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O STF e o ensino religioso em escolas públicas: pluralismo educacional, laicidade estatal e autonomia individual

The STF and the religious education in public schools: educational pluralism, secularity of state and personal autonomy

Resumo

O presente artigo estuda o problema proposto no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4439, de autoria da Procuradoria Geral da República. Versa a demanda a respeito do polêmico acordo entre o Estado brasileiro e a Santa Sé, que consiste na expressão categórica pela via do Decreto Legislativo que o ensino religioso católico constitui disciplina regular de matrícula facultativa no ensino fundamental das escolas públicas. O parquet argumenta que tal situação vai de encontro ao ditame constitucional da laicidade estatal e aponta descompasso frente a configuração plural do direito à educação constitucionalmente delineada. Após considerações doutrinárias, foi possível concluir que a laicidade aparece como limite à interferência estatal no âmbito da intimidade-autonomia da pessoa, daí a necessidade de um ensino religioso não-confessional. Na ausência de um plano pedagógico que comporte um ensino plural, não há o que falar na possibilidade de oferta da disciplina.

Palavras-chave:
Ensino religioso; escolas públicas; pluralismo educacional; laicidade estatal; autonomia individual

Abstract

This paper studies the problem proposed under the direct unconstitutionality action nº 4439, filed by the Attorney General of the Republic. It is regarding the controversial agreement between the Brazilian State and the Holy See, which is the categorical expression by means of Legislative Decree that Catholic religious education must be a regular discipline of voluntary enrollment on primary education in public schools. The parquet argues that this situation goes against the constitutional rule of the secularity of state and points the mismatch forwards the plural configuration of the right to education as outlined in the Constitution. After doctrinal considerations, it was concluded that the secularity appears as limit face state interference within the intimacy-autonomy of the personal sphere, hence the need for a non-denominational religious education. In the absence of a pedagogical plan that presents a plural education, there is nothing to talk about the possibility of offering the course.

Keywords:
Religious education; Public schools; Educational pluralism; Secularity of state; Personal autonomy

1. TEMA E PROBLEMA

Em 02 de agosto de 2010, a Procuradoria-Geral da República - PGR propôs Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4439) para questionar o acordo firmado entre o Estado brasileiro e a Santa Sé. Tem por objeto o art. 11, §1º do Decreto n. 7107/2010 que dispõe: “O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental (...)”.

Em síntese, a Procuradoria Geral da República - PGR argumenta que apesar de não ser viável - em nome da laicidade estatal - a adoção de uma perspectiva que impeça ou limite em demasia o ensino religioso em escolas públicas, também não é possível fazer uma leitura unilateral do art. 210, §1o da Constituição1 1 Art. 210, § 1o: “O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental”. onde a escola pública acabe transformada em um espaço de catequese e proselitismo religioso de qualquer ordem.

Defende o parquet que2 2 A peça inicial pode ser consultada no sítio eletrônico do STF: <www.stf.jus.br>. Acesso em 29 de nov. de 2015. :

  1. A escola pública não é lugar para o ensino confessional, interconfessional ou ecumênico, pois ainda que não voltado à promoção de uma confissão específica, existe o propósito de “inculcar” nos alunos princípios e valores religiosos “partilhados pela maioria”, no que acarretaria prejuízo a visões ateístas, agnósticas ou de religiões “com menor poder na esfera sociopolítica”.

  2. Um modelo ideal de operacionalização, segundo o qual a única forma de compatibilizar o caráter laico do estado brasileiro com o ensino religioso nas escolas públicas seria com a adoção do formato não confessional - em que o conteúdo programático da disciplina consistisse da exposição das doutrinas, das práticas, da história e de dimensões sociais das diferentes religiões, bem como de posições não religiosas - tais como o ateísmo e o agnosticismo - sem qualquer preferência tomada pelo educador, os quais, por sua vez, devem ser professores regulares da rede pública de ensino, e não pessoas vinculadas à igrejas ou confissões religiosas.

Pede, para conformar a questão, que o Supremo Tribunal Federal - STF adote a técnica da interpretação conforme a Constituição do art. 33, caput e §§ 1º e 2º da Lei 9.394/963 3 Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo. § 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores. § 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso. para assentar que o ensino religioso em escolas públicas só pode ser ministrado quando de natureza não confessional.

Com relatoria do Min. Luís Roberto Barroso, foi convocada audiência pública com representantes de entidades educacionais e religiosas para exposição e debate do objeto da demanda. Realizada em 15 de junho de 2015, contou com posicionamentos que podem ser destacados em três grandes grupos, a saber: (i) os totalmente contrários ao ensino religioso em escolas públicas, entendimento manifestado por Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação - CNTE, Confederação Israelita do Brasil - CONIB, Convenção Batista Brasileira - CBB e Federação Espírita Brasileira - FEB; (ii) os que são contrários ao ensino de natureza confessional, que se viram representados pelo Conselho Nacional de Secretários de Educação - CONSED; (iii) e os que são totalmente a favor do ensino confessional ou ecumênico, voz da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB e da Federação das Associações Muçulmanas do Brasil - FAMBRAS.

O presente estudo tem por finalidade contribuir para o debate em torno do problema ensino religioso em escolas públicas, e, para tanto, faz uso de abordagem metodológica indutiva, onde foi possível alcançar uma regra geral a partir do caso específico. Os argumentos suscitados pela PGR na inicial da ADI 4439 são problematizados com elementos da teoria dos direitos fundamentais e o âmbito de proteção dos interesses envolvidos em juízo, quais sejam, liberdade religiosa, estado laico, pluralismo educacional e autonomia individual do aluno em cursar ou não a disciplina. Para então, ao fim, atingir uma proposta de modelo funcional para o problema em questão.

2. O DIREITO À EDUCAÇÃO E O PLURALISMO EDUCACIONAL

O direito à educação é fetiche institucional desde a primeira vez em que apareceu escrito no texto constitucional brasileiro de 19344 4 Art 149: “A educação é direito de todos e deve ser ministrada, pela familia e pelos poderes publicos, cumprindo a estes proporcional-a a brasileiros e a estrangeiros domiciliados no paiz, de modo que possibilite efficientes factores da vida moral e economica da Nação, e desenvolva num espirito brasileiro a consciência da solidariedade humana.” . Desde então pronunciado como de claro âmbito prestacional do Estado em solidariedade com a família e a sociedade em geral, a educação no Brasil foi objeto de grandes projetos legislativos com ideário revolucionário, e até mesmo do mero controle militar repressivo, com o processo de sucateamento do ensino público e dos marcos de lei e ordem5 5 REGO, Antonio Carlos Pojo do. O congresso brasileiro e o regime militar: 1964-1985. Rio de Janeiro: FGV, 2008. p. 63-98. - doutrinação militaresca que nesse particular se opunha ao ensino de caráter emancipatório e plural.

O Estado Constitucional quando voltado a um modelo de justiça social é de especial relevância quando do trato da materialização do direito à educação, isto pois:

“cada esfera de la vida social se ve influida em mayor o menor medida por la actividad estatal”, no que a “existencia material de todos depende considerablemente de los efectos queridos, asumidos o invitables de la política estatal”, sendo que “facultades personales y el mérito no bastan para el logro de los próprios objetivos existenciales”, é necessário “apoyo estatal, a menudo de instituciones estatales para poder realizar a la libertad constitucionalmente garantizada de ejercer una profesión y para obtener la formación necesaria a tal fin6 6 BENDA, Ernst (et. al.) (orgs.). Handbuch des verfassungsrechts der bundesrepublik deutschland. Berlim: Walter de Gruyter & Co., 1994. p. 526. .

Daí a necessidade de um sólido arcabouço constitucional que seja capaz de materializar os ditames do Estado Social e permitir, assim, um sistema educacional minimamente bem estruturado e de qualidade, que permita a realização de perspectiva subjetiva e objetiva dos direitos sociais7 7 “A perspectiva subjetiva corresponde à noção dos direitos sociais como direitos exigíveis em juízo, sob a forma de direitos subjetivos. A despeito das dificuldades que aí se impõem, constata-se uma forte tendência doutrinária e jurisprudencial no sentido do reconhecimento de um direito subjetivo ao mínimo existencial, concebido como garantia (fundamental) das condições materiais mínimas à vida com dignidade, isto é, uma vida saudável e, portanto, com certa qualidade. (…) Já a perspectiva objetiva das normas de direitos sociais reflete o estreito liame desses direitos com o sistema de fins e valores constitucionais a serem respeitados e concretizados por toda a sociedade. (…) impõe ao Estado o dever de permanente realização dos direitos sociais, além de permitir às normas de direitos sociais operarem como parâmetro, tanto para a aplicação e interpretação do direito infraconstitucional, quanto para a criação e desenvolvimento de instituições, organizações e procedimentos voltados à proteção dos direitos sociais, o que inclui a garantia de um procedimento justo e eficaz que os assegure e a vedação a medidas de cunho retrocessivo” (SARLET, Ingo Wolfgang. Comentário ao art. 6º, caput. In: CANOTILHO, J. J. Gomes et. al. (Coords.). Comentários à Constituição Do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 533-548). .

O art. 205 da Constituição dispõe que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família, e visa o pleno desenvolvimento da pessoa e o preparo para o exercício da cidadania, além da qualificação para o trabalho8 8 “O verbo educar deriva etimologicamente dos vocábulos latinos educare e educere. O primeiro remete aos processos de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral do ser humano. Tem como alvo a melhor inserção individual e social. Significa, neste contexto, criar, alimentar, subministrar o necessário para o aperfeiçoamento da personalidade. A expressão educere, de outra mão, contém sentido mais introspectivo. Refere-se às habilidades internas ou inatas do educando. Segundo esta última concepção, a formação do educando dependerá do dinamismo com o qual ele lida com suas aptidões interiores. As duas ideias de educação equivalem a duas correntes teóricas diversas. O nativismo adere às noções correlacionadas ao educere, ao passo que os empiristas filiam-se à noção de educare” (VICTOR, Rodrigo Albuquerque de. Judicialização de políticas públicas para a educação infantil. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 60). . Também no corpo constitucional, o art. 214 determina que legislação própria deve estabelecer o Plano Nacional de Educação, de duração decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades e que tem por finalidade: (i) erradicar o analfabetismo; (ii) universalizar o atendimento escolar; (iii) melhorar a qualidade do ensino; (iv) formar para o trabalho; (v) a promoção humanística, científica e tecnológica do país; (vi) aplicação dos recursos públicos em educação conforme proporção ao Produto Interno Bruto do país. Para materializar o ditame constitucional, foi estabelecido um complexo normativo (legislações ordinárias e planos nacionais para o desenvolvimento) que apresenta na Lei de Diretrizes e Bases da Educação o núcleo infraconstitucional do sistema de proteção e eficácia, enquanto que o Plano Nacional de Educação funciona como princípio informativo e meta de realização.

