante que haja sempre uma avaliação do curso e das ações que são proporcionadas pelos agentes envolvidos com o mesmo, de modo que os olhares sempre possibilitem uma contribuição positiva e/ou reformulação ao encontro com processo de identização docente que se deseja instigar nos profissionais em formação.

Agradecimentos:

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    17 Jul 2018
  • Revisado
    05 Maio 2019
  • Aceito
    30 Ago 2019
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