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Por novos horizontes, por um novo Portugal: Eça de Queiroz e a “geração de 1870” nas Conferências do Casino

For new horizons, for a new Portugal: Eça de Queiroz and the “generation of 1870” at the Casino Conferences

Por nuevos horizontes, por un nuevo Portugal: Eça de Queiroz y la “generación de 1870” en las Conferencias del Casino

RESUMO

Este artigo trata do processo de sensibilização política e intelectual que deu origem à “geração de 1870”. Por meio da análise das Conferências democráticas do Casino de Lisboa, objetiva-se discutir a relação entre a constituição desse importante grupo de intelectuais e uma das primeiras grandes críticas públicas direcionadas à monarquia constitucional portuguesa. Com efeito, pretende-se demonstrar que sujeitos com percepções e projetos bem diferentes entre si partilhavam um “horizonte de inquietação”. Para realizar tal intento, será feita a caracterização do evento em questão, tratando de suas principais ideias, componentes e repercussões. Em seguida, serão comparados os posicionamentos dos protagonistas das conferências, tomando como referência, Eça de Queiroz. A escolha deste autor como centro para a comparação deve-se não só à sua notoriedade, mas ao seu posicionamento singular frente aos conservadores e aos progressistas.

Palavras-chave:
história intelectual; história de Portugal; Conferências do Casino; “geração de 1870”

ABSTRACT

This article deals with the process of political and intellectual awareness that gave rise to the “generation of 1870.” Through an analysis of the “Democratic Casino Conferences in Lisbon,” this article discusses the relationship between the formation of this important group of intellectuals and the emergence of one of the first major public criticisms directed at the Portuguese constitutional monarchy. The article demonstrates that subjects with very different perceptions and plans shared a “horizon of restlessness.” It covers the conferences and their main ideas, components and repercussions, and then compares the positions of the protagonists of the conferences, . Eça de Queiroz is an ideal reference point for this comparison because of his notoriety and his unique position vis-à-vis conservatives and progressives.

Keywords:
Intellectual History; History of Portugal; Casino Conferences; “generation of 1870”

RESUMEN

Este artículo trata del proceso de sensibilización política e intelectual que dio origen a la “generación de 1870”. Por medio del análisis de las “conferencias democráticas del casino de Lisboa” se pretende discutir la relación entre la constitución de ese importante grupo de intelectuales y de una de las primeras grandes críticas públicas dirigida a la monarquía constitucional portuguesa. En efecto, se busca demostrar que sujetos con percepciones y proyectos bien diferentes entre sí, compartían un “horizonte de inquietud”. Para realizar tal intento, será hecha la caracterización del evento en cuestión, tratando sus principales ideas, componentes y repercusiones. Luego, serán comparadas las posiciones de los protagonistas de las conferencias, tomando como referencia, Eça de Queiroz. La escogencia de este autor como centro para la comparación, se debe no sólo a su notoriedad, sino también a su posición singular frente a los conservadores y a los progresistas.

Palabras Clave:
Historia intelectual; Historia de Portugal; Conferencias del Casino; “generación de 1870”

A “geração de 1870”: genealogias e definições

O século XIX português foi, durante muito tempo, interpretado como um período desastroso.1 1 A ideia de um século XIX lusitano maldito, que deveria ser superado, foi uma elaboração inicialmente construída no próprio período oitocentista, em meio à crise do final do século, com a importante contribuição da “geração de 1870”. Contudo, essa perspectiva foi reforçada pelo salazarismo, que apostou na desqualificação do período anterior, com o intuito de alardear a inauguração de uma nova era. Miriam Halpern Pereira (2012) destacou que somente nos anos 1970, o século XIX português passou a ser investigado com mais cuidado, rompendo-se com os preconceitos de outrora. Os homens que formaram o grupo de intelectuais, mais tarde denominado a “geração de 1870”, tiveram um papel crucial para essa elaboração. Por meio de seus textos, artigos, livros, debates e polêmicas, ajudaram a (re) criar a sociedade lusitana contemporânea. Suas produções estéticas, bem como suas trajetórias (políticas e intelectuais), são importantes para a compreensão dessa sociedade.

Não existe um consenso em relação aos membros que compõem o grupo em questão, muito menos sobre o processo de sua constituição. Nesse sentido, para abordá-lo, é mais interessante trabalhar com uma perspectiva “genealógica”, isto é, considerando as várias origens e camadas que marcam a sua formação.2 2 Foucault (1979) procurou realizar uma relevante crítica ao “essencialismo”. Não seria factível buscar a essência das coisas, dos eventos ou processos históricos. Critica-se uma história contínua, linear e teleológica, alicerçada pela busca de origens e semelhanças, além da tentativa de se estabelecer relações causais entre os acontecimentos. “A história, genealogicamente dirigida, não tem por fim reencontrar as raízes de nossa identidade, mas ao contrário, se obstinar em dissipá-la; [...] ela pretende fazer todas as descontinuidades que nos atravessam” (p. 34-35). Para alguns analistas, a geração foi composta, principalmente, por Antero Tarquínio de Quental (1842-1891), José Maria Eça de Queiroz (1845-1900) e Joaquim Pedro de Oliveira Martins (1845-1894); e, secundariamente, por Abílio Manuel Guerra Junqueiro (1850-1923), Alberto da Cunha Sampaio (1841-1908), Antônio Gomes Leal (1848-1921), Francisco Adolfo Coelho (1847-1919), Guilherme de Azevedo (1839-1882), Jaime Batalha Reis (1847-1935), Joaquim Fernandes Teófilo Braga (1843-1924) e José Duarte Ramalho Ortigão (1836-1915) (MACHADO, 1981MACHADO, Álvaro Manuel. A geração de 70: uma revolução cultural e literária. 2. ed. Lisboa: Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1981., p. 15). Mas alguns estudiosos têm considerado nomes mais expressivos na articulação de uma crítica estética, social e política à sociedade oitocentista, destacando-se, de acordo com esse critério, Antero de Quental, Batalha Reis, Francisco Manuel de Melo Breyner (1837-1903) - o Conde de Ficalho -, Eça de Queiroz, Guerra Junqueiro e Ramalho Ortigão (BERRINI, 2003BERRINI, Beatriz. Brasil e Portugal: a geração de 70. Porto: Campo das Letras Editores, 2003. , p. 16-17).

A variação dos membros desse grupo relaciona-se com os critérios de classificação, com o conceito de geração empregado e com os eventos/processos históricos analisados. Como bem destacou Sirinelli (1996, p. 254-256), uma geração pode até ser pensada por meio da faixa etária dos seus membros, embora esse não seja necessariamente o critério mais relevante. Para o autor, outros elementos se destacam, tais como o teor dos debates desenvolvidos, certa herança proveniente da memória coletiva, o movimento das ideias, das filiações, além das origens sociais, das redes de sociabilidade, das interações, das convergências ou divergências, dos “climas” ou dos “microclimas” instaurados entre os membros de um determinado grupo. Pensa-se também uma geração a partir de alguns eventos que podem ter impactado os sujeitos que a compõe.

Com efeito, a partir dessa concepção, uma primeira questão se coloca: seria a idade um critério determinante para se compreender a “geração de 1870”? Quando observamos a variação etária entre os possíveis membros do grupo, a resposta para essa questão poderá ser negativa. Muitos deles nasceram nos anos 1840, mas Ramalho Ortigão, por exemplo, é de 1836; outros, diferentemente, só vieram a termo nos anos 1850, como é o caso de Guerra Junqueiro. Eça de Queiroz, nascido em 1845, foi aluno de Ramalho no Liceu. Nada disso impediu que esses homens construíssem afinidades, desavenças, e, sobretudo, compartilhassem certa visão de mundo.

Mas se o fator etário pode ser relativizado, quais seriam as questões de maior relevo? Para tentar responder a essa pergunta, é preciso tratar das denominações que o grupo recebeu, assim como das suas possíveis composições, vivências e experiências históricas.

O termo “geração de 1870” foi cunhado, inicialmente, nos anos 1920, mas sua canonização só se realizou nos anos de 1940 (MOREIRA, 2007MOREIRA, Felipe Alves. A geração de 1870: notas para a história de um conceito. Labirintos - Revista do Núcleo de Estudos Portugueses da Universidade Estadual de Feira de Santana, v. 1, n. 2, 2007. Disponível em: Disponível em: http://www.uefs.br/nep/labirintos/edicoes/02_2007/09_artigo_de_filipe_alves_moreira.pdf . Acesso em: 28 ago. 2020.
http://www.uefs.br/nep/labirintos/edicoe...
, p. 11-12). Antes disso, o grupo recebeu outras denominações, quais sejam: “Escola de Coimbra”, “geração nova”, “geração de Coimbra”, “dissidentes” etc. Em 1912, Fernando Pessoa (1888-1935) foi um dos primeiros a chamar o grupo de “Escola de Coimbra”, considerando o processo de ruptura estética em um movimento literário de maior complexidade e amplitude (PESSOA, 1994SIRINELLI, Jean-François. Os intelectuais. In: REMOND, René (org.). Por uma história política. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, Editora FGV, 1996. p. 231-270., p. 128). A partir dessa classificação, uma questão se anuncia: seriam os debates tecidos na Universidade de Coimbra os principais motivadores dessa geração? Se considerarmos a “questão coimbrã” como o marco para essa classificação, além de deixarmos de lado outros processos de grande importância, excluímos, antecipadamente, nomes como os de Eça de Queiroz e Oliveira Martins. Este não obteve formação na Universidade e aquele não se envolveu, à época, diretamente no movimento estudantil ou no debate literário.