Em 25 de junho de 2014, a Lei nº 13.005 promulgou o primeiro Plano Nacional de Educação decenal do Brasil, e estabeleceu vinte metas a serem cumpridas num plano interfederalizado para o aperfeiçoamento do ensino no país, todas as quais passam a compor o núcleo mínimo de proteção do direito à educação. Destaca-se a meta nove: “elevar a taxa de alfabetização da população de quinze anos ou mais para 93,5 por cento até 2015 e, até o final da vigência deste PNE, erradicar o analfabetismo absoluto e reduzir em 50 por cento o analfabetismo funcional”9 9 Cf. GOMES, Ana Valeska Amaral; BRITTO, Tatiana Fonseca de. Plano nacional de educação: construção e perspectivas. Brasília: Câmara dos Deputados, 2015. .

Ao lado do direito fundamental à saúde10 10 Cf. CIARLINI, Alvaro Luis de A. S. Direito à saúde: paradigmas procedimentais e substanciais da constituição. São Paulo: Saraiva, 2013. , o direito à educação é também comum espaço proativo de atuação dos tribunais superiores para a garantia dos efeitos constitucionalmente delineados, o Supremo Tribunal Federal já decidiu, nessa matéria - para fins exemplificativos - que: é inconstitucional a cobrança de taxa para matricula ou rematrícula no ensino superior em universidades federais11 11 BRASIL. STF. RE 500.171, rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 13.08.2008, Plenário. DJE de 24 de out. de 2008. , que resultou na edição da Súmula Vinculante nº 12; é direito fundamental e indisponível dos cidadãos e por isso o dever do Estado é propiciar meios adequados para o seu exercício, no que a omissão administrativa importa afronta à Constituição12 12 BRASIL. STF. RE 594.018, rel. Min. Eros Grau, julgamento em 23.06.2009. Plenário. DJE de 07 de ago. De 2009. ; é direito público subjetivo de crianças até cinco anos de idade disporem de vagas em creches e pré-escolas sob a tutela do poder estatal sem prévia avaliação administrativa13 13 “A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito do seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV). Essa prerrogativa jurídica, em consequência, impõe ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das crianças até cinco anos de idade (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da CF. A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da administração pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental” (ARE 639.337-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 23 de ago. de 2011, Segunda Turma, DJE de 15 de set. de 2011). meramente discricionária; é constitucional a política de cotas raciais para acesso ao ensino superior14 14 “Para possibilitar que a igualdade material entre as pessoas seja levada a efeito, o Estado pode lançar mão seja de políticas de cunho universalista, que abrangem um número indeterminado de indivíduos, mediante ações de natureza estrutural, seja de ações afirmativas, que atingem grupos sociais determinados, de maneira pontual, atribuindo a estas certas vantagens, por um tempo limitado, de modo a permitir-lhes a superação de desigualdades decorrentes de situações históricas particulares. (...) A adoção de tais políticas, que levam à superação de uma perspectiva meramente formal do princípio da isonomia, integra o próprio cerne do conceito de democracia. (…) No que interessa ao presente debate, a aplicação do princípio da igualdade, sob a ótica justiça distributiva, considera a posição relativa dos grupos sociais entre si. Mas, convém registrar, ao levar em conta a inelutável realidade da estratificação social, não se restringe a focar a categoria dos brancos, negros e pardos. Ela consiste em uma técnica de distribuição de justiça, que, em última análise, objetiva promover a inclusão social de grupos excluídos ou marginalizados, especialmente daqueles que, historicamente, foram compelidos a viver na periferia da sociedade. E na parte dispositiva: Isso posto, considerando, em especial, que as políticas de ação afirmativa adotadas pela Universidade de Brasília (i) têm como objetivo estabelecer um ambiente acadêmico plural e diversificado, superando distorções sociais historicamente consolidadas, (ii) revelam proporcionalidade e a razoabilidade no concernente aos meios empregados e aos fins perseguidos, (iii) são transitórias e preveem a revisão periódica de seus resultados, e (iv) empregam métodos seletivos eficazes e compatíveis com o princípio da dignidade humana, julgo improcedente esta ADPF”. ADPF 186. Cópia impressa. -15 15 Cf. FERES JÚNIOR, João; ZONINSEIN, Jonas (Orgs.). Ação afirmativa no ensino superior brasileiro. Belo Horizonte: UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2008. ; dentre muitos outros.

No plano internacional, diversos são os pactos, convenções e tratados - dos quais o Brasil é signatário - que incluem a educação como direito humano de todo e qualquer indivíduo, apresentado como de caráter universal - é fator indispensável para o desenvolvimento da pessoa e do país, seja a nível social ou mesmo científico-tecnológico. É dizer, “não há país no mundo que não garanta, em seus textos legais, o acesso de seus cidadãos à educação básica”, isto, pois “a educação escolar é uma dimensão fundante da cidadania, e tal princípio é indispensável para políticas que visem à participação de todos nos espaços sociais e políticos e à (re)inserção no mundo profissional”16 16 SOUSA, Eliane Ferreira de. Direito à educação: requisito para o desenvolvimento do país. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 159. .

Porém, não somente: insistir no conjunto solidário Estado-sociedade-família para materialização da educação no espaço cívico, é meio próprio de reconhecer que há uma interligação necessária entre os sentidos constitucionalmente atribuídos ao instituto jurídico educação. Isto é, os objetivos e princípios informadores - preparo da pessoa para o exercício da cidadania, pleno desenvolvimento, qualificação para o trabalho - são de ordem antropológica-cultural, política e profissional17 17 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 801. , configuração somente possível de obter êxito num contexto de participação solidária, no qual o Poder Público, a sociedade em geral, e a família do cidadão estejam de mãos dadas voltados a garantir o melhor sistema possível18 18 Cabe a ressalva: “Apesar da conotação de direito social, que assume explicitamente, o direito à educação deve também ser reconhecido em seu caráter ou dimensão de uma clássica liberdade pública. E este é o motivo pelo qual se tem falado, até aqui, de direito fundamental à educação e acesso, e não de liberdade de acesso e de liberdade de aprender, evitando a confusão de conteúdos e dimensões” (TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 878). para o pleno desenvolvimento da pessoa19 19 “A consecução prática dos objetivos da educação, só se realizará em um sistema educacional democrático, em que a organização da educação formal (via escola) concretize o direito ao ensino, informado por princípios com ele coerentes, que, realmente foram acolhidos pela Constituição (...)” (SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 801). , capaz de abranger a maior quantidade possível de aspectos da vida escolar, desde a formação dos professores20 20 Cf. GATTI, Bernardette Angelina et. at. (Orgs.) Por uma política nacional de formação de professores. São Paulo: UNESP, 2013. , até o comportamento do aluno21 21 Cf. FREIRE, Paulo. Pedagogy of freedom: ethics, democracy, and civic courage. Nova York: Rowman & Littlefield, 1998. . O resultado tem impacto direto no livre desenvolvimento da personalidade do cidadão22 22 Cf. GUEDES, Maurício Sullivan Balhe. Direito à igualdade e livre desenvolvimento da personalidade: construindo a democracia de triplo vértice. Revista Direito Público, Porto Alegre, vol. 10, n. 56, p. 210-227, mar./abr. 2014. e no desenvolvimento do país23 23 Cf. SOUSA, Eliane Ferreira de. Direito à educação: requisito para o desenvolvimento do país. São Paulo: Saraiva, 2010. .

Na Constituição brasileira, o Estado Social de típica prestação pública fundado num modelo marxista solidário (art. 6º) convive com a livre iniciativa enquanto fundamento da ordem econômica (art. 170), é também o espaço em que a propriedade é garantida (art. 5º, XXII) mediante o cumprimento da função social (art. 5º, XXIII), onde a proteção ao meio ambiente equilibrado (art. 225, caput) divide espaço com o desenvolvimento nacional (art. 3º, II), dentre tantas outras contradições ideológicas aparentes. Tal configuração só é possível porque o Brasil é estruturado e fundado como uma República federativa de ordem pluralística (art. 1º, V), no sentido de permitir uma pluralidade de concepções políticas que buscam respaldo constitucional na representação de seus interesses24 24 “Na sua origem - e durante muito tempo - o significado da expressão “pluralismo político” veiculava ideia absolutamente distinta da que hoje possui. Se se entende o pluralismo político como a manutenção da divergência e do conflito, inerentes à natureza democrática das sociedades que assim se reivindicam, o pluralismo fortalecia a ideia da fragmentação de poder. Em outras palavras, por pluralismo entendia-se a diversidade de poderes, de comandos ou mesmo de sistemas jurídicos, podendo ou não conviver em esferas de maior ou menor abrangência territorial (…). Materializando sua condição democrática e dirigente, a racionalidade da Constituição Federal de 1988 refere-se internamente ao pluralismo político não somente como princípio fundamental, materializando-o, porém, nos seus arts. 5º e 17, quando estes explicitam a liberdade de manifestação do pensamento, bem como as exigências para a formação dos agrupamentos político-partidários, atores primeiros da representação e pluralismo políticos (...)” (LIMA, Martonio Mont’alverne Barreto. Comentário ao art. 1º, V. In: CANOTILHO, J. J. Gomes et. al. (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 135-136). , bem como em visões diversas de mundo político-institucional ou de caminhos diferentes para alcançar um bem comum público.

A proposital confusão ideológica do texto constitucional reflete de modo perceptível na estruturação do direito à educação quando estabelece o pluralismo de ideias e concepções pedagógicas e a coexistência de instituições públicas e privadas25 25 “A existência de instituições públicas e privadas de ensino também revela uma perspectiva pluralista, pois, por mais que as escolas privadas estejam sob fiscalização do Poder Público, elas podem, dentro do marco constitucional, desenvolver e inovar no tocante a métodos de ensino e propostas pedagógicas, assim como quanto à abordagem do ensino e da pesquisa que realizam” (MALISKA, Marcos Augusto. Comentário ao art. 206, III. In: CANOTILHO, J. J. Gomes et. al. (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 1966-1968). como princípio norteador do ensino (art. 206, III):

O princípio do pluralismo de ideias e concepções pedagógicas está compreendido no princípio da liberdade de ensinar e divulgar o pensamento, visto que a ideia mesma de liberdade implica o respeito à diversidade de pensamento. São diversos os aspectos que envolvem o princípio do pluralismo, desde o reconhecimento das diferenças regionais e sociais, disposto no art. 3º da Constituição, passando pelas garantias do ensino religioso facultativo e das línguas indígenas maternas no ensino fundamental, constantes do art. 210, § 1º e 2º da Constituição, e pelo ensino da História do Brasil a partir das contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e europeia (...)26 26 MALISKA, Marcos Augusto. Comentário ao art. 206, III. In: CANOTILHO, J. J. Gomes et. al. (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 1966-1968. .

Para além disso, o pluralismo pode ser ideológico que “designa a variedade de crenças, de concepções éticas e de valores que os indivíduos ou os grupos têm por fundamentais”27 27 BURDEAU, Georges. Traité de science politique. 2. ed. t. VIII. Paris: LGDJ, 1977. p. 144. , e institucional que se refere ao desenvolvimento das autonomias individuais e o “reconhecimento dos direitos das ‘formações sociais’, quais sejam, a família, as confissões religiosas, comunidades de trabalho, a escola, etc.”28 28 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 803. . Ao consagrar tal modelo:

A Constituição opta, pois, pela sociedade pluralista, que respeita a pessoa e sua liberdade, em lugar de uma sociedade monista, que mutila os seres e engendra as ortodoxias opressivas. O pluralismo é uma realidade, pois a sociedade se compõe de uma pluralidade de categorias sociais, de classes, grupos sociais, econômicos, culturais e ideológicos. Optar por uma sociedade pluralista significa acolher uma sociedade conflitiva, de interesses contraditórios e antinômicos. O problema do pluralismo está, precisamente, em construir o equilíbrio entre as tensões múltiplas, e por vezes contraditórias; em conciliar a sociabilidade e o particularismo; em administrar os antagonismos e evitar divisões irredutíveis (…). De tudo isso se deduz a importância de ter a Constituição conjugado a concepção de uma sociedade pluralista com as de uma sociedade livre, justa, fraterna e solidária (preâmbulo e art. 3º, I), pois, se o pluralismo é uma concepção liberal, o solidarismo, de fundo socialista, aponta para uma realidade humanista de fundo igualitário, que supõe a superação dos conflitos, e, assim, fundamenta a integração social, que evita antagonismos irredutíveis que destroem o princípio pluralista. Forma-se, assim, uma sociedade integrada (…). Se tais pressupostos faltarem, o pluralismo resultará desastroso e não se manifestará como um princípio democrático29 29 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 803-804. .

Só é possível crer na manutenção de uma sociedade plural dentro de um sistema constitucional capaz de materializar a educação enquanto direito fundamental igualmente pluralista, que forme um ser político qualificado em todas as esferas possíveis de realização da vida pública e privada - ao fim de ordenar o caos ideológico típico de um modelo democrático crítico30 30 Conforme Zagrebelsky: “A democracia crítica quer tirar o povo da pacifidade e também da mera reatividade. Quer fazer dele uma força ativa, capaz de iniciativa e, portanto, de projetos políticos elaborados por si mesmo. Em resumo: quer um povo que seja sujeito da política, não objeto ou instrumento (…). A autoridade do povo, na democracia crítica, não depende de supostas qualidades sobre-humanas, como a onipotência e a infalibilidade. Depende, ao contrário, da razão exatamente oposta, ou seja, admitir que o povo de maneira geral e todos os homens são necessariamente limitados e falíveis (…). Para a democracia crítica nada é mais insensato que a divinização do povo expressa pela máxima Vox populi, vox dei, uma verdadeira forma de idolatria política. Essa grosseira teologia democrática condiz com as concepções triunfais e acríticas do poder do povo, as quais, como já vimos, são apenas adulações interesseiras” (ZAGREBLESKY, Gustavo. Crucificação e a democracia. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 131-135). , aberto, livre e, portanto, laico.

3. A LAICIDADE ESTATAL COMO PRESSUPOSTO DE EXISTÊNCIA DO PLURALISMO EDUCACIONAL

Por ser temática de ordem sensível ao íntimo das pessoas, não pode ser tratada de modo maniqueísta31 31 A oposição entre modelos de certo ou errado; bem ou mal; bom ou ruim, etc., resulta num paradoxo de natureza ad eternum, pois o argumento perde racionalidade e se torna inócuo no espaço público, sem força cogente de ordem construtiva, ou seja, vazio. Em sentido próximo, cf. STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. , judaico-cristão32 32 Por todos, ver: MACHADO, Jónatas E. M. Estado constitucional e neutralidade religiosa: entre o teísmo e o (neo)ateísmo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. , falacioso e tendencioso a uma determinada religião, vez que resulta em incursões de mera opinião e que por isso mesmo fogem do caráter científico da escrita33 33 Por todos, ver como exemplo: COUTINHO, Júlia Maia de Menezes; MELO, Silvana Paula Martins de. Universalismo, relativismo ou multiculturalismo? análise acerca da aplicação dos direitos humanos no mundo islâmico sob a perspectiva da banalidade do mal em hannah arendt. In: HOLANDA, Ana Paula Araújo de et. al. (Orgs.). Direitos humanos: histórico e contemporaneidade. Vol. 2. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015. p. 299-318. , algo que a doutrina sobre o tema precisa evoluir, sob pena de parecer folhetim que expressa a crendice do autor34 34 Por todos, ver como exemplo desse fenômeno: SILVA NETO, Manoel Jorge. Proteção constitucional à liberdade religiosa. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. . Da mesma forma que não podem partir da revisão bibliográfica da doutrina lusitana ou espanhola, vez que ambas são fortemente influenciadas - até os dias atuais - pela Igreja Católica35 35 Como exemplo de pesquisa neste sentido, ver: SILVA, Fabiana Maria Lobo da. Liberdade religiosa e o ensino religioso nas escolas públicas de um estado laico: perspectiva jusfundamental. Revista de informação legislativa, Brasília, ano 52, n. 206, p. 271-298, abr./jun. 2015. . A liberdade religiosa como ponto de partida e manutenção de todo sistema jurídico de natureza laica é fruto do estado liberal (burguês)36 36 Cuida-se do “primeiro Estado jurídico” que “alcançou sua experimentação histórica na Revolução Francesa”. “A burguesa formulou os princípios filosóficos de sua revolta social (…) [e] nada mais fez do que generalizá-los doutrinariamente como ideais comuns a todos os componentes do corpo social. Mas no momento em que apodera do controle político da sociedade, a burguesia já não se interessa em manter na prática a universalidade daqueles princípios como apanágio de todos os homens. Só de maneira formal os sustenta, uma vez que no plano de aplicação política eles se conservam, de fato, princípios constitutivos de uma ideologia de classe. Foi essa a contradição mais profunda na dialética do Estado Moderno” (BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 42). , e é um dos componentes do mito do Direito37 37 “O Estado de Direito implica uma confiança absoluta depositada no direito, a crença nas virtudes da dogmática jurídica para atingir os objetivos que se lhe atribui, em fazer prevalecer os valores aos quais se está vinculado: é pela transformação em direitos subjetivos que serão preservadas as liberdades (…). O Estado de Direito se assenta assim no fetichismo da regra: a norma jurídica tende a ser tomada como a própria realidade, capaz de fazer advir o que enuncia (…). Essa confiança depositada no Direito não é somente de ordem racional (…) e é precisamente nesse ponto que o mito vem substituir a realidade, dando ao Estado de Direito todo o seu alcance: o Estado de Direito não se reduz, de fato, a uma construção racional, a um desenho formal, mas ele se apoia sobre um investimento afetivo; e é essa mística que faz com que ele não seja somente um artifício, uma fórmula mistificadora, mas sim uma coerção efetiva, tanto para os destinatários quanto para os produtores da norma” (CHEVALLIER, Jacques. L’etat de droit. 5. ed. Paris: Montchrestien, 2010. p. 52-53). . Propor constitucionalmente uma organização estatal sem religião oficial38 38 A Constituição brasileira determina: Art. 19 - É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - Estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvenciona-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público. e ir além ao declarar a liberdade de crença (e descrença)39 39 É o que faz a Constituição brasileira: Art. 5o, VI - É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias. , implica em congregar os cidadãos a um projeto de estado sem privilégios por força do mero credo de um grupo de pessoas, ainda que majoritário no seio da sociedade40 40 O que neste sentido significa dizer que a liberdade religiosa pode ser tratada como um direito fundamental de natureza contramajoritária. . Já se foi o tempo em que eram exigidos certificados de catolicidade para o exercício da advocacia ou de qualquer outra profissão41 41 Cf. VOLTAIRE. Tratado sobre a tolerância. São Paulo: Folha de S. Paulo, 2015. p. 28. .

Ainda no mesmo sentido, a escolha do constituinte originário brasileiro é justificada pois:

A religião é um dos fenômenos que dificulta a internacionalização do direito, especialmente nos hard cases diretamente ligados aos direitos humanos, como no caso do aborto e da eutanásia, por terem relação com os domínios da vida. Vários são os mecanismos ou formas de internacionalização do direito, mas em qualquer delas se verifica que, quando o tema que se pretende internacionalizar se relaciona de forma mais direta com a religião, há uma dificuldade maior no processo.42 42 DINIZ, Geilza Fátima Cavalcante. Direitos humanos e liberdade religiosa. Brasília: Senado Federal, 2014. p. 210.