A primeira classificação empregada para o grupo foi cunhada por um dos seus principais opositores, Manuel Joaquim Pinheiro Chagas (1842-1915), que, em 1865, os teria chamado de “geração”, “intelectuais”, ou, ainda, de “escola literária”. É preciso não ignorar o fato de que a classificação desferida por um adversário precisa ser no mínimo interrogada, já que pode implicar uma carga valorativa. Nesse ponto não só Pinheiro Chagas salientava a ideia de uma “escola”, mas também Camilo Castelo Branco (1825-1890), escritor que era crítico das propostas do grupo. No caso dessa denominação, havia uma rejeição expressa por alguns dos escritores que sob ela foram colocados. Antero de Quental considerava, nesse sentido, que seu objetivo não era a formação de uma “escola literária”, mas sim repensar a realidade portuguesa por meio da literatura, que teria uma função política e humanitária. Por conseguinte, para o escritor:

A palavra poética não é, pois, opaca, no sentido de que se não encerra na finalidade que lhe seja exclusiva, autotélica e fechada sobre si mesma. Instrumento de ação, ela protagoniza, por isso, uma função eminentemente perlocutiva e finalística, que de certa forma faz do poeta uma entidade subordinada a uma espécie de missão redentora, estreitamente articulada com a missão revolucionária da poesia patente nas Odes Modernas e fator de condicionamento de sua imagística (REIS, 1992, p. 83).

O termo “Escola de Coimbra” foi também relativizado por Teófilo Braga, para quem “Eça de Queiroz pertence a essa camada de escritores que os foliculários de 1865 chamaram de Escola de Coimbra e que Ramalho Ortigão com mais propriedade denominou dissidentes” (BRAGA, 1986, p. 202). Sampaio Bruno sintetiza o incômodo dos designados com a designação:

[...] dos que surgiram, em letras e em política, à vida pública, a partir desse movimento de 1865, reivindicando-se dele, concorrendo para o seu objetivo, criticando-o ou alargando-lhe os horizontes. O conservadorismo, desde o começo, compreendeu bem que entrava em cena uma entidade nova; denominando-a imbecilmente Escola Coimbrã. Depois, Ramalho Ortigão deu o nome que quadra a esses trabalhadores, chamou-lhes Os dissidentes. Teófilo Braga aplaudiu a escolha do termo e caracterizou o movimento. No fim, esses dissidentes são a geração nova (SAMPAIO, 1886, p. V-VI).

Além do termo “Escola de Coimbra”, outras identificações não deixam de ser igualmente problemáticas. Afirmar que esses escritores eram “dissidentes”, ou que representavam uma “geração nova”, é colocar em relevo o caráter de ruptura dos seus debates, propostas e escritos. Mas até que ponto eles propunham uma transgressão estética, política ou social? O que pretendiam transgredir? Dito de outro modo, quais os contornos dessa possível ruptura? Afirmar que eles eram revolucionários não seria reproduzir, sem a devida depuração, as suas estratégias de autopromoção?

A designação “geração de 1870”, por seu turno, também não está imune de possíveis críticas, mas como se destacará, ela apresenta um ponto relevante: foi entre o final dos anos 1860 e início dos anos 1870, que se formou ou se consolidou um grupo relativamente articulado em torno do objetivo de repensar os rumos do projeto de regeneração nacional, articulado durante a monarquia constitucional. Na ocasião, inclusive, esses sujeitos se posicionaram publicamente a respeito, causando debates acalorados. O que se procurará colocar em evidência é que as repercussões deflagradas a partir de um evento inicialmente pouco expressivo - as Conferências do Casino - marcaram a formação de uma geração importante de intelectuais, mas, igualmente, a inauguração de uma sensibilidade política relevante para o processo de compreensão da sociedade portuguesa oitocentista.

As Conferências Democráticas do Casino Lisbonense: o evento e o fato

Entre maio e junho de 1871, reuniu-se um grupo muito diverso de escritores, jornalistas, políticos, literatos e demais interessados em discutir a sociedade portuguesa. Encontraram-se no Casino Lisboense, localizado, à época, no número 10 do Largo da Abegoaria (atualmente, Largo Rafael Bordalo Pinheiro), nos limites do Chiado. Frente toda a agitação que se verificava no continente europeu, a disposição elementar dos conferencistas e de sua audiência era, em tese, preparar Portugal para o inevitável: a revolução. Esta era entendida por muitos como a adoção do regime republicano e a consequente superação da monarquia constitucional e liberal, que estaria fadada ao fracasso. De outra maneira, destacavam-se aqueles que acreditavam ser necessário um minucioso estudo para que se pudesse conduzir, cientificamente, uma revolução gradual, segura e eficaz (MÔNICA, 2001, p. 1.013-1.014).

Entre os defensores de uma revolução gradual e controlada, coexistiam monarquistas constitucionalistas e republicanos. Estes últimos tinham uma noção de república muito mais próxima do modelo moralista e burguês que se erigia na França após a queda do Segundo Império (1852-1870), do que aqueles que associavam o regime republicano ao jacobinismo ou ao socialismo. Ruptura ou transição? Ampliação da participação social ou constituição de vanguardas? Monarquia ou república? Hegel, Proudhon ou Marx? Como salientou Rui Ramos, as Conferências do Casino estruturaram-se por meio de objetivos deliberadamente ambíguos.3 3 Conformou-se um embate entre duas tendências em meio às discussões do Casino: de um lado, um grupo proudhoniano, e, de outro, os críticos desta perspectiva, considerada elitista e idealista. Em sintonia com essa tendência crítica, foi publicado em Portugal, em 1872, no periódico Pensamento Social, o texto “Teoria da luta de classes”, de Marx (RAMOS, 1992, p. 503-509). Mas havia um ponto de conexão entre as conflitantes posições: a pretensão de se repensar a realidade lusitana, colocando em xeque o arranjo liberal conciliatório que se afirmava então.

A primeira conferência, “O espírito das conferências”, realizou-se no dia 22 de maio e foi proferida por Antero de Quental. O poeta iniciou a sua apresentação afirmando que Portugal encontrava-se “sequestrado” dos grandes movimentos europeus. Era preciso, por isso, libertar o país desse jugo, por meio da ação de homens preparados pela ciência. Somente esses “grandes espíritos do século” poderiam realizar tal feito; e as conferências democráticas seriam ocasiões fundantes do movimento de salvação (QUENTAL apud ­SALGADO JÚNIOR, 1930SALGADO JÚNIOR , Antônio [1871]. História das Conferências do Casino. Lisboa: Tipografia da Cooperativa Militar, 1930. [1871]).4 4 Para tratar das conferências, vamos lançar mão da publicação organizada por Antônio Salgado Júnior (1930), que transcreveu as apresentações dos conferencistas valendo-se das versões publicadas pelos autores, mas, igualmente, por meio do que foi publicado na imprensa da época a respeito das explanações. Em sua segunda conferência, “Causas da decadência dos povos peninsulares”, apresentada no dia 27 de maio, Antero destacou três elementos que explicariam a degenerescência do mundo de Aquém-Pirenéus: o Concílio de Trento, o absolutismo e a expansão marítima. Para ele, esses processos históricos, até então recorrentemente apontados como parte das origens gloriosas dos ibéricos, eram, isto sim, as causas do retrocesso. O autor afirmava: “Assim, enquanto outras nações subiam, nós baixávamos. Subiam elas pelas virtudes modernas; nós descíamos pelos vícios antigos, concentrados, levados ao último grau de desenvolvimento e aplicação” (QUENTAL apud SALGADO JÚNIOR, 1930 [1871], p. 28-37).

Inicialmente, o público - composto por deputados, escritores e funcionários públicos - apreciou a intervenção de Antero de Quental, sobretudo a primeira fala (MÔNICA, 2001, p. 1.014). Entretanto, a crítica também não tardou. No dia 24 de maio daquele ano, no periódico A Nação, sentenciava-se:

Ontem, no salão do casino começaram as célebres Conferências Democráticas. Qual é o seu fim? Espalhar as doutrinas que têm produzido em França as desgraças que têm horrorizado o mundo. Uma dúzia de indivíduos desvairados pelas teorias do filosofismo liberal ou possuídos desta ambição insofrida que só nas perturbações sociais vê ensejo para sair da obscuridade são os pregadores desta missão desorganizadora que, há muito, outros iguais, por diversos modos, têm empreendido com um tal ou qual sucesso, desmoralizando e insubordinando uma pequena parte da população das nossas cidades (A NAÇÃO apudSALGADO JÚNIOR, 1930SALGADO JÚNIOR , Antônio [1871]. História das Conferências do Casino. Lisboa: Tipografia da Cooperativa Militar, 1930. [1871], p. 71).

Como bem salientou Maria Filomena Mônica (2001), esse periódico ligava-se a uma tendência católica, conservadora e miguelista e, sendo assim, não é de se estranhar sua reação tão extremada. Mas a imprensa liberal, por seu turno, não fez grandes alardes; e a conferência empolgou muitos ouvintes, tal como confessou Batalha Reis à sua noiva:

Minha Celeste, venho de ouvir o Antero. Foi magnífico. É um discurso que é um verdadeiro acontecimento: marca uma época em Portugal. Pode-se dizer que é a primeira vez que, em Portugal, entra o espírito moderno e a primeira vez que se expõe, se fundamenta, se prova à evidência que o catolicismo foi uma das causas, a mais terrível causa, da decadência de Portugal e da Espanha. Foi um discurso esplêndido de erudição, de originalidade, de profundidade, de crítica admirável. 5 5 ESPÓLIO DE JAIME BATALHA REIS, Arquivo da Cultura Portuguesa Contemporânea, BN, carta XV, de 1871.

A ideia de que a conferência proferida por Antero havia sido “incendiária” foi defendida pelos dois polos do espectro político da época, isto é: conservadores e católicos numa extremidade, e os republicanos mais radicalizados (como o próprio Batalha Reis), em outra. No caso dos conservadores, vale destacar a repercussão da fala do morgado açoriano não só no jornal A Nação, mas também no periódico O Bem Público. Os dois jornais veiculavam a afirmação de que Antero teria uma filiação comunista. Enquanto no primeiro afirmava-se que o escritor mantinha ligações com a Internacional, o segundo procurou associar a fala do conferencista aos ecos da Comuna de Paris. Segundo Filomena Mônica, Antero respondeu com tranquilidade a essas duas afirmações, por meio das publicações veiculadas no Jornal do Comércio de 22 de junho (MÔNICA, 2009, p. 134).

A terceira apresentação, “A literatura portuguesa”, foi realizada por Augusto Soromenho (1833-1878) em 6 de junho. Ele afirmava que pretendia discutir a decadência da literatura portuguesa, apontando as bases para a sua reestruturação. O expositor entendia que Portugal nunca tinha produzido uma verdadeira literatura, por causa da falta de originalidade, de invenção e de inspiração própria. Portugal teria vários clássicos e, ao mesmo tempo, nenhum, visto que um clássico deveria conformar um modelo literário, o que seria inviável a partir das elaborações lusitanas. A apresentação seguiu o raciocínio da decadência, chegando até o século XIX. Destacou-se, em seguida, que não haveria entre os portugueses, boa poesia, prosa ou teatro. A fonte originária de tamanha decadência seria a imprensa. Ela teria “concorrido para este desbragamento literário pela sua ignorância, pela sua incompetência, pelo desvario em que lançam as paixões que alimenta” (SOROMENHO apudSALGADO FILHO, 1930SALGADO JÚNIOR , Antônio [1871]. História das Conferências do Casino. Lisboa: Tipografia da Cooperativa Militar, 1930. [1871], p. 44-45).

A quarta conferência ficou a cargo de Eça de Queiroz,6 6 Eça foi o único entre os conferencistas que não publicou ou editou a sua conferência. Por isso só sabemos dela o que foi noticiado pela imprensa. que a proferiu no dia 12 de junho daquele ano. A palestra foi intitulada pelos periódicos de “Moderna literatura” ou “Literatura nova”, contudo, o próprio Eça refere-se a ela, no periódico As Farpas, como: “A afirmação do realismo como nova expressão da Arte” (QUEIROZ; ORTIGÃO, 1871, p. 59).7 7 Embora o periódico As Farpas tenha sido publicado em coautoria com Ramalho Ortigão, é possível identificar quais foram os textos produzidos por Eça de Queiroz, porque o autor os publicou separadamente anos mais tarde, estando esses textos disponíveis em várias edições, dentre elas, aquela com o título de “Uma campanha alegre” (1946). Eça era um escritor praticamente anônimo nessa época e por esse motivo poucos imaginavam sobre o que ele poderia tratar naquele dia (SIMÕES, 1980, p. 295). Mas não só o conteúdo da sua intervenção chamou a atenção, pois, de acordo com o Diário Popular de 15 de junho: “O representante do realismo na sala das conferências democráticas trajava diplomaticamente uma irrepreensível sobrecasaca abotoada, colete branco, plastron de cetim, sapatos envernizados, luvas cor de chumbo e colleirinho alto” (DIÁRIO POPULAR apudSALGADO JÚNIOR, 1930SALGADO JÚNIOR , Antônio [1871]. História das Conferências do Casino. Lisboa: Tipografia da Cooperativa Militar, 1930. [1871], p. 48). O periódico salientou que o traje de Eça apontava para a sua “isenção revolucionária”, pois a indumentária “distinta” se diferenciava muito das longas cabeleiras dos revolucionários que construíram o romantismo. Quando o jovem escritor subiu para expor suas ideias:

[...] houve um murmúrio de surpresa. Em vez do indivíduo mal amanhado, reclamando os direitos do povo, eis que surgia um rapaz de sobrecasaca abotoada, colete branco e sapatos de verniz. Habituada aos fatos amarrotados de Antero - até nisto o aristocrata - e às gravatas vermelhas dos democratas, a audiência seguiu a palestra com redobrada atenção (MÔNICA, 2009, p. 134).

Eça procurou defender o realismo como a forma moderna da literatura, por meio de dois pontos importantes: o destaque conferido à alienação gerada pelas artes até então - principalmente o Romantismo - e a vinculação do realismo ao movimento de contraposição a essa arte convencional, tida por ele como ultrapassada. Para o autor, o grande desafio naquele momento era reconectar o artista com a sociedade, pois esse hiato conformaria uma criação menor, vazia e sem sentido. Ele tratou do período posterior à Revolução Francesa, quando, em tese, se verificou uma tentativa de imitação da arte antiga, pouco profícua para uma criação efetiva. Essa desconexão teria continuado a partir do romantismo, que, com suas idealizações e amesquinharias, só teria aprofundado a miopia do artista em relação à realidade. O realismo, de acordo com a exposição, era a expressão da arte moderna, por ser constituído através da fisiologia e da ciência dos temperamentos e caracteres (QUEIROZ apudSALGADO JÚNIOR, 1930SALGADO JÚNIOR , Antônio [1871]. História das Conferências do Casino. Lisboa: Tipografia da Cooperativa Militar, 1930. [1871], p. 57).

Para tratar dessa forma artística “revolucionária”, o autor procurou analisar três quadros de Gustave Courbet (1819-1877): Le retour de la conférence, Un enterrement à Ornans e Les casseurs de pierres. Como até aquele ano Eça só tinha viajado para o Egito, é de se supor que ele tenha descrito e tratado dos quadros sem os ter visto pessoalmente. Ao que tudo indica, sua observação baseou-se na interpretação de Proudhon (1865) sobre os quadros, o que não deixa de ser emblemático para alguém que estava defendendo uma atitude de observação mais direta e objetiva da realidade analisada.

A Conferência de Eça de Queiroz não chamou tanta atenção como a de Antero, mas não quer dizer que tenha passado despercebida. Isso não só pelo comentário interessado do irmão do escritor, Alberto de Queiroz (1831-1886), no jornal A Revolução de Setembro, mas também pelas críticas de Luciano Cordeiro de Souza (1844-1900) e Pinheiro Chagas. Luciano Cordeiro procurou destacar que ele era o verdadeiro precursor do realismo em Portugal e que Eça havia se valido da obra de Proudhon, sem fazer a devida citação. Pinheiro Chagas, por sua vez, afirmou no Diário de Notícias do dia 19 de junho daquele ano, que o realismo era problemático, pois “O amor é para ele simplesmente a expressão dos sentidos, todos esses afetos violentos que devastam a alma humana não os aceita senão como umas enfermidades” (CHAGAS apud MÔNICA, 2009 [1871], p. 135). Além de atacar Flaubert, que reduziria a mulher à condição de um animal, Chagas afirmou que: “Sim, eu também creio que a arte pela arte é um princípio funesto; a arte deve ter por fim a investigação constante da verdade; ah!, mas estejam certos de que as verdades morais não é o socialismo que as ensina nem o realismo que as descobre” (CHAGAS apud MÔNICA, 2009 [1871], p. 135).