A religião é fenômeno que aproxima somente aqueles que compartilham de uma crença determinada, do contrário, provoca o desacordo moral razoável43 43 Cf. FREITAS, Joana Teixeira de Mello. O desacordo moral razoável na sociedade plural do estado democrático de direito. Revista USCS, São Caetano do Sul, ano X, n. 17, p. 39-51, jul./dez. 2009. , tensão paradoxal, sem resolução que possa pender para um dos lados conflitantes, daí a necessidade de afastá-la do espaço público, o que visa manter um mínimo razoável de harmonia e liberdade conforme a moral individual dentro do âmbito de conformação da juridicidade pública44 44 Sobre o desacordo moral razoável e o papel da Corte Constitucional defronte tal circunstância, afirma Luís Roberto Barroso: “Pessoas bem-intencionadas e esclarecidas, em relação a múltiplas matérias, pensam de maneira radicalmente contrária, sem conciliação possível. Cláusulas Constitucionais como direito à vida, dignidade da pessoa humana ou igualdade dão margens a construções hermenêuticas distintas, por vezes contrapostas, de acordo com a pré-compreensão do intérprete. Esse fenômeno se revela em questões que são controvertidas em todo o mundo, inclusive no Brasil, como, por exemplo, interrupção da gestação, pesquisa com células-tronco embrionárias, eutanásia/ortotanásia, uniões homoafetivas, em meio a muitas outras. Nessas matérias, como regra geral, o papel do direito e do estado deve ser o de assegurar que cada pessoa possa viver sua autonomia da vontade e suas crenças” (BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 261). , o que Waldron designaria como um desacordo filosófico sobre o bem em uma sociedade pluralística45 45 WALDRON, Jeremy. Law and desagreement. New York: Oxford University Press, 2004. p. 149-150. .

A questão central é que “religious beliefs aren’t reasonable, [they] are categorical, it’s not a matter of being reasonable”46 46 U.S. Supreme Court. Justice Scalia. Case Holt v Hobbs, 574 U.S., 2015. p. 05. , e por tal motivo, a acomodação da crença religiosa no espaço público - seja por meio da produção legislativa ou da argumentação jurídica - é de problemática severa para fins de preservação da razão pública47 47 Ao contrário do que a expressão “razão pública” possa sugerir, o sentido é extraído do pensamento de Alexy (e não de Rawls): “A regra geral de fundamentação está numa relação muito estreita com as condições ideais da situação ideal de fala. Quem fundamenta algo admite aceitar o outro, ao menos no que se refere à fundamentação, como interlocutor com os mesmos direitos que ele, e admite não exercer pessoalmente coerção nem apoiar-se na coerção exercida por outros. Também, pretende poder defender sua asserção frente a qualquer um. Os jogos de linguagem em que não se admite cumprir pelo menos estas exigências não podem ser considerados fundamentações (...). As exigências de igualdade de direitos, universalidade, e ausência de coerção podem-se formular com três regras (...): (i) Quem pode falar, pode tomar parte no discurso; (ii) todos podem problematizar e introduzir qualquer asserção no discurso - todos podem expressar suas opiniões, desejos e necessidades; (iii) não se pode impedir a nenhum falante de exercer seus direitos estabelecidos em (i) e (ii) mediante coerção existente dentro ou fora do discurso” (ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da fundamentação jurídica. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 132-133). , vez a dificuldade de universalização quando dentro de uma sociedade pluralística (de conflito ideológico).

A preocupação com o fenômeno religioso foi introduzida - no plano constitucional - em larga escala em textos do século XIX48 48 É bem verdade que a Constituição americana de 1787 já apresentava preocupação com a liberdade religiosa e a secularização do Estado, é o texto da primeira emenda - “Congress shall make no law respecting an establishment of religion, or prohibiting the free exercise thereof; or abridging the freedom of speech, or of the press; or the right of the people peaceably to assemble, and to petition the Government for a redress of grievances” - e no mesmo sentido, na França, a Déclaration des Droits de l’Homme et du Citoyen de 1789 - art. 10: “Ninguém pode ser molestado por suas opiniões, incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei” - preocupação que se seguiu com a Déclaration des droits de l’homme et du citoyen de 1793 e na Déclaration des droits et des devoirs de l’homme et du citoyen de 1795. , onde era possível notar um padrão franco-americano de separação total entre Estado e Igreja49 49 Modelo parcialmente seguido pela Constituição brasileira de 1891: Art. 72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no paiz a inviolabilidade dos direitos concernentes á liberdade, á segurança individual e á propriedade, nos termos seguintes: (...) § 3º Todos os individuos e confissões religiosas podem exercer publica e livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, observadas as disposições do direito commum. (...) § 6º Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos publicos. (...) § 7º Nenhum culto ou igreja gosará de subvenção official, nem terá relações de dependencia ou alliança com o Governo da União, ou o dos Estados. A representação diplomatica do Brasil junto á Santa Sé não implica violação deste principio. que se opunha ao modelo espanhol (que ainda era fortemente influenciado pela história inquisitiva50 50 Cf. VIDAL-ROBERT, Jordi. Long-run effects of the Spanish inquisition. Working Paper Series, Conventry, n. 192, p. 01-59, june 2014. ) de Estado confessio,51 51 “La confesionalidad del Estado, consagrada en el artículo 12 de la Constitución de 1812, ha planteado problemas de interpretación dada la aparente incongruência con el carácter rupturista y liberal del texto gaditano. Por una parte, suscitaba la cuestión de la intelerancia religiosa, aunque este concepto, en el mundo hispano de los inicios del siglo XIX, no fue el mismo que en el mundo anglosajón debido principalmente a la existência de una comunidad católica hispana monolítica desde el siglo XVI. Para que se diese tolerância tenía que existir una conciencia de pluralidad. Además, en los inicios del liberalismo, intolerância significó desunión, ilegitimidad y guerra civil. La tolerancia religiosa no se planteaba realmente como un problema pues el exclusivismo católico parecía natural y perfectamente compatible con el constitucionalismo y las políticas liberales (...) (MANSO, Ana Isabel Gozález. Tolerancia religiosa y modelo de iglesia en españa en la primera mitad del siglo XIX. Historia Constitucional, Oviedo, n. 15, p. 113-15, 2014. MANSO, Ana Isabel Gozález. Tolerancia religiosa y modelo de iglesia en españa en la primera mitad del siglo XIX. Historia Constitucional, Oviedo, n. 15, p. 113-15, 2014). que hodiernamente apresenta raízes profundas no constitucionalismo italiano, em especial na forma de diálogo entre Igreja e Estado, mesmo que formalmente separados52 52 Cf. ARGIOLAS, Davide. A liberdade religiosa em itália: vinho novo em odres velhos. Espaço Jurídico Journal Of Law, Chapecó, vol. 15, n. 02. p. 363-386, jul./dez. 2014. .

Iniciado ao final do Século XVII53 53 HOBSBAWN, Eric J. A era das revoluções: 1789-1848. 35. ed. São Paulo-Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015. p. 341. , a contínua expansão do processo de secularização da Europa levou a Corte Europeia de Direitos Humanos - com competência para preservar a normatividade da Convenção Europeia de Direitos Humanos - a se manifestar a respeito da temática visando a melhor delimitação entre os espaços de influência da religião, no que restou claro que54 54 São diversos os casos que envolvem a temática que estão sob a jurisdição da corte, dentre eles destacam-se: Ouardiri v. Switzerland, 28 june, 2011; Sinan Isik v. Turkey, 2 feb., 2010; Wasmuth v. Germany, 17 feb, 2011; Alexandridis v. Greece, 21 feb., 2008; kokkinakis v. Greece, 25 may, 1993; Hasan and Chaush v. Bulgaria, 26 oct., 2000; Jehovah’s Witnesses of Moscow v. Russia, 10 jun. 2010; Fracesco Sessa v. Italy, 3 april, 2012; dentre outros. :

(...) freedom of thought, conscience and religion, which went hand in hand with pluralism, was one of the foundations of a “democratic society” and that in its religious dimension that freedom was an essential part of any believer’s identity, as well as being a precious asset for atheists, agnostics, sceptics and the unconcerned. It had already held that freedom to manifest one’s religious beliefs included an individual’s right not to reveal his faith or his religious beliefs and not to be obliged to act or refrain from acting in such a way that it was possible to conclude that he did or did not have such beliefs - and all the more so when aptitude to exercise certain functions was at stake. In this case, the Court held that there had been a violation of Article 9 of the Convention, finding that requiring the applicants to reveal their religious convictions in order to be allowed to make a solemn declaration had interfered with their freedom of religion, and that the interference was neither justified nor proportionate to the aim pursued. The Court also held that there had been a violation of Article 13 (right to an effective remedy) of the Convention55 55 ECHR. Case Dimitras v. Greece. Judgement of june 3rd, 2013. .

No plano internacional, o Pacto sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais estabelece que: Art. 13: 1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa à educação. Concordam em que a educação deverá visar ao pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade e fortalecer o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais. Concordam ainda em que a educação deverá capacitar todas as pessoas a participar efetivamente de uma sociedade livre, favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e entre todos os grupos raciais, étnicos ou religiosos e promover as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.

E vai além ao determinar a autonomia laica dos estudantes e do poder familiar:

Art. 13: 1. Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a respeitar a liberdade dos pais e, quando for o caso, dos tutores legais de escolher para seus filhos escolas distintas daquelas criadas pelas autoridades públicas, sempre que atendam aos padrões mínimos de ensino prescritos ou aprovados pelo Estado, e de fazer com que seus filhos venham a receber educação religiosa ou moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.

O plano normativo acima parece integrar, por força do art. 5o § 2o da Constituição56 56 Art. 5o, § 2o - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. , os direitos e garantias fundamentais - norma materialmente constitucional - e que deve funcionar, in casu, como um desdobramento/complemento lógico do art. 210, § 1o57 57 Art. 210, § 1o: “O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental”. , no que a leitura do dispositivo deve constar da seguinte forma:

A disciplina “religião” no ensino fundamental de escolas públicas é matéria de matrícula facultativa, sendo direito dos pais (e dever do estado) verem os filhos receberem educação (também) conforme a sua própria convicção religiosa, dentro de um conteúdo mínimo previamente fixado pela autoridade competente.