Depois da apresentação feita por Eça, foi a vez de Francisco Adolfo Coelho (1847-1919) proferir a sua palestra, intitulada “O ensino”. Essa conferência realizou-se no dia 19 de junho daquele ano, uma semana após a discussão sobre o realismo. Adolfo Coelho articulou uma contundente crítica ao ensino em Portugal, evidenciando a impropriedade dos processos de formação, mas também a parca qualidade dos docentes, incluindo aí os lentes da Universidade de Coimbra. Tratar-se-ia, segundo o palestrante, de um ensino tacanho, muito em função de sua estreita relação com o catolicismo. Na verdade, ao tecer sérias críticas à educação do seu país, Adolfo Coelho colocava em xeque as relações entre o Estado e a Igreja, um dos pilares do regime liberal monárquico português. O severo crítico acentuava que:

[...] num país em que o catolicismo é a religião do Estado imposta materialmente à consciência de todos os portugueses, [...] o espírito científico é pois aqui repelido de tudo o que estiver sob a ação imediata do Estado [...] Numa palavra, a investigação livre da verdade é impossível em Portugal. [...] Uma reforma radical não é talvez possível. Toda reforma não radical é inútil (COELHO apudSALGADO JÚNIOR, 1930SALGADO JÚNIOR , Antônio [1871]. História das Conferências do Casino. Lisboa: Tipografia da Cooperativa Militar, 1930. [1871], p. 64-66).

Mesmo que sejam consideradas as críticas agudas tecidas por Antero em sua conferência, as apreciações de Adolfo Coelho parecem ter incomodado muito mais. Uma coisa é buscar as causas do atraso português em erros de um passado quase épico, outra coisa, bem diferente, seria imputar esse retrocesso a agentes contemporâneos, ligados, além do mais, às hierarquias sociais e às estruturas de poder vigentes. O “pecado” de Adolfo Coelho foi, possivelmente, ter atacado de forma frontal os lentes da Universidade de Coimbra, bem como ter questionado a relação entre a Igreja Católica e o Estado. Não é por acaso que as Conferências do Casino foram proibidas após a contribuição deste último conferencista. Mas, além disso, vale considerar as apresentações que estavam previstas: “Os historiadores críticos de Jesus”, de Salomão Sáragga; “O Socialismo”, de Batalha Reis; “A República”, de Antero de Quental e “A dedução positiva da ideia democrática”, de ­Augusto Fuschini (1843-1911). Essas possíveis exposições teriam assustado as autoridades, contribuindo também para o encerramento das conferências. Nesse sentido, a interdição foi causada por vários elementos:

[...] os ataques à Igreja Católica, a ênfase na revolução, o louvor da reforma protestante, a discussão sobre a divindade de Cristo e a denúncia da ignorância dos lentes. Antes de Adolfo Coelho, já se tinham ouvido críticas aos lentes, mas estas eram feitas intramuros. Agora, era um jovem, e de fora da instituição, que tentava destruir um dos pilares do regime (MÔNICA, 2009, p. 136).

No dia 20 de junho de 1871, um dia após a conferência de Augusto Soromenho, o comissário de polícia, que segundo a legislação da época, deveria assistir o desenrolar de uma reunião pública, informou ao governo civil de Lisboa sobre a palestra. Em 21 de junho, o ocorrido foi comunicado ao ministro do Reino, António José de Ávila (1806-1881) - na época, Marquês de Ávila. Este, no dia seguinte, solicitou um parecer ao procurador geral da coroa, João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Martens (1824-1895), sobre o procedimento que deveria ser adotado. No parecer, o procurador começou destacando que a conferência de Adolfo Coelho tratava,

[...] além de outras doutrinas expendidas, que reputo erradas e filhas de grande superficialidade nos assuntos sobre que a lição versou, foi combatido o ensino católico, que é o da religião do Estado, insistindo o homem, que repetiu a lição, na necessidade de se apartar a religião do ensino para que este pudesse conseguir o seu fim. Que deplorara o catolicismo louvando a reforma; e atacara a lei fundamental por declarar a religião católica religião do Estado (MARTENS apudFRANÇA, 1973FRANÇA, José Augusto. As Conferências do Casino no Parlamento. Lisboa: Livros Horizonte, 1973. [1871], p. 27-28).

O autor do parecer afirmava que as outras conferências não fugiam dessa lógica perniciosa de disseminação das doutrinas. Afirmava isso, mesmo reconhecendo que seu juízo sobre parte das apresentações baseava-se nas informações de terceiros, já que ele mesmo não havia assistido a todas as exposições. Em seguida, Martens Ferrão citou a lei de 15 de junho de 1870, que previa o direito de reunião, desde que não se desvirtuassem as razões de sua convocação e nem se comprometesse a ordem pública. Nesse ponto, o procurador considerava que aquele era um contexto conturbado, em que era preciso não se descuidar das manifestações públicas. Para ele, as doutrinas propagadas, contrárias à religião, colocando em xeque o Estado, a Carta Constitucional e todo o corpo docente do país, eram um grande risco. Deveriam ser cerceadas, pois propunham a “destruição do Estado existente para ser substituído por uma ordem de coisas que não se define”, representando um risco frente à “época difícil” que se estava atravessando (MARTENS apudFRANÇA, 1973FRANÇA, José Augusto. As Conferências do Casino no Parlamento. Lisboa: Livros Horizonte, 1973. [1871], p. 30). Para reforçar seus argumentos, procurava tratar do exemplo da Comuna:

Esta é a questão francamente posta à sociedade atual, que tem de ser aceite como em si é: guerra social em que não pode haver neutros. Às vozes de extermínio contra a sociedade constituída e contra a Religião, viu Paris derrocados os seus momentos, arrancados os seus edifícios públicos, violada a propriedade particular e a da nação [...], viu os ataques ao laço indissolúvel da família, aceite o direito do roubo, os reféns massacrados ou queimados nas prisões, e a liberdade substituída pelo terror em nome da Humanidade que assim se dizia regenerada (MARTENS apudFRANÇA, 1973FRANÇA, José Augusto. As Conferências do Casino no Parlamento. Lisboa: Livros Horizonte, 1973. [1871], p. 32).

Depois dessa visão catastrófica em relação à propagação do exemplo de Paris em Portugal, o autor citou Guizot para afirmar que a religião seria o brado da humanidade nas mais diferentes épocas, vinculando a tradição portuguesa e sua trajetória de glórias à importância da religião. O autor citado, Guizot, representa uma avaliação negativa dos “excessos revolucionários” e uma revisão do próprio percurso conformador da ordem liberal, considerando o papel da religião. A verdadeira liberdade, nesse registro, não existe sem o combate às potenciais tiranias, tanto aquelas originárias do Antigo Regime, como as que se ligavam às revoluções desregradas (GUIZOT, 2005, p. 29-30). Portanto, é dialogando com as premissas do liberalismo que o procurador solicita a interdição do evento, encarado como uma ameaça à ordem e à liberdade.

De posse do parecer, o ministro do reino ordenou que, no dia 26 de junho de 1871, data marcada para a realização da próxima palestra, fosse fechado o Casino e afixado em sua porta um documento que proibia a realização das conferências, que ali costumavam ocorrer às segundas feiras (MÔNICA, 2001, p. 1.013). Depois de pelo menos duas décadas de consideráveis liberdades de expressão, a monarquia liberal interditava o grupo do Casino. Essa proibição ganhou uma grande repercussão, tanto por parte dos conferencistas, quanto pela impressa da época. Logo que foi constatado o encerramento das conferências, Antero organizou um manifesto assinado por Adolfo Coelho, Jaime Batalha Reis, Salomão Saragga, Eça de Queiroz e outros tantos. Dentre os apoiadores do movimento reivindicatório, estava Alexandre Herculano (1810-1877), à época, um escritor consagrado. No manifesto, afirmava-se:

Em nome da liberdade do pensamento, da liberdade da palavra, da liberdade de reunião, bases de todo o direito público, únicas garantias da justiça social, protestamos, ainda mais contristados que indignados, contra a portaria que manda arbitrariamente fechar a sala das Conferências democráticas. Apelamos para a opinião pública, para a consciência liberal do país, reservando a plena liberdade de respondermos a este ato de brutal violência como nos mandar a nossa consciência de homens e de cidadãos (MANIFESTO apudFRANÇA, 1973FRANÇA, José Augusto. As Conferências do Casino no Parlamento. Lisboa: Livros Horizonte, 1973. [1871], p. 37).

O manifesto chama atenção, primeiramente, por causa do apelo feito à “opinião pública” e à “consciência liberal da nação”. Além disso, destaca-se o emprego da noção de cidadania, como adjetivação garantidora dos direitos que estariam sendo violados pelo Estado. Essa acentuação é relevante, pois denota que as reivindicações se pautaram nas garantias inerentes ao ordenamento liberal, de que muitos dos conferencistas se diziam críticos. Mas não só a apropriação de certo lexo liberal pode ser colocada em relevo. A própria articulação de um ato público de repúdio a possíveis arbitrariedades do Estado, representa um elemento de peso, uma vez que sinaliza para uma atitude inédita até então em Portugal. Com as Conferências do Casino, pela primeira vez, letrados procuravam interferir diretamente e explicitamente nos rumos políticos do país, posicionando-se, além do mais, publicamente contra um ato de opressão ou injustiça. Essas são atitudes características do intelectual moderno.

Precisamente na segunda metade do século XIX, formatavam-se as bases do conceito de intelectual, tal como as compreendemos atualmente. Como intelectual, pode-se considerar o indivíduo que não se limita à compreensão erudita da humanidade de uma forma genérica. Trata-se, de outra maneira, de um sujeito social com uma atividade específica e autonomizada, que se posiciona - por vezes criticamente - em relação à dinâmica social e política em que está inserido (SILVA, 2005, p. 398-399). Esse sujeito guarda uma “relação complexa com o poder” (BEIRED, 2009, p. 95) podendo integrar as elites dirigentes em prol do status quo; ou, pelo contrário, tornando-se um outsider (SAID, 2005, p. 23). Nesse sentido, os intelectuais apresentam uma dupla inserção social: são profissionais, criadores e/ou mediadores culturais, mas também agentes políticos, engajados em causas públicas, ou mesmo nos processos de governança e de debate em prol do bem comum (SIRINELLI, 1996, p. 242-243).

Os intelectuais seriam os responsáveis pela sistematização ou construção de processos de percepção da realidade, orientando posturas, visões de mundo, práticas e representações sociais. Não sendo, necessariamente, detentores do poder político ou econômico, esses agentes teriam como traço característico a negociação, tendo como “moeda de troca” o seu capital simbólico, colocado a serviço dos dominantes, como especialistas, ou dos dominados, como críticos (BEIRED, 2009, p. 93-94). A constituição de um grupo de intelectuais, por conseguinte, é motivada por três processos básicos: a autonomização de suas atividades (no sentido profissional), o reconhecimento de um papel social e político específico do grupo e o posicionamento público frente a uma questão que ultrapassa o “mundo das letras e das ciências”.

No caso português, a realização e depois a interdição das Conferências do Casino são emblemáticas.8 8 A interdição das conferências, especialmente, deu oportunidade para que aquele grupo pouco conhecido de escritores ganhasse uma grande notoriedade. A repercussão em torno do cerceamento amplificou os debates até então limitados à sala do Casino lisbonense. Primeiramente, porque os conferencistas ali reunidos não pretendiam apenas tecer análises bem articuladas sobre questões humanas mais alargadas. Estavam ali com o intuito claro de promover o debate sobre a realidade social, política e cultural de Portugal (alguns chegando a pensar na articulação de ações para intervenção no cenário político). Não é gratuito, nesse sentido, que a conferência de Adolfo Coelho tenha detonado a proibição estatal. Diferentemente da apresentação de Eça de Queiroz, que tratava de arte e de literatura, e das outras conferências - apresentadas ou previstas - pautadas pela discussão dos conceitos de república, liberdade e democracia, a questão do ensino configurou-se como um posicionamento mais direto em relação à sociedade contemporânea ao evento.

Nesse ponto as conferências (incluindo a sua proibição) podem ajudar a compreender a gestação de uma percepção crítica em relação aos rumos que a sociedade portuguesa vinha trilhando. Se o ano de 1851 pode ser entendido como um marco econômico e político, 1871 pode representar uma inflexão “moral” (RAMOS, 1992, p. 483). Na primeira data, jovens republicanos se juntavam ao Duque de Saldanha (1790-1876), reconhecendo a necessidade de se paralisarem as disputas entre os partidos, em prol dos investimentos na economia e na educação. Já o segundo marco temporal, teria colocado em evidência a farsa desse projeto, intitulado de “Regeneração”. Muitos dos jovens de 1870 eram republicanos e procuraram por meio das leituras de autores como Proudhon e Comte, romper com o que consideravam a postiça liberdade e a falsa paz, destacando, ainda, que aquele provisório progresso material tinha um preço. Como argumentou Amadeu Carvalho Homem, tratava-se de um republicanismo reativo, pensado mais como uma forma de oposição à “Regeneração”, do que propriamente uma frente à monarquia. Para o autor, esses jovens de 1870 acreditavam ser necessário, além de:

[...] postular aleatórios sonhos de soberania fraccionada ou do que acalentar a miragem Ibérica resgatada pela fraternização das suas etnias, urgia refletir sobre os desvios e as perversões do liberalismo nacional. Mais do que cultivar a épica do embate social definitivo e justiceiro, havia que encontrar o seguro trilho da evolução, de uma evolução decerto transformadora e superadora do status quo, mas insusceptível de se transviar por mal calculadas aventuras românticas ou por grandiloquências demagógicas (HOMEM, 1993, p. 135).

Por conseguinte, as Conferências do Casino catalisaram a construção de uma postura de questionamento em relação aos desdobramentos da monarquia liberal, pois a proibição intensificou entre seus participantes e apoiadores uma desconfiança quanto às prerrogativas do regime. Mas o estranhamento do grupo não se limitou à liberdade proporcionada ou tolhida. Articulava-se a pergunta: passada a consolidação da monarquia constitucional e observando-se um maior crescimento econômico, o que, de fato, tinha-se transformado em Portugal? Tal interrogação, mais do que as possíveis respostas dadas a ela, explica a formação da “geração de 1870”.

Essa geração delimita-se a partir da tentativa de se explicar o “mal-estar do século”, que teria conquistado a liberdade e os caminhos de ferro, símbolos da concepção de progresso que se erigia. Tal pretensão questionadora havia estado ausente da agenda pouco desnaturalizante dos românticos e liberais. Os críticos da realidade portuguesa podem ser chamados, assim, de “geração de 1870”, não porque criaram um agrupamento definitivo ou uma discussão acabada, a partir dessa década;9 9 Nesse sentido, o termo “geração de 1870” aplica-se muito mais a uma disposição de se repensar a situação do país, após a consolidação do liberalismo, do que propriamente a um conjunto engessado de indivíduos e propostas. A partir dessa acepção mais flexível, é possível compreender os diferentes momentos, atuações, composições e projetos que envolvem essa geração. mas por causa do que aquele momento significou para a constituição de novas sensibilidades e afinidades, que não eram homogêneas nem definitivas, porém, capazes de criar um sentimento de partilha em relação a uma mesma inquietação.10 10 Como já foi destacado, o surgimento de uma geração se explica pelo fator etário, mas também: pela noção de temporalidade e experiência de vida; por uma relação entre as aspirações e visões de mundo; pela noção de contemporaneidade do grupo; por fatores sociológicos, políticos e ideológicos; e por um conjunto de sensibilidades/ afinidades, herdadas ou vivenciadas: capazes de condicionar a noção de partilha de um mesmo destino, missão ou meta (SILVA, 2003, p. 25). A partir da década de 1870, com efeito, formou-se um grupo que não se limitava às disputas literárias - conforme a questão Coimbrã dos anos 1860 -, tampouco se circunscrevia a um clube de análises eruditas. Tratava-se, na verdade, da formação de intelectuais (mais tarde parte da elite política do país), que se consideravam portadores de uma missão específica: criticar e transformar a sociedade portuguesa erigida pela monarquia constitucional. Inicialmente, para realizar esse intento, esses jovens acreditavam que era preciso ser dissidente. Alguns anos depois, essa noção se dissipou.

A constituição da “geração de 1870” está atrelada, portanto, a uma “partilha do sensível”,11 11 A noção de sensibilidade empregada tem como referência Jacques Rancière (2000). O autor discute o conceito de “partilha do sensível”, pensando no papel da dimensão estética para a conformação dos debates políticos. Para Rancière, essa dimensão está na possibilidade de uma constante “reconfiguração das relações entre fazer, dizer e ver que circunscrevem o ser comum”. Não se trata apenas da formulação de uma visão consensual sobre o mundo, mas das “lutas para transpor a barreira entre linguagens e mundos, na reivindicação de acesso à linguagem comum e ao discurso na comunidade, provocando uma ruptura das leis naturais de gravitação dos corpos sociais”. Os dissensos são fundamentais nessa “partilha do sensível”, já que por meio deles se opera uma transformação em que os “sem parte” - aqueles que, pelo menos num primeiro momento, não contam em uma comunidade - tornam-se sujeitos capazes de se pronunciar a respeito de “questões comuns” (p. 19-20). que implica conexões, aproximações e entendimentos; contudo, envolve igualmente as disjunções, divergências e disputas. Refere-se à construção de horizontes de equivalência e da reivindicação de um “espaço” junto a uma “comunidade de sentidos”. Por isso, é importante considerar as diferentes formas de acesso a essa sensibilidade em constituição (as partilhas). No caso da referida geração, a questão girou em torno das maneiras como o contexto português poderia ser pensado, criticado, e, eventualmente, transformado, um ponto que se verificava já nos primeiros debates sobre a interdição das Conferências do Casino.