Tal configuração somente é possível de existir no Estado laico:

  1. Isto pois, existe interesse jurídico dos pais na melhor formação possível para os filhos, dentro daquilo que é constitucionalmente delineado. Ou seja, podem (e devem) exigir do Poder Público que seja ofertada a disciplina ensino religioso - a qual será de matrícula facultada - que no seu conteúdo obrigatoriamente terá ensinamentos, visões de mundo, posições ideológicas e construções intelectuais conforme a crença dos pais. Por se tratar de aluno do ensino fundamental, não há o que cogitar em exercício especial de direito fundamental à liberdade de escolha quanto a cursar ou não a disciplina, repousando neste particular ao ato de vontade dos pais, ao menos prima facie. O direito subjetivo do aluno, neste plano, é receber um ensino de natureza plural, conforme os ditames constitucionais.

  2. É de se perceber que a complexidade dos grupos sociais existentes no Brasil permite com que sejam compartilhados, vivenciados e experimentados no dia a dia fragmentos culturais de diversas congregações religiosas, no que o sentimento religioso será diversificado conforme a visão de mundo desenvolvida no seio de cada família, fazendo com que seja virtualmente impossível que pais de formações diferentes e em momentos distintos da vida (dentre outras peculiaridades) concordem quanto a ensinamentos, visões de mundo, posições ideológicas e construções intelectuais as quais, no plano religioso, devam ser apreendidas por todas as pessoas que cursam o ensino fundamental.

  3. Daí a necessidade de um plano pedagógico que seja capaz de abraçar os mais diversos ensinamentos de tal ordem do conhecimento, vez que o direcionamento a uma só doutrina da religião, além de ferir o plano constitucional por apresentar o pensamento de mão única, é atentatório ao direito subjetivo dos pais (em permitir com que os filhos recebam educação conforme a sua própria convicção religiosa) e das crianças (em receber um ensino de natureza pluralística), o que faria com que o Estado descumprisse com o seu dever. Não cabe ao Estado, portanto, interferir de tal forma, vez que abalaria a dignidade das pessoas enquanto autonomia individual para beneficiar uma ou outra religião no plano da mera doutrinação escolar, que se difere, pois, da sala de aula plural, ideologicamente caótica.

4. AUTONOMIA INDIVIDUAL COMO EXPRESSÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Com razão em parte, aponta o Min. Barroso que, “após a Segunda Grande Guerra, a dignidade tornou-se um dos grandes consensos éticos do mundo ocidental, materializado em declarações de direitos, convenções internacionais e constituições”58 58 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 4a ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 212-213 . De fato, a dignidade da pessoa humana aparece consagrada em diversas declarações e convenções internacionais de direitos59 59 Por exemplo, Declaração Universal dos Direitos Humanos (art. 1), Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas (art. 15, 1), Declaração sobre Educação e Formação em Direitos Humanos (art. 5o, 1), Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência (art. 1), Convenção Internacional de Proteção das Pessoas contra o Desaparecimento Forçado (art. 19, 2), Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (art. 28, 2), Convenção contra Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (preâmbulo), Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (preâmbulo), dentre outras. . Porém, a utilização do termo não aparece somente em textos constitucionais ocidentais. Ao contrário, são diversas as constituições que, mundo afora, expressam a preocupação em preservar o entendimento do que esteja caracterizado como dignidade, elevando tal conceito ao patamar jurídico-constitucional60 60 São exemplos as Constituições do Afeganistão (art. 24), China (art. 38), Azerbaijão (art. 13, III), Iraque (art. 37, 1o, a), Irã (art. 2o, 6), Bahrein (art. 18), Cazaquistão (art. 45), Paquistão (art. 14), Kuwait (art. 29), Tailândia (section 4), Arménia (art. 13), Turquia (art.17), Suécia (art. 2º), Finlândia (art.1º), Suíça (art. 7º), Montenegro (art. 25), Polônia (art. 30), Romênia (art. 1º, 3), Rússia (art. 7º), Sérvia (art. 19), Japão (art. 24), Holanda (art. 11), África do Sul (art. 10), dentre outras. . A proteção à dignidade da pessoa humana é o fundamento ético mínimo de validade compartilhado por quase todos os ordenamentos jurídicos constitucionalmente organizados no pós-Segunda Guerra, por isso mesmo, integra o núcleo do constitucionalismo contemporâneo61 61 GUEDES, Maurício Sullivan Balhe. A constituição do plano político ao normativo: base teórica para a construção do neoconstitucionalismo. Revista do Instituto do Direito Brasileiro, Lisboa, ano 03, n. 06, 2014. .

Jeremy Waldron62 62 WALDRON, Jeremy. Is dignity the foundation of human rights? New York University Public Law and Legal Theory Working Papers, New York, p. 1-29, 2013. compila as principais vertentes doutrinárias sobre o tema da seguinte forma:

A figura 1 representa o fundamento de validade que resulta na dignidade da pessoa humana, funcionaria como uma fonte de direitos, na qual todos os demais (vida, liberdades em geral, etc.) estariam fundamentados por ela. Tal argumentação, explica o autor, é bastante comum na teoria divina (judaico-cristã) dos direitos humanos, defendida por um grupo de acadêmicos que entendem que a dignidade é um atributo divino aos seres humanos. Neste sentido, o fundamento de validade seria o valor divino concedido para a espécie.

fig. 1

A figura 2 apresenta a dignidade enquanto status, uma condição inseparável da humanidade. Trata-se de afirmar que existe uma relação intrínseca entre o ser humano e a dignidade. A dignidade da pessoa humana funcionaria como fundamento de validade enquanto condicionante de existência dos demais direitos, ou seja, a razão e finalidade destes seria satisfazê-la. Porém, esta não necessariamente seria a ideia subjacente a todos os direitos. Neste cenário, a dignidade da pessoa humana aparece como um direito fundamental autônomo.

fig. 2

A figura 3 aponta ao cenário em que a dignidade enquanto conceito jurídico seria uma condição humana baseada num entendimento filosófico-humanista, o qual também fundamentaria os demais direitos. Dessa forma, existiria uma correlação entre a dignidade e todos os demais direitos humanos no sentido de integração e satisfação mútua, coexistência hierárquica e concorrência normativa, até “transmitir a ideia de que todos os direitos são co-fundados”63 63 WALDRON, Jeremy. Is dignity the foundation of human rights? New York University Public Law and Legal Theory Working Papers, New York, p. 1-29, 2013. .

fig. 3

Existe um consenso mínimo de que o conceito jurídico de dignidade humana apresentaria três status categóricos: (1) todos os seres humanos apresentam um valor intrínseco (característica interna); (2) o valor intrínseco de cada um deve ser reconhecido e respeitado pelos demais (característica externa); (3) o Estado deve existir para a satisfação do indivíduo (característica dos estado-limitado)64 64 MCCRUDDEN, Christopher. Human dignity and judicial interpretation of human rights. The European Journal of International Law, Firenze, vol. 19, n. 05, p. 931-944, 2008. . Cuida-se de afirmar a existência de um entendimento consolidado na doutrina de que a dignidade da pessoa humana é constituída pelos elementos: ontológico, que reconhece o valor intrínseco do ser humano; relacional-comportamental que impõe a conduta de reconhecimento e respeito aos seres humanos uns para com os outros; e estatal, que vincula o Estado a ter o mesmo respeito e consideração pela dignidade de todos os seres humanos.

Na doutrina brasileira, Ingo Sarlet65 65 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição federal de 1988. 9a ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 73. conceitua da seguinte maneira:

(...) temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida.

Também dentro dessa concepção, leciona o Min. Barroso66 66 BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 112. que:

Para finalidades jurídicas, a dignidade da pessoa humana pode ser dividida em três componentes: valor intrínseco, que se refere ao status especial do ser humano no mundo; autonomia, que expressa o direito de cada pessoa, como um ser moral e como um indivíduo livre e igual, tomar decisões e perseguir o seu próprio ideal de vida boa; e valor comunitário, convencionalmente definido como a interferência social e estatal legítima na determinação dos limites da autonomia pessoal.

O valor intrínseco da pessoa humana vincula os particulares, o Estado e o próprio indivíduo a reconhecer e proteger um status diferenciado na convivência social. É uma espécie de direito-dever de tratamento e consideração para consigo e perante aos demais. A autonomia precisa ser entendida enquanto ação ou omissão de autodeterminação pessoal que não possa causar prejuízo à bem jurídico alheio, em conformidade com os ditames constitucionais e a legislação pertinente. Valor comunitário expressa um dever da máquina estatal de legislar o mínimo possível na esfera íntima das pessoas, conforme os ditames de proporcionalidade e razoabilidade, em adequação aos direitos fundamentais e bens jurídicos relevantes de proteção. O valor comunitário limita a autonomia individual na mesma proporção em que esta limita o primeiro. A relação é circular. Quanto maior for a expressão comunitária, menor será a liberdade do cidadão nas ações em conformidade com o ordenamento jurídico67 67 GUEDES, Maurício Sullivan Balhe; LOURENÇO, Cristina Sílvia Alves. A dignidade da pessoa humana em processos criminais no stf: valor intrínseco, autonomia e valor comunitário. In: CONPEDI (Org.). Direito Penal, Processo Penal e Constituição I. Florianópolis: CONPEDI, 2014, v. 1. p. 80-101. .