Eça, a geração de 1870 e a “partilha do sensível”: a inquietação como horizonte

Como resposta ao manifesto dos conferencistas e seus apoiadores, Pinheiro Chagas, crítico incansável de Eça e seus companheiros, publicou, no dia 1º de julho de 1871, no Jornal da Noite, um texto intitulado: “A propósito das Conferências Democráticas”. Na publicação, o autor começava por citar um artigo que teria sido favorável aos conferencistas. Essa defesa pautava-se pela afirmação de que a proibição só se justificaria em caso de desacato à religião ou às leis fundamentais do Estado. Chagas parte dessa consideração para destacar que, se esse era o ponto fulcral, as conferências tinham sido convenientemente encerradas. E questionava: não sabiam eles da existência de uma religião de Estado? O crítico afirmou que, em Portugal, diferentemente da Alemanha, não se podiam ensinar todas as opiniões e doutrinas, pois a carta colocava limites. Destacou ainda que os conferencistas queriam a liberdade sem quaisquer limites, para que pudessem impor as suas opiniões e convicções, já que: “A reação ultramontana e o progressismo desordenado encontram-se, olhando-se de revés, nesse terreno, e envidam os seus esforços para conquistarem a liberdade com o intuito secreto de a transformarem em monopólio, por todos os meios, assim que a obtenham”12 12 CHAGAS, Pinheiro. Folhetim: A propósito das Conferências Democráticas. Jornal da Noite, ano 1, n. 154, 1871a, p. 1. .

Pinheiro Chagas trabalha com a ideia de que a luta pela liberdade sem limites seria a promoção da tirania, uma ameaça à ordem liberal. Em outro artigo, publicado no Diário de Notícias de 5 de julho de 1871, em vez de discutir diretamente as conferências, o detrator procurou alertar os leitores para os perigos inerentes às doutrinas discutidas nos encontros. Iniciou a argumentação evidenciando que estava se difundindo naqueles anos a noção de que depois das revoluções burguesas, era hora da revolução do proletariado, para que todas as injustiças fossem eliminadas. Sobre a necessidade de acabar com os privilégios, que supostamente teriam sido transpostos da nobreza para a burguesia, o autor se interrogava:

O que! Pois não abriu a revolução o campo libérrimo a todos sem distinção de classe? Negou por acaso ao proletariado algum direito, que ao burguês fosse conceder? Estabeleceu uma separação qualquer entre um e outro? [...] Não tiveram todos os cidadãos as mesmas garantias? Não concederam a todos os mesmos direitos, e não lhes impuseram a todos os mesmos deveres?13 13 CHAGAS, Pinheiro. Folhetim do Diário de Notícias: O momento da luta. Diário de Notícias, ano 7, n. 1.971, 1871b, p. 1. .

O articulista reconhecia que, após as primeiras revoluções burguesas, havia faltado corrigir uma desigualdade: o direito ao voto. Entretanto, para ele, esse equívoco havia sido solucionado após os eventos de 1848. Depois da reparação, a única diferença entre os cidadãos seria a inteligência e as habilidades para prosperar. Uma discrepância salutar e dinamizadora, que só seria possível a partir da consciência de que todos - inclusive os operários - tinham “direito ao capital como todos têm direito ao ar e à luz”. O capital era encarado como uma maneira de garantir que todos tivessem acesso à riqueza, possibilitando-se, assim, uma consequente ascensão, ainda que geracional. Essa era, para o escritor, a única condição de se realizar uma verdadeira civilização - inseparável de um senso moral. Pinheiro Chagas terminou o texto chamando a atenção dos leitores para que não se deixassem levar pelas funestas utopias que colocavam em risco duas ideias “santas: deus e família”14 14 Idem. .

As considerações desse crítico demonstram como toda a agitação europeia e as Conferências do Casino foram recebidas por uma parte da sociedade lusitana, especialmente por uma ala mais conservadora. Por outro lado, enquanto Antero e Batalha Reis procuravam desancar os argumentos contrários aos encontros do Casino, destacando, por vezes, a legitimidade do seu caráter libertário, Eça tratou de justificar o evento, atribuindo-lhe uma perspectiva moderada. Nas duas edições de As Farpas, publicadas em junho de 1871,15 15 O primeiro fascículo do periódico, embora tenha saído com a data de maio, só foi colocado à venda em junho. No Diário de Notícias de 18 de junho de 1871, afirmava-se: “Apareceram ontem As Farpas”. No dia 27 do mesmo mês, divulgou-se a informação de que o primeiro número da revista estava esgotado e que no dia 29 “estava na imprensa o 2° número das Farpas” (QUEIROZ, 1871a, p. 15). o autor procurou argumentar que as conferências eram ocasiões em que se objetivava formular propostas políticas democráticas, pautadas pelo cientificismo ordeiro.

Na primeira publicação, Eça salientou que as conferências eram do interesse de todos, visto que conformariam uma maneira serena de repensar e discutir a situação do país. Para o autor, era a primeira vez que a revolução sob a forma “científica tem em Portugal a palavra”16 16 QUEIROZ, Eça de; ORTIGÃO, Ramalho. As Farpas: chronica mensal da politica das letras e dos costumes. Lisboa: Typ. Universal, maio 1871a, p. 64. . A revolução, sob a sua forma política e partidária, “o mundo republicano”, teria aparecido até então muito indistintamente, por meio de agressões aos monarcas, insultos à ordem estabelecida e uma grande indefinição que geraria insegurança e desconfiança17 17 Ibidem, p. 64-65. . Por essa razão, as Conferências do Casino causariam espanto, ao apresentarem a revolução, “serenamente - como uma ciência a estudar. Não o fariam mais tranquilamente se se tratasse de anatomia”18 18 Ibidem, p. 64. . Se o sistema constitucional estava sendo desautorizado todos os dias, por todos os jornais, qual a razão de se condenar as conferências, perguntava-se o escritor. Levando em conta o clima de insurreição oriundo de Paris, Eça alertava:

É muito mais cômodo encontrarmo-nos com quem represente o proletariado, sossegadamente, na sala do Casino, do que encontrarmos o próprio proletariado mudo, taciturno, pálido de ambição ou de fome, armado de um chuço à embocadura de uma rua. Fazer conferencias - se bem atentamos nesse ato - reconhece-se que é uma coisa diferente de fazer barricadas19 19 Ibidem, p. 67. .

Contrariamente ao argumento do Pinheiro Chagas, Eça de Queiroz afirmava serem as conferências a solução contra a radicalização e não a sua causa. No segundo artigo que escreveu sobre elas, reafirmou esse ponto de vista, tratando ainda de outras questões correlatas. O Sr. Marques de Ávila, ao dar “um golpe de estado contra alguns escritores que no Casino faziam critica de historia e de literatura - foi criar uma atitude política onde só havia uma intenção científica”20 20 QUEIROZ, Eça de; ORTIGÃO, Ramalho. As Farpas: chronica mensal da politica das letras e dos costumes. Lisboa: Typographia Universal, jun. 1871b, p. 56. . Para sustentar a tese do golpe ele citou algumas leis, dentre elas, a de 15 de junho de 1870, destacando que essa legislação previa uma advertência antes da atitude enérgica de se encerrar um encontro público. Como essa advertência não veio, para Eça, a ação era ilegal, além de um cerceamento das liberdades básicas garantidas pelo estado liberal21 21 QUEIROZ, Eça de; ORTIGÃO, Ramalho. As Farpas : chronica mensal da politica das letras e dos costumes. Lisboa: Typographia Universal, jun. 1871b, p. 56. .

Ele discutiu também a legalidade de se proibir conferências que nem chegaram a se realizar, já que a medida de interdição, obviamente, não recaía sobre as palestras que já tinham ocorrido. Absurdo maior seria a proibição do debate sobre autores como Victor Hugo, Proudhon, Quinet e Littré, pois, se era permitido ler esses escritores, comprar os seus livros, por que então não se poderiam discutir as suas ideias? Por meio desse questionamento, Eça procurava colocar em xeque um dos princípios básicos do regime: a livre circulação das ideias. Mas a sua avaliação centrou-se mais na improcedência do arbítrio, frente ao caráter científico e pacífico do movimento. Ele ratificava a tese de que as conferências não tinham qualquer relação com as ideias republicanas mais radicalizadas ou com o socialismo. Dizia-se, por essa razão, um defensor da ordem e afirmava não desejar o grito da revolta - que seria perigoso num país “ignorante, desorganisado, apaixonado”22 22 Ibidem, p. 62. . Destacava, por fim:

Nós queremos a revolução feita serenamente no domínio das ideias e da ciência, primeiro, - depois pela influencia pacífica de uma opinião esclarecida e inteligente, e pelas concessões sucessivas dos pobres conservadores; - enfim uma revolução pelo governo, tal qual ela se faz lentamente e fecundamente na sociedade inglesa23 23 Idem. .

De acordo com a narrativa eciana, as conferências não representavam qualquer risco para a ordem estabelecida. O autor procurou (re) significar os encontros do casino, considerando-os parte de um movimento que desejava a revolução de acordo com o “modelo inglês”. Parte-se da premissa, relativamente difundida no século XIX (principalmente no contexto em que os movimentos progressistas mais radicalizados varriam a França), de que a referência inglesa seria a mais segura, evitando-se uma convulsão social. Além disso, seria a mais coerente com a realidade de Portugal, onde não haveria, à época, partidos e clubes - republicanos ou socialistas. Em resumo, para o autor, não havia conspiração. E para evita-la, nada mais apropriado do que o modelo liberal inglês: (re) significado como ordeiro, conduzido por agentes apropriados e não por uma multidão faminta e raivosa.

É defensável afirmar que não existia em Portugal, nos anos 1870, um proletariado organizado a ponto de deflagrar uma revolução, com o apoio de uma elite socialista igualmente articulada. As conferências, por seu turno, não eram a hecatombe que Pinheiro Chagas e os outros conservadores procuraram fazer crer. Contudo, a análise de Eça parece subestimar as intenções e ações conspiratórias que se desenvolviam e, em particular, nas Conferências do Casino. Mais do que isso: o escritor construiu um sentido para o evento, posicionando-se no processo de sensibilização que se formatava. Esse alinhamento se construía em relação a outros posicionamentos de alguns dos integrantes dos encontros do Casino, principalmente Antero de Quental e Batalha Reis.

Os dois amigos, na ocasião das conferências, mantinham contato com alguns membros da Internacional, por intermédio de Giuseppe Silo Domenico Fontana (1840-1876) - José Fontana, um suíço que havia emigrado para Portugal. Batalha Reis, ao homenagear Antero na ocasião da morte deste, recorda-se dos encontros que ambos tinham com José Fontana. Reuniam-se secretamente, inclusive em um barco no Tejo, para tratarem da revolução operária e das teorias de Marx. Além da narrativa memorialística, Batalha Reis justifica para sua noiva as possíveis ações de violência, dizendo-se favorável à Comuna de Paris. Assim, ele afirmava serem as guerras inevitáveis por causa do estado em que se encontrava a humanidade.

Resta, pois, saber quando dois grupos de homens fazem guerra, qual a faz em nome de melhores ideias. Aqui tens porque atualmente, em França, eu sou pela Comuna. A Comuna, minha Celeste, representa a miséria dos operários sem trabalho, dos operários que não chegavam a ganhar para as suas famílias, enquanto os donos das fábricas juntam em poucos anos milhões, dos pobres, dos desgraçados, que eram já filhos de filhos de operários miseráveis. Ora, é razoável, é digno defender das calúnias com que os atacam, estes desgraçados, que nunca tiveram uma recompensa para o seu trabalho. Aqui tens porque sou pela Comuna.24 24 ESPÓLIO DE JAIME BATALHA REIS, Arquivo da Cultura Portuguesa Contemporânea, BN, carta XIV, de 1871.

Conforme salientou Maria Filomena Mônica, é possível afirmar com certa segurança que o risco de uma grande insurreição proletária em Portugal era quase inexistente, mas isso não significa que não houvesse qualquer tipo de conspiração, nem que inexistissem clubes republicanos e/ou socialistas (MÔNICA, 1985, p. 35-41). Da mesma maneira, é pertinente não considerar que as Conferências do Casino eram desprovidas de qualquer pretensão mais radicalizada, nem que o governo não tinha nenhum motivo para temê-las. De acordo com a referida autora:

Seja qual for o ponto de vista que se adote, o início da década de 1870 foi terrível para Portugal. Houve governos de semanas, coligações, ditaduras militares. As classes trabalhadoras, que tinham visto os seus salários descer, agitaram-se. As greves em fábricas importantes multiplicaram-se. Em 1871, olhando o que se passava em Espanha e em França, era natural que um governante estivesse nervoso. Hoje sabemos que a Comuna foi vencida, que a monarquia espanhola foi restaurada e que, em Portugal, tudo desembocou nas plácidas águas do fontismo. Os contemporâneos não tinham esse conhecimento (MÔNICA, 2009, p. 145).

O próprio Eça, embora procurasse negar (por meio de seus artigos publicados em As Farpas) qualquer radicalização das Conferências do Casino, reconheceu certa efervescência social naquele momento. Fez isso, por exemplo, na carta endereçada a Emídio Garcia (1838-1904). Na missiva, o escritor procurava divulgar o seu novo periódico assim se referindo ao contexto em que se dava a publicação:

As Farpas são um panfleto revolucionário, é a ironia e o espírito ao serviço da justiça. São o folhetim da Revolução. Compreendes logo o alcance desta publicação; e o seu aparecimento é além disso importante: coincide com o aparecimento do espírito revolucionário em Lisboa. Aqui, meu caro Garcia, conspira-se, há clubes, projetam-se jornais, há uma excitação e bastante vontade. Não penses que é um movimento isolado de alguns espíritos mais esclarecidos: é uma intenção quase unânime e que se apoia no pequeno comércio e na classe operária. Temos esperanças. Eu mesmo que te falo, sou membro da Internacional, mas compreendes que não fui filiado por esses supostos agentes que os jornais falaram que são alguns especuladores de Madrid que se harmonizam com os Penicheiros (QUEIROZ, 2008 [1871], p. 48 ).

No trecho citado acima, Eça destaca certa ebulição social que estaria ocorrendo em Lisboa. Na missiva em questão, o escritor narra um cenário muito diferente daquele que em seguida ele mesmo veio a elaborar por meio do próprio periódico que estava a apresentar para o interlocutor. A carta não contém a data exata em que foi escrita, mas pelo diálogo travado e por se tratar do lançamento das Farpas, estima-se que tenha sido remetida em maio de 1871 - precisamente quando as Conferências do Casino estavam principiando. O romancista, para impressionar o destinatário (lente de Coimbra, positivista e republicano), mas também para promover o seu periódico, atesta uma grande agitação política e se diz filiado à Internacional (uma faceta jamais comprovada por nenhum biógrafo).

A contraposição entre as versões tecidas por Eça sobre as conferências ou entre estas e as aspirações de Antero e Batalha Reis, não objetiva apontar qual das narrativas é mais ou menos condizente com o que se passou. Não é essa a questão. A discussão, isto sim, recai sobre as diferentes formas de inserção num processo sensibilização política. Essa “partilha do sensível” aponta para variantes formas de pensar a sociedade portuguesa, destacando-se os singulares posicionamentos e expectativas que conformavam a comunidade de sentidos na qual “a geração de 1870” se inseria. No que tange a Eça de Queiroz, essa interposição é preciosa, pois, durante muito tempo, creditou-se à sua participação nas Conferências do Casino ou a esse próprio evento um teor revolucionário, que não necessariamente se verifica. Com efeito, os significados muitas vezes atribuídos à sua conferência - e mesmo à sua obra - estão muito mais ligados a certa disposição transgressora imputada ao grupo do qual ele fazia parte, como se os horizontes emancipatórios da “geração de 1870” conformassem um bloco monolítico, cujos diferentes membros representassem apenas variações de uma tendência mais geral, necessariamente revolucionária.

Dificilmente pode-se afirmar que Eça foi um socialista, tampouco é factível/produtivo classificá-lo como conservador. Eça, dialogando com os preceitos do próprio liberalismo e com a sua época, acreditava numa transformação paulatina da realidade portuguesa, por meio do processo de formação daqueles que, em tese, não estavam prontos para se governar e para assumir o protagonismo político do país. Num primeiro momento, o romancista buscava colocar a si mesmo e os seus companheiros de geração, como componentes de uma elite intelectual que poderia conduzir a referida missão instrutiva.

Se, por um lado, não é possível creditar a Eça de Queiroz o mesmo posicionamento transgressor de Antero, Batalha Reis ou de outros participantes das Conferências, por outro lado, as narrativas do importante romancista, por mais audiência que possam ter recebido, não representam uma tendência hegemônica do evento, muito menos da “geração de 1870”. O que conforma tal geração, não são os seus possíveis projetos político-intelectuais e ambições (ora convergentes, ora divergentes), mas a sensibilidade partilhada que os possibilitou elaborar uma pergunta geracional: o que de fato havia se transformado em Portugal após certo progresso material e o advento da monarquia liberal? Para esses intelectuais, os homens de letras que os precederam haviam falhado na construção de um país “moderno e civilizado”, bem como na construção de críticas fundamentais a essa intentona. Considerando esse possível fracasso, tecia-se outro questionamento basilar: teriam eles mesmos, os membros da dita nova geração, falhado?