Essas considerações são especialmente relevantes no estudo dos chamados casos controversos, que envolvem a ingerência estatal no âmbito íntimo das pessoas, onde o “papel adequado do Estado não é tomar partido e impor uma visão, mas permitir que os indivíduos realizem escolhas autônomas”68 68 BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 102. -69 69 Neste sentido, a ADPF 54 é a mais emblemática manifestação do Supremo Tribunal Federal pró autonomia individual diante uma proibição estatal, quando a Corte: “Sublinhou que o tema envolveria a dignidade humana, o usufruto da vida, a liberdade, a autodeterminação, a saúde e o reconhecimento pleno de direitos individuais, especificamente, os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. No ponto, relembrou que não haveria colisão real entre direitos fundamentais, apenas conflito aparente. [...] Ressurtiu que a tipificação penal da interrupção da gravidez de feto anencéfalos não se coadunaria com a Constituição, notadamente com os preceitos que garantiriam o Estado laico, a dignidade da pessoa humana, o direito à vida e a proteção da autonomia, da liberdade, da privacidade e da saúde” (BRASIL. Informativo 661. out. de 2012). Julgado em 12 de abril 2012, o STF aplicou a técnica da interpretação conforme a Constituição aos arts. 124, 126 e 128 do Código Penal, para fins de afastar a interpretação que poderia levar à criminalização da conduta de antecipação da gestação na hipótese de feto com anencefalia. Caso onde a autonomia limitou o valor comunitário do indivíduo. Se na análise do valor intrínseco a jurisprudência do STF demonstra a compreensão de que a dignidade da pessoa humana seria um direito fundamental autônomo, quando em questão a autonomia e o valor comunitário, a interpretação parece admitir ponderação de bens, aproximando-se de uma configuração principiológica ao fundamento da República brasileira. . Daí o que leva Glensy a dizer que “the right to dignity best reflects, more than any other right, the essence of being human”70 70 GLENSY, Rex D. The right to dignity. Columbia Human Rights Law Review, New York, vol. 43, n. 1, p. 65-142, oct./dec. 2011. , vez que comporta no núcleo de proteção aspectos caracterizadores da pessoa humana - projetos de vida, sonhos, realizações, etc. Neste sentido, a dignidade humana leva a um círculo de constante interação entre os valores intrínseco e comunitário e a autonomia individual de forma a completar a razão e o alcance do instituto jurídico.

Com tais considerações, é possível notar que a disponibilidade do ensino religioso de nível fundamental em escolas públicas é expressão da autonomia dos pais e dos alunos, vez que o conteúdo da disciplina deve ser capaz de transmitir - em alguma medida - a livre crença religiosa dos pais educada no seio familiar para os filhos. A matrícula facultativa, parece, nesse caso, uma forma de controle externo do ensino ministrado em escolas públicas, isto é, não confiando no plano de ensino da matéria, podem os pais optar pela não matrícula do filho.

O ensino ou não da disciplina reflete na apreensão de conhecimento do aluno, e tem, portanto, resultado no valor intrínseco - vez que a religião atua na forma como o ser humano se percebe no mundo - e comunitário - pois atua também de modo a interferir no comportamento/convívio da pessoa no mundo - da pessoa humana. Porém, a questão central reside na influência que o problema pode exercer na dignidade enquanto autonomia - que significa, prima facie tomar decisões conforme suas experiências e convicções plenas de vida, aspecto este fortemente determinado pela religião que a pessoa tem para si.

Caso o Estado não seja capaz de ofertar um ensino de natureza plural, contendo os mais diversos valores da maior quantidade de religiões existentes, melhor não ofertar a disciplina, visto que o direcionamento a uma ou outra religião poderia atuar de modo a conduzir a crença do aluno para doutrina determinada, o que teria reflexo direto na autonomia individual que nesta configuração restaria violada por ação - pela oferta de somente uma visão de mundo na disciplina ensino religioso - e omissão - ao não fornecer uma pluralidade de doutrinas da religião - do próprio Estado.

5. POR UMA PROPOSTA DE CONCLUSÃO

O presente estudo cuidou de temática extremamente sensível no âmbito jurídico brasileiro, a liberdade religiosa não somente integra o corpo dos direitos e garantias fundamentais da Constituição - como também costuma aflorar sentimentos e emoções incompatíveis com o caráter científico da pesquisa. Dentro desse universo de inúmeras variáveis possíveis, o trabalho se concentrou no problema “ensino religioso em escolas públicas” tendo por parâmetro os argumentos suscitados pela Procuradoria Geral da República na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4439, ainda sem decisão de mérito71 71 O desenvolvimento do estudo foi concluído em 08 de fevereiro de 2016. Para eventual manifestação da Suprema Corte, consultar: <www.stf.jus.br>. .

Ao longo da jornada, foi possível demonstrar que a configuração do direito fundamental à educação apresenta no seu cerne o pluralismo. Tal conceito possui diversas concepções doutrinárias e desdobramentos sociais, no que concerne ao sistema educacional, implica num conjunto de visões de mundo que devem obrigatoriamente estar contidas no plano de ensino, no que veda a expressão de uma única forma de pensar.

Ao reconhecer que o ser humano não poderia restar preso a uma só ideologia, filosofia ou visão de mundo, foi instituído no Brasil - por escolha política - o “respeito à liberdade e apreço à tolerância” como um dos princípios estruturantes (art. 3º, IV da Lei 9.394/96) de uma educação plural. Nesse contexto, a laicidade aparece como limite a interferência estatal no âmbito da intimidade-autonomia da pessoa, daí a necessidade de um ensino religioso não-confessional. Na ausência de um plano pedagógico que comporte um ensino plural, não há o que falar na possibilidade de oferta da disciplina: a sala de aula não pode ser meio de pregação ou doutrinação, é, ao contrário, espaço da liberdade criativa e da autonomia do indivíduo.