A ideia de fracasso defendida por essa de Queiroz faz parte da poetização da decadência, que marcou o processo de sensibilização da “geração de 1870” em relação à sociedade portuguesa. Esses intelectuais partiam do pressuposto de que certo progresso material e a própria monarquia liberal (da qual muitos faziam parte como funcionários ou como staff político) compunham uma modernização superficial. Entretanto, foi também devido essas transformações - mesmo relativizáveis - que tais sujeitos puderam elaborar suas reflexões e contribuir para a construção de posicionamentos críticos sobre Portugal. Tal postura desnaturalizante - secularmente debatida e (re)construída - deve-se a esses ambiciosos e desgostosos intelectuais que, na primavera de 1871, mesmo com interesses, planos e orientações muito distintos, reuniram-se no Casino lisbonense, construindo, a partir de então, um horizonte sensível - marcado pela pretensão de (re)pensar a realidade em que estavam inseridos. Talvez esteja nessa intentona a marca maior desses homens que se consideravam “vencidos” num país arrasado.

Fontes primárias

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  • CHAGAS, Pinheiro. Folhetim do Diário de Notícias: o momento da luta. Diário de Notícias, ano 7, n. 1971, 1871b.
  • ESPÓLIO DE JAIME BATALHA REIS, Arquivo da Cultura Portuguesa Contemporânea, BN, cartas XIV e XV, de 1871.
  • FRANÇA, José Augusto. As Conferências do Casino no Parlamento Lisboa: Livros Horizonte, 1973.
  • QUEIROZ, Eça de; ORTIGÃO, Ramalho. As Farpas: chronica mensal da politica das letras e dos costumes. Lisboa: Typographia Universal, maio 1871a.
  • QUEIROZ, Eça de; ORTIGÃO, Ramalho. As Farpas: chronica mensal da politica das letras e dos costumes. Lisboa: Typographia Universal, jun. 1871b.
  • QUEIROZ, Eça de. Uma campanha alegre: das Farpas. Porto: Lello & Irmão, 1946.
  • SALGADO JÚNIOR , Antônio [1871]. História das Conferências do Casino Lisboa: Tipografia da Cooperativa Militar, 1930.

Referências

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  • 1
    A ideia de um século XIX lusitano maldito, que deveria ser superado, foi uma elaboração inicialmente construída no próprio período oitocentista, em meio à crise do final do século, com a importante contribuição da “geração de 1870”. Contudo, essa perspectiva foi reforçada pelo salazarismo, que apostou na desqualificação do período anterior, com o intuito de alardear a inauguração de uma nova era. Miriam Halpern Pereira (2012) destacou que somente nos anos 1970, o século XIX português passou a ser investigado com mais cuidado, rompendo-se com os preconceitos de outrora.
  • 2
    Foucault (1979) procurou realizar uma relevante crítica ao “essencialismo”. Não seria factível buscar a essência das coisas, dos eventos ou processos históricos. Critica-se uma história contínua, linear e teleológica, alicerçada pela busca de origens e semelhanças, além da tentativa de se estabelecer relações causais entre os acontecimentos. “A história, genealogicamente dirigida, não tem por fim reencontrar as raízes de nossa identidade, mas ao contrário, se obstinar em dissipá-la; [...] ela pretende fazer todas as descontinuidades que nos atravessam” (p. 34-35).
  • 3
    Conformou-se um embate entre duas tendências em meio às discussões do Casino: de um lado, um grupo proudhoniano, e, de outro, os críticos desta perspectiva, considerada elitista e idealista. Em sintonia com essa tendência crítica, foi publicado em Portugal, em 1872, no periódico Pensamento Social, o texto “Teoria da luta de classes”, de Marx (RAMOS, 1992, p. 503-509).
  • 4
    Para tratar das conferências, vamos lançar mão da publicação organizada por Antônio Salgado Júnior (1930), que transcreveu as apresentações dos conferencistas valendo-se das versões publicadas pelos autores, mas, igualmente, por meio do que foi publicado na imprensa da época a respeito das explanações.
  • 5
    ESPÓLIO DE JAIME BATALHA REIS, Arquivo da Cultura Portuguesa Contemporânea, BN, carta XV, de 1871.
  • 6
    Eça foi o único entre os conferencistas que não publicou ou editou a sua conferência. Por isso só sabemos dela o que foi noticiado pela imprensa.
  • 7
    Embora o periódico As Farpas tenha sido publicado em coautoria com Ramalho Ortigão, é possível identificar quais foram os textos produzidos por Eça de Queiroz, porque o autor os publicou separadamente anos mais tarde, estando esses textos disponíveis em várias edições, dentre elas, aquela com o título de “Uma campanha alegre” (1946).
  • 8
    A interdição das conferências, especialmente, deu oportunidade para que aquele grupo pouco conhecido de escritores ganhasse uma grande notoriedade. A repercussão em torno do cerceamento amplificou os debates até então limitados à sala do Casino lisbonense.
  • 9
    Nesse sentido, o termo “geração de 1870” aplica-se muito mais a uma disposição de se repensar a situação do país, após a consolidação do liberalismo, do que propriamente a um conjunto engessado de indivíduos e propostas. A partir dessa acepção mais flexível, é possível compreender os diferentes momentos, atuações, composições e projetos que envolvem essa geração.
  • 10
    Como já foi destacado, o surgimento de uma geração se explica pelo fator etário, mas também: pela noção de temporalidade e experiência de vida; por uma relação entre as aspirações e visões de mundo; pela noção de contemporaneidade do grupo; por fatores sociológicos, políticos e ideológicos; e por um conjunto de sensibilidades/ afinidades, herdadas ou vivenciadas: capazes de condicionar a noção de partilha de um mesmo destino, missão ou meta (SILVA, 2003, p. 25).
  • 11
    A noção de sensibilidade empregada tem como referência Jacques Rancière (2000). O autor discute o conceito de “partilha do sensível”, pensando no papel da dimensão estética para a conformação dos debates políticos. Para Rancière, essa dimensão está na possibilidade de uma constante “reconfiguração das relações entre fazer, dizer e ver que circunscrevem o ser comum”. Não se trata apenas da formulação de uma visão consensual sobre o mundo, mas das “lutas para transpor a barreira entre linguagens e mundos, na reivindicação de acesso à linguagem comum e ao discurso na comunidade, provocando uma ruptura das leis naturais de gravitação dos corpos sociais”. Os dissensos são fundamentais nessa “partilha do sensível”, já que por meio deles se opera uma transformação em que os “sem parte” - aqueles que, pelo menos num primeiro momento, não contam em uma comunidade - tornam-se sujeitos capazes de se pronunciar a respeito de “questões comuns” (p. 19-20).
  • 12
    CHAGAS, Pinheiro. Folhetim: A propósito das Conferências Democráticas. Jornal da Noite, ano 1, n. 154, 1871a, p. 1.
  • 13
    CHAGAS, Pinheiro. Folhetim do Diário de Notícias: O momento da luta. Diário de Notícias, ano 7, n. 1.971, 1871b, p. 1.
  • 14
    Idem.
  • 15
    O primeiro fascículo do periódico, embora tenha saído com a data de maio, só foi colocado à venda em junho. No Diário de Notícias de 18 de junho de 1871, afirmava-se: “Apareceram ontem As Farpas”. No dia 27 do mesmo mês, divulgou-se a informação de que o primeiro número da revista estava esgotado e que no dia 29 “estava na imprensa o 2° número das Farpas” (QUEIROZ, 1871a, p. 15).
  • 16
    QUEIROZ, Eça de; ORTIGÃO, Ramalho. As Farpas: chronica mensal da politica das letras e dos costumes. Lisboa: Typ. Universal, maio 1871a, p. 64.
  • 17
    Ibidem, p. 64-65.
  • 18
    Ibidem, p. 64.
  • 19
    Ibidem, p. 67.
  • 20
    QUEIROZ, Eça de; ORTIGÃO, Ramalho. As Farpas: chronica mensal da politica das letras e dos costumes. Lisboa: Typographia Universal, jun. 1871b, p. 56.
  • 21
    QUEIROZ, Eça de; ORTIGÃO, Ramalho. As Farpas : chronica mensal da politica das letras e dos costumes. Lisboa: Typographia Universal, jun. 1871b, p. 56.
  • 22
    Ibidem, p. 62.
  • 23
    Idem.
  • 24
    ESPÓLIO DE JAIME BATALHA REIS, Arquivo da Cultura Portuguesa Contemporânea, BN, carta XIV, de 1871.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    02 Set 2020
  • Aceito
    25 Nov 2020
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