  • 1
    Art. 210, § 1o: “O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental”.
  • 2
    A peça inicial pode ser consultada no sítio eletrônico do STF: <www.stf.jus.br>. Acesso em 29 de nov. de 2015.
  • 3
    Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo. § 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores. § 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso.
  • 4
    Art 149: “A educação é direito de todos e deve ser ministrada, pela familia e pelos poderes publicos, cumprindo a estes proporcional-a a brasileiros e a estrangeiros domiciliados no paiz, de modo que possibilite efficientes factores da vida moral e economica da Nação, e desenvolva num espirito brasileiro a consciência da solidariedade humana.”
  • 5
    REGO, Antonio Carlos Pojo do. O congresso brasileiro e o regime militar: 1964-1985. Rio de Janeiro: FGV, 2008. p. 63-98.
  • 6
    BENDA, Ernst (et. al.) (orgs.). Handbuch des verfassungsrechts der bundesrepublik deutschland. Berlim: Walter de Gruyter & Co., 1994. p. 526.
  • 7
    “A perspectiva subjetiva corresponde à noção dos direitos sociais como direitos exigíveis em juízo, sob a forma de direitos subjetivos. A despeito das dificuldades que aí se impõem, constata-se uma forte tendência doutrinária e jurisprudencial no sentido do reconhecimento de um direito subjetivo ao mínimo existencial, concebido como garantia (fundamental) das condições materiais mínimas à vida com dignidade, isto é, uma vida saudável e, portanto, com certa qualidade. (…) Já a perspectiva objetiva das normas de direitos sociais reflete o estreito liame desses direitos com o sistema de fins e valores constitucionais a serem respeitados e concretizados por toda a sociedade. (…) impõe ao Estado o dever de permanente realização dos direitos sociais, além de permitir às normas de direitos sociais operarem como parâmetro, tanto para a aplicação e interpretação do direito infraconstitucional, quanto para a criação e desenvolvimento de instituições, organizações e procedimentos voltados à proteção dos direitos sociais, o que inclui a garantia de um procedimento justo e eficaz que os assegure e a vedação a medidas de cunho retrocessivo” (SARLET, Ingo Wolfgang. Comentário ao art. 6º, caput. In: CANOTILHO, J. J. Gomes et. al. (Coords.). Comentários à Constituição Do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 533-548).
  • 8
    “O verbo educar deriva etimologicamente dos vocábulos latinos educare e educere. O primeiro remete aos processos de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral do ser humano. Tem como alvo a melhor inserção individual e social. Significa, neste contexto, criar, alimentar, subministrar o necessário para o aperfeiçoamento da personalidade. A expressão educere, de outra mão, contém sentido mais introspectivo. Refere-se às habilidades internas ou inatas do educando. Segundo esta última concepção, a formação do educando dependerá do dinamismo com o qual ele lida com suas aptidões interiores. As duas ideias de educação equivalem a duas correntes teóricas diversas. O nativismo adere às noções correlacionadas ao educere, ao passo que os empiristas filiam-se à noção de educare” (VICTOR, Rodrigo Albuquerque de. Judicialização de políticas públicas para a educação infantil. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 60).
  • 9
    Cf. GOMES, Ana Valeska Amaral; BRITTO, Tatiana Fonseca de. Plano nacional de educação: construção e perspectivas. Brasília: Câmara dos Deputados, 2015.
  • 10
    Cf. CIARLINI, Alvaro Luis de A. S. Direito à saúde: paradigmas procedimentais e substanciais da constituição. São Paulo: Saraiva, 2013.
  • 11
    BRASIL. STF. RE 500.171, rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 13.08.2008, Plenário. DJE de 24 de out. de 2008.
  • 12
    BRASIL. STF. RE 594.018, rel. Min. Eros Grau, julgamento em 23.06.2009. Plenário. DJE de 07 de ago. De 2009.
  • 13
    “A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito do seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV). Essa prerrogativa jurídica, em consequência, impõe ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das crianças até cinco anos de idade (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da CF. A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da administração pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental” (ARE 639.337-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 23 de ago. de 2011, Segunda Turma, DJE de 15 de set. de 2011).
  • 14
    “Para possibilitar que a igualdade material entre as pessoas seja levada a efeito, o Estado pode lançar mão seja de políticas de cunho universalista, que abrangem um número indeterminado de indivíduos, mediante ações de natureza estrutural, seja de ações afirmativas, que atingem grupos sociais determinados, de maneira pontual, atribuindo a estas certas vantagens, por um tempo limitado, de modo a permitir-lhes a superação de desigualdades decorrentes de situações históricas particulares. (...) A adoção de tais políticas, que levam à superação de uma perspectiva meramente formal do princípio da isonomia, integra o próprio cerne do conceito de democracia. (…) No que interessa ao presente debate, a aplicação do princípio da igualdade, sob a ótica justiça distributiva, considera a posição relativa dos grupos sociais entre si. Mas, convém registrar, ao levar em conta a inelutável realidade da estratificação social, não se restringe a focar a categoria dos brancos, negros e pardos. Ela consiste em uma técnica de distribuição de justiça, que, em última análise, objetiva promover a inclusão social de grupos excluídos ou marginalizados, especialmente daqueles que, historicamente, foram compelidos a viver na periferia da sociedade. E na parte dispositiva: Isso posto, considerando, em especial, que as políticas de ação afirmativa adotadas pela Universidade de Brasília (i) têm como objetivo estabelecer um ambiente acadêmico plural e diversificado, superando distorções sociais historicamente consolidadas, (ii) revelam proporcionalidade e a razoabilidade no concernente aos meios empregados e aos fins perseguidos, (iii) são transitórias e preveem a revisão periódica de seus resultados, e (iv) empregam métodos seletivos eficazes e compatíveis com o princípio da dignidade humana, julgo improcedente esta ADPF”. ADPF 186. Cópia impressa.
  • 15
    Cf. FERES JÚNIOR, João; ZONINSEIN, Jonas (Orgs.). Ação afirmativa no ensino superior brasileiro. Belo Horizonte: UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2008.
  • 16
    SOUSA, Eliane Ferreira de. Direito à educação: requisito para o desenvolvimento do país. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 159.
  • 17
    SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 801.
  • 18
    Cabe a ressalva: “Apesar da conotação de direito social, que assume explicitamente, o direito à educação deve também ser reconhecido em seu caráter ou dimensão de uma clássica liberdade pública. E este é o motivo pelo qual se tem falado, até aqui, de direito fundamental à educação e acesso, e não de liberdade de acesso e de liberdade de aprender, evitando a confusão de conteúdos e dimensões” (TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 878).
  • 19
    “A consecução prática dos objetivos da educação, só se realizará em um sistema educacional democrático, em que a organização da educação formal (via escola) concretize o direito ao ensino, informado por princípios com ele coerentes, que, realmente foram acolhidos pela Constituição (...)” (SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 801).
  • 20
    Cf. GATTI, Bernardette Angelina et. at. (Orgs.) Por uma política nacional de formação de professores. São Paulo: UNESP, 2013.
  • 21
    Cf. FREIRE, Paulo. Pedagogy of freedom: ethics, democracy, and civic courage. Nova York: Rowman & Littlefield, 1998.
  • 22
    Cf. GUEDES, Maurício Sullivan Balhe. Direito à igualdade e livre desenvolvimento da personalidade: construindo a democracia de triplo vértice. Revista Direito Público, Porto Alegre, vol. 10, n. 56, p. 210-227, mar./abr. 2014.
  • 23
    Cf. SOUSA, Eliane Ferreira de. Direito à educação: requisito para o desenvolvimento do país. São Paulo: Saraiva, 2010.
  • 24
    “Na sua origem - e durante muito tempo - o significado da expressão “pluralismo político” veiculava ideia absolutamente distinta da que hoje possui. Se se entende o pluralismo político como a manutenção da divergência e do conflito, inerentes à natureza democrática das sociedades que assim se reivindicam, o pluralismo fortalecia a ideia da fragmentação de poder. Em outras palavras, por pluralismo entendia-se a diversidade de poderes, de comandos ou mesmo de sistemas jurídicos, podendo ou não conviver em esferas de maior ou menor abrangência territorial (…). Materializando sua condição democrática e dirigente, a racionalidade da Constituição Federal de 1988 refere-se internamente ao pluralismo político não somente como princípio fundamental, materializando-o, porém, nos seus arts. 5º e 17, quando estes explicitam a liberdade de manifestação do pensamento, bem como as exigências para a formação dos agrupamentos político-partidários, atores primeiros da representação e pluralismo políticos (...)” (LIMA, Martonio Mont’alverne Barreto. Comentário ao art. 1º, V. In: CANOTILHO, J. J. Gomes et. al. (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 135-136).
  • 25
    “A existência de instituições públicas e privadas de ensino também revela uma perspectiva pluralista, pois, por mais que as escolas privadas estejam sob fiscalização do Poder Público, elas podem, dentro do marco constitucional, desenvolver e inovar no tocante a métodos de ensino e propostas pedagógicas, assim como quanto à abordagem do ensino e da pesquisa que realizam” (MALISKA, Marcos Augusto. Comentário ao art. 206, III. In: CANOTILHO, J. J. Gomes et. al. (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 1966-1968).
  • 26
    MALISKA, Marcos Augusto. Comentário ao art. 206, III. In: CANOTILHO, J. J. Gomes et. al. (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 1966-1968.
  • 27
    BURDEAU, Georges. Traité de science politique. 2. ed. t. VIII. Paris: LGDJ, 1977. p. 144.
  • 28
    SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 803.
  • 29
    SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 803-804.
  • 30
    Conforme Zagrebelsky: “A democracia crítica quer tirar o povo da pacifidade e também da mera reatividade. Quer fazer dele uma força ativa, capaz de iniciativa e, portanto, de projetos políticos elaborados por si mesmo. Em resumo: quer um povo que seja sujeito da política, não objeto ou instrumento (…). A autoridade do povo, na democracia crítica, não depende de supostas qualidades sobre-humanas, como a onipotência e a infalibilidade. Depende, ao contrário, da razão exatamente oposta, ou seja, admitir que o povo de maneira geral e todos os homens são necessariamente limitados e falíveis (…). Para a democracia crítica nada é mais insensato que a divinização do povo expressa pela máxima Vox populi, vox dei, uma verdadeira forma de idolatria política. Essa grosseira teologia democrática condiz com as concepções triunfais e acríticas do poder do povo, as quais, como já vimos, são apenas adulações interesseiras” (ZAGREBLESKY, Gustavo. Crucificação e a democracia. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 131-135).
  • 31
    A oposição entre modelos de certo ou errado; bem ou mal; bom ou ruim, etc., resulta num paradoxo de natureza ad eternum, pois o argumento perde racionalidade e se torna inócuo no espaço público, sem força cogente de ordem construtiva, ou seja, vazio. Em sentido próximo, cf. STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
  • 32
    Por todos, ver: MACHADO, Jónatas E. M. Estado constitucional e neutralidade religiosa: entre o teísmo e o (neo)ateísmo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013.
  • 33
    Por todos, ver como exemplo: COUTINHO, Júlia Maia de Menezes; MELO, Silvana Paula Martins de. Universalismo, relativismo ou multiculturalismo? análise acerca da aplicação dos direitos humanos no mundo islâmico sob a perspectiva da banalidade do mal em hannah arendt. In: HOLANDA, Ana Paula Araújo de et. al. (Orgs.). Direitos humanos: histórico e contemporaneidade. Vol. 2. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015. p. 299-318.
  • 34
    Por todos, ver como exemplo desse fenômeno: SILVA NETO, Manoel Jorge. Proteção constitucional à liberdade religiosa. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
  • 35
    Como exemplo de pesquisa neste sentido, ver: SILVA, Fabiana Maria Lobo da. Liberdade religiosa e o ensino religioso nas escolas públicas de um estado laico: perspectiva jusfundamental. Revista de informação legislativa, Brasília, ano 52, n. 206, p. 271-298, abr./jun. 2015.
  • 36
    Cuida-se do “primeiro Estado jurídico” que “alcançou sua experimentação histórica na Revolução Francesa”. “A burguesa formulou os princípios filosóficos de sua revolta social (…) [e] nada mais fez do que generalizá-los doutrinariamente como ideais comuns a todos os componentes do corpo social. Mas no momento em que apodera do controle político da sociedade, a burguesia já não se interessa em manter na prática a universalidade daqueles princípios como apanágio de todos os homens. Só de maneira formal os sustenta, uma vez que no plano de aplicação política eles se conservam, de fato, princípios constitutivos de uma ideologia de classe. Foi essa a contradição mais profunda na dialética do Estado Moderno” (BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 42).
  • 37
    “O Estado de Direito implica uma confiança absoluta depositada no direito, a crença nas virtudes da dogmática jurídica para atingir os objetivos que se lhe atribui, em fazer prevalecer os valores aos quais se está vinculado: é pela transformação em direitos subjetivos que serão preservadas as liberdades (…). O Estado de Direito se assenta assim no fetichismo da regra: a norma jurídica tende a ser tomada como a própria realidade, capaz de fazer advir o que enuncia (…). Essa confiança depositada no Direito não é somente de ordem racional (…) e é precisamente nesse ponto que o mito vem substituir a realidade, dando ao Estado de Direito todo o seu alcance: o Estado de Direito não se reduz, de fato, a uma construção racional, a um desenho formal, mas ele se apoia sobre um investimento afetivo; e é essa mística que faz com que ele não seja somente um artifício, uma fórmula mistificadora, mas sim uma coerção efetiva, tanto para os destinatários quanto para os produtores da norma” (CHEVALLIER, Jacques. L’etat de droit. 5. ed. Paris: Montchrestien, 2010. p. 52-53).
  • 38
    A Constituição brasileira determina: Art. 19 - É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - Estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvenciona-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.
  • 39
    É o que faz a Constituição brasileira: Art. 5o, VI - É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.
  • 40
    O que neste sentido significa dizer que a liberdade religiosa pode ser tratada como um direito fundamental de natureza contramajoritária.
  • 41
    Cf. VOLTAIRE. Tratado sobre a tolerância. São Paulo: Folha de S. Paulo, 2015. p. 28.
  • 42
    DINIZ, Geilza Fátima Cavalcante. Direitos humanos e liberdade religiosa. Brasília: Senado Federal, 2014. p. 210.
  • 43
    Cf. FREITAS, Joana Teixeira de Mello. O desacordo moral razoável na sociedade plural do estado democrático de direito. Revista USCS, São Caetano do Sul, ano X, n. 17, p. 39-51, jul./dez. 2009.
  • 44
    Sobre o desacordo moral razoável e o papel da Corte Constitucional defronte tal circunstância, afirma Luís Roberto Barroso: “Pessoas bem-intencionadas e esclarecidas, em relação a múltiplas matérias, pensam de maneira radicalmente contrária, sem conciliação possível. Cláusulas Constitucionais como direito à vida, dignidade da pessoa humana ou igualdade dão margens a construções hermenêuticas distintas, por vezes contrapostas, de acordo com a pré-compreensão do intérprete. Esse fenômeno se revela em questões que são controvertidas em todo o mundo, inclusive no Brasil, como, por exemplo, interrupção da gestação, pesquisa com células-tronco embrionárias, eutanásia/ortotanásia, uniões homoafetivas, em meio a muitas outras. Nessas matérias, como regra geral, o papel do direito e do estado deve ser o de assegurar que cada pessoa possa viver sua autonomia da vontade e suas crenças” (BARROSO, Luís Roberto. O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 261).
  • 45
    WALDRON, Jeremy. Law and desagreement. New York: Oxford University Press, 2004. p. 149-150.
  • 46
    U.S. Supreme Court. Justice Scalia. Case Holt v Hobbs, 574 U.S., 2015. p. 05.
  • 47
    Ao contrário do que a expressão “razão pública” possa sugerir, o sentido é extraído do pensamento de Alexy (e não de Rawls): “A regra geral de fundamentação está numa relação muito estreita com as condições ideais da situação ideal de fala. Quem fundamenta algo admite aceitar o outro, ao menos no que se refere à fundamentação, como interlocutor com os mesmos direitos que ele, e admite não exercer pessoalmente coerção nem apoiar-se na coerção exercida por outros. Também, pretende poder defender sua asserção frente a qualquer um. Os jogos de linguagem em que não se admite cumprir pelo menos estas exigências não podem ser considerados fundamentações (...). As exigências de igualdade de direitos, universalidade, e ausência de coerção podem-se formular com três regras (...): (i) Quem pode falar, pode tomar parte no discurso; (ii) todos podem problematizar e introduzir qualquer asserção no discurso - todos podem expressar suas opiniões, desejos e necessidades; (iii) não se pode impedir a nenhum falante de exercer seus direitos estabelecidos em (i) e (ii) mediante coerção existente dentro ou fora do discurso” (ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da fundamentação jurídica. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 132-133).
  • 48
    É bem verdade que a Constituição americana de 1787 já apresentava preocupação com a liberdade religiosa e a secularização do Estado, é o texto da primeira emenda - “Congress shall make no law respecting an establishment of religion, or prohibiting the free exercise thereof; or abridging the freedom of speech, or of the press; or the right of the people peaceably to assemble, and to petition the Government for a redress of grievances” - e no mesmo sentido, na França, a Déclaration des Droits de l’Homme et du Citoyen de 1789 - art. 10: “Ninguém pode ser molestado por suas opiniões, incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei” - preocupação que se seguiu com a Déclaration des droits de l’homme et du citoyen de 1793 e na Déclaration des droits et des devoirs de l’homme et du citoyen de 1795.
  • 49
    Modelo parcialmente seguido pela Constituição brasileira de 1891: Art. 72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no paiz a inviolabilidade dos direitos concernentes á liberdade, á segurança individual e á propriedade, nos termos seguintes: (...) § 3º Todos os individuos e confissões religiosas podem exercer publica e livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, observadas as disposições do direito commum. (...) § 6º Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos publicos. (...) § 7º Nenhum culto ou igreja gosará de subvenção official, nem terá relações de dependencia ou alliança com o Governo da União, ou o dos Estados. A representação diplomatica do Brasil junto á Santa Sé não implica violação deste principio.
  • 50
    Cf. VIDAL-ROBERT, Jordi. Long-run effects of the Spanish inquisition. Working Paper Series, Conventry, n. 192, p. 01-59, june 2014.
  • 51
    “La confesionalidad del Estado, consagrada en el artículo 12 de la Constitución de 1812, ha planteado problemas de interpretación dada la aparente incongruência con el carácter rupturista y liberal del texto gaditano. Por una parte, suscitaba la cuestión de la intelerancia religiosa, aunque este concepto, en el mundo hispano de los inicios del siglo XIX, no fue el mismo que en el mundo anglosajón debido principalmente a la existência de una comunidad católica hispana monolítica desde el siglo XVI. Para que se diese tolerância tenía que existir una conciencia de pluralidad. Además, en los inicios del liberalismo, intolerância significó desunión, ilegitimidad y guerra civil. La tolerancia religiosa no se planteaba realmente como un problema pues el exclusivismo católico parecía natural y perfectamente compatible con el constitucionalismo y las políticas liberales (...) (MANSO, Ana Isabel Gozález. Tolerancia religiosa y modelo de iglesia en españa en la primera mitad del siglo XIX. Historia Constitucional, Oviedo, n. 15, p. 113-15, 2014. MANSO, Ana Isabel Gozález. Tolerancia religiosa y modelo de iglesia en españa en la primera mitad del siglo XIX. Historia Constitucional, Oviedo, n. 15, p. 113-15, 2014).
  • 52
    Cf. ARGIOLAS, Davide. A liberdade religiosa em itália: vinho novo em odres velhos. Espaço Jurídico Journal Of Law, Chapecó, vol. 15, n. 02. p. 363-386, jul./dez. 2014.
  • 53
    HOBSBAWN, Eric J. A era das revoluções: 1789-1848. 35. ed. São Paulo-Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015. p. 341.
  • 54
    São diversos os casos que envolvem a temática que estão sob a jurisdição da corte, dentre eles destacam-se: Ouardiri v. Switzerland, 28 june, 2011; Sinan Isik v. Turkey, 2 feb., 2010; Wasmuth v. Germany, 17 feb, 2011; Alexandridis v. Greece, 21 feb., 2008; kokkinakis v. Greece, 25 may, 1993; Hasan and Chaush v. Bulgaria, 26 oct., 2000; Jehovah’s Witnesses of Moscow v. Russia, 10 jun. 2010; Fracesco Sessa v. Italy, 3 april, 2012; dentre outros.
  • 55
    ECHR. Case Dimitras v. Greece. Judgement of june 3rd, 2013.
  • 56
    Art. 5o, § 2o - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
  • 57
    Art. 210, § 1o: “O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental”.
  • 58
    BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 4a ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 212-213
  • 59
    Por exemplo, Declaração Universal dos Direitos Humanos (art. 1), Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas (art. 15, 1), Declaração sobre Educação e Formação em Direitos Humanos (art. 5o, 1), Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência (art. 1), Convenção Internacional de Proteção das Pessoas contra o Desaparecimento Forçado (art. 19, 2), Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (art. 28, 2), Convenção contra Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (preâmbulo), Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (preâmbulo), dentre outras.
  • 60
    São exemplos as Constituições do Afeganistão (art. 24), China (art. 38), Azerbaijão (art. 13, III), Iraque (art. 37, 1o, a), Irã (art. 2o, 6), Bahrein (art. 18), Cazaquistão (art. 45), Paquistão (art. 14), Kuwait (art. 29), Tailândia (section 4), Arménia (art. 13), Turquia (art.17), Suécia (art. 2º), Finlândia (art.1º), Suíça (art. 7º), Montenegro (art. 25), Polônia (art. 30), Romênia (art. 1º, 3), Rússia (art. 7º), Sérvia (art. 19), Japão (art. 24), Holanda (art. 11), África do Sul (art. 10), dentre outras.
  • 61
    GUEDES, Maurício Sullivan Balhe. A constituição do plano político ao normativo: base teórica para a construção do neoconstitucionalismo. Revista do Instituto do Direito Brasileiro, Lisboa, ano 03, n. 06, 2014.
  • 62
    WALDRON, Jeremy. Is dignity the foundation of human rights? New York University Public Law and Legal Theory Working Papers, New York, p. 1-29, 2013.
  • 63
    WALDRON, Jeremy. Is dignity the foundation of human rights? New York University Public Law and Legal Theory Working Papers, New York, p. 1-29, 2013.
  • 64
    MCCRUDDEN, Christopher. Human dignity and judicial interpretation of human rights. The European Journal of International Law, Firenze, vol. 19, n. 05, p. 931-944, 2008.
  • 65
    SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição federal de 1988. 9a ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 73.
  • 66
    BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 112.
  • 67
    GUEDES, Maurício Sullivan Balhe; LOURENÇO, Cristina Sílvia Alves. A dignidade da pessoa humana em processos criminais no stf: valor intrínseco, autonomia e valor comunitário. In: CONPEDI (Org.). Direito Penal, Processo Penal e Constituição I. Florianópolis: CONPEDI, 2014, v. 1. p. 80-101.
  • 68
    BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 102.
  • 69
    Neste sentido, a ADPF 54 é a mais emblemática manifestação do Supremo Tribunal Federal pró autonomia individual diante uma proibição estatal, quando a Corte: “Sublinhou que o tema envolveria a dignidade humana, o usufruto da vida, a liberdade, a autodeterminação, a saúde e o reconhecimento pleno de direitos individuais, especificamente, os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. No ponto, relembrou que não haveria colisão real entre direitos fundamentais, apenas conflito aparente. [...] Ressurtiu que a tipificação penal da interrupção da gravidez de feto anencéfalos não se coadunaria com a Constituição, notadamente com os preceitos que garantiriam o Estado laico, a dignidade da pessoa humana, o direito à vida e a proteção da autonomia, da liberdade, da privacidade e da saúde” (BRASIL. Informativo 661. out. de 2012). Julgado em 12 de abril 2012, o STF aplicou a técnica da interpretação conforme a Constituição aos arts. 124, 126 e 128 do Código Penal, para fins de afastar a interpretação que poderia levar à criminalização da conduta de antecipação da gestação na hipótese de feto com anencefalia. Caso onde a autonomia limitou o valor comunitário do indivíduo. Se na análise do valor intrínseco a jurisprudência do STF demonstra a compreensão de que a dignidade da pessoa humana seria um direito fundamental autônomo, quando em questão a autonomia e o valor comunitário, a interpretação parece admitir ponderação de bens, aproximando-se de uma configuração principiológica ao fundamento da República brasileira.
  • 70
    GLENSY, Rex D. The right to dignity. Columbia Human Rights Law Review, New York, vol. 43, n. 1, p. 65-142, oct./dec. 2011.
  • 71
    O desenvolvimento do estudo foi concluído em 08 de fevereiro de 2016. Para eventual manifestação da Suprema Corte, consultar: <www.stf.jus.br>.

6. REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Abr 2019
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    07 Ago 2017
  • Aceito
    27 Ago 2017
